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Thais Alves Fagundes LEISHMANIOSE VISCERAL ETIOLOGIA • Agente etiológico: protozoário da família Trypanosomatidae, gênero Leishmania e espécie donovani. o Subespécies causadoras de doença no homem: L. (L.) donovani, L. (L.) infantum e L. (L) chagasi. o Leishmânias: ▪ Parasitos intracelulares obrigatórios. ▪ Se reproduzem dentro do sistema fagocítico mononuclear dos mamíferos suscetíveis. ▪ Dimorfismo é característica, todavia há possibilidade de três estágios diferentes do parasito. TRANSMISSÃO • Picada de flebótomos dos gêneros Phlebotomus (Velho Mundo) e Lutzomyia (Continente Americano). o Lutzomyia longipalpis: vetor da LV no Brasil → Leishmania infantum e Leishmania chagasi ▪ Inseto adaptado ao domicílio e peridomicílio do homem do meio rural e da periferia das cidades. ▪ Tem pouca autonomia de voo. ▪ Maior densidade populacional durante e logo após o período chuvoso. o Atividade hematófaga necessária para maturação dos ovos da fêmea, pico entre o crepúsculo e 23 horas. • Uso de seringas contaminadas. • Transfusão de hemoderivados (parenteral). • Via transplacentária (congênita). • Contaminação em laboratório (ocupacional). RESERVATÓRIOS • Cão doméstico (Canis familiaris): pode ou não adoecer, apresentando emagrecimento, queda dos pelos, nódulos e ulcerações na pele (ricas em parasitas), crescimento da unha, paralisia dos membros posteriores e cegueira. • Raposa (Dusycion vetulus) • Marsupiais didelfídeos Hábito de manter cães dentro do domicílio durante a noite e o de construir galinheiros próximos às casas são fatores que favorecem a proliferação e a infecção dos flebótomos, pois o cão é o principal reservatório doméstico, enquanto os galinheiros atraem raposas, que são importantes reservatórios silvestres na área rural do Nordeste do Brasil. EPIDEMIOLOGIA • Leishmanioses: o Compreendem uma das sete endemias mundiais de prioridade absoluta da OMS. o Afetando 1 a 2 milhões de pessoas por ano e havendo aproximadamente 500 mil novos casos a cada ano. o Prevalência anual de 12 milhões de infectados. • Américas: o Era predominantemente uma zoonose rural, mais comum em crianças (60% em menores de 4 anos). o Atualmente, em franca urbanização no Brasil e em outros países da América Latina, acometendo predominantemente, adultos jovens do sexo masculino. • Brasil: o Doença em franca expansão, sobretudo com as epidemias urbanas registradas. o No período entre 2001 e 2007, foram registrados 22.971 casos. o Nem todos adoecem ao se infectar pela Leishmania. ▪ Áreas endêmicas: relação entre infectados e doentes pode ser da ordem de 18:1. ▪ Letalidade da LV chega a 10% no mundo e no Brasil é em torno de 7%. Thais Alves Fagundes FISIOPATOGENIA • Formas amastigotas são ingeridas pelos flebótomos ao sugarem o mamífero infectado. o No trato digestivo dos flebótomos ocorrem série de transformações. o Evoluem para uma nova forma promastigota metacíclica (flagelar). o Promastigota migra até a probóscida do inseto. o São regurgitados/inoculados para a corrente sanguínea do mamífero no repasto sanguíneo das fêmeas. ▪ Flebótomos (mosquito-palha): saliva facilita a infecção das células mononucleares. • Promastigotas: o Inoculadas na derme do hospedeiro, durante o repasto sanguíneo, por regurgitação. o Fagocitadas por macrófagos locais e perdem seu flagelo. • Amastigotas: o Nos macrófagos, de mamíferos e acidentalmente no homem, se multiplicam por divisão simples. o Multiplicam-se sob a forma amastigotas, forma intracelular obrigatória. o Chegando a dezenas de parasitos no macrófago, causando a rotura da célula. ▪ Formas amastigotas: arredondadas e não têm o flagelo exteriorizado. • Amastigotas livres: o Ingeridos pelos flebótomos ao sugarem o mamífero infectado. o Novamente fagocitados por outros macrófagos. ▪ Infecção de outros macrófagos recrutados para o local. ▪ Disseminação para órgãos do sistema fagocítico-macrofágico (baço, fígado e medula óssea). • Comprometimento do sistema reticuloendotelial - SRE. • Parasitos permanecem, multiplicam-se e disseminam-se. • Reagindo ao parasitismo, o SRE exibe hipertrofia e hiperplasia. • Resposta imune inata: macrófagos e células NK, que tentam destruir o parasita. • Resposta imune adaptativa: o Expansão dos subtipos de linfócitos CD4+ que se polarizam em padrões subtipo TH1 ou TH2. o Reversível após a cura da doença. ▪ TH1: produção de IFN- γ e IL-12 • IL-12 → reverte o padrão da resposta para o tipo TH1, suprime a resposta TH2. • IFN- γ: associado à produção de citocinas pró-inflamatórias, potente indutor de macrófagos e à capacidade do hospedeiro em controlar a infecção. • Resposta TH1 tem maior possibilidade de cura. ▪ TH2: produção de IL-4 e IL-10 • IL-10 → bloqueia produção de IL-12 e IFN-γ → progressão da doença • IL-4: associada a citocinas estimuladoras de plasmócitos e produção de anticorpos. o Provocando hiperglobulinemia. o Inversão da relação albumina/globulinas (↓ albumina, insuficiência hepática). • Resposta TH2 não leva a cura. o Macrófagos: ação microbicida ▪ Produção de íons superóxidos e citocinas como IL-12, TNF-a, IL-10 e TGF-b. o Pancitopenia: destruição do parênquima medular → eritrocitopenia, plaquetopenia, leucopenia. Fígado (hepatomegalia): • Hipertrofia e hiperplasia das células de Kupfer, densamente parasitadas pelas formas amastigotas. • Expansão do espaço porta devido ao infiltrado inflamatório. • Evolução para “cirrose de Rogers”, que consiste em fibrose hepática intralobular difusa reversível. o Hipoalbuminemia, gerando redução da pressão oncótica e provocando edema de membros inferiores. o Diminuição da produção de fatores de coagulação, provocando sangramentos. Thais Alves Fagundes Baço (esplenomegalia): • Hiperplasia e hipertrofia das células do sistema mononuclear fagocitário, com macrófagos densamente parasitadas pelas formas amastigotas. • Congestão dos sinusoides hepáticos. • Cordões de Bilroth evidenciam plasmocitose. Medula óssea: • Hipocelularidade da série granulocítica e bloqueio de granulócitos da linhagem neutrofílica. o Neutropenia: redução da reserva medular, sequestro esplênico ou reações de autoimunidade. ▪ Leucopenia às custas de neutropenia. • Hipercelularidade relativa da série vermelha, com predominância de microeritroblastos. o Anemia: bloqueio de produção na medula, sequestro esplênico ou hemólise imune. ▪ Anemia normocítica normocrômica. • Normocelularidade ou hipocelularidade da série megacariocítica, mas hipoplaquetopênica. o Plaquetopenia: diminuição da maturação medular e da destruição periférica imune. • Macrófagos estão aumentados em número e volume, muito parasitados por formas amastigotas. • Expressiva plasmocitose, podendo-se encontrar linfocitose discreta. Pulmão (pneumonite intersticial): • Quadro consiste em pneumonite intersticial. • Pulmões aumentados de volume, congestos, com uma consistência mais elástica do que a habitual. • Septos interalveolares espessados por infiltrado inflamatório, congestão de capilares septais e leve edema. • Tosse seca persistente, surge no início dos sintomas, prolonga-se no período de estado e desaparece com a cura. o Parasita não tem ciclo pulmonar. Rim (nefrite intersticial): • Aumento de volume e congestão, com infiltrado inflamatório. QUADRO CLÍNICO Infecção assintomática: • Maioria dos indivíduos vivem em áreas endêmicas. • Teste intradérmico positivo, sem história de doença clínica aparente. Infecções “subclínicas” ou oligossintomáticas: • Forma mais frequente em áreas endêmicas, pode evoluir para calazar clássico, sendo a desnutrição fator de risco. • Sintomatologia inespecífica: febrícula, tosse seca, diarreia, sudorese, adinamia. o Discreta visceromegalia (baço impalpável e fígado pouco aumentado). Formas agudas: • Forma aguda disentérica de leishmaniose visceral. • Sintomatologia:febre alta, tosse e diarreia acentuada. o Hepatoesplenomegalia não é expressiva (baço pouco aumentado e fígado normal) o Alterações hematológicas são discretas o Elevação de globulinas com grande quantidade de anticorpos específicos IgM e IgG antileishmânia. • Duração menor que dois meses de evolução. Thais Alves Fagundes Calazar clássico: Período de incubação: 2 a 6 meses → evolução crônica Sintomas iniciais: • Tosse seca, devido a pneumonite intersticial. • Febre irregular, persistente, com 2 ou 3 picos diários, às vezes, intermitente. • Distúrbios gastrointestinais (diarreia, disenteria ou obstipação) • Adinamia, anorexia, prostração, sonolência, mal-estar • Progressivo emagrecimento. • Manifestações hemorrágicas (epistaxes, petéquias, sangramento gengival). Período de estado: • Febre, de 37 a 38°C (descrita irregularidade da febre, com períodos de 1 ou 2 semanas de apirexia/cessação). • Emagrecimento progressivo, levando a caquexia acentuada com o apetite preservado. • Palidez, cabelos secos e quebradiços, clássico sinal da bandeira (cabelos com 2 ou 3 colorações), cílios alongados. • Edema dos pés e das mãos. • Alterações de pele, que adquire coloração pardacenta ou de cera velha. • Desnutrição proteico-calórica: o Hipoalbuminemia. o Anorexia. o Distúrbios gastrointestinais: vilos intestinais edemaciados prejudicam a absorção. • Abdome volumoso, à custa de gigantesca hepatoesplenomegalia. o Hepatomegalia: hipertrofia e hiperplasia das células de Kupfer. o Esplenomegalia: hiperplasia e hipertrofia das células do sistema mononuclear fagocitário. • Epistaxes e gengivorragias: diminuição dos fatores de coagulação. • Outros sintomas: tosse, diarreia, náuseas, vômitos, dispneia de esforço, cefaleia, dores musculares, artralgia, Alterações laboratoriais: pancitopenia com globulinas bastante elevadas e inversão da relação globulinas/albumina. DIAGNÓSTICO CRITÉRIOS EPIDEMIOLÓGICOS • Procedência de área endêmica ou história de viagens nos últimos 12 meses. • Se residente de áreas endêmicas: investigar ocorrência de casos caninos e a presença do vetor na residência. CRITÉRIOS CLÍNICOS • Febre irregular prolongada. • Hepatoesplenomegalia. • Anemia. • Manifestações hemorrágicas. • História de persistência de tosse. • Diarreia intermitente por mais de três semanas. Thais Alves Fagundes CRITÉRIOS LABORATORIAIS Exames inespecíficos: Hemograma: • Pancitopenia: destruição do parênquima medular pelo parasito. o Anemia normocítica e normocrômica o Leucopenia às custas de neutropenia o Plaquetopenia Enzimas hepáticas: • Transaminases: TGO/TGP duas vezes o valor normal. • Proteínas plasmáticas: o Hipoalbuminemia o Inversão da relação albumina/globulina: globulinas bastante elevadas com albumina diminuída. • Tempo de protrombina (RNI) aumentado. • Bilirrubina direta aumentada. Urina rotina: • Proteinúria • Hematúria • Aumento da excreção de proteína urinária em 24 horas. • Aumento de ureia e creatinina no soro, com diminuição do clearance de creatinina. Exames específicos: Mielograma (aspirado de medula óssea): • Método padrão-ouro: técnica simples, de baixo custo, baixa sensibilidade. • Identificação de amastigotas de leishmânia em material aspirado de medula óssea (exame parasitológico). o Exame direto o Cultura: isolamento da leishmania Aspirado esplênico: • Exame parasitológico direto por punção de baço: alta sensibilidade. • Não realizado, por alto risco de hemorragia, devido a alterações da coagulação (plaquetopenia). Teste de hipersensibilidade tardia (DTH) à antígenos de leishmania / Teste de Montenegro: • Não é utilizado para o diagnóstico. o DTH positivo: marcador de infecção, pode ser recente ou curada. o DTH negativo: descarta a hipótese de leishmaniose. Métodos sorológicos: • Teste de aglutinação direta (DAT) e imunofluorescência indireta (RIFI): o Utilizam como fonte de antígeno o parasita inteiro, limita sua especificidade – reações cruzadas. o Reações cruzadas: L. tegumentar, chagas, hanseníase, tuberculose, esquistossomose, malária. o Mais aplicados em inquéritos epidemiológicos. o Resultado sorológico negativo torna improvável a hipótese de LV. Thais Alves Fagundes • Testes imunoenzimáticos (ELISA): o Instrumento para diagnóstico sorológico, principalmente os que utilizam antígenos mais específicos. o Antígeno recombinante K39 (rK39): indicadora de doença ativa. • Teste rápido diagnóstico rK39 (imunocromatografia): o Execução simples, dispensa aparato laboratorial, permitindo diagnóstico precoce. o Indicadora de doença ativa. • Limitações: o Permanecem positivos anos após a cura da doença (recidivas não podem ser diagnosticadas por sorologia, realizar aspirado de medula óssea). o Negativos na maioria dos pacientes coinfectados com HIV e imunossuprimidos. o Positivos em residentes de áreas endêmicas assintomáticos. ▪ Não solicitar nesses pacientes. ▪ Poderá dar positivo, sem estar ocorrendo a doença. Biologia molecular: • PCR: sensível, rápido e específico, entretanto caro e restrito a alguns laboratórios de pesquisa. MODELO DE PROGNÓSTICO CLÍNICO E CLÍNICO-LABORATORIAL TRATAMENTO Pacientes assintomáticos: • Não devem ser tratados devido à toxicidade do tratamento. Pacientes sintomáticos: Tratamento de suporte: • Antibióticos em pacientes com LV com menos de 500 neutrófilos por mm³. • Suporte hemoterápico • Suporte nutricional • Hidratação • Antitérmicos Thais Alves Fagundes Medicamentos: • Antimonato de meglumina / Antimonial pentavalente (glucantime) injetável o Contraindicações: ▪ Insuficiência renal. ▪ Insuficiência hepática. ▪ Insuficiência cardíaca. ▪ Uso concomitante de medicamentos que alteram o intervalo QT. ▪ Gravidez. ▪ Idade maior de 50 anos. ▪ Hipersensibilidade aos componentes da formulação. o Recomendações: ▪ Monitorar enzimas hepáticas, função renal, amilase e lipase sérica. ▪ Realizar eletrocardiograma no início, durante e ao final do tratamento para monitorar o intervalo QT corrigido, arritmias e achatamento da onda T. • Anfotericina B lipossomal o Contraindicações: ▪ Hipersensibilidade aos componentes da formulação. o Recomendações: ▪ Monitorar função renal, potássio e magnésio séricos. Tratamento ambulatorial: • Indicações: o Escore clínico < 4 o Escore clínico-laboratorial < 6 • Anfotericina B lipossomal injetável → mais nefrotóxico o Acompanhamento laboratorial: ▪ Hemograma ▪ Creatinina 2x/semana ▪ Sódio, potássio, magnésio, cálcio ▪ ECG semanal. • Antimonial pentavalente (glucantime) injetável → mais cardiotóxico (prolongamento QT, causa arritmias) o Acompanhamento laboratorial: ▪ Hemograma, provas renais e hepáticas e amilase semanal. ▪ EGC dia sim dia não. Tratamento hospitalar: • Indicações: o Escore clínico ≥ 4 o Escore clínico-laboratorial ≥ 6 • Anfotericina B lipossomal injetável. • Antimonial pentavalente (glucantime) injetável. EVOLUÇÃO E CRITÉRIOS DE CURA • Evidência de resposta à terapêutica na primeira semana de tratamento. o Pacientes devem ser acompanhados mensalmente, durante seis meses. o Recidivas geralmente ocorrem entre o 4º e o 6º mês após a terapêutica. • Febre, se presente, desaparece. Thais Alves Fagundes • Hemograma evidencia nítida resposta, com elevação da série vermelha e recuperação da série branca. • Redução da hepatoesplenomegalia lenta. Ao final do tratamento, pelo menos 50% de redução. • Negativação do aspirado esplênico ou medular. • Reação intradérmica a antígeno de Leishmania (leishmanina): o Positiva após o primeiro ano de tratamento. o Depois de três anos, 70% apresentam forte reação, indicando a completa recuperação imunológica. PROFILAXIA OMS recomenda o conjunto de medidas para controlar a LV: • Detecção ativa e passiva de casos suspeitos. o Nívelprimário nas redes assistenciais: ▪ Profissionais da saúde devem estar treinados para reconhecer sinais clínicos sugestivos de LV. ▪ Deverá haver métodos sorológicos capazes de evidenciar presença de infecção. o Unidades secundárias: ▪ Realização de confirmação parasitológica (aspirados de medula óssea ou baço). o Áreas endêmicas com notificação ativa de casos: ▪ Inquéritos soroepidemiológicos para diagnóstico precoce, possibilitando rápida terapêutica. • Estabelecimento de programas de vigilância epidemiológica. Comunidades endêmicas devem ser treinadas para reconhecer a doença, identificar o vetor e reservatórios. • Manutenção nos centros regionais para atendimento de doentes, tendo medicação e pessoal treinado. • Detecção e eliminação de reservatórios infectados. • Controle de vetores, com inseticidas de ação residual, aplicados nas paredes de casas e anexos. E monitorização da eficácia da ação residual do inseticida, por meio de medidas de densidade de flebotomíneo nas áreas borrifadas, no mínimo a cada seis meses.
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