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A Professora Therezinha de Castro, entre vários intelec tuais e acadêmicos que no Brasil se intitulam conhecedores da Geopolítica, está entre os pou cos que conhecem essa ciência. Seus livros, O Brasil no Mundo Atual,· O Brasil da Ama zônia ao Prata; África - Geohis tória, Geopolítica e Tratados In temacionais; Nossa América. - Geopolítica Comparada e a reedição, agora, revista e aumen tada de Geopolítica - Princípios, Meios e Fins, entre outros, cons tituem um precioso relicário de cultura especializada. Deixou nome acadêmico respeitável durante os longos anos que lecionou no tradicional Colégio D. Pedro II e que mili tou no Conselho Nacional de Geografia. Atualmente, perten ce ao Corpo de Professores da Escola Superior de Guerra. Prováveis publicações da Coleção General Benício para o ano 2000 SOO Anos de História do Brasil Guilherme Andrea Frota A Chama da Nacionalidade : Ecos da Guerra do Paraguai Marco Antonio Cunha A Engenharia Militar Portuguesa na Construção do Brasil Aurélio de Lyra Tavares A Estrutura de Defesa do Hemisfério Stetson Conn e Byron Fairchild A Face da Batalha fohnKeegan A Sociedade Militar de 18 15 até nossos dias Raoul Girardet Civilização, Guerra e Chefes Militares f. B. Magalhães História Militar do Brasil Gustavo Barroso Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas Synésio Sampaio Coes Filho O Estudo da Batalha Ardent du Picq O Livro Negro do Comunismo Stéphane Courtois e outros Poderosos e Humildes Vemon Walters GEOPOLÍTICA Princípios, Meios e Fins • BIBLIOTHECA DO EXERCITO Casa do Barão de Loreto - 1881 - Fundada pelo Decreto n2 8.366, de 17 de dezembro de 1881, Por FRANKLIN AMÉRICO DE MENEZES DÓRIA, Barão de Loreto, Ministro da Guerra, e reorganizada pelo General-de-Divisão VALENTIN BENfCIO DA SILVA, Pelo Decreto n2 l.748, de 26 de junho de 1937. Comandante do Exército General-de-Exército Gleuber Vieira Secretário Geral do Exército General-de-Divisão Francisco Roberto de Albuquerque Diretor de Assuntos Culturais General-de-Brigada Paulo Roberto Brum de Moraes Diretor da Biblioteca do Exército Coronel de Engenharia Luiz Eugênio Duarte Peixoto Conselho Editorial Presidente Coronel de Aralharia e Estãdo-Maior Luiz Paulo Macedo Carvalho Benemérito Coronel Professor Celso José Pires Membros Efetivos Embaixador Celso Antônio de Souza e Silva Embaixador Francisco de Assis Grieco Embaixador Manoel Pio Corrêa General-de-Divisão Carlos de Meira Mattos General-de-Bngada Ulisses Lisboa Perazzo Lannes General-de-Brigada Ancildes de Moraes Mottã Coronel de Artilharia e Estãdo-Maior Luiz de Alencar Araripe Coronel de Artilharia e Estãdo-Maior Amerino Raposo Filho Coronel de Cavalaria e Estãdo-Maior Ni/son Vieira Ferreira de Mel/o Professor Doutor Arno Wehling Biblioteca do Exército Palácio Duque de Caxias, 25-Ala Marcílio Dias -32andar 20221-260-Rio de Janeiro, RJ -Brasil Tel.: (55 021) 519-5707 Fax (55 021) 519-5569 DDG: 0800 238 365 Endereço Telegráfico •BIBLIEX" E-Mail: bibliex@ism.com.br Home-Page: http://www.bibliex.eb.br Therezinha de Castro GEOPOLÍTICA Princípios, Meios e Fins Biblioteca do Exército Editora Rio de Janeiro 1999 BIBLIOTECA DO EXÉRCITO EDITORA Coleção General Benício Copyright © by Therezinha de Castro Direitos cedidos para esta edição Capa: Murillo Machado Revisão : Renaldo di Stasio Ellis Pinheiro C355 Castro, Therezinha de, 1 930- Publicação 686 Volume 355 Geopolítica, princípios, meios e fins / There zinha de Castro. - Rio de Janeiro : Biblioteca do Exército Ed., 1 999. 392 p. - (Biblioteca do Exército; 686. Coleção General Benício; v. 355) ISBN 85-70 1 1 -263-7 1 . Geopolítica. 1. Título . II. Série. CDD 320. 12 Nota da Editora: A grafia dos topônimos nesta obra está feita exatamente como determina a autora. Impresso no Brasil Printed in Brazil APRESENTAÇÃO A reedição do livro Geopolítica - Princípios, Meios e Fins, agora revisto e aumentado de autoria da Professora Therezinha de Castro virá enriquecer a coleção pre ciosa das obras já escritas pela ilustre intelectual e mestra . Há trinta anos a Professora Therezinha milita no cam po científico da Geografia, da Geopolítica e da História. Foi aluna dileta do inesquecível geógrafo brasileiro Professor Delgado de Carvalho . Formada pela antiga Faculdade Na cional de Filosofia da Universidade do Brasil, continuou ao lado de seu Mestre, no Conselho Nacional de Geografia, onde colaborou na elaboração dos fascículos do Atlas de Relações Internacionais . Destacou-se no ramo científico da Geopolítica pela qua lidade de seus inúmeros livros, pela excelência de suas pales tras e conferências e por sua colaboração valiosa em vários jornais e revistas especializados, nacionais e estrangeiros. O universo abrangido pela difusão cultural do pensa mento da Professora Therezinha não se restringe ao Brasil . Convidada especial, profere conferências habitualmente em Universidades e Centros de Estudos de Portugal, Argentina, Chile e Venezuela. Seu livro Geopolítica - Princípios, Meios e Fins, reedita do agora pela BIBLIEX, foi durante estes últimos 15 anos a fonte preciosa de ensinamentos de geopolítica, de política na cional e internacional, consultado por militares estudiosos des tes assuntos. Em seus estudos de geopolítica a Professora The- rezinha levantou o véu do interesse nacional pelo estudo de nossa estratégia para o Atlântico Sul e da necessidade de nos sa presença no Continente Antártico . Nestes últimos anos a Professora Therezinha vem inte grando o quadro de professores do Corpo Permanente da nossa Escola Superior de Guerra (ESG) . Aqueles que passaram por este alto instituto de estudos políticos e estratégicos, nestes S anos, saíram conquistados pelas aulas extraordinárias por ela proferidas e pela admiração que transcende de sua inteligên cia dinâmica e cultivada. É um prêmio cultural termos entre nós a Professora The rezinha de Castro . Rio de Janeiro, RJ, novembro de 1 999 General-de-Divisão Carlos de Meira Mattos Membro do Conselho Editorial da Bibliotheca do Exercito SUMÁRIO 1 - GEOPOLíTICA SISTEMÁTICA Introdução Da Geografia à Geopolítica Determinismo e Possibilismo O Meio Geográfico e as Criações Políticas Fronteira e Estado O Movimento Expansionista e as Bases do Colonialismo Moderno Colonialismo e Satelitismo Guerra Fria: Imperialismo, Nacionalismo, Neutralismo e Regionalismo II - GEOPOLíTICA GERAL Problemáticas do Poder Mundial Teoria do Poder Marítimo de Alfred Thayer Mahan (1840-1914) Teoria do Poder Terrestre de Halford Mackinder (1861-1946) Confronto Mahan-Mackinder O Poder Aéreo e Aeroespacial Geopolítica e Poder Geopolítica e Poder Mundial 15 17 20 25 36 46 67 87 93 103 105 105 116 125 127 133 135 Sincronismo do Confronto Oceanopolítica Continentalidade-Maritimidade Impasse Leste/Oeste Terceiro Mundo Confronto Populacional Multipolaridade Europa Ásia África A Nova Ordem e os Novos Bárbaros III - GEOPOLtrlCA REGIONAL Ilha Americana O Eixo Norte-Sul: TIAR Dicotomias Norte/Sul e Leste/Oeste Atlântico Sul: Contexto Regional Bacia do Caribe Cone Sul: Conjuntura Internacional A Crise das Malvinas e os Seus Reflexos Antártica: Suas Implicações MERCOSUUNAFT NUE IV - CONCLUSÃO 158 158 166 184 210 224 232 235 239 252 258 263 265 276 287 303 324 342 351 360 366 371 Nota: A Bibliografia se encontra ao pé da página no momento em que é citada. ILUSTRAÇÕES Esquema: Origem da Geopolítica Brasil: consolidação de fronteiras Te o ria de Mackinder Áreas de domínio aéreo (Seversky) Europa após a Segunda Guerra Mundial Posicionamento do Brasil no Atlântico Pontos naturais de estrangulamento Disputas na zona de segurança do TIAR Tese de Triangulação Insular no Atlântico Sul Tese de Triangulação Bacia do CaribePosicionamentos Tese Haushofer/Rufin 18 55 119 129 140 180 186 282 310 325 328 350 388 PREFÁCIO A Professora Therezinha de Castro tem contribuído largamente para o enriquecimento dos estudos geopolíticos no Brasil . Os trabalhos publicados em revistas especializadas, as palestras eruditas e técnicas, nas Escolas de Estado-Maior das Forças Armadas, e a constante atividade do cente colocam-na como uma das mais proeminentes e fecunda especialista em Geopolítica. Têm, os seus escritos e trabalhos, larga aceitação no Brasil e internacionalmente . Situa-se como uma das poucas mulheres a desenvolver estudos geopolíticos com seriedade, erudição e bem lastreados sociológica, geográfica e his toricamente com dados e informações sempre pertinentes. Possui visão perspectiva e prospectiva da dinâmica que assume o processo geopolítico, nos seus desdobramentos geo estratégicos, diplomáticos e no background do jogo de poder entre as potências mundiais . É despida de estereótipos ou preconceitos. No livro Geo política - Princípios, Meios e Fins - lançado pelo Colégio Pedro II - demonstra a sua erudição e capacidade de pesquisa e análi se, introduzindo classificação inédita nos estudos geopolíticos. A denominação de Geopolítica Sistemática, dada ao capítulo 1, é original. A autora mostra de modo linear e claro como, partin do da divisão clássica da Geografia em Geografia Física e Política, esta última se desdobra nos conceitos e verificações da humana, regional, social, antropogeografia, geohistória, geografia militar e da geoestratégia até interagir com a História, fundamentando os princípios, as interpretações e projeções geopolíticas. Geopolítico - Princípios, Meios e Fins Na Geopolítica Sistemática mostra-nos como as raízes do pensamento geopolítico se abeberam e derivam da Ciência Geográfica . Lança mão do pensamento de Alexandre de Humboldt, Karl Ritter, Frederico Ratzel, Paul Vidal de la Biache, Jean Bru nhes e Camille Vallaux ao levar o leitor ao entendimento das relações do Meio Geográfico e as Criações Políticas. É importante enfatizar que a autora evita conceituar Geo política antes de explicitar, minuciosamente, os pensamentos de Ratzel, Kjellen e Haushofer e contrapô-los às restrições de A. Demangeon, lsaiah Bowman e Jean Gottmann. Poucos autores tiveram a ausência de preconceitos e fo ram capazes de retratar Karl Haushofer em verdadeira grandeza e sem adjetivações pouco lisonjeiras, fruto do desconhecimento dos seus escritos ou da paixão política. As informações forneci das neste capítulo mostram-nos como Haushofer hauriu os pen samentos de Ratzel e Kjellen e transformou-os num planejamento geoestratégico para a Alemanha. Ao abordar o Movimento Ex pansionista e as Bases do Colonialismo Moderno e as suas de corrências sob a forma de Colonialismo, Satelitismo e Guerra Fria, Therezinha de Castro prepara, de modo racional, preciso e denso de informações, o entendimento das Problemáticas do Poder Mundial e do quadro contemporâneo das Relações Inter nacionais, objeto do capítulo II . Descreve as Teorias de Alfred Thyler Mahan e Halford Mackinder para, a seguir, estabelecer um confronto e paralelismo entre as Teorias do Poder Marítimo e do Poder Terrestre . Não se limita e parece não desejar exaurir-se somente nos aspectos meramente descritivos da Teoria de Mahan e Mackinder; introduz na exposição de suas análises a visão da Geopolítica e Poder, e num aspecto mais amplo Geopolítica e Poder Mundial. No capítulo III, com prioridade, a autora mostra-nos que é possível admitir, para fins de análise, correlacionamento e inte gração sistémica à existência de Geopolítica Regional . 12 Prefácio Monta a Geopolítica Regional de forma criativa como se fosse um mosaico, justapondo os temas que constituem, no momento atual, o caminho crítico de um hipotético diagrama PERT das Relações Internacionais . Com os conhecimentos geográficos e históricos que detém, forneceu os elementos que, através do que chama Geopolítica Sis temática, levaram-na a não considerar a Geopolítica Geral como simples rol das Teorias do Poder Terrestre, Marítimo e Aéreo, como acontece na maioria dos autores que trataram do assunto. Os itens que são abordados no capítulo III se interrelacionam e se desenvol vem de modo que o dado fornecido é acompanhado de uma análi se crítica, que conduz o leitor a tirar ilações e formular projeções sobre o mundo, interagindo com a região onde vive. Os dados sobre o problema da Bacia do Caribe, visto pela ótica da Doutrina do Almirante Gorshkov - flechamento de rotas pregado por Mahan e se valendo dos vasos comunicantes geográ ficos interoceânicos -, fazem-nos compreender com clareza me ridiana a ação dos Estados Unidos em relação à Nicarágua, a inva são da Ilha de Granada e a importância da política externa brasilei ra em relação ao Suriname e à antiga Guiana Inglesa. A Doutrina Gorshkov chega-nos de modo sucinto, mas preciso, levando-nos a visualizar o tropismo geopolítico russo de buscar os mares quentes e de se contrapor ao Poder Marítimo dos Estados Unidos, estabelecendo novo centro de gravidade para a ação geopolítica soviética, dentro do binômio continen talidade e maritimidade. Ao estudar o Cone Sul e a Conjuntura Internacional, leva nos a sentir as implicações da ação soviética no Índico, infletin do para o Atlântico Sul, realizando o Périplo Africano no senti do inverso aos dos navegadores portugueses. Tem posição lúci da e realista em relação à África do Sul e não aceita a imagem fora de foco do problema, quando, através do emocionalismo, algumas potências européias e os Estados Unidos tentam sim plistamente, querer explicar a questão pelo apartheid Sensibili- 13 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins za-nos para a posição brasileira em face do Cone Sul e do Atlân tico, induz o leitor, partindo de premissas verdadeiras, para a conclusão do que a segurança e o futuro de potência mundial do Brasil - o nosso destino manifesto - está no grande lago que é o Atlântico Sul e em a nossa integração com a África Ocidental . A crise das Malvinas e os seus reflexos são examinados nas suas várias facetas, através de análise crítica bem fundamentada. Mostra a posição dos Estados Unidos, a falência do TIAR e o apoio dado à Inglaterra, peça chave dos interesses americanos na OT AN. A professora Therezinha de Castro, pioneira nos estudos antárticos, foi uma voz constante reclamando das autoridades brasileiras maior interesse pelo continente gelado. Em face do silêncio brasileiro, clamou e difundiu, em conferências, artigos e livros a Tese da Defrontação que dá respaldo ao Brasil para exi gir sua participação eficaz e efetiva na Antártica. O desenvolvimento do item "Antártica: suas Implicações" é lapidar. Geopolítica: Princípios, Meios e Fins é um manual de Geo política moderno, vazado em linguagem clara e cartesiana. Será de utilidade inestimável nas Universidades, nas Esco las de Estado-Maior e nas estantes de quantos estudam Geopo lítica. O livro, escrito por uma professora civil, editado por um colégio civil e sesquicentenário, não encontra paralelo em publi cações nacionais e estrangeiras; irá enriquecer a bibliografia de Estudos Geopolíticos . A maior homenagem que o Colégio Pedro II poderia pres tar à Therezinha de Castro está em incluir a obra na "Série Del gado de Carvalho" . Parodiando Camões, nos seja permitido di zer: - de tal Mestre, tal Discípula se esperava. 14 Rio de Janeiro, 1 8 de agosto de 1986 Wilson Choeri Colégio Pedro II I GEOPOLÍTICA SISTEMÁTICA INTRODUÇÃO Tradicionalmente, a Geografia esteve sempre afeita a duas divisões gerais - uma Física e outra Política. Com o transcorrer do tempo, à medida que foram surgindo outras versões especi alizadas, a Geografia iria evoluindo não somente em seu con teúdo como ainda em suas denominações. Os neologismos são abundantes em Geografia, como em qualqueroutro setor de conhecimentos humanos; e, quando cunhados para satisfazer a um novo ponto de vista, nem sempre são acolhidos com o mes mo entusiasmo por todos os estudiosos da matéria. No entanto, é fato ser, a Geografia, um agregado de ciências. (Fig. 1) Assim, em 1796, Jedidiah Morse escrevia uma Geografia que dividia em três partes - Astronômica, Física ou Natural e Política. Como incluía, além da História, também, uma parte sobre navegação, comércio e manufaturas, englobando o que hoje se chama de Geografia Econômica. A Geografia, porém, evoluiu ante à coordenação dos variados fenômenos físicos nos estudos de Alexander Hum boldt, famoso por haver percorrido, só no continente ameri cano, cerca de 65 .000km, e que só aos 86 anos, em 1 855, con seguiu concluir sua famosa obra - Kosmos. Caberia, porém, ao seu contemporâneo e patrício, o ale mão Karl Ritter, insistir nas ligações entre os fatores físicos e os fenômenos humanos, lançando as bases da moderna Geo grafia Humana em seu trabalho A Geografia em Relação com a Natureza e a História do Homem. * • Do original em alemão - Die Erdkund im Verha!tnis zur Natur und Geschicht des Menchen. 1 7 Geopolítica - Princípios, Meios e Fins Observamos, assim, que tanto Humboldt quanto Ritter se destacaram por ligarem os fenômenos físicos e humanos entre si ; e é justamente destacando o elo que une os fenôme nos físicos aos humanos que surgirá, em seu papel caracterís tico, a Geografia. GEOGRAFIA � FÍSICA HISTÓRIA Figura 1 POLÍTICA HUMANA REGIONAL SOCIAL ANTROPOGEOGRAFIA GEOHISTÓRIA MILITAR GEOESTRATÉGIA GEOPOLÍTICA Mas o destaque à parte regional iria ser acentuado por Paul Vidal de la Biache, geógrafo francês que estudou as rela ções múltiplas que unem os meios físico e humano em seu Pnncípios de Geografia Humana*. Para Vidal de la Biache, "a Geografia é a ciência dos lugares e não dos homens"; no en- • Obra publicada em Paris, postumamente, em 1921 , por Emmanuel de Martonne, segun do manuscritos do autor sob o título de Prindpes de Géographie Hum aine. 1 8 Therezinho de Castro tanto, conclui : "Está interessada nos acontecimentos da His tória na medida em que eles ponham em ação e esclareçam, nos lugares onde ocorram, qualidades e virtudes, já que sem esses acontecimentos permaneceriam latentes . " O termo Geografia Humana foi criado pelo geógrafo , também francês, Jean Brunhes, em 1 920, no tomo 1 da His tória da Nação Francesa, de Gabriel Hanoteaux. No ano seguinte, publicava, em colaboração com Camille Vallaux, La Géographie de l'Histoire, que foi, segundo declarações do próprio Brunhes, "a continuação e a expansão lógicas da Geografia Humana . " Essa continuação e expansão lógicas mostram, sobre tudo, que o homem não se pode subtrair, em absoluto, às condições naturais , políticas e culturais de seu espaço vital . Muito embora essas condições dadas como constantes pos sam vir a ser modificadas em seus efeitos no quadro espaci al da humanidade de acordo com o seu progressivo desen volvimento cultural . Assim, enquanto Brunhes-Vallaux extrapolavam para a Geografia Social*, os alemães, tendo à frente Friedrich Ratzel, formulavam os sólidos princípios da Antropogeografia. O 1 º tomo da Antropogeografia de Ratzel apareceu em 1882 com o subtítulo de "Fundamentos da Aplicação da Geo grafia à História"; e o 22, relativo à "Distribuição Geográfica do Homem", em 1 89 1 , seguindo-se, em 1 897, a sua célebre "Geografia Política" . * * Os trabalhos de Ratzel nos levam a pensar que a missão da Geografia não é unicamente a de definir condições prévias naturais da evolução cultural, mas, sobretudo, incursionar pelos • A Geografia Social, com Vallaux, em seu trabalho Les Sciences Géographiques - Paris, 1925, tomou como base a morfologia social da Geografia Humana, bem como os fatos geográficos em Sociologia. " Respectivamente, dos originais em alemão: Anthropogeographie Grundzüge der Anwen dung der Menschen - Politische Geographie. 1 9 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins caminhos das formas de cultura ao enfrentar critérios distin tos da ciência antropológica. Da Geografia à Geopolítica O pensamento de Ratzel iria aos poucos evoluir, já que para ele o homem não se encontrava unicamente frente à na tureza; a importância cada vez mais absorvente e dominado ra do Estado se impunha. Conseqüentemente, a 2ª edição de sua "Geografia Política'� em 1 903, levava como subtítulo "Geo grafia dos Estados, do Tráfico e da Guerra".* Os ecos do trabalho de Ratzel levariam a Ciência Geo gráfica a buscar apoio em outras disciplinas que se ocupavam do Estado . E, no contexto da base geográfica, a Geografia Po lítica passaria a se ocupar das relações entre grupos organiza dos no espaço ou território. Em razão disto, como nenhum Estado pode existir sem território, nenhum território pode se transformar num Estado de fato sem a presença do povo. Em se tratando de tribos nômades já se pode falar em Geografia Política; mas, no momento em que esses grupos humanos se tornam sedentários e sob o controle de um go verno criam unidades políticas, a Geografia Política vai toman do feições mais complexas. É algo mais do que uma forma histórico-social para se destacar dentro do contexto geográfi co como uma força que gravita sobre o solo . O fato de haver os limites e fronteiras tomado lugar de destaque no âmbito da Geografia Política, leva, no evoluir cons tante, às rivalidades em territórios contestados, zonas de infiu ência, envolvendo episódios históricos do passado e do presen te. Nesse contexto surge a Geohistória para a introdução e expli cação da Geografia Política. A Geohistória é a ciência geográfica das sociedades históricas organizadas sobre o espaço natural. A • Do original - Geographie der Staaten, des Verkehrs und Krieges. 20 Therezinha de Castro noção de espaço vitãl, no qual se realizam todas as relações do homem e do solo, leva-nos a compreender melhor a marcha de uma detemúnada cultura, os fatos políticos e os sucessos históri cos. A Geohistória visa à noção da geografia do mundo em ter mos de desenvolvimento histórico. Nestas condições, a Geohis tória é susceptível de explicação estática e dinâmica; procura as sociar o impulso histórico à inércia geográfica. Sabemos que as &onteiras criam no ambiente geográfi co uma unidade política historicamente complexa, levando, tudo isso, a Geografia Política a um alto grau de objetividade e desprendimento. É que não existem dois ambientes idênti cos e muito menos dois Estados inteiramente semelhantes . E como na extensão da esfera de atividade dos Estados surgem esforços para a proteção das &onteiras contra possíveis agres sões, o fato leva o estudioso a um outro ramo da Geografia Política - a Geografia Militar. Conseqüentemente, aplicando se o que Karl von Clausewitz* afirmava em meados do século XIX: "Subordinar o ponto de vista político ao militar seria absurdo, pois é a política que cria a guerra. A política é a inte ligência orientadora e a guerra apenas o instrumento e não vice-versa. Não há, portanto, nenhuma outra alternativa se não subordinar o ponto de vista militar ao político ." A configuração atual dos Estados é diferente da do passado e poderá vir a ser diversa da do futuro, visto que não há critérios físicos rígidos para sua forma e caráter geo gráficos . O fato de existirem superpotências e Estados s e cundários, mostra a existência do Poder tanto econômico quanto militar, sendo difícil dissociar os dois hodiernamen te; a despeito de se vir aplicando economicamente a classi ficação em Estados desen volvidos e subdesen volvidos. Por sua vez, a Geografia Política, que pode ser conside rada como termo último senão definitivo da História Política, • On War - tradução para o inglês - Nova Jersey, 1976. 2 1 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins é, na realidade, a sua forma presente. Em conseqüência,sua importância reflete a evolução do Estado no espaço e no tem po, num gerar de conflitos entre a independência política por um lado e sua interdependência econômica pelo outro. O substancial crescimento da população mundial no sécu lo XIX, desenvolvendo uma maior interpenetração de culturas e incremento da cooperação internacional, criou pontos de dis córdia entre os Estados. Assim, a população se transformou num fator de poderio militar, já que os Estados colocavam, via de re gra, a conservação de sua individualidade, de sua posição relati va de força acima de sua própria prosperidade econômica. Em função disto, considerando-se o Estado como uma criação de segurança coletiva, que existe para a defesa, para a luta, a Geo grafia Política toma nova modalidade na Geoestratégia, reivin dicada por certos setores militares como sendo de sua esfera ex clusiva. Isto porque as relações internas e externas dos Estados modernos, normalmente, não são capazes de separação. Sabendo-se que a Política se baseia essencialmente na Histó ria e que esta não dispensa a Geografia, que lhe serve de base e quadro condicionando seus princípios, impõe-se então a Geo política, onde o Estado se apresenta como um organismo vivo. Podemos, então, concluir que a Geopolítica é a relação entre a Geografia e a Política, enquanto a Geoestratégia é a relação entre a Geografia e a Estratégia. Tanto a Política quan to a Estratégia se ligam às condições internas e externas de um Estado, sendo governadas por fatores geográficos. O termo Geopolítica foi criado pelo sociólogo sueco Rudolf Kjellen em sua obra de 1 9 1 6 - O Estado como Forma de Vida''.* • Do original sueco Staten som Lifsfonn. 22 Therezinho de Castro Ciência da vinculação geográfica dos acontecimentos políticos, a Geopolítica tem por objetivo principal o aprovei tamento racional de todos os ramos da Geografia no planeja mento das atividades do Estado, visando a resultados imedia tos ou remotos. Em razão disto, a Geopolítica pode ser consi derada como um estudo dos precedentes históricos em fun ção dos ambientes geográficos; os resultados deste estudo le vam a conclusões práticas aplicáveis ou não à atualidade. Con seqüentemente, surgindo problemas históricos no campo da Geografia, e interpondo-se fatores geográficos no transcurso da História, cabe à Geopolítica coordená-los, investigá-los e procurar resolvê-los. Definida por Kjellen como a ciência do Estado, como organismo geográfico e significativamente como soberania, a Geopolítica passou a ser no dizer do alemão Karl Haushofer, como a "arte de guiar a Política na prática". Torna-se complexo, muitas vezes, traçar-se uma linha divisória entre a Geohistória e a Política; sabe-se, no entan to, que a primeira trata das relações entre povos e ambien tes nos diferentes estágios do passado, enquanto a segun da, bem mais dinâmica, se preocupa com a evolução dos Estados . Muitos confundem Geopolítica com Geografia Políti ca; assim, uma das definições da Geopolítica é a de que se constitui na Geografia Política com vistas ao futuro . No en tanto , para diferençar uma da outra podemos dizer que a Geografia Política é como a fotografia, portanto, estática; enquanto a Geopolítica é como o filme, tem movimento, é dinâmica. Em contrapartida, como o auge da Geopolítica vem da importância adquirida na guerra total da época moderna, alguns confundem-na com a Geoestratégia. Daí Derwent Wittlesey* The Earth and the State - Nova York, 1944. 23 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins haver definido a Geopolítica como uma "criação do militaris mo e um instrumento de guerra". Afirmou Clausewitz que "quando comunidades intei ras vão à guerra - povos inteiros e especialmente povos civilizados - a razão sempre se encontra em alguma situa ção política e a ocasião é sempre devida a determinado objetivo político . A guerra é , portanto, um ato de política" . Não restam dúvidas que fatores básicos da Geopolítica fi guram nos estudos militares estratégicos, e que assim sen do essa ciência serve como instrumento de análise tanto para fins políticos civis como para militares . Dentro dessa dualidade, Griffith Taylor define Geopolítica como 110 es tudo dos mais relevantes aspectos da situação e recursos de um país, com vistas à determinação de sua posição rela tiva na política mundial" . Donde se conclui que a Geopolítica relaciona a Geo grafia e a Política, podendo ser diferentemente aplicada se gundo seus princípiosf meios e fins; afirmando, portanto, Jean Gottmann*, que "entre a política e a realidade se cru za o abismo da ignorância e a lógica dos homens" . É fato notório de que houve um estreito relaciona mento entre a Geopolitik e o planejamento expansionista na Alemanha de pré-guerra. Daí A. Demangeon, * * geógra fo &ancês, haver escrito em 1 932 que "a Geopolítica alemã renunciou deliberadamente a todo e qualquer espírito ci entífico . . . A Geopolítica foi um golpe montado, uma má quina de guerra". Por sua vez, o estadunidense Isaiah Bow man afirmava: "A Geopolítica oferece uma visão deforma da das relações históricas, políticas e geográficas do mun do . . . Contém um princípio p ernicioso e autodestrutivo; quando os interesses internacionais entram em conflito ou • ú Politique áes Étilts et leur Géographie - Paris, 1952. •• Geógraphie Politique - Annales de Géographie - Torno XLI. 24 Therezinho de Castro se superpõem só o poder, a força decidirá . " Nesse artigo escrito em 1 942, citado por Delgado de Carvalho , * B ow man mostrava-se pessimista em face do expansionismo na zista; no entanto, acreditava numa Geopolítica simples e segura, e que em seus princípios, meios e fins, ao revelar as teorias e a política alemãs, passou a ser "uma ilusão, uma farsa e uma desculpa para o assalto" . Convertida na consciência geográfica do Estado, a Geo política pode prestar serviços às causas da guerra como tam bém às da paz, desde que adequadamente formalizada. Po derá, assim, traçar metas para um bom governo fundamen tando suas diretrizes no setor da integração, no aproveitamento sistemático de seu espaço e posição . Criada a Geopolítica, os que inicialmente se valeram dela deixaram sem solução mui tos de seus problemas essenciais . Concluo, assim, com meu mestre Carlos Delgado de Carvalho: "Os estudos de Geopolí tica têm sido feitos um tanto esporadicamente e não sistemati camente . Maior atenção é geralmente dada aos princípios ge rais desta nova disciplina, com ocasionais exemplos de casos concretos, mas com marcada preferência pelas discussões teó ricas. O fato não é novo: o mesmo se deu com a Sociologia. " Determinismo e Possibilismo Não sendo autômato , sem determinação ou vontade própria, goza o homem do fator liberdade numa proporção que aumenta na razão direta do avanço da Ciência e da T éc nica; a esse fato dá-se o nome de possibilismo. Dentro do possibilismo, os estudos de Vidal de la Bia che, de Jean Brunhes e de lsaiah Bowman não se integram à Geopolítica propriamente dita; já que não encontramos neles • ln manuscritos inéditos em poder da autora deste livro. Datado de 30 de janeiro de 1957 - Petrópolis. 25 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins as diretrizes que caracterizam a Política e a Estratégia empre gadas pelo Estado-Nação na consecução de seus objetivos. Vidal de la Blache concebe, no entanto, dentro do seu possibilismo que: "A ação presente e futura do homem, mo dernamente senhor das distâncias, sustentado pelo progres so da Ciência, ultrapassa de muito a ação de seus antepas sados. Felicitemo-nos que assim seja, pois a colonização a que assistimos não seria possível se a natureza pudesse impor quadros rígidos, ao invés de dar margem às. obras de transformação e de restauração do que o homem é capaz de realizar. " Embora apoiado na História, o ponto de vista geográfi co domina o trabalho de Vidal de la Blache que, certamente,teria chegado à Geopolítica. O estudioso francês serviu-se da História sem que essa resvalasse para temas que não fossem de seu domínio; seu trabalho é rico em sugestões, mas com a morte súbita do autor em 1 9 1 8 mostra que lhe foi vedado o direito de tirar conclusões. Segundo Jean Brunhes, a evolução na superfície da Ter ra é "determinada por fatores complexos que afastam para bem distante as condições geográficas elementares". Assim sendo, notamos que os estudos de Brunhes são bem menos afeitos à Geopolítica do que os de Vidal de la Biache e os do próprio Isaiah Bowman. Separando a Geografia Humana da Geografia Histórica, que se caracteriza "como política, militar, administrativa etc." , afirma Brunhes que "todos esses fatos dependem, sobretudo, das vicissitudes humanas e estão longe de apresentarem um verdadeiro valor ou sentido realmente geográfico". Por sua vez, Bowman afirma que: "Nunca uma civiliza ção declinou por estarem exauridas as possibilidades da Ter ra. Por outro lado, nenhuma nação desenvolveu plenamente a sua base física. A Terra jamais recuou perante o homem, muito embora esse se tenha achado enredado nos efeitos im- 26 Therezinho de Castro previsíveis do seu sistema. O que acontece realmente é que o conhecimento humano, em cada momento da civilização, não é suficiente para o controle das forças da natureza. " Também possibilista, Lucien Fébvre* conclui que "para pactuar sobre o meio, o homem não se coloca fora dele . A natureza que atua sobre o homem, que intervém na existên cia das sociedades humanas para condicioná-las, não é uma natureza virgem, independentemente de todo o contato hu mano; é uma natureza profundamente trabalhada, modifica da e transformada pelo homem. Ações e reações perpétuas. A fórmula - relações da sociedade e do meio - serve igualmente para os dois casos que se pretende serem diversos. Porque nestas relações o homem se apodera e restitui simultaneamen te: o meio dá mas também recebe" . Dentro do determinismo alemão, sintetizando a Geogra fia Política para chegar à Geopolítica, coube a Ratzel o mérito de se aproveitar dos estudos político e econômico dentro da base geográfica. Conseqüentemente, a Geografia Econômica cogitando do presente forma ao lado da Geografia Humana conteúdo excelente para a Geopolítica, que une fatos econô micos e humanos desde o passado até a época atual, valendo se ainda da História. Em sua teoria do espaço vital (Jebensraum), sintetizou o crescimento orgânico do Estado, afirmando que não haveri am de substituir os territórios politicamente organizados, aos quais não se "oferecem ao crescimento razões naturais ou eco nômicas". Assim, dentro da concepção de Ratzel, só "um ter ritório extenso, esparsamente povoado, é um grande Estado do futuro" . Em essência, o lebensraum parece ter tido base na obra de Ratzel intitulada Os Estados Unidos da América, de 1 880. • Lã Tierra y la Evolución Humana - lntrodución Geográfica de la História - Barcelona, 1925 - Traduzido do francês. 27 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins Nesse trabalho são estudados os fundamentos do poder esta tal exemplificados na hegemonia estadunidense no seio da família americana de nações. No entanto, a teoria do espaço vital, propriamente dita toma maior desenvolvimento e pro fundidade em Leis do Crescimento Territorial dos Estados Unidos (1 896), ampliando-se mais ainda na sua Geografia Po lítica (1897) . É em Geografia Política que Ratzel formula as suas sete leis de crescimento do Estado, criando todo um contexto para uma expansão imperialista, visto que todas induzem à conclu são de que o planeta Terra é demasiadamente pequeno para mais de um Grande Estado unido ou amalgamado. As sete leis apresentam o Estado como um organismo dinâmico: 1 - O espaço dos Estados deve crescer com a sua cultura. 2 - O crescimento do Estado-Nação segue-se a outras manifestações de crescimento do povo, devendo, necessariamente, preceder o crescimento do pró prio Estado. 3 - O crescimento do Estado manifesta-se pela adição de outros Estados dentro do processo de amalga mação . 4 - A fronteira é o órgão periférico do Estado. 5 - Em seu crescimento, o Estado luta pela absorção de seções politicamente importantes. 6 - O primeiro ímpeto para o crescimento territorial vem de outra civilização superior. 7 - A tendência geral para a anexação territorial e amal gamação transmite o movimento de Estado para Es tado e aumenta a sua intensidade. As leis de Ratzel tomaram por base a evolução da situação mundial desde a formação do império de Felipe da Macedônia, concluída com a unificação da Alemanha por Bismarck. Como geopolítico, Ratzel influenciou o geoestrategista Haushofer, daí haver escrito Derwent Whittlesey: "A Alema- 28 Therezinha de Castra nha foi a primeira nação a compreender o valor da estraté gia política como auxiliar da guerra e a reconhecer que ela tinha suas raízes na Geografia . A Geopolítica teve, assim, como finalidade pôr a Geografia a serviço de uma Alema nha militarizada. " Isto porque o haushofensmo se transformou numa dou trina natural unicamente de poder e estratégia, dentro da con cepção fatalista de que o homem nada mais é do que um obje to dos fatores geográficos. Para Hans W. Weigert, o hausho ferismo é mais do que isso - "é um credo imortal sempre que uma elite militante assume a direção de uma nação . Na influ ência decisiva que a Geopolítica de Haushofer exerce sobre este grupo de poder na Alemanha é que se estriba sua impor tância histórica* ." Partindo-se, então, de Ratzel veremos que o lebensraum representou muito mais como fonte de poder do que propria mente como um apetite de matérias-primas. E, nesse contex to, o conceito de Poder Nacional se relaciona com a própria sobrevivência, ou seja, aquilo que se convenciona definir en globadamente como Segurança. E só os Estados capacitados para garantir sua segurança são considerados grandes potências . Antes da Primeira Guerra Mundial eram nove** os Estados considerados como grandes po tências, dos quais seis eram europeus; a Segunda Guerra Mun dial reduziu praticamente a dois, mas já com o avanço da técni ca, na categoria de superpotências, em face do poder mais qua litativo do que quantitativo - os Estados Unidos e a Rússia. Stephen B. Jones*** enumera os elementos da visão glo bal baseados no conceito de Poder Nacional, calcado em dois componentes: o inventário e a estratégia. • Geopolítica - Generales y Geógrafos - México, 1944. •• Inglaterra, França, Alemanha, Rússia, Áustria, Hungria, Itália, Japão e Estados Unidos . ... The Power lnvenctory and National Strategy World Politic - Nova York, 1954. 29 Geopolítico - Princípios, Meios e fins O inventário equivale ao que Mackinder chamou de man setding, ou composição humana; inclui-se nesse inventário a população, a cultura e a base material, associando nesse compo nente o que Kjellen chamou de Demopolítica ou Fisiopolítica. Já a estratégia é o que se faz com aquilo que se possui; equivalendo ao que Mackinder chamou de man travelling, traduzindo-se por bens móveis, incluindo assim na estratégia: a atmosfera, os ocea nos e as ilhas, os interiores continentais e periferias, além da Região Norte. Observa-se, assim, que na estratégia se entrosam terra-mar-ar com base no mediterrâneo Ártico, que se insere no que Jones chama de Região Norte. Justifica-se essa tendência pelo Hemisfério Norte, já es boçada na tese de Mackinder, pois é lá que se encontrou, so bretudo até 1 990, o fulcro do Poder Mundial com as duas su perpotências - Estados Unidos e Rússia - se defrontando no âmbito das Relações Internacionais. Observamos ainda que o conceito de Poder Nacional existe através de uma integração, que extrapolando o meio geográfico atinge o fator humano, que tanto Mahan como Mackinder destacam em suas respectivas teorias . E se hoje a Geoestratégia considera três os Poderes- o MarítimoJ o Terrestre e o Aéreo, a Geopolítica também se en volve com três tipos de Poderes - o Real, o Latente e o Prestígio. O Poder Real é o que pode objetivar tomando-se como base o posicionamento, a extensão, os recursos naturais e a força. O Poder Latente é aquele que poderá ser mobilizado pelo Estado com o empenho total de tudo quanto tem de dis ponível. O Poder Prestígio não pode ser calculado nem medi do, pois é simplesmente atribuído a um Estado pelos demais Estados; e sendo uma incógnita é perigoso, pois uma estimati va falsa pode levar um Estado a uma escolha fatal, a uma li nha de ação não apropriada. Observamos que os padrões geopolíticos são, em inú meros casos, semelhantes a "quebra-cabeças" de armar, aos 30 Therezinha de Castra quais faltam algumas peças. Por isso W. W. Atwood• afirma competir ao geopolítico " elaborar profundos estudos prá ticos em cooperação com os historiadores e economistas de cada uma das zonas em perigo"; e só assim poderá vir a ter "uma boa compreensão das causas que podem provo car perturbações, bem servindo para eliminar o perigo des sas mesmas perturbações" . Conseqüentemente, a Geopolítica deve reunir o téc nico-político e, no dizer de Haushofer, .. o geopolítico deve "possuir os talentos do bom jornalista e seu agudo senso noticioso, a instrução de um oficial de estado-maior com sua apreciação exata das mais diversas informações e a só bria erudição do sábio" . Devemos, e m contrapartida, notar que n o passado as ações do diplomata e do militar se exerciam em tempos diver sos e sobre objetivos diferentes; hoje, o exercício é conjunto, em função da cada vez maior interdependência político-es tratégica. Por isso, o geopolítico, em seus princípios, meios e fins tem hoje que olhar para a frente e não tanto para trás e calcular o que irá acontecer e não tanto o que aconteceu. Na Alemanha, os possibilistas tenderam para o fatalis mo geopolítico de Hans Günter; muito embora, para eles, por mais importantes que fossem as leis geopolíticas, não se devia ver nelas a única e suprema instância para todo fato histórico . Assim, M. G. Schmidt, ••• mostrando que uma peça mu sical, embora presa a um tom, podia, não obstante, variar de • "The lncreasing Significance of Geographical Conditions in the Growth of Nation States" - Annals oi the Amerian Assodation oi Geographers - Volume XXV - Nova York, 1935 . •• Las Piedras Angulares de la Geopolítica: Munique, 1928. ••• Die Raumseiten der Staaten in Geogr. Anzeiger - 1936 - Traduzido: O Tenitório dos Estados. 3 1 Geopolítico - Princípios, Meios e fins tom muitas vezes, o mesmo ocorria com as leis geopolíticas. Con cluía então que: "O destino de um Estado não depende exclusi vamente do espaço, mesmo que a natureza geográfica perma neça invariável e as influências que ela exerce se observem cons tantemente no curso da História . . . As limitações impostas pelo espaço podem ser atenuadas pela política do Estado." Enquanto Heinrich Treitschke diz que "os homens fa zem a História", os possibilistas, entre os quais W. Nippoldi*, mostram que "o meio ambiente não se impõe . Só oferece pos sibilidades que o homem pode ou não aproveitar." Mas o "herói" dentre os geopolíticos alemães foi Hau shofer, que com seus discípulos dominava o pensamento de Hitler, passando a dirigir os planos do Estado-Maior alemão para o domínio do mundo. Tornou, Haushofer, a Mackinder por base e afirmava que "toda explicação geopolítica para ser completa deve incluir o heróico . . . A investigação ou interpre tação científica tem seus limites na personalidade, que exerce rá sempre uma influência decisiva na cultura. " Seguiu tam bém os ensinamentos de Kjellen, fiel à teoria do espaço vital de Ratzel. Concebeu, Kjellen, o Estado como manifestação bioló gica ou forma de vida afirmando textualmente : "Os Estados falam, comerciam, promovem congressos ou lutam nos cam pos de batalha, invejam-se, odeiam-se ou simpatizam uns com os outros, atraem-se ou se evitam, destruindo-se entre si como entes vivos de uma comunidade . " E m sua concepção d e organismo completo, para Kjellen o território é o corpo do Estado; a capital e os centros admi nistrativos compõem o coração e os pulmões; os rios e estra das, suas veias e artérias; as áreas produtoras de matérias-pri mas e produtos alimentícios são os seus membros. 32 Umwelt und Rasse ais Kulturfaktore - 1937 - Traduzido: O Meio Ambiente e as Raças como Fatores de Cultura. Therezinha de Castro Ampliando o conceito de Ratzel, Kjellen introduziu a idéia do nacionalismo, através do qual o espaço ou território passam a ser robustecidos. Afirmava, por isso, que "o Estado é um pedaço de humanidade num pedaço de terra organiza da". Conseqüentemente, em qualquer lugar em que coexista um grupo da mesma raça o Estado poderoso pode e deve ocorrer. Eis, então, aí o princípio do expansionismo como um dever sagrado que tanto robusteceu o nacional-socialismo ou nazismo de Adolf Hitler. No capítulo 14 de Minha Luta* inti tulado "Orientação para o Leste ou Política do Leste", escre via que "os limites entre os países são criados pelos homens e por eles modificados", em função disto, o direito ao solo ou espaço vital "pode se tornar um dever sagrado quando um grande povo sem possibilidade de aumento territorial parece destinado ao desaparecimento". E dentro deste contexto con tinua Hitler - "a Alemanha tomar-se-á uma potência mundial ou deixará de existir" . Para Hitler, as fronteiras de 1914 nada significavam para o futuro da Alemanha por não constituí rem proteção no presente, nem significarem força para o futuro . O Tratado de Versalhes devia ser anulado, j á que sufocava geopoliticamente a Alemanha, pois "somente um suficiente espaço na Terra é que assegura a um povo a li berdade de existência" . A luta contra a Rússia para impedir a bolchevização mundial** e contra a França, "o inimigo mortal de nosso povo", levava Hitler a defender que a tradição da política da nação alemã, na sua atuação externa, deverá e terá que ser sempre esta: "Não tolereis jamais a formação de duas superpotências continentais na Europa. Divisai em toda tentativa de formar, nas fronteiras alemãs, uma segunda potência militar como um ataque contra a Alemanha." • Mein Kampf- Tradução direta e integral do alemão - São Paulo, 1 983. " É o mesmo sentido que alimentam os Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mun dial na chamada Guerra Fria. 33 Geopolítica - Princípios, Meios e Fins Aliás, dentro do detenninismo geopolítico, esse princípio fora a base da política externa francesa desde o século XVII atra vés dos Tratados de Westfália até 1870, quando não conseguiu mais impedir a unificação da Alemanha, e, por conseguinte, a implantação de um Estado rival na hegemonia continental. Como Bismarck, Hitler desenvolvia uma geopolítica de terminista anticolonialista, pois concitava em Minha Luta - "di ligenciai para que a força de nosso povo não se baseie em colônias e, sim, em territórios na Europa". A teoria nacionalista de concepção do Estado, divulga da por Kjellen em 1 9 1 8, se resume em quatro pontos: 1 - O Poder Público apareceu para forçar o restabeleci mento da ordem, criada para proteger e garantir o cidadão . 2 - O Estado atua diretamente sobre o indivíduo. 3 - O Estado é um realizador. 4 - O Estado toma a si iniciativas de cultura política, de previdência social e de gerência de empresas mistas. Bem observados e analisados, os quatro pontos da Dou trina Kjellen foram seguidos pela Alemanha nazista, para a qual o Estado sempre foi "um meio para um fim"; até 1 990, porém, foi a Rússia comunista que procurou segui-los, já que a vontade do poder estatal substitui a o desejo do enriqueci mento individual . No entanto, os tempos são outros, e, assim, os russos compreenderam que o determinismo pela doutrina da coexis tência pacífica exclui a guerra, muitoembora traga em seu bojo a esperança da provocação da revolução internacional para a expansão do sistema de Karl Marx. E como os tempos são outros, a problemática do Poder passou do contexto regional para o continental e deste para o âmbito mundial . E, em se tratando do nacionalismo expansionista, os es tudos de Kjellen se ligavam ao Estado como fenômeno de es- 34 Therezinha de Castro paço dentro do sentido de unidade biológica dotada de vitali dade que a noção de povo ampliou. Dentro do conceito de Poder Mundial, a nacionalidade transformava-se na expres são da individualidade. Sem fugir da teoria do espaço vital de Ratzel, como adep to de Ludendorf e dos principais expansionistas da Primeira Guerra Mundial, Kjellen associou o crescimento orgânico do espaço à inevitável conseqüência do fato biológico - organis mo vivo. E, deste organismo vivo, o povo, em face de sua natu ral função migratória, poderia vir a cobrir novos e vastos territórios . Dentro da problemática geopolítica do Poder Mundial, Kjellen foi o idealizador de uma Europa Central sob a direção da Alemanha, englobando espaços tanto vitais quanto estra tégicos, desde as extremidades setentrionais da Noruega até Bagdad, já no Oriente Médio . Foi esta posição que desejou ocupar a URSS. A visão continental na lei dos espaços crescentes foi exposta por Haushofer logo no primeiro artigo com que iniciou, em 1924, a Revista de Geopolítica. No artigo intitu lado "Lei dos Espaços Crescentes" , explica que o "espaço engendra o poder dos Estados e determina, por conseguin te, os destinos humanos . . . Descobrir as relações entre o poder público e o espaço, bem como a dinâmica entre os espaços, é, sem dúvida, um mundo digno de ser conquista do pela jovem ciência - a Geopolítica . . . Ao contrário, a pró pria estrutura e divisão do mundo em continentes e ocea nos, zonas climáticas, desertos e regiões habitáveis criam uma multiplicidade tal de condições de vida que bem nos leva a aceitar a Geopolítica como ciência que se ocupa da 35 Geopolítica - Princípios, Meios e fins variedade e desigualdade, dos efeitos e da dinâmica dos espaços . A variedade desses efeitos é grande porque não só variam as condições geográficas, como também as rela ções do homem com a terra que habita. " Defende ainda esse artigo que "a lei dos espaços cres centes se faz visível em todas as suas ramificações, nas múlti plas formas, no momento em que as potências em luta se cho cam em seus espaços." Ora, se para Mackinder "é o homem e não a natureza quem inicia", a aritmética de Haushofer era bem mais precisa ao afirmar que ao lado dos 25% de determi nismo se encontram 75% de heroísmo. O Meio Geográfico e as Criações Políticas Embora recusando o determinismo geográfico, devemos ressaltar que o meio geográfico nos deu algumas cn"ações cul turais e políticas. • O clima, associado à menor técnica do homem no pas sado, mostra-nos que todos os núcleos geohistóricos das civi lizações antigas se estabeleceram entre o Trópico de Câncer e 60° de latitude norte. Verificamos, então, que as grandes civi lizações surgidas nos vales do Nilo e Mesopotâmia foram, em seguida, suplantadas pelas civilizações mediterrâneas de Roma e da Grécia, implantando-se na Idade Moderna na Europa, seguindo o rumo norte-ocidental . Assim, o fator climatológico nos permite interpretar a rota teórica da civilização, da chamada cristandade ocidental. • Os rios e vales exercem a função de unir. Assim, na antigüidade o Rio Nilo e o vale da Mesopotâmia deram ori gem a formações políticas e culturais uniformes. O rio denota movimento, transporte, facilitando as pene trações, os avanços e intercâmbios. O povo que domina a foz de um rio tem, de um modo geral, maiores chances de dominar o seu hinterland Foi esta a política seguida pelos portugueses para 36 Therezinho de Castro seus avanços no continente americano. Tendo conquistado a foz do Amazonas, conseguiram expandir-se através de vasta área da planície desta bacia; daí a maior largura no território do Brasil ao norte . Já no sul, não tendo conseguido sua hegemonia no Prata, através da Colônia do Sacramento, forjaram uma configu ração estreita para o Brasil Meridional. • Os mares e ilhas contribuem, grosso modo, para a for mação de núcleos geohistóricos com tendências para a civili zação marítima. O povo grego, estabelecendo seu núcleo geohistórico numa península do Mar Mediterrâneo, cercada por ilhas, ca racterizou-se por sua atividade marítima. Aproveitando como trampolim as numerosas ilhas do Egeu, expandiu-se, inicial mente, para a Ásia Menor. Ocupando a Ilha de Creta, cami nhou para o oeste do Mediterrâneo. Conseqüentemente, a falta de rios navegáveis, determinismo da natureza que a Gré cia comparte com grande parte dos países mediterrâneos, é compensada pela proximidade do mar. Assim, tal como os gregos, os fenícios, também isolados no litoral pelos Montes Líbano, não possuíam viabilidade de uma expansão territorial no continente . Assim sendo, valen do-se da Ilha de Chipre, trampolim natural diante de seu lito ral, expandir-se-iam também pelo Mediterrâneo . Cartago, na "Cintura Mediterrânea", isolada do continen te pelo Deserto do Sahara, valeu-se das ilhas da Sicília, Córsega e Baleares para sua expansão pelo Mediterrâneo Ocidental. Por outro lado, os países estabelecidos em ilhas viram seus núcleos geohistóricos transformados numa espécie de refúgio de cultura e tradição. Ilhados pelo determinismo geográfico, a tendência desses países é, também, a da expansão marítima. Assim, no passado remoto, a Ilha de Creta, cuja civiliza ção ainda não foi devidamente desvendada, oferece-nos bom exemplo, quer pela cultura uniforme que conseguiu manter, quer pela talassocracia, domínio do Mediterrâneo, que exer- 37 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins ceu anteriormente aos gregos, fenícios e cartagineses. Com parativamente, Veneza, cidade sobre ilhas, ofereceu, na Ida de Média, outro exemplo, pelo monopólio das especiarias atra vés do Mediterrâneo, que conseguiu implantar. Em período mais recente, a Inglaterra e o Japão apre sentam-se como países ilhados, transformados em nações ori entadas para o intercâmbio econômico . O espaço vital que possuem não lhes possibilitou por muito tempo o isolacionis mo que a natureza lhes impunha; assim, para sobreviverem tiveram que se valer de outras áreas, voltando-se para as rela ções constantes com outros povos, e, como sociedades comer ciantes, tiveram aí a oportunidade de se transformar em po tências industriai s . J á Portugal, país continental, oferece também excelente exemplo de Estado que se desenvolveu buscando no mar ele mentos para a sua expansão; seu caso reflete, de certo modo, o da Fenícia na antigüidade . Isolado na periferia do continen te europeu, numa nesga de terra voltada para o Atlântico, iria ser atraído pelo grande Mar-Oceano. Após expandir seu nú cleo geohistórico do norte (entre o Minho e o Douro) para o sul, conquistando terras aos árabes, o espaço vital português transformou-se num retângulo paralelo ao Atlântico, onde os estuários dos rios ofereciam bons abrigos. A relativa pobreza do solo o transformaria em povo pescador, como mais um meio à sua subsistência; era este o primeiro ensaio para se transformarem, os portugueses, em navegadores. Trampolins nas ilhas, e pontos de contato periféricos de escalas na foz de rios ou costas abrigadas, onde estabeleciam suas feitorias, con sistiram nas etapas sucessivas da expansão portuguesa em di reção à Rota das Especiarias. A dualidade geográfica de Por tugal pode assim ser resumida nessa frase: - "Portugal é um país mediterrâneo por natureza, atlântico por tradição."* • Pequito Rebêlo - A Terra Portuguesa - Lisboa, 1 929. 38 Therezinha de Castro Portugal pode ser definido como o local "onde a terra se acaba e o mar começa" . Daí concluir o geógrafo português,Orlando Ribeiro*: "O mar é o mais poderoso fator de relações geográficas remotas. Caminho aberto para todos os lugares do mundo, nas suas cidades-porto o exótico cabe sempre en tre o local. Mas ele marca também o fim da terra habitada." Ao lado dos Estados de tendências marítimas, surgiram os Estados Continentais. A única riqueza dos Estados Conti nentais é a terra e só há uma maneira de aumentá-la - a con quista. Neste caso podemos enquadrar a Alemanha, com a Prússia como seu núcleo geohistórico; à sua frente apenas o Mar Báltico, gelado grande parte do ano, interiorizado, e não oferecendo bons horizontes à livre navegação, transmitindo o "destino manifesto" da expansão para o hinterland, a busca do espaço vital . Via de regra, o Estado Continental se trans forma numa sociedade fechada, onde o indivíduo se subordi na por completo ao grupo, mantendo-se intolerante, apoian do-se na superioridade racial. Assim, "o Raumsinn, o sentido do espaço, tomou-se marca registrada da nação alemã, pres sionando num domínio muito restrito o Volk ohne Raum, povo sem espaço, para o qual a conquista se impõe". Conquista, continua Jacques Ancel, ** em prol do Die echte Grenze, ou fronteira justa e natural, buscando seu espaço na unidade das bacias fluviais, reivindicando o Rheinstrom nicht Rheingren ze, ou seja, o Reno como rio alemão e não como fronteira alemã. A partir daí, chegam ao Deutscher Volksboden, num território alemão largamente expandido, pois é este o verda deiro espaço vital da civilização alemã - Deutscher Kulturbo den. É, enfim, a conquista da Europa Central, a Mitteleuropa. • A montanha, por sua vez, também leva o grupo aos particularismos. Como as montanhas encurralam as popula- • Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico - Estudo Geográfico, Coimbra, 1945. •• Mlmuel Géographique de Politique Européenne - Torne I Europe Centrale - Paris, 1936 39 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins ções, elas se opõem aos elementos externos, muito embora, em alguns casos, não apresentem características de conquis tas . A montanha desempenha nos acontecimentos geohistóri cos e geopolíticos o papel de obstáculo, e, como conseqüên cia, o refúgio para os que buscaram defender sua liberdade . Foi na região montanhosa do norte de Portugal que Vi riato se refugiou para defender a liberdade do povo lusitano contra a romanização da Península Ibérica; foi, também, na região montanhosa das Astúrias que os cristãos se abrigaram, inicialmente, para se defenderem da expansão muçulmana e arquitetaram os primeiros planos de reconquista. Graças à posição geoestratégica, certos povos monta nheses imbuídos da idéia expansionista conseguiram des truir, por invasões, grupos estabelecidos nas planícies . Os povos montanheses dos Zagros submeteram os Estados do Vale Mesopotâmico; os astecas, do Altiplano Mexicano, conseguiram conquistar as terras baixas dos maias, na Pe nínsula do Iucatan. Quando não incutem o movimento expansionista, as montanhas favorecem o fenômeno do cantonalismo geopolí tico. A Suíça, por exemplo, é um país cantonalista. Dividida em cantões, constituem-se estes em verdadeiras comarcas fe deradas independentes, agrupadas segundo a língua - france sa, italiana ou alemã faladas oficialmente no país . A Grécia Clássica, estabelecida na península montanhosa da Acaia, ja mais chegou a completar a sua unificação política, vivendo sempre dividida em Cidades-Estado . A característica desses Estados surgidos em face do cantonalismo geopolítico é a pluralidade estatal ou a disper são política. Assim explica J. Vicente Vives• que "nas primei ras fases da evolução política das sociedades montanhesas é típica a constituição de diversos núcleos geohistóricos, mais • Tratado General de Geopolítica - Barcelona, 1950. 40 Therezinho de Castro ou menos afins, numa clara manifestação de cantonalismo geopolítico". Resíduos de cantonalismo geopolítico primitivo, surgido em núcleos montanheses, podem ainda ser citados no caso de Andorra, nos Pireneus; Mônaco, sobre uma elevação alpina no Mediterrâneo; San Marino, nos Apeninos, na Pe nínsula Itálica; e os Estados do Himalaia, Nepal, Butan e Sikin. Foi o cantonalismo geopolítico que impediu, na Améri ca Espanhola, a despeito das afinidades culturais, que se insta lasse um país único . Cantonalismo geopolítico que, embora não venha sendo respeitado, existe nos Pireneus, tanto no lado francês quanto no espanhol, através dos "Sete Países Bascos". Cantonalismo geopolítico que não vem sendo observado em várias regiões da África, e que tem sido, conseqüentemente, causa de guerras civis separatistas; para este caso em particu lar contribui ainda o tribalismo, fabricando os golpes e con tragolpes através de líderes de autênticos territórios nacionais negros dentro de países que no todo, sem que na realidade haja um todo, se proclamam independentes.* Do exposto, nota-se que o que ocorreu na África do Sul foi o fenômeno do cantonalismo geopolítico reconhecido pela ONU no Lesoto e Ngwane, mas rechaçado nos Batustans, ou "Lares Nacionais", que o apartheismo** do governo de Pre tória vinha instituindo desde 1 948. Os passos exercem influência oposta à das montanhas. Se as montanhas separam as sociedades, os passos, em seu papel geohistórico e desempenho geopolítico, têm contribuí do para unir regiões diretamente afetadas pela montanha. Nenhum fator contribuiu individualmente de modo mais po sitivo para a unificação de Estados do que a circulação. Con seqüentemente, conclui-se que "a facilidade de movimento • Entre os vários exemplos podemos destacar - o de Bia&a, na Nigéria; o de Katanga, no Zaire; e fora do setor negro, o da Eritréia, na Etiópia. •• Apartheismo é palavra sul-africana, cuja definição exata vem a ser desenvolvimento em separado. 4 1 Geopolítica - Princípios, Meios e Fins por terra é questão puramente de declive; daí a utilização dos vales e gargantas nas áreas montanhosas" .* Assim, se os Alpes se constituem em barreira entre a Fran ça, a Suíça e a Itália, os numerosos passos que existem neles serviram como portas de invasão para os bárbaros e, posteri ormente, para as célebres campanhas de Napoleão . Em tem po de paz, transformaram-se em elementos de entrelaçamen to geopolítico, como centros de sistemas das comunicações terrestres; as rodovias e as ferrovias aproveitam, hoje, esses passos para aproximar econômica e culturalmente os três paí ses europeus . Em alguns casos, os passos servem para unir cultural mente populações que a montanhaf transfonnada em frontei raf separou politicamente. Cabe aqui, outra vez, o caso dos bascos, que apresentam a mesma cultura de ambos os lados dos Pireneus e que, embora venham tentando a sua união cultural e étnica, encontram-se divididos politicamente entre a Espanha e a França, cuja principal rota, ligando os dois paí ses, segue o passo costeiro que circunda o Golfo de Biscaia. O separatismo basco vem de data remota, já que alguns historiadores indicam a Batalha de Roncesvalles (778), quan do os bascos derrotaram Carlos Magno. O sentimento seces sionista nesta zona dos Pireneus Ocidentais continuaria, tor nando-se geopoliticamente mais complicado com a divisão do "País Basco" entre a França e a Espanha pelo Tratado de Eli zando ( 1765), ratificado pela Convenção de 1 856. No entan to, apesar do fato consumado, os bascos além de ignorarem tal fronteira política passaram a não aceitar de bom grado as leis franco-espanholas, às quais ficaram submetidos; os fran ceses e os espanhóis passaram a ser para eles elementos estrangeiros, numa reação simultânea que contrapõe o pro cesso de congregação cultural histórica, tendo que se sub- • A. E. Moodie - Geography Behind Politics - Londres, 1963. 42 Therezinha de Castro meter ante fatos relacionados com a desagregação geográfi ca imposta pela fronteira . O tipo de vegetação e zonas desérticas representam tam bém papel de importânciana formação dos núcleos geohistó ricos. Assim, a civilização egípcia, estabelecendo o seu núcleo histórico ao longo do Rio Nilo, até a primeira catarata, consti tui sua cultura protegida de elementos estrangeiros, graças aos desertos arábico e líbico . Por sua vez, o deserto do Saha ra iria, na realidade, dividir o continente africano em dois - ao norte a África branca de influência árabe, ao sul, a Áfri ca negra propriamente dita. Já a civilização interfluvial me sopotâmica, protegida apenas no oeste pelo deserto arábi co, não escapou à invasão dos povos provenientes dos Montes Zagros . A estepe é caracterizada como região de comunicação aberta contrastando com as florestas. As selvas virgens da Áfri ca e da América foram agentes deterministas de oposição à penetração no Congo e na Amazônia. Em contrapartida, as estepes favoreceram a expansão dos mongóis sob o comando de Gengis-Kan e de Tamerlan (séculos XIII e XIV); essas mes mas estepes permitiram que o núcleo geohistórico, formado pelo Ducado de Moscou, alcançasse, através da Sibéria, a ex pansão máxima para a Rússia. No entanto, as mesmas tendên cias para obter através da estepe ucraniana uma saída do Mar Negro ao Egeu, entre a Europa e Ásia Menor, pelos Estreitos de Dardanelos e Bósforo, foram reiteradamente obstadas pe las diretrizes geopolíticas das Potências Ocidentais . Do exposto, atingimos o conceito de núcleo geohistóri co, definido como o espaço natural onde se forjou o ímpeto criador de uma cultura, contribuindo para a implantação pos terior de um Estado. 43 Geopolítica - Princípios, Meios e Fins A Ilha de França, espaço vital do território francês, em torno de Paris, viu se forjar o ímpeto criador do Estado. No entanto, com a partilha do Império de Carlos Magno entre seus herdeiros, a França propriamente dita foi se subdividin do, com a implantação do regime feudal . Senhorios, Conda dos e Ducados eram, na realidade, feudos que as circunstânci as políticas criavam, cediam ou transferiam, passando, como se fossem propriedades privadas, de um herdeiro para outro. Os casamentos entre elementos das Casas Reais francesa e inglesa, numa atração continente-ilha, criaram uma difícil si tuação geopolítica. Os reis ingleses, vassalos dos reis franceses, possuíam em França mais territórios que seu próprio suserano. Mas os reis franceses mantiveram-se na Ilha de França; e daí par tiria o processo de unificação do país, que se estenderia através dos séculos, originando a Guerra dos Cem Anos; findo esse con flito, surgia a França unificada como Estado. Já os Estados Unidos tiveram vários núcleos geohistóri cos, através das 1 3 Colônias que os ingleses instalaram na par te média da faixa atlântica do norte; suas instituições e credos religiosos diferiam, muito embora a língua e a cultura em ge ral os aproximasse. Mas, foi só por ocasião da independência, ante o temor contra a intervenção externa, representada pela Inglaterra, que se uniriam as 1 3 Colônias. Forjou-se, então, a nação que, aos poucos, realizaria a sua expansão para o oes te, até atingir o Pacífico. Tornava-se país bioceânico, como a França, por exem plo, que logo se transformou num Estado cujas "portas" no Mediterrâneo se abriram para o Atlântico . E nesse contexto, enquanto a cultura mediterrânea avançou logo em direção ao Atlântico, transformando, por muito tempo, Paris na "Cidade Luz", a influência estadunidense se fez muito mais lentamen te através da Ilha Americana. E se no norte a rivalidade anglo-francesa determinou a existência de duas nações-continentes, pela grandeza de 44 Therezinho de Castro seus respectivos espaços vitais, no sul da América, a unida de centralizadora de Portugal criava o Brasil . Aqui, a faixa litorânea de 2 . 800. 000km2, delimitada por Tordesilhas, onde Salvador e Rio de Janeiro desempenharam, sucessivamen te, o papel de capital, constitui-se o núcleo geohistórico brasileiro . Nessa faixa litorânea do Atlântico Sul forjou-se a cultura brasileira através do cruzamento do português , do negro e do índio, quando o movimento bandeirantista partia para a conquista do hin terland, sem, no entanto, transformá-lo num país bioceânico . Toda a origem, pois, do Estado Brasileiro, encontra suas raízes remotas no Condado Portucalense, entre o Dou ro e o Minho, núcleo geohistórico de Portugal , de onde partiram os cristãos dirigidos pela Dinastia de Borgonha, para a formação do Estado que se manteve atlântico, sem atingir o Mediterrâneo . Via de regra, o mais comum é que cada Estado venha de um único núcleo geohistórico; na Itália, porém, nota-se a exis tência de dois : o antigo, em Roma, de onde partiu o ímpeto criador do Império Romano; e o moderno, no Piemonte, res ponsável pela unificação do atual país . O ecúmeno estatal, que Whittlesey define "como a por ção do Estado que contém a população mais numerosa e a rede de comunicações e transportes mais densa", conseqüen temente mais desenvolvido economicamente , pode ou não coincidir com o núcleo geohistórico . E nesse último contexto é J. Vicens Vives quem nos dá o exemplo, mostrando que exis te "discrepância entre o núcleo geohistórico antigo (Roma), o moderno (Piemonte) e o ecúmeno estatal (Lombardia)" . No mesmo caso, a Alemanha com seu núcleo geohistórico na Prús sia tem a contextura do ecúmeno estatal na Renânia e região 45 Geopolítica - Princípios, Meios e fins do Ruhr; assim, foi tônica na diplomacia alemã considerar como do Estado toda a Bacia do Reno e vislumbrar a Alema nha estrangulada, sem o Ruhr. No Brasil, por exemplo, o ecúmeno estatal coincide em parte com o núcleo geohistórico . Isto porque se está em nossa área litorânea a maior concentração demográfica do país, sob o ponto de vista econômico-demográfico, o ecúmeno estatal abrange mais o conjunto Rio-S .Paulo-Belo Horizonte, esten dendo seus tentáculos na direção sul para se envolver na Ba cia do Prata. Nesse contexto se constitui no oposto do ecúme no estatal a chamada área geopolítica neutra, bem mais desta cada na América e na África do que na Europa e na Ásia. No Canadá, por exemplo, coincidem o núcleo geohistó rico e o ecúmeno estatal na região dos Grandes Lagos, poden do-se afirmar que quase todo o resto do território canadense se constitui em área geopolítica neutra. Fronteira e Estado O núcleo geohistórico possui normalmente uma zona de irradiação que o levou a expandir-se para criar o todo cul tural que corresponde ao Estado. A periferia desse todo cultu ral corresponde à sua fronteira geohistórica, que Jacques An cel* batizou como fronteira de civilização. O papel da fronteira geohistórica, em sua versão político geográfica, é o de constituir limites para Estãdos de uma mesma cultura. Por exemplo, Portugal e Espanha, dois países que se for maram na Península Ibérica, com culturas semelhantes, oriun das do catolicismo romano, traçaram suas fronteiras geohistóri cas baseados no fator lingüístico. Na América do Sul, repete-se o fenômeno através das fronteiras geohistóricas que o Brasil pos sui com as demais repúblicas de língua espanhola. • La Polidque des Étõts et /eur Géogrilphie - Paris, 1952. 46 Therezinha de Castro No entanto, muitas vezes, surge entre dois Estados um nú cleo de interesses econômicos, sociais e lingüísticos que interessa a ambos. Assim, cada um desses Estados se julga com direitos de englobar essa área dentro de suas fronteiras geohistóricas; neste caso, forma-se uma zona de fricção que se converte em campo de contenda. A Alsácia-Lorena, entre a França e a Alemanha, foi disputada durante séculos; sendo este, em parte, o caso do Esta do do Acre, onde em princípios do século XX se defrontaram os interesses do Brasil e da Bolívia. Do mesmo modo a Coréia, po voada por correntes imigratórias de chineses e japoneses, foi no passado disputada e conquistada, sucessivamente, pelos dois Es tados orientais, como autêntica zona defricção. Caso bem semelhante ao da Coréia, o Uruguai de zona de fricção transformou-se num Estado-tampão; disputado pe los portugueses e espanhóis em face de seu posicionamento na foz do Prata, deixou, em 1 828, de girar na órbita do Brasil e da Argentina, transformando-se num anteparo geopolítico en tre os dois Estados. Os limites dos grandes impérios da antigüidade eram fic tícios; não podemos precisar a extensão exata do Estado egíp cio, dos Estados mesopotâmicos ou do Império Persa. Por sua vez, a cidade-estado grega não tinha, também, um limite distinto. Esparta e Atenas, por exemplo, se estendi am além de suas fronteiras naturais; não possuíam uma linha aduaneira nem militar, já que as mercadorias só eram taxadas nos portos ou nos mercados e feiras, e os soldados ocupavam simplesmente as posições estratégicas de importância, nos mo mentos de conflito . O espaço vital ocupado pelas cidades-es tado da Grécia era limitado por uma linha convencional, que raramente coincidia com os acidentes geográficos, e quase sempre com santuários e monumentos. 47 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins Constituído o Império Romano, seus limites variavam segundo a vontade de seus governadores; já que os rios Reno e Danúbio marcavam um limite vago entre a civilização roma na propriamente dita e o mundo bárbaro . Os "limes roma nos" não se constituíam, assim, em fronteiras, mas sim nos li mites das terras administradas e colonizadas. O Danúbio era, na realidade, a única via de ligação entre o Ocidente români co e o Oriente bárbaro; por isso, as primeiras invasões de ca ráter pacífico realizadas pelos bárbaros demonstraram a inu tilidade dos limites. Em conseqüência, no âmbito do mundo antigo, destaca se a China que, através da ªGrande Muralha f� limitava atra vés de autêntica fronteira geohistórica a sua civilização . Com as invasões bárbaras, e o conseqüente esfacelamen to do Império Romano, tomava-se ainda mais precária a no ção de fronteira . O Império Romano do Oriente, também conhecido como Império Bizantino, conseguiu sobreviver ao do Ocidente ain da por um milênio. Aos poucos Bizâncio (depois Constantino pla), sua capital, foi adquirindo destaque econômico por ser o ponto de encontro e troca das especiarias. Por isso, os búlga ros, provenientes das estepes russas, se introduziram para além do Danúbio, formando uma espécie de Estado-rota no cami nho de Constantinopla, sem limites precisos nem fronteiras sólidas . O Estado búlgaro manteve-se, no entanto, à custa do tributo que os seus chefes cobravam para permitir que por ali transitassem as mercadorias. As fronteiras dos Estados bárbaros surgidos na Euro pa eram, também, fictícias . Com as novas in vasões - dos árabes na Península Ibérica, dos húngaros na Europa Cen tral, dos normandos através dos rios Escalda, Sena, Reno e 48 Therezi nha de Castro Loire - implantar-se-ia no período medieval propriamente dito o sistema feudal. Os reis não podiam defender seus súditos; os grandes senhores ou proprietários construíam castelos-fortes para sua defesa própria; em torno desses agrupavam-se os pequenos proprietários para obter proteção. Criou-se, assim, uma hie rarquia entre os homens livres do reino, e da necessidade da defesa surgiram duas classes - a dos senhores ou suseranos e a dos vassalos. Alguns vassalos, tornando-se muitas vezes mais poderosos que o próprio rei, seu suserano, passaram a gover nar com grande independência os seus respectivos territórios . Desaparecia o poder central e, com isso, não havia campo pro pício ao estabelecimento da fronteira geohistórica; esse fenô meno é visto pela Geopolítica como o enlaçamento feudal. Além dos feudos, também as cidades medievais tinham privilégios militares e administrativos, contidos no Foral e guar dados pelas autoridades num cofre, transformando os aglo merados urbanos em verdadeiros estados livres. Nas cidades viviam os artesãos e os comerciantes, afastados da mentalida de feudal guerreira; para escapar à violência, as cidades se limitavam por muralhas fortificadas . Nesse meio citadino for mava-se aos poucos uma classe social - a dos burgueses, den tre os quais, principalmente os que se dedicavam ao comér cio, prosperavam dia-a-dia. As guerras constantes fizeram com que os diferentes grupos econômicos das cidades se reunis sem em sociedades para melhor se defenderem. Por isso, os mercadores viajavam em grupos, que evoluíram para as Ligas, reunindo cidades que mantinham o comércio entre si . Des tacam-se então as Ligas Hanseáticas, Suábica e Renana. As principais estradas atravessavam a região dos Alpes pelos Passos do Monte Cenis, S . Bernardo, S . Gotardo e Brenner, procurando atingir as cidades do norte da Itália, sobretudo Gênova e Veneza, que dominavam a rota marítima medi terrânea das especiarias . 49 Geopolítico - Princípios, Meios e Fins Ante o fenômeno do enlaçamento feudal, podemos con cluir que a Idade Média não conheceu, na prática, a instituição das fronteiras; a mentalidade feudal aniquilava a estrutura esta tal, tornando, por isso, bastante fluidos os limites. O próprio Im pério Carolíngiof que teve certa unidade política, apresentava se com limites imprecisos. No sudeste, para enfrentar os ávaros e tchecos, os limites eram constituídos pelas Marcasf espécie de territórios militares, governados por margraves ou marqueses; para a defesa contra os árabes estabelecidos na Península Ibéri ca, foi criada, nos Pireneus, a Marca de Espanha. Na Península Ibérica, o período da reconquista criava uma espécie de limite de áreas em poder dos cristãos e dos muçulmanos, chamado terras de ninguém; autênticas zonas geopolíticas neutras, por ser faixa de território quase que des povoado, onde se realizavam as algaras, ou seja, a luta entre os dois contendores . A noção de fronteira propriamente dita surge quando um povo, habitando determinado território, adquire a consciência nacional - a noção de pátria. Assim, quando um povo reunido num determinado território passa a obedecer a um governo pró prio, surge o Estado. Portanto, são três os fatores que determi nam a existência de um Estado - povo, território e governo. A superfície geográfica ocupada por uma sociedade po lítica, que se governa, é chamada país, sua extensão maior ou menor é determinada por acontecimentos históricos, ocorri dos na sociedade política que o ocupa e que os imperativos geográficos condicionam. O país é a base material do Estado, constituído pelas ter ras, águas e ares que abrangem o território, considerado como entidade política. Já a nação é a personalidade coletiva que só existe quando há Estado; representa uma unidade política 50 Therezinho de Castro baseada materialmente sobre o território ou país, mas não se confunde necessariamente com o povo, embora seja esse a verdadeira base da nacionalidade . A oposição aparente entre nacionalidade, constituída pelo povo e pela nação, reside no fato de se ter desvirtuado o emprego do último termo; em certas línguas a palavra nação passou a designar um fenômeno de vida pública, política (per /is dos gregos - populus em latim), afastando-se assim da ori gem natio (do verbo nascer) , que sugere exatamente o laço de sangue, de nascimento que une um povo . No entanto, a fórmula clássica é de que as nacionalidades tendem, todas, a se organizarem em Estados. A unificação das propriedades feudais, centralizadas nas mãos da realeza, deu origem ao Estado, através das monar quias absolutas, que caracterizam a Idade Moderna. O Estado surgiu mais por necessidade sociológica do que jurídica, muito embora hoje em dia esses dois elementos apa reçam associados . Conclui-se, portanto, que a centralização do poder e implantação do Estado só foram possíveis graças ao aparecimento de uma nova classe que se interpôs entre a realeza e a nobreza. A Revolução Comercial, ocasionada pe las grandes descobertas, contribuiria para
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