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Teologia Sistemática III Aula 07: A Igreja no Novo Testamento Apresentação Nesta aula, estudaremos a Igreja à luz da Revelação do Novo Testamento. Pudemos ver antes, na aula anterior, de que maneira o Antigo Testamento delineou profeticamente a figura da Igreja, em diversas etapas da História de Israel. Agora iremos refletir como, a partir dos Evangelhos e dos outros textos do Novo Testamento, partindo de Jesus, a Igreja é o maior evento da Redenção em sua definitividade. Passaremos, assim, pelos Evangelhos, pelas Cartas e pelo Apocalipse. Mas será mister aprofundar nosso estudo nos Atos dos Apóstolo, registro histórico-teológico da Igreja nascente. Objetivos Identificar de que maneira Jesus, em sua trajetória histórico-messiânica, funda a Igreja na pessoa dos Apóstolos/Discípulos; Examinar a experiência da Igreja no Livro dos Atos dos Apóstolos e como a pena de São Lucas delineou a silhueta da Igreja apostólica (Pedro/Paulo); Analisar, por fim, as experiências das Cartas Paulinas, do Evangelho e do Apocalipse de São João. ( (Fonte: thanasus / Shutterstock) )Jesus quis e fundou a Igreja? Para falarmos da Igreja no Novo Testamento temos que apreciar primeiro a pergunta sobre as relações entre a existência de Igreja e a Pessoa de Jesus. De fato, o conceito teológico mais abrangente da Igreja é ser “de Cristo”. Em que sentido na ação e ministério de Jesus se encontram alguns dos elementos essenciais do Mistério da Igreja? Podemos afirmar que Jesus quis e fundou a Igreja? Um segundo elemento, que já estudamos e, por isso, se torna prévio às nossas reflexões eclesiológicas, é a Figura e Ação do Espírito Santo em relação à Igreja. Não por acaso, a dupla obra literária de São Lucas aponta para esta síntese: Onde está o Espírito Santo ali estará também a Igreja. Sem ele seria apenas um grupo empolgado de seguidores de um sujeito extraordinário. Ao contemplar este tema, deparamo-nos com uma tarefa enciclopédica, pois se abre para nós uma nova perspectiva, de certa maneira infinita de possibilidades, graças à multiplicidade de conceitos e experiências de Igreja que encontramos ao longo dos diversos textos canônicos do Novo Testamento. ( Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online ) Saiba mais Ora, por isso mesmo, traçaremos limites ao percurso pelo termo ekklesia no interior do Novo Testamento, restringindo-nos, assim, a alguns textos mais significativos na literatura Lucana, no Evangelho e nos Atos dos Apóstolos , na literatura Paulina, na qual faremos apenas uma breve alusão, tendo em vista a amplitude de uma tal empresa e, por fim, nos escritos Joaninos. Na primeira parte de nossa exposição, buscaremos expor de modo sucinto os traços principais da eclesiologia bíblica, no âmbito dos Evangelhos Sinóticos e de Atos dos Apóstolos, onde se encontram juntos os dois paradigmas da realidade da Igreja no Novo Testamento. De um lado, a experiência eclesiológica, como esta ocorre e vem experimentada. A Igreja como realidade empírica. Do outro, o conceito de Igreja, que surge da consciência reflexiva, expressa na literatura canônica como discurso de uma realidade. Os textos do Novo Testamento que selecionamos servirão de janelas, pelas quais, de certa maneira, pode-se captar o quadro geral da compreensão primitiva da Igreja sobre si mesma e também sobre o Espírito Santo, atuante e imprescindível nesse processo de autoconsciência eclesial. Em seguida, esboçaremos um perfil da Igreja no âmbito da realidade Joanina, determinando aquilo que se pode demonstrar a partir de uma visão oblíqua desta realidade, extraída dos textos mesmos. De fato, a expressão ekklesia ocorre raramente nos textos Joaninos do Evangelho e das Cartas, estando mais presente no texto do Apocalipse. Contudo, como no conjunto da tradição literária neotestamentária, não se determina de modo inequívoco por uma determinada conceituação que respondesse à pergunta: Mas afinal de contas, o que é a Igreja? Une-se a esta questão outro elemento, não menos complexo, que é a ação do Espírito Santo no contexto do Cristianismo Primitivo. Trata-se da Esperança messiânica que se realiza através da Doação do Espírito Divino como um Sinal dos novos tempos, a superação do Mal e a instauração do definitivo Eon. A Igreja é o Novo Israel! E, ao mesmo tempo, o discurso que a Igreja elabora sobre esta presença pneumática em sua própria maneira de agir e anunciar o Cristo como único Salvador. ( (Fonte: legnda / Shutterstock) )O Espírito Santo e o Mistério da Igreja no Novo Testamento É muito ampla e diversificada a afirmação de fé e, sobretudo, muito rica a experiência do Espírito Santo no Novo Testamento. Aqui cabe uma análise do ponto de vista da Igreja, seja porque ela o experimenta, seja porque ela fala sobre Ele, formulando um artigo de fé, em que afirma a Personalidade do Espírito de Deus, revelado definitivamente em Jesus Cristo. Como dissemos, o Espírito é um objeto complexo em relação à Igreja, pois, de um lado, Ele mediu o conhecimento que a Igreja tem de si própria e, por outro lado, é a Igreja que fixa uma linguagem sobre o Espírito que corresponda à consciência Divina da 3ª Pessoa da Trindade, como a conhecemos na linguagem da tradição ortodoxa. A Igreja só conhece seu Mistério quando em contato com o Espírito, pois este dá acesso ao âmago do Cristo e, assim, ao epicentro de sua consciência enquanto Igreja. A Perspectiva Igreja-Espírito na obra de Lucas-Atos Leitura Sobre este assunto leia: RABUSKE, J. I. A IGREJA EM SUAS ORIGENS: Revisitando os Atos dos Apóstolos. Teocomunicação 42/1, p. 5-18, 2012. Muitos são os caminhos para demonstrar este axioma a partir do Novo Testamento. Assim, temos que enfrentar a questão sobre as relações históricas entre Jesus e a fundação da Igreja. Sobre Loisy e o Modernismo Clique no botão acima. Tomamos aqui o termo modernismo em sentido teológico, sabendo embora que outros sentidos lhe andam também ligados, como são os sentidos literário e artístico. Em sentido teológico trata-se de um movimento desencadeado na Igreja Católica na viragem do séc. XIX para o séc. XX com o objetivo de adaptar a doutrina e as estruturas do catolicismo às tendências do pensamento contemporâneo. Os adeptos deste movimento pretenderam assumir-se como renovadores da Igreja para melhor a adaptar às condições modernas do pensamento e da ação. Na medida em que este foi um movimento que partiu do interior da Igreja, e para defesa da mesma Igreja, os modernistas não desejaram, pelo menos à partida, romper com o catolicismo, mas adaptá-lo às exigências da modernidade, e por isso chegou a ser apresentado como uma autêntica renascença católica. Em 1900 Adolfo Harnack publica o seu livro A Essência do Cristianismo, enquanto Loisy inicia um curso de ciências religiosas na Escola de Altos Estudos. FELICIO, M. R. A Viragem do século (XIX-XX). O Modernismo. Mathesis 11 (2002), 373-387. Disponível em: //www4.crb.ucp.pt/biblioteca/Mathesis/Mathesis11/mathesis11_373.pdf Acesso em 31 de julho de 2019 Saiba mais Leia também o documento oficial da Igreja sobre o Modernismo de Pio X. Para esta corrente de pensamento já ultrapassada, a Igreja se institui a si própria diante da frustração da Parusia, entendida como tardia e, portanto, obrigando os dirigentes eclesiásticos a remodelarem as expectativas e substituí-las por uma forma estável, institucional. Os Evangelhos colocam o problema de outra maneira: Cristo toma a iniciativa de compor um grupo de discípulos mais estreito às suas tarefas, que se distinguirá de outros, os 72 ou ainda discípulos da multidão, pela designação de ‘Apóstolos’. É o que se lê, por exemplo em Lc 9, 1-6 e paralelos: Reunindo Jesus os doze apóstolos, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios, e para curar enfermidades. Enviou-os a pregar o Reino de Deus e a curar os enfermos. Disse-lhes:“Não leveis coisa alguma para o caminho, nem bordão, nem mochila, nem pão, nem dinheiro, nem tenhais duas túnicas. Em qualquer casa em que entrardes, ficai ali até que deixeis aquela localidade. Onde ninguém vos receber, deixai aquela cidade e em testemunho contra eles sacudi a poeira dos vossos pés”. Partiram, pois, e percorriam as aldeias, pregando o Evangelho e fazendo curas por toda parte. (Mt 14,1s = Mc 6,14ss) ( Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online ) Lumem Gentium, que lemos na aula passada, também indica elementos sobre esta questão das relações entre Cristo, em sua etapa histórica e a Igreja: Veio pois o Filho, enviado pelo Pai, que n'Ele nos elegeu antes de criar o mundo, e nos predestinou para sermos seus filhos de adopção, porque lhe aprouve reunir n'Ele todas as coisas (cf. Ef 1, 4-5. 10). Por isso, Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos Céus e revelou-nos o seu mistério, realizando, com a própria obediência, a redenção. A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Tal começo e crescimento exprimem-nos o sangue e a água que manaram do lado aberto de Jesus crucificado (cf Jo 19,34), e preanunciam-nos as palavras do Senhor acerca da Sua morte na cruz: “Quando Eu for elevado acima da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32 gr). Sempre que no altar se celebra o sacrifício da cruz, na qual “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado” (1 Cor 5,7), realiza-se também a obra da nossa redenção (LG 3). (Paulo VI, 1965, 3) Disponível em: //www.vatican.va. Acesso em 31 de julho de 2019. E ainda sob a lógica teológica do Reino de Deus (Mc 1,15: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho”), a mesma LG afirma: O mistério da santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras: “cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15; cf Mt 4,17). Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória. - (Paulo VI, 1965, 5.): cf. //www.vatican.va Aqui cabe recordar que os estudiosos falam de Atos dos Apóstolos como obra histórico-teológica sob a égide do Evangelho Lucano que, de certa maneira, estende-se e autoexplicita-se na história e na práxis da Igreja das primeiras horas. Nesses relatos surge um elemento comum e paralelo entre o Espírito e a Igreja, em relação a Jesus o Cristo: o testemunho. Em todos eles o testemunho é ocular (trata-se de experiência da visão profético-pneumática). Por isso estes são considerados as testemunhas que corroboram aos leitores/ouvintes do Evangelho seu caráter de portadores de anúncio do Evento Divino. Esse processo encontra-se de modo definitivo e acabado nos Discursos de Pedro e dos Apóstolos nos Atos. Trata-se de uma voz humana. Divina aquela da Igreja, que anuncia e realiza com serrais o Evento Redentor e seu Epicentro no mundo! (Ao lado da autoridade Pétrea, aquela de Tiago cf. Atos 15,28). Aqui, ressalta-se o centro da consciência da Igreja. Ela viu e sabe o que viu. Ele diz e afirma aquilo que Deus fizera através da Mediação Definitiva de seu Filho Jesus de Nazaré (cf Joel 3 coloca o acento da Revelação da Igreja sob a égide da escatologia pneumática, típica do ambiente primitivo). Dois elementos unem-se e complementam-se nos textos da obra Lucana: Sinais- milagres, isto é, evento numinoso da continuidade histórica de Jesus o Ressuscitado em relação à sua Igreja, e a revelação do Plano Significado de sua obra. Ação Divina e acesso a significação, ou seja, a consciência de ser intérprete autorizada dos Eventos que sinalizam uma Presença Potente. Pedro, na primeira parte de Atos, sinaliza no seu apostolado os gestos e situações de Jesus: ele sofre espancamentos (At 5, 40; 12,1-14), sua sombra cura doentes (At 5, 15s) e ele ressuscita uma pessoa (Tabita: At 9,37). A Perspectiva Igreja- Espírito no “Corpus Paulinum” Não poderíamos abandonar o Novo Testamento sem uma rápida, mas ( (Fonte: Janece Flippo / Shutterstock) )conclusiva, visão da obra Paulina nas Cartas. O Primeiro testemunho literário cristão, as cartas autênticas e dêuteropaulinas, oferece-nos um memorial muito importante da relação entre o Espírito e a missão-essência da Igreja. Aqui é irrefutável dizer que Lucas-Paulo- João, como o conjunto dos textos canônicos do Novo Testamento, se inter- relacionam profundamente e ao mesmo tempo distinguem-se entre si como uma característica própria ao ambiente do Cristianismo Primitivo. Isto é, unidade e diferença equilibram-se sobre o fundamento de uma experiência de Revelação e Testemunho do Conteúdo Vital da Redenção. Arauto de Cristo, a Eclesiologia Paulina exibe traços carismáticos evidentes. Trata-se de uma forma social que se autocompreende a partir da Revelação do Espírito de Cristo. Paulo entende que conhecer Cristo se realiza na Igreja. Isto fica patente em sua própria experiência pessoal de Conversão na qual a Igreja e Cristo se identificam: At 9, 4s (Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: ( (Fonte: Casezy idea / Shutterstock) )“Saulo, Saulo, por que me persegues?”. Saulo disse: “Quem és, Senhor?” Respondeu ele: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. [Duro te é recalcitrar contra o aguilhão]) pois aquilo que somos eclesialmente realiza-se somente na explicita comunhão com Ele, por meio do Dom e da Promessa (cf Rm 8,10). A Igreja em João e o Evangelho de João na Igreja O Cristianismo (Eclesialidade) em João é considerado distinto no que tange à questão do conceito de Igreja nos Escritos Joaninos e da discussão do uso destes documentos, particularmente do Evangelho, na Igreja Antiga. Mesmo não encontrando o termo ekklesia no Evangelho, a discussão coloca-se a partir de textos como: Jo 10, 1-10; 15, 1-15, ou ainda o cap 17 com a oração sacerdotal de Jesus, mais claramente ainda nos discursos de Adeus (Jo 14-16). Nestes discursos sublinha-se uma relação de continuidade entre Jesus Glorificado e a comunidade dos seus discípulos, indicando-nos assim uma forma de concepção Joanina de Igreja (suposição que encontra certa confirmação em 1 Jo). O problema se coloca sobre a possibilidade de deduzir uma concepção Joanina de Igreja a partir de textos Joaninos relevantes. O autor cita a discussão entre E. Schweizer, como representante da visão protestante e R. E. Brown, como representante da tese católica. Para Smith, mesmo considerando o valor do debate dogmático, isto é, sobre a doutrina eclesiológica desenvolvida tanto em campo católico como naquele Protestante, o conceito de comunidade cristã ou Igreja não seria irrelevante para a definição e a compreensão da realidade específica, concreta e histórica do Cristianismo Joanino. Assim, enquanto o conceito de comunidade cristã ou da Igreja, na literatura Joanina, certamente não é irrelevante para a definição e a compreensão da realidade concreta e específica da história do cristianismo Joanino, o esclarecimento deste conceito pode ser possível com base na própria exegese (SMITH, 1987, p. 3, tradução nossa). Atenção É importante ainda ressaltar que a exegese destas perícopes discutidas deverá ajudar- nos a superar o conflito das interpretações para obter a visão mais objetiva possível desta realidade eclesial tão específica. Elementos Eclesiológicos nos Escritos Joaninos I. Segregação-Separação Uma simples leitura de diversos textos Joaninos deixa-nos a impressão de que por detrás de certas expressões existe um claro sentimento de distinção ou mesmo separação do que os circundava.Encontra-se, porém, nos textos Joaninos certa concepção de missão. Diversos elementos diferenciam a eclesiologia, isto é, a compreensão da Igreja na tradição Joanina em relação aquela Paulina ou Lucana. Destacam-se, entre outros elementos, os seguintes: O Paráclito Clique nos botões para ver as informações. A questão da Pneumatologia seria um elemento importante na identificação dos elementos Joaninos (isto é, do material propriamente Joanino). O mais importante é a possibilidade de afirmar que os discursos de Jesus sobre o Espírito constituem, verdadeiramente, o principal material de constatação da existência de um conteúdo tradicionalmente joanino. Temos, entre os Capítulos 14-16, os discursos de Adeus sobre o Espírito e a Igreja, que constituem a matéria básica da identidade e da missão nas Igrejas Joaninas. A Figura do Discípulo Amado Esta figura tem uma significativa importância para o problema das origens do Joanismo. No cap. 21, ele é apresentado como uma figura histórica, conhecida por todos. Ele representa, desde o princípio, um elo entre a Teologia dos Escritos e a Tradição. Neste sentido, os círculos de tradição Joanina, por meio do Discípulo Amado, eram associados à pregação genuína de Jesus, Ele mesmo. Pelo “nós”, presente em tantos textos do Evangelho e da Iª Carta, eles sentiam-se em continuidade com a Tradição de Jesus Histórico. Como testemunha desta Tradição de Jesus. Outra maneira de afirmar este campo comum à chamada Tradição Joanina é o uso polêmico entre os diversos setores ao interno do ambiente Joanino em relação à interpretação ortodoxa (autêntica) da mesma tradição. Apesar da característica autonomia da tradição Joanina, esta encontra seu terreno de nascimento e evolução no solo comum das tradições da Igreja Primitiva. O ambiente profético-carismático: Outro elemento característico muito importante no Joanismo seria a atividade profético-carismática, que desempenhava um papel importante no desenvolvimento da Tradição Joanina. Se o Judaísmo sectário era presente na germinação da Tradição Joanina, a profecia inspirada poderia muito bem prover uma ocasião específica para a emergência da afirmação cristã-joanina, na forma de Palavras de Jesus. Contudo, este fenômeno se estenderia, sem dúvida, a toda literatura neotestamentária como uma forte característica do ambiente religioso da Cristandade Primitiva. Dentro desta perspectiva, torna-se importante considerar o fenômeno da profecia inspirada e itinerante dentro do âmbito do movimento eclesial Joanino, como um dos elementos que ajuda a estabelecer a origem social e eclesial da pneumatologia e também como um elo de relação entre os escritos joaninos. Vê-se nos ditos do Paráclito de 14, 5-6 e 16, 12-15, a enunciação de uma teoria sobre o fenômeno de expressão inspirada pelo espírito que visa, por um lado, fundamentar-se no próprio ministério histórico de Jesus e assim validá-lo (14, 26) e, por outro, conferir algum controle sobre ele, colocando-o dentro do contexto para uma representação de Jesus que não era apenas a palavra se tornar carne, mas aquele que falava palavras com o status irrevogável dos mandamentos divinos. Quando na 1 Jo vê-se os vestígios do mesmo aspecto problemático do processo Joanino de criatividade inspirada pelo espírito, descobre-se que o autor invoca reiteradamente a Tradição (1, 1-4) como a pedra de toque da crença e a impõe a seus leitores para testar todo espírito (4, 1-6). A Igreja no Livro do Apocalipse ( (Fonte: Wesley Almeida / cancaonova.com) ) Se, a tradição Joanina das Igrejas estabelece-se, como vimos, a partir de uma leitura crítica do Evangelho/Cartas Joaninas, o Apocalipse une-se a este bloco, mesmo com profundas diferenças, sobretudo pela característica atividade profético-carismática da Comunidade dos profetas-Irmãos de João, o Vidente. I. Apoc 1,10: Uma Joanina experiência “profética”? Estamos diante de um elemento constitutivo da experiência “profética” neotestamentária, ou melhor, cristã? Já no Antigo Testamento, os profetas experimentam a visão como instrumento privilegiado na Revelação Divina. Na profecia clássica não ocorrem, como no ciclo de Elias e Eliseu e nas corporações proféticas, o fenômeno de uma recepção extática ou espetacular do Espírito por parte dos ungidos ou dos profetas. Parece que o próprio João reconhece-se, na linguagem desta experiência, inserido dentro da esfera profético-comunitária. João descreve as circunstâncias da sua chamada como uma atividade profética, pois com o Espírito se estabelece um contato particular, novo, ao ponto de o Espírito tornar- se como âmbito no qual ele se move. A Igreja no Apocalipse situa-se na experiência da visão/audição do vidente de Patmos (cf Ap 1,10; 4,2), no contexto da profecia cristã primitiva, sobretudo no atormentado momento eclesial sob o domínio de Domiciano. São-nos revelados aspectos da vida da Igreja no período do cumprimento escatológico da promessa e do retorno glorioso de Cristo diante das concretas circunstâncias da perseguição e do sofrimento por causa do Evangelho. ( Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online ) Eu, João, vosso irmão e companheiro nas tribulações, na realeza e na paciência em união com Jesus, estava na ilha de Patmos por causa da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus. Em um domingo, fui arrebatado pelo Espírito, e ouvi, por trás de mim, voz forte como de trombeta (Ap 1, 9s). Para compreender a expressão de Ap 1,10, deve-se partir da premissa da mudança de papel da parte do Vidente, pois seu banimento teria sido o trauma mais forte no conjunto das situações de tensão no interior das Igrejas. Ele se vê praticamente obrigado a escrever, a manter uma relação de correspondência com suas comunidades, que se tornam seus leitores. Assim ele tenta demonstrar. A linguagem profética de João é justificada pela sua distância física, mas também pelo fato de que aqueles a quem ele envia sua mensagem (revelação) são, como ele, profetas, isto é, possuem o mesmo Espírito. Por trás disso fundamenta-se a relação entre o livro e sua mensagem: a communitas, razão pela qual encontramos tal linguagem e um semelhante vocabulário difuso na cultura apocalíptica do mundo mediterrâneo e da Ásia Menor de então, devidamente transformada, ou melhor, adaptada ao patrimônio (de fé) comum ao autor e às Igrejas do Apocalipse (como vemos nas Cartas às 7 Igrejas: Ap 2,1-3,22). O Vidente de Patmos se autocompreende e se apresenta às comunidades baseado sobre a autoridade deste múnus profético e suas visões consistiriam em profecias de sustento e encorajamento. “Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” Neste momento terá lugar de relevo a questão do falar do Espírito, particularmente na seção de Ap 2–3, nas mensagens às Igrejas (comunidades) da Ásia Menor. Esta questão funcionará para compreender e situar o fenômeno da Profecia, como um fator enfático na relação lógica entre o Espírito e a Igreja, delineada a partir da irrupção deste Espírito. Na História, a Igreja atua A Palavra de Deus e o Testemunho de Jesus diante do mundo hostil. Atividade 1. A partir da leitura de A Igreja em suas origens: Revisitando os Atos dos Apóstolos, indique alguns elementos da Igreja nos Atos dos Apóstolos que sejam mais característicos dela. 2. Em Ap 1,9-10, encontra-se uma citação sobre o Espírito e a Profecia. Explique de que maneira eles se relacionam na Igreja do Apocalipse. 3. A palavra Igreja vem do grego, ecclesia, que significa assembleia ou reunião. O que isso pode significar na realidade e na atuação das igrejas? Escolha a resposta CORRETA: a) As igrejas devem, por isso, incentivar a fé pessoal e dissociada das relações sociais. b) A atuação das igrejas deve realizar exclusivamente nas redes sociais que congregam as pessoas. c) A Igreja é fruto das sociedades, sem as quais ela não tem sentido e razão de ser. d) As igrejas são assembleias de privilegiados, de poucos que podemse salvar deste mundo. e) A Igreja é sinal de unidade e de reunião de todos os Povos para a Salvação em Cristo. Referências SANTOS, P. P. A. O Espírito e a Igreja: As perspectivas do Novo Testamento, em particular dos Escritos Joaninos. Atualidade Teológica 21, p. 73-93, 2002. ROLOFF, J. A Igreja no Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2005. RABUSKE, J. I. A IGREJA EM SUAS ORIGENS: Revisitando os Atos dos Apóstolos. Teocomunicação 42/1, p. 5-18, 2012. Próxima aula Questão da Igreja nas diversas tradições cristãs; Ecumenismo. Explore mais Leia os textos: UNITATIS REDINTEGRATIO. SOBRE O ECUMENISMO; Re-pensando ecumenismo; BRAKEMEIER. ECUMENISMO: REPENSANDO O SIGNIFICADO E A ABRANGÊNCIA DE UM TERMO. Persp. Teo. 33, p. 195-216, 2001; WOLFF, E. O ecumenismo no horizonte do Concílio Vaticano II. Atualidade Teológica. Ano XV nº 39, p. 403-428, 2011; ALTMANN, W. EVANGELIZAÇÃO: Reflexão a partir de Lutero e no contexto ecumênico protestante mundial. Estudos Teológicos. v. 16, n. 1, p. 18-29, 1976.
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