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GESTÃO DE SERVIÇOS SOCIAIS AULA 4

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GESTÃO DE SERVIÇOS SOCIAIS AULA 4
 Profª Carla Andréia Alves da Silva Marcelino
 2 CONVERSA INICIAL Gestão social no terceiro setor Nesta aula, trabalharemos alguns pontos importantes sobre a gestão social no chamado terceiro setor, na administração de serviços sociais que, apesar de públicos, não são estatais e sim ofertados por instituições de direito privado, com interesse público, sem fins lucrativos – as antigas organizações não governamentais (ONGs). De saída, é fundamental destacar que, desde a aprovação da Lei n. 13.019/2014 (Brasil, 2014), da qual falaremos em nossos Temas 3 e 4 desta aula, as ONGs passaram a ser denominadas organizações da sociedade civil (OSCs). Assim, de agora em diante, nos referiremos a essas instituições pela sigla correta: OSC. Iniciaremos esta aula fazendo algumas reflexões acerca da gestão social nas OSCs, as quais têm sido importantes campos de trabalho para o assistente social, sem, contudo, nos descolar do fato de que o crescimento do terceiro setor advém da expansão do neoliberalismo. Feitas essas reflexões, apresentaremos o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Mrosc), apontando os avanços e algumas questões conceituais e formais geradas por essa importante lei (Brasil, 2014), a qual precisa ser de domínio de quem atua no terceiro setor. Após isso, abordaremos a questão dos fundos públicos, que são importantes fontes de financiamento das OSCs, bem como de outros meios de captação de recursos para tornar viável a gestão dos serviços sociais ofertados por aquelas instituições. Por fim, falaremos, em nosso último tema, sobre alguns debates contemporâneos acerca da gestão social, com foco no chamado welfare mix.
TEMA 1 – GESTÃO SOCIAL PÚBLICA NÃO ESTATAL O terceiro setor é composto pelas instituições não governamentais que oferecem serviços públicos não estatais e que, apesar de contribuírem com o mercado, não exercem atividades com fins lucrativos. O terceiro setor ganha visibilidade e cresce no Brasil com o advento do neoliberalismo, no qual preveem-se um Estado mínimo e a desregulação do mercado, abrindo espaço para que as OSCs ocupassem não só um lugar de representação dos interesses 3 da sociedade civil, mas também, principalmente, de ofertas de serviços de interesse público que deixaram de ser ofertados pelo Estado ou o são em quantidade insuficiente. Assim, o terceiro setor faz parte de um processo neoliberal de “refilantropização” da pobreza, conforme afirma Marilda Iamamoto (2005), no qual a sociedade civil se corresponsabiliza pela proteção social das parcelas mais vulneráveis da população. Maia (2005) afirma que, no capitalismo contemporâneo, a gestão social se concretiza no terceiro setor, tornando-se muitas vezes a “gestão contra o social”, parafraseando Montaño (2002 citado por Maia, 2005, p. 3), que explica que “o terceiro setor acaba constituindo-se, no nosso país, em ‘espaço’ de disseminação dos valores e práticas neoliberais desenvolvidas junto às organizações da sociedade civil”. Nesse contexto, a gestão social no terceiro setor oferece desafios e dualidades, visto que uma instituição de natureza privada precisa atender às demandas públicas, o que implica a exigência de um processo gerencial muitas vezes mais próximo da gestão estratégica dos serviços sociais. Tenório (1998, p. 14) explica que a gestão estratégica de serviços sociais se concretiza “[...] em um tipo de ação social utilitarista, fundada no cálculo de meios e fins [...]. É uma combinação de competência técnica com atribuição hierárquica, o que produz a substância do comportamento tecnocrático”. Sobre essa dualidade da gestão social no terceiro setor, falaremos mais em nossa videoaula. Para entender mais o assunto, indicamos a leitura do artigo Espaço público e controle para a gestão social no terceiro setor, escrito por Eloísa Helena de Souza Cabral (2006).
TEMA 2 – MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL (MROSC)
 – PARTE 1 Até o ano de 2014, as relações do Estado com as então chamadas ONGs não tinham uma regulamentação própria, ficando à mercê de analogias de legislações e aplicações das leis e normas afetas de transferências voluntárias, os chamados convênios. Não havia transparência no processo, nem referências para fiscalização e acompanhamento dos serviços prestados, burocratização era exacerbada, podendo vigorar inclusive a pessoalidade na escolha das instituições que receberiam recursos estatais. Desde o ano de 2010, um grande movimento da sociedade civil organizada pleiteava a regulamentação dessa relação, por meio de um marco 4 regulatório próprio. Para tanto, tal movimento criou uma plataforma digital na qual aglutinou informações e todo o processo de construção do que mais tarde veio a culminar na aprovação da Lei n. 13.019/2014, conhecida como MROSC (Brasil, 2014). Caso se interessem em saber mais sobre a citada plataforma, é possível acessá-la no sítio eletrônico: (Plataforma OSC, [S.d.]). A cartilha da Associação Brasileira de ONGs (Abong, 2018, p. 3) sobre o Mrosc afirma que essa lei “[...] altera para melhor a forma como são regidas as parcerias entre OSCs e o Estado Brasileiro. Com ela, organizações e administradores públicos de todas as esferas de governo terão maior segurança jurídica para agir em conjunto [...]”. Várias mudanças foram implementadas. Dentre as mais significativas, estão obrigatoriedade da realização de chamamento público para selecionar OSCs que receberão recursos governamentais, relações normatizadas por termos de fomento e/ou de colaboração e possibilidade de pagamento de pessoal. Sobre as mudanças com o Mrosc, falaremos mais em nossa videoaula.
TEMA 3 – MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL (MROSC) 
– PARTE 2 Para o gestor social de uma OSC, conhecer o Mrosc é fundamental, pois, atualmente, não se acessam recursos públicos de outra forma que não pelos dispositivos criados pela lei (Brasil, 2014). O Mrosc inicia definindo que tipo de instituições se enquadram na condição de OSC: a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva; b) as sociedades cooperativas previstas na Lei nº 9.867, de 10 de novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social; c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos [...]. (Brasil, 2014) 5 Essas instituições, para que recebam recursos estatais, deverão submeter suas propostas, que devem se concretizar por meio de planos de trabalho, à análise do Estado, quando este realiza processos de chamamento público para selecionar OSCs. Propostas selecionadas, são formalizados termos de fomento ou de colaboração e depois repassados os recursos, com prazo para execução das atividades pactuadas. Essa execução é monitorada por servidores públicos que são chamados de gestores de parceria. Saiba mais sobre os principais pontos do Mrosc assistindo a nossa videoaula.
TEMA 4 – FUNDOS PÚBLICOS E CAPTAÇÃO DE RECURSOS As OSCs, que nasceram como espaços de organização da sociedade civil e para exercício de atividades filantrópicas vinculadas às finalidades dos seus financiadores, como igrejas e empresas, e que atualmente executamfunções subsidiárias às funções de Estado, em sua grande maioria não possuem recursos próprios suficientes para sua manutenção, sendo necessária a captação de recursos. O assistente social que atua na gestão social em OSCs normalmente é o responsável por pensar e executar estratégias de captação, inclusive com a escrita de projetos e planos de trabalho, conforme exige o Mrosc (Brasil, 2014), para participação em chamamentos públicos. As formas de captação são desde campanhas de doação em dinheiro ou em produtos, advindos de pessoas físicas e jurídicas, a promoções, vendas de produtos, entre outras. No entanto, aquela forma que garante maior sustentabilidade às OSCs é a captação de recursos públicos, advindos, na maior parte das vezes, dos fundos públicos sociais. Os fundos públicos sociais são aqueles criados por lei, muitos deles porque uma outra lei determina, como no caso da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), do Sistema Único de Assistência Social (Suas) ou do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e são mantidos com recursos públicos estatais. Normalmente, possuem receitas vinculadas, além de receberem doações de pessoas físicas e jurídicas. Existem fundos que financiam políticas sociais setoriais básicas, como os Fundos de Saúde, de Assistência Social, de Educação, de Amparo ao Trabalhador, e os fundos especiais, os quais são as maiores fontes de recursos para captação, pelas OSCs. Os fundos especiais normalmente estão vinculados a políticas afirmativas intersetoriais, para criança e adolescente, idoso ou mulher, e destinam-se a financiar projetos especiais, 6 normalmente direcionados a pessoas em situação de vulnerabilidade. Tais fundos são geridos pelos governos, do ponto de vista administrativo, mas a aplicação de seus recursos é gerida pelos conselhos setoriais ou de direitos. Os recursos desses fundos podem ser aplicados em ações públicas estatais e não estatais, em ações de colaboração ou de fomento. Sobre os fundos públicos e a captação de recursos, indicamos a leitura do material Fundos públicos e políticas sociais, disponível no link (Magalhães Júnior; Teixeira, 2004).
TEMA 5 – WELFARE MIX 
O welfare mix é um termo utilizado na gestão social mais recentemente, a partir do início do século XXI, para nominar a ideia ancorada no neoliberalismo de que o Estado, o mercado e a comunidade possuem interações complementares na proteção social aos cidadãos. O conceito de mistura de proteção social – welfare mix – é o ponto basilar das ideias [...] para dar conta das interações concorrentes e complementares que ocorrem entre os setores angulares da sociedade: o Estado, o setor mercantil, e a comunidade. [...] Da combinação daqueles setores que interagem segundo lógicas e racionalidades distintas e específicas e através do contrato social que os orienta deriva um conjunto de ações, pressões e políticas que compõem as garantias sociais que materializam a proteção social escolhida e desenvolvida por uma sociedade. O conceito de mistura alude aos esforços sinérgicos dessa combinação e pode ser interpretado como a coexistência de uma pluralidade de racionalidades e interesses que o nosso tema projeta na questão social, como questão de proteção social (Cabral, 2008, p. 22). A mesma autora (Cabral, 2008) segue nos informando que o terceiro setor, as OSCs, são responsáveis pela intermediação e pela conciliação daqueles três entes sociais, já que, no bojo das OSCs, convivem as três lógicas: a do Estado, porque as OSCs prestam serviços públicos; a da comunidade, por serem um espaço de organização social; e a do mercado, por serem de natureza privada e trabalharem pela busca de resultados e objetivos institucionais. Carvalho (1999) faz um alerta para que olhemos o welfare mix com certa cautela, visto que a ideia de gestão compartilhada vigente no welfare mix parece razoável, parece que irá reforçar o desenvolvimento humano, por meio da proteção social; mas que, ao fim, é uma ideia neoliberal de correponsabilização de outros atores, além do Estado, pela proteção aos cidadãos. Se, por um lado, 7 a autora faz esse alerta, ela também aponta que, por outro, essa corresponsabilização prevista na gestão social, no welfare mix, abre também importantes espaços de participação social, de decisões compartilhadas, de descentralização; mas que, também, no fundo, acabam publicizando ações privadas que assumem o lugar de políticas sociais estatais. NA PRÁTICA Como vimos nesta aula, a noção de welfare mix tem sido cada vez mais vigente no Estado neoliberal implantado no Brasil, imprimindo novas formas de pensar e estruturar a gestão social, tendo como foco o terceiro setor e a corresponsabilidade de Estado, comunidade e mercado. Nesse sentido, apregoa-se a ideia do voluntariado, da solidariedade e da responsabilidade de cuidados entre os próprios cidadãos. No bojo desse tipo de ideias, vemos iniciativas como o aplicativo de doações intitulado Partake the bread, explicado no link: (Razões para acreditar, 2018). Leia a matéria, reflita sobre ela com base no conteúdo desta aula e responda: você concorda com essas ideias? Você acredita que elas são válidas? FINALIZANDO Nesta aula, falamos sobre a gestão social no terceiro setor, especificamente, das OSCs. Começamos fazendo uma reflexão acerca dessa ocupação de espaços que deveriam ser do Estado, das políticas sociais estatais para a proteção dos cidadãos, mas que foram, desde a chegada do neoliberalismo ao Brasil, a partir dos anos de 1990, sendo ocupados pelas organizações do terceiro setor. Vimos que é necessário ver com parcimônia esse processo de gestão de serviços sociais, pois a gestão nas OSCs é perpassada por uma dualidade: interesses públicos x interesses privados, o que muitas vezes faz com que imperem princípios da gestão estratégica privada na oferta dos serviços sociais de interesse público, nos quais o resultado esperado não pode ser de lucro, quantidade ou outros indicadores tecnocráticos da lógica do mercado. Na sequência, mostrou-se que o crescimento da gestão do social pelo terceiro setor foi tão significativa que houve a necessidade de regulamentação 8 das relações das OSCs com o Estado quando aquelas se mostram dispostas a executar serviços complementares e suplementares aos dos governos, o que ocorreu por meio da Lei n. 13.019/2014 (Brasil, 2014), que estabelece o Mrosc. Tal instrumento oferece como principais ganhos mais transparência nessas relações, despessoalização, ampliação da possibilidade de gastos dos recursos estatais pelas OSCs e desburocratização dos convênios, substituindo estes por termos de fomento ou de colaboração. Vimos, ainda, que a gestão social no terceiro setor perpassa a captação de recursos para a manutenção dos serviços sociais que ele oferta, sendo que o assistente social, ao atuar nas OSCs, precisará desenvolver planos de estratégia de captação de recursos privados e, principalmente, públicos, sendo os fundos especiais grandes fontes de financiamento, os quais podem ser acessados via processos de chamamento público para formalização de parcerias. Por fim, refletimos sobre um tema que está em voga no momento, que é o welfare mix – ideia de proteção social mista, com responsabilidades compartilhadas e entrelaçadas entre Estado, mercado e comunidade. Apesar de parecer uma lógica interessante, de corresponsabilidade e que geraria maior desenvolvimento, o welfare mix é na verdade uma ideia de fundo estritamente neoliberal, que perpassa a redução do aparelho do Estado e da sua função protetiva para com os cidadãos, responsabilizando estes próprios e o setor privado por essa proteção. Nesse sentido, os estudiosos do tema apontam o terceiro setor como esse espaço de convergência entre os interesses públicos e privados na gestão do social. Apesar das críticas, é importante que o assistente social esteja atento aos campos de trabalho no terceiro setor, atuando na gestão de serviços sociais públicos não estatais.
 9 REFERÊNCIAS ABONG – Associação Brasileira de ONGs. Lei 13.019/2014: fortalecer a sociedade civil e ampliar a democracia.São Paulo, 2018. BRASIL. Lei n. 13.019, de 31 de julho de 2014. Diário Oficial da União, Brasília, p. 1, 1 ago. 2014. Disponível em . Acesso em: 18 jul. 2019. CABRAL, E. H. de S. A gestão social do terceiro setor e suas dualidades. Revista Administração em Diálogo, São Paulo, v. 2, n. 11, p. 21-34, 2008. _____. Espaço público e controle para a gestão social no terceiro setor. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 86, p. 30-55, 2006. CARVALHO, M. do C. B. de. Gestão social: alguns apontamentos para o debate. In: RICO, E. de M.; DEGENSZAJN, R. R. (Org.). Gestão social: uma questão em debate. São Paulo: Educ; IEE, 1999. GONÇALVES, M. T.; KAUCHAKJE, S.; MOREIRA, T. A. Modalidades de gestão social no Brasil. InSitu, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 131-154, 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2019. IAMAMOTO, M. V. Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2005. KAUCHAKJE, Samira. Gestão pública de serviços sociais. Curitiba: InterSaberes, 2012. MAGALHÃES JÚNIOR, J. C.; TEIXEIRA, A. C. C. Fundos públicos e políticas sociais. São Paulo: Instituto Pólis, 2004. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2019. MAIA, M. Gestão social: reconhecendo e construindo referenciais. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 4, n. 4, p. 1-19, dez. 2005. PLATAFORMA OSC. [S.d.]. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2019. RAZÃO PARA ACREDITAR. Aplicativo permite doar tudo: alimentos, medicamentos até sangue! São Paulo, 2018. Disponível em: 10 . Acesso em: 18 jul. 2019. TENÓRIO, F. G. Gestão social: uma perspectiva conceitual. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 32, n. 5, p. 7-23, set./out. 1998. _____. (Re)Visitando o conceito de gestão social. Revista Desenvolvimento em Questão, v. 3, n. 5, p. 101-124, jan./jun. 2005. WANDERLEY, M. B. Discussão sobre gestão social: conceitos e protagonistas. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 16, n. 1, p. 19-29, jul./dez. 2013.

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