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1 ATUALIDADES Introdução a atualidades Alessandra de Fatima Alves C ATUALIDADES H 3 Introdução a atualIdades Desde os primórdios, quando os grupos hu- manos pouco se diferenciavam dos demais primatas superiores, saber a localização de uma fonte de água potável, ter acesso a um determinado campo de caça e protegê-lo contra eventuais invasores eram tidos como conhecimentos vitais, que hoje provavelmente chamarí- amos de estratégicos. Portanto, eram fundamentais não apenas para a sobrevivência dos indivíduos. A conser- vação destes conhecimentos permitia a perpetuação do grupo enquanto coletividade, à medida que uma nova geração fosse tomando contato com eles. Além disso, esse conjunto de informações, técnicas e métodos, tam- bém podia ser ampliado indefinidamente, desde que, evidentemente, a memória coletiva tivesse capacidade de armazená-lo de alguma forma. Surgiu, assim, a ne- cessidade do registro, do arquivo e, por consequência, do sigilo, uma vez que é sempre conveniente manter certas informações em segredo, a fim de não desper- tar a curiosidade ou a cobiça de certas pessoas “estra- nhas”, que, com o tempo, podem vir a tornar-se “rivais” ou até mesmo “inimigas”. Embora muita coisa já tenha se passado desde então, é importante reconhecer que, em seu íntimo, o ser humano continua sendo idêntico a seus ancestrais, isto é, vulnerável por um lado, frente as forças da natu- reza e frente a outros seres humanos que se mostrem mais poderosos que ele; e mesquinho por outro, uma vez que a riqueza e os conhecimentos acumulados não costumam ser generosamente repartidos com os seme- lhantes que, porventura, se encontrem em pior situação. Esta caracterização geral, em que a sensação de insegu- rança parece constituir-se num mal crônico e insepará- vel da própria condição humana, é extremamente atu- al, podendo-se dizer que o que se passou ao longo do tempo foi um enorme desenvolvimento na capacidade de um grupo atacar o outro com armas e organizações cada vez mais poderosas. Dos pequenos clãs, com suas lanças de pedra lascada, às grandes potências nucleares contemporâneas, o salto tecnológico e organizacional foi extraordinário. Há que se indagar, contudo, se o ins- tinto de preservação encontra-se de fato disseminado no conjunto da espécie humana, uma vez que, agora, o homem reúne capacidade de destruição suficiente para provocar a extinção não apenas do próprio homem, mas também da maioria das outras espécies que coabi- tam o planeta Terra. É por essa razão que, hoje em dia, o estudo da distribuição do poder político mundial tornou-se tão im- portante. Conhecer as razões que levaram à tamanha discrepância de poder entre os Estados e entre as várias regiões onde se pode dividir o espaço geográfico pla- netário apresenta-se como pré-condição para imaginar- mos uma alternativa que, de um lado, possa conduzir a uma divisão mais justa do poder e da riqueza mundiais e, de outro, não necessite do recurso à guerra para se alcançar tal objetivo. Sendo assim, a Geopolítica, enquanto disciplina que se propõe a compreender “o poder do espaço”, apresenta-se como ferramenta indispensável para que se possa obter uma visão mais clara e mais precisa acer- ca do “aqui” e do “agora” que estamos vivendo. É importante ressaltarmos, desde o início, que, na perspectiva teórica adotada aqui, o simples reconhe- cimento dos lugares constitui em si mesmo um saber “geopolítico”, ao menos de forma embrionária. Isto porque quem individualiza um espaço sempre o faz com alguma intenção ou sob alguma influência políti- ca. Nesta visão, tal saber antecede ao surgimento de um poder que se possa chamar convenientemente de “mundial”, algo que só se torna justificável a partir dos descobrimentos, iniciados no século XV. Em contraparti- da, a disciplina geopolítica só aparecerá como “ciência sistemática”, pesquisada e ensinada nas universidades, após sucessivos choques entre as grandes potências em torno do “poder mundial”. Tal situação é característica da virada do século XIX para o XX, quando só então disseminou-se a consciência do valor estratégico da Geografia para a construção de projetos que visassem modificar a distribuição do poder mundial. Assim, quando parecia que a Geografia havia encerrado sua contribuição, ao revelar a face da Terra para o ser humano, uma nova onda de acontecimentos viria renovar o interesse por essa ciência: de um lado, a grande indústria, com sua avidez por minérios, chama- 4 va a atenção para as pesquisas do subsolo; de outro, a falta de “vazios a explorar” indicava um acirramento de ânimos em torno das questões de fronteiras. Estavam assentadas, assim, as duas premissas básicas que falta- vam para que a Geopolítica se tornasse, daí por dian- te, inseparável da política de poder, tanto das grandes quanto das pequenas potências. Geografia política e Geopolítica Friedrich Ratzel A Geografia política clássica tem como precur- sor o geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que lançou as bases científicas e sistematizadoras dessa ciência. Dentre suas inúmeras contribuições, as mais importan- tes foram: § a ideia de que o objeto de estudo da Geogra- fia política deve ser a relação “Estado–solo– –sociedade”; § a teoria de que cada Estado tem sua vida política condicionada pelos fatores “espaço” (entendido como a área ocupada por um Estado) e “posi- ção” (este “espaço” relacionado a todos os ou- tros, isto é, à superfície da Terra); § a tese de que “espaço é poder”, isto é, o “espa- ço” não é visto apenas como suporte ou como veículo das forças políticas, mas é, em si mesmo, considerado uma poderosa força política; § a ideia de que o poder mundial sempre se repartiu entre potências “marítimas” e “continentais”; § a sua conclusão de que só o poder marítimo con- duz ao verdadeiro poder mundial, uma vez que a massa líquida dos oceanos, que estão interliga- dos, contém a massa sólida dos continentes, que estão separados entre si. Com base nestes cinco postulados, a Geografia política firmou-se como novo ramo da Geografia. Mais tarde, outra contribuição decisiva foi capaz de propor a primeira formulação, que ofereceria alguma previsi- bilidade aos acontecimentos da política internacional. Trata-se da teoria do “pivô geográfico da História”, de autoria do geógrafo e almirante inglês Halford John Mackinder. Halford John Mackinder À primeira vista, pode até parecer estranho que um almirante inglês tenha se tornado notável por con- testar a teoria do poder marítimo exposta por Ratzel. Entretanto, trata-se de algo bastante compreensível, pois Mackinder era um liberal que queria conservar 5 para sua pátria a condição de principal potência mundial. Ele estava preocupado com a possibilidade de que seus compatriotas estivessem acomodados com tal situação e, portanto, desatentos com o que vinha ocorrendo no resto do mundo. De fato, a ascensão de novas potências, como Estados Unidos, Alemanha, Japão e Rússia, vinha colocando em xeque a supremacia industrial britânica. Em particular, porque alemães e estadunidenses já haviam superado os ingleses na produção de aço, componente fundamental para a indústria bélica, e porque os russos haviam se tornado os principais concorrentes dos ingleses quanto ao poder mundial, uma vez que representavam o poder terrestre em oposição ao poder marítimo dos britânicos. Quando tomou contato com a obra de Ratzel, Mackinder compreendeu que a Alemanha, já um poder terres- tre no centro da Europa, aspirava a tornar-se também uma potência marítima, iniciando um vigoroso programa de construção de navios de guerra. Obcecado por mapas, Mackinder criticou, inicialmente, a distorção que a projeção cartográfica convencional provocava, pois, quando a Europa ocupou o centro das cartas, dava a impressão de ser muito maior e mais importante geograficamente do que era na realidade.Em contraposição, propôs uma projeção asiocêntrica, procurando mostrar que, no fundo, a Europa era apenas uma península da grande massa de terras emersas, que ele denominou “ilha mundial". Depois, com base numa análise histórica de longa duração, verificou que, nas grandes estepes da Ásia central, localizava-se a fonte das grandes transformações mundiais, como provavam as duas ondas de invasões bárbaras que atingiram as grandes civilizações: a primeira com os hunos de Átila, à época do Império Romano; e a segunda com os mongóis de Gêngis Khan, durante a Idade Média. Concluiu, por fim, que estas estepes eurasianas, abertas à movimentação da cavalaria, representavam “o pivô geográfico da História”. Mackinder indicava ademais que, nos tempos modernos, o cavalo havia sido substituído pelo trem e o Impé- rio Mongol, pela Rússia, mas, de qualquer forma, o mesmo conjunto achava-se protegido contra eventuais invasões das potências marítimas, configurando uma zona que representava uma verdadeira “fortaleza terrestre”, que mais tarde ele denominaria de “heartland” (coração continental). A consequência prática de sua teorização pode ser resumida em suas próprias palavras, proferidas durante os trabalhos da Conferência de Paz de 1919: “Quem dominar a Europa oriental controlará o coração continental. Quem dominar o coração continental dominará a ilha mundial. Quem dominar a ilha mundial controlará o mundo.” 6 Até hoje, suas ideias têm servido como orienta- ção prática para a política exterior, tanto do Reino Unido quanto dos Estados Unidos. Seu objetivo principal era impedir, a qualquer custo, uma aliança estratégica entre a Rússia e a Alemanha. Se esta aliança viesse a ocorrer, a supremacia do “livre-comércio” e dos anglo-saxões sobre o mundo estaria irremediavelmente ameaçada. Portanto, é compreensível que os alemães, derrotados na Primeira Guerra Mundial, passassem a levar mais a sério as recomendações do pensador britânico. A Geopolítica, por sua vez, nasceu com o jurista sueco Rudolf Kjellén, cuja fama se deve principalmente ao fato de ter criado o termo, buscando, principalmen- te, expressar suas concepções sobre as relações entre o Estado e o território. Para este autor, a Geopolítica consiste em um ramo autônomo da Ciência Política, distinguindo-se da Geografia política, a qual representa um sub-ramo da Geografia. Kjellén utiliza-se da ideia de Estado como organismo territorial preconizada por Ratzel, mas acaba por reduzir o Estado a um organismo de tipo biológico. Ainda que o termo Geopolítica tenha sido pronunciado pela primeira vez em trabalhos de Kjéllen, seu significado já havia sido explorado an- teriormente por vários pensadores que chamavam a atenção para a influência do meio geográfico na organização das sociedades. Na Grécia clássica, por exemplo, Aristóteles (384-322 a.C.) apontou com frequência a dependência da Ciência Política em relação à Geografia. Séculos depois, Estrabão (63 a.C.-21 d.C.), considerado por muitos o “pai” da Geografia humana, escreveu a maior parte de suas obras com o intuito de influenciar o processo de tomada de decisões dos governantes de sua polis. Na Idade Média, Alberto Magno (1206-1280) des- tacou-se por seus extensos conhecimentos geográ- ficos, chegando a profetizar, de forma surpreenden- te, a construção do canal de Suez. Finalmente, já na Era Moderna, Montesquieu (1689-1755), talvez o pensador político mais influente da escola iluminis- ta, não deixou dúvidas sobre sua crença em torno da influência do clima no comportamento humano, argumentando que, nas regiões mais quentes, o calor tendia a produzir um estado de inércia que tornava os povos tropicais mais lânguidos e menos aptos ao trabalho árduo, do que os habitantes de regiões mais frias. Kjéllen, em seus muitos trabalhos, não deixou dúvidas quanto ao caráter estreito, reducionista e ex- pansionista de sua concepção de Estado e dos objetivos de sua “nova ciência”, intencionalmente dirigida aos “Estados-maiores” dos impérios centrais da Europa, em especial a Alemanha. Daí a sua rejeição da Geo- grafia política tal como vinha se desenvolvendo, isto é, um campo de investigação acadêmico-autônomo e separado dos projetos estatais imediatos. Toma-a como base geral apenas em aspectos passíveis de instrumen- talização, submetendo-a aos requisitos das estratégias de conquista e domínio. Com isso, Kjéllen inaugura a mais controvertida de suas vertentes, a “Geografia po- lítica da guerra”, ou a Geopolítica, que, posteriormente, serviria de base para o desenvolvimento das teorias es- tabelecidas por Halford Mackinder, Alferd Mahan, Karl Haushofer e Nicholas Spykman, autores tidos como “clássicos” da Geopolítica. Aqui, é vital reconhecer que o surgimento da Geopolítica, enquanto pretensa ciência que trata da dependência dos acontecimentos políticos em relação ao solo, como definia a escola alemã, guarda estreita correspondência com a passagem do capitalismo à sua fase monopolista, isto é, quando o fenômeno da grande indústria forjou a formação das grandes empresas que, hoje, chamamos de multinacionais e quando os poucos Estados industrializados partiram em busca de novos mercados e fontes de matérias-primas, consolidando um novo tipo de colonialismo, denominado imperialis- mo. Esta denominação é interessante e se justifica de duas maneiras: em primeiro lugar, remete à história dos antigos impérios, onde vários povos de origens culturais diferentes encontravam-se submetidos a um coman- do centralizado, o que revela uma forma de poder do tipo antinacional; e em segundo lugar, paradoxalmen- te, ela não deixa de sugerir a própria intensificação do nacionalismo, o que, de fato, existia à medida que a concorrência entre as empresas vinha sendo transferida para o âmbito do sistema de Estados, pois os mercados nacionais já se mostravam pequenos para as ambições 7 do grande capital. De alguma maneira, o que o pen- samento geopolítico preconizava era a “exportação” da influência de um Estado, quer para a sua vizinhança imediata, quer para áreas mais distantes. O Estado é a forma como a sociedade se orga- niza politicamente, ou seja, é o ordenamento jurídi- co que regula a convivência dos habitantes de um país. Fazem parte do Estado as instituições políticas e administrativas encarregadas de formular leis e colocá-las em prática (Poderes Legislativo, Executi- vo e Judiciário). O Estado precisa contar com forças armadas, responsáveis pela defesa do território e pela ordem interna. Já o conceito de nação pode ser definido como um coletivo humano com carac- terísticas comuns, como a língua e a religião. Os membros desse coletivo estão ligados por laços históricos, étnicos e culturais. O território de um país é a base física sobre a qual um Estado exerce sua soberania. É delimitado por fronteiras, que po- dem ser naturais (um rio, uma cordilheira etc.) ou artificiais, ou seja, traçadas sem considerar esses elementos naturais. O território de um país é for- mado pelo solo continental e insular, pelo subsolo, pelo espaço aéreo e pelo território marítimo. De fato, muitas vezes, parece que as guerras são mero resultado das teorias geopolíticas. Outras vezes, ao contrário, é como se as teorias geopolíticas fossem consequência das guerras. Para entender esse paradoxo, é fundamental estabelecer correlações políticas entre os lugares, nas mais variadas escalas. Para tanto, é preciso reconhecer que o elemento-chave para a análise é o Estado, que se expressa como “um pedaço de humani- dade e um pedaço de Terra“, segundo Friedrich Ratzel. De outra parte, porém, é forçoso admitir que a crescen- te pressão sobre os recursos naturais e a intensificação das trocas de bens, capitais e serviços, vêm ensejando o surgimento de organizações supraestatais, os chamados blocos econômicos, o que, muitas vezes, ocasiona uma colisãocom as estruturas jurídico-espaciais anteriores. Em outras situações, no entanto, estas novas barreiras interblocos podem ser vistas como uma espécie de freio ligado à globalização e, em outras ainda, o nacionalis- mo, contraditoriamente, pode servir como um estímulo à penetração dos interesses do capital internacional, o que se pode observar na desintegração da União Sovi- ética, Iugoslávia e Tchecoslováquia. De qualquer modo, independentemente das variadas formas que o fenôme- no pode assumir, a questão de fundo é a da eterna luta pelo poder. aprofunde seus conhecImentos § COSTA, Wanderley Messias da. Geografia po- lítica e geopolítica. (1992). § TOSTA, Octávio. Teorias geopolíticas. (1984). ATUALIDADES Introdução a atualidades Alessandra de Fatima Alves 1 C ATUALIDADES H
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