Buscar

capitulo 1 - neurociências.pdf

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

3 
Introdução às 
Neurociências 
INTRODUÇÃO 
AS ORIGENS DAS NEUROCIÊNCIAS 
O encéfalo como era visto na Grécia antiga 
O encéfalo como era visto durante o Império Romano 
O encéfalo como era visto da Renascença ao século XIX 
O encéfalo como era visto no século XIX 
Nervos como fios 
Localização de funções específicas em diferentes partes do 
cérebro 
A evolução do sistema nervoso 
O neurônio: a unidade funcional básica do sistema nervoso 
AS NEUROCIÊNCIAS HOJE 
Níveis de análise 
Neurociências moleculares 
Neurociências celulares 
Neurociências de sistemas 
Neurociências comportamentais 
Neurociências cognitivas 
Os neurocientistas 
O processo científico 
Observação 
Replicação 
Interpretação 
Verificação 
O uso de animais na pesquisa em neurociências 
Os animais 
Bem-estar dos animais 
Direitos dos animais 
O custo da ignorância: d is lúr t ios e transtornos do sistema nervoso 
COMENTÁRIOS FINAIS 
As Origens das Neurocièncias 3 
INTRODUÇÃO 
O homem dciv saber que de nenhum outro lu-^ar. mas ih cicéfalo, vem a alevria o pra-
zer, o riso e,i ilwersilo. o pesnt, o ressentimenlo. o itcsâniwo ca lametitação Epor isto de 
uma manara especai, adquirimos sabedoria c conhecimento, e enxergamos e ouvimos e 
sabemos o que e justo e m/uslo, o que i' kmi e o que é ruim, o que é doce e o que é amar-
go... E pelo mesmo órgão tornamo-nos loucos c delirantes, e medos e terrores nos assom-
bram...Toi1as estas coisas suportamos do encéfalo quando não está sadio... Neste sentido 
sou da opinião de que o encéfnio exerce o maior poder sobre o homem. 
•Hipócrates, Acerca das doenças sagrada.^ (séc. IX a.C.) 
É da n a t u r e / n hum.inci ser cu r ioso sobre o que vemos e ouv imos ; por que al-
g u m a s coisas sào prazerosas e ou í ras nSo; como nos movemos, c o m o pensamos, 
a p r e n d e m o s , l e m b r a m o s e esquecemos; a na lureza d o ód io e da loucura . Estes 
m is té r i os estão começando a ser reve lados pela pesquisa básica e m neuroc ièn-
cias, e as conclusões destes estudos sáo o objeto deste l i v ro . 
A pa lav ra "neu roc iênc ia " é jovem. A Sociedade de Neurocièncias, u m a asso-
c iação d e neuroc ient is tas, fo i f undada somente em 1970. O es tudo d o encéfalo, 
en t re tan to , é tão an t i go c o m o a p r ó p r i a ciência. H is tor icamente, as ciências que 
se d e v o t a m ao es tudo d o sistema ner\ 'oso abrangem di ferentes d isc ip l inas: me-
d i c ina , b io log ia , ps ico logia, física, qu ímica e matemát ica. A revo lução das neuro-
c ièncias ocor reu q u a n d o os cientistas perceberam que a me lho r abordagem para 
o e n t e n d i m e n t o da função d o encéfalo v inha da in te rd isc ip l ina r idade , a comb i -
nação das abordagens t rad ic iona is para p rodu / . i r u m a nova síntese, u m a nova 
perspec t iva . A ma io r i a das pessoas envo lv idas na invest igação cientí f ica d o sis-
tema ner \ 'oso considera-se, hoje, neurocient is ta. É c laro que, e n q u a n t o o curso 
que você está fazendo pode estar mais l i gado ao depar tamen to de psicologia ou 
d e b io log ia da sua un ive rs idade , e pode se chamar de "ps i cob io log ia " ou " n e u -
r o b i o l o g i a " , você pode apostar que o seu professor é u m neurocient is ta. 
A Sociedade de Neuroc iènc ias é a ma io r associação de cient istas prof iss ionais 
em toda a b io log ia exper imen ta l e, também, a que mais cresce. Longe de ser m u i -
to especia l izada, o c a m p o é tão a m p l o q u a n t o o das ciências natura is , c o m o sis-
tema ne rvoso s e r v i n d o de pon to c o m u m . C o m p r e e n d e r c o m o o encéfalo func io-
na requer c o n h e c i m e n t o sobre mu i t as coisas, desde a es t ru tu ra da mo lécu la da 
água até as p rop r iedades elétr icas e químicas d o encéfalo e p o r que o cão de Pav-
lov sa l i vava q u a n d o u m a campa inha locava. Neste l i v r o , inves t igaremos o siste-
ma n e r \ oso d e n t r o desta larga perspect iva. 
V a m o s começar nossa aventura c o m u m breve passeio pelas neurocièncias. O 
q u e os cient istas têm pensado sobre o sistema nervoso ao longo dos anos? Q u e m 
são os neurcKient istas de hoje e c o m o eles fazem para es tudar o sistema ner\ 'oso? 
AS ORIGENS DAS NEUROCIÈNCIAS 
Você p r o v a v e l m e n t e já sabe que o s istema ner \ 'oso - o encéfalo, a medu la espi-
n h a l e os ne r \ os d o c o r p o - são f undamen ta i s para a v i da e lhe p e m u t e m sentir, 
mover -se e pensar. C o m o esta idéia surg iu? 
H á ev idênc ias q u e sugerem q u e até m e s m o nossos ancestrais pré-h is tór icos 
c o m p r e e n d i a m q u e o encéfalo era essencial para a v ida . Os registros pré-h is tór i -
cos são ricos e m exemp los d e crân ios h o m i n í d i o s , d a t a n d o d e m i l hões de anos 
atrás, ap resen tando sinais de lestVs cran ianas letais, p r e s u m i v e l m e n t e i n f l i ng i -
dos p o r ou t ros hom in íd ios . Há cerca de 7.000 anos. as pessoas já faz iam or i f íc ios 
no c rân io dos ou t ros ( u m processo c h a m a d o t repanação) ev iden temente c o m o 
i n t u i t o de curar, e não de ma la r (F igura 1.1). Os crân ios m o s t r a m sinais de cura 
após a operação, i nd i cando que este p r o c e d i m e n t o era rea l izado em sujei tos v i -
vos, e não meramen te u m r i l ua l c o n d u z i d o após a mor te . A l g u n s i n d i v í d u o s so-
b r e v i v e r a m a m ú l t i p l a s c i rurg ias cranianas. N ã o temos mu i t a clareza sobre o q u e 
esses c i ru rg iões p r i m i t i v o s q u e r i a m realizar, embo ra haja q u e m especule que tal 
p n K e d i m e n t o poder ia ter s ido u t i l i z a d o para t ra tar a d o r de cabeça o u t ranstor-
nos menta is , ta lvez oferecendo aos " m a u s espí r i tos" u m a por ta de saída. 
Figura 1.1 
Evidência de cirurgia cerebral pré-hlstò-
rica. Este crânio de um homem com mais 
de 7.000 anos foi aberto cirurgicamente 
enquanto ele ainda eslava vivo. As setas 
indicam os dois locais da trepanação. (Fon-
te: Alt et al., 1997, Fig. la.) 
1 o Capítulo 1 / Introdução às Neurociéncias 
Escr i tos r e c u p e r a d o s á o m é d i c o s d o E g i t o . i n t i g o , d . i t a n d o d e quí ise 5.000 
anos atrás, i n d i c a m q u e eles já e s t a v a m bas tan te c ientes d e m u i t o s d o s sintomas 
d o d a n o cerebra l . E n t r c t a n t o , t a m b é m f ica c h m i que , pa ra eles, era o coração, nâo 
o encéfa lo , a sede d o e s p í r i t o e o r e p o s i t ó r i o d e m e m ó r i a s . Rea lmen te , enquanto 
o resto d o c o r p o era c u i d a d o s a m e n t e p r c s e r \ ' a d o pa ra a v i d a a p ó s m o r t e , o encé-
fa lo d o m o r t o era r e m o v i d o pe las n a r i n a s e j o g a d o fo ra ! A v i sáo d e q u e o coraçio 
era a sede da consc iênc ia e d o p e n s a m e n t o p e r m a n e c e m até a época d e l l ipócra-
tes. 
O Encéfalo como Era Visto na Grécia Antiga 
C o n s i d e r e a n o ç 5 o d e q u e as d i f e r e n t e s pa r tes d o seu c o r p o são d i f e ren tes por-
q u e elas se r \ ' em a d i f e ren tes propi>s i tos. A e s t r u t u r a d o s pés e d a s m ã o s sào mui-
t o d i s t i n tas , e e las e x e c u t a m funções t a m b é m m u i t o d i f e r e n c i a d a s : caminhamos 
c o m os ni>ssos pés e m a n i p u l a m t > s ob je tos c o m as nossas m á o s . A s s i m , podemo» 
d i z e r q u e ex is te u m a c lara correlação entre estrutura e função. D i f e renças na .ipa-
rência p r e d i z e m d i f e renças na í u n ç á o . 
O q u e p o d e m o s p r e v e r s<ibre a f u n ç ã o o b s e r v a n d o a e s t r u t u r a da cabeça?! 
U m a r á p i d a i nspeção e p o u c o s e x p e r i m e n t o s ( c o m o fechar seus o l h o s ) revelam 
q u e a cabeça é espec ia l i zada e m pe rcebe r o a m b i e n t e . N a sua cabeça estão seus 
o l h o s e o re lhas , seu n a r i z e sua l í n g u a . Me s m o d issecções g rosse i ras mostram 
q u e os ne r \ ' o s destes ó r g ã o s p o d e m ser t r a ç a d o s a t r a v é s d o c r â n i o pa ra dentro 
d o encéfa lo . O q u e v o c ê p<xJe c o n c l u i r d o encé fa lo a p a r t i r des ta obser\ 'ação? 
Se a sua resposta é q u e o e n c é f a l o é o ó rgSo d a s sensações, e n t à o v o c ê chegoul 
à m e s m a conc lusão d e m u i t o s e r u d i t o s g regos d o sécu lo I V a.C. O e r u d i t o mais I 
i n f l u e n t e fo i HiptScrates (469-379 a.C. ) , o p a i d a m e d i c i n a o c i d e n t a l , q u e disse ^ 
ac red i t a r q u e o encé fa lo n ã o es tava a p e n a s e n v o l v i d o nas sensações, mas , tam- ] 
b é m , era a sede d a i n t e l i gênc ia . 
En t re tan to , esta v i s ã o n ã o e ra u n i v e r s a l m e n t e acei ta. O f a m o s o f i l ó so fo grego 
A r i s t ó t e l e s (384-322 a.C.) a g a r r a v a - s e à c rença d e q u e o c o r a ç ã o era o cent ro do 
in te lec to . Q u e f u n ç ã o A r i s t ó t e l e s rese r \ ' ava p a r a o encé fa lo? Ele p r o p u n h a que 
era u m r a d i a d o r pa ra res f r i a r o s a n g u e q u e e ra s u p e r a q u e c i d o p e l o coração. O 
t e m p e r a m e n t o r a c i o n a l d o s h u m a n o s era e n t ã o e x p l i c a d o pe la g r a n d e c.ipacida-| 
d e de r e s f r i a m e n t o d o encé fa lo . 
O Encéfalo como Era Visto durante o Império 
Romano 
A f i g u r a m a i s i m p o r t a n t e na m e d i c i n a r o m a n a fo i o esc r i t o r e m é d i c o g rego Ga-
l eno (130-200 d .C . ) , q u e t a m b é m c o n c o r d a v a c o m a v i s ã o d e 1 l i p ó c r a t e s sobreo 
encéfa lo . C o m o m é d i c o d o s g l a d i a d o r e s , e le d e v e 1er l e s t e i n u n h a d o as infel i /es 
conseqüênc ias d e lesões cerebra is e d a m e d u l a e s p i n h a l . E n t r e t a n t o , a op in ião de 
G a l e n o sobre o encé fa lo d e v e te r s i d o m u i t o i n f l u e n c i a d a pe ias suas dis.secçõeí 
e m a n i m a i s . A F i g u r a 1.2 é u m d e s e n h o d o encé fa lo d e u m a o v e l h a , u m dos i^ b-
je tos d e e s t u d o p r e f e r i d o s d e G a l e n o . D u a s par tes p r i n c i p a i s são ev iden tes : o f ^ 
rebro* (cerebrum), na f ren te , eocerebelo, at rás. ( A e s t r u t u r a d o c é r e b r o é objeto do 
C a p í t u l o 7.) A s s i m c o m o s o m o s capazes d e d e d u z i r f u n ç ã o da e s t r u t u r a das 
mãos . G a l e n o t e n t o u d e d u z i r f u n ç ã o d a e s t r u t u r a d o cé reb ro e d o cerebelo. Cu-
t u c a n d o c o m o d e d o u m encé fa lo r ecen temen te d i ssecado , r e v e l o u q u e o cerebe-j 
l o é m a i s f i r m e e o cé rebro m a i s m a c i o . A p a r t i r desta i n f o r m a ç ã o , t i a l e n o siige-! 
r i u q u e o cé reb ro d e v i a ser o d e s t i n a t á r i o das sensações e o ce rebe lo dev ia co-
m a n d a r os m ú s c u l o s . Por q u e ele p r o p ô s esta d i s t i nção? Ele reconheceu que, pá-
ra f o r m a r m e m ó r i a s , sensações d e v e m ser impressas n o t e c i d o ne r voso . Natural-; 
m e n t e , i s to d e v e o c o r r e r n o m a c i o cérebro . 
• N deT «Mm. fm infçlK »iRnifii j ' 'encífjUrVtompri-indi-ofPrpbnííqueí principjlmcnloiiu li'ncifilot 
oa-n-beU>i'ülroiKuenccláliro, MUM^^ , tuduo<)ucficaiilniK<)d(>dcnln>da(;aíxa<.'rjnMnd(vi^^ I ij^un 1.7) II* 
inúmeras Irdduções em ijui' braiii ó tradu/iiiu cunn> "cen-bri>", o ijuf é um urn); a única i-xci-s-ao loli-fJvel^ 
<)u,induuaMunti>éap!>io)li)Kia humiirw atividjdi*» nnnui» »ujx'ridrc»-. {xii* I-SM« Ki-r.ilmi>nte r»-«ini»-
Urni-se ao Icicncéfalci. i.c, an "cínrbm" 
As Origens das Neurocièncias 5 
Visão lateral Visâo supenoí 
Figura 1.2 
O encéfalo de uma ovelha. Note-se a localização e o aspecto do cérebro e do cerebelo. 
N ã o i m p o r i a i |u i \o i m p r o v á v e l este rac iocín io possa ser, a dedução do Galeno 
não eslava Ião l on^e da verdade. O cérebro eslá, de fato, bastanle c o m p r o m e t i d o 
c o m as sensações e percepções, e o cerebelo é p r i m a r i a m e n l e u m cen l ro de con-
t ro le motor . A l e m d o mais, o cérebro é u m repos i tór io da memór ia .Veremos que 
e.sto não é o ún i co exemp lo da histór ia das neurcKiências em que a conclusão ge-
ra l eslá correta p a r t i n d o de u m rac iocín io errôneo. 
C o m o o encéfalo recebe as scns.içóes e m o v i m e n t a os membros? Ga leno ab r iu 
u m encéfa lo e obser\ -ou que ele era escavado i n l e m a m e n t e (F igura 1.3). Nestes 
espaços e.scavados, chamados de ivutríailos (assim c o m o as câmaras d o cora-
ção). hav ia u m fluido. Para Galeno, esta descoberta adequava-se per fe i tamente 
ã teor ia de que o co rpo func ionava de acordo com o balanço de qua t ro f lu idos ou 
h u m o r e s . Sensações e r a m regist radas e m o v i m e n t o s in ic iados pe lo m o v i m e n t o 
d o h u m o r a p a r t i r dos - o u para os - ven t r í cu los cerebrais, a t ravés dos ner \ 'os, 
q u e se acred i tava serem tubulações ocas, exatamente c o m o os vasos sangüíneos. 
0 Encéfa lo como Era Visto da Renascença ao 
Século XIX 
A vi.são de Ga leno sobre o encéfalo prevaleceu ptw ap rox imadamen te 1.500 am'is. 
Ma i s deta lhes fo ram ad ic ionados h est ru tura d o encéfalo pelo g rande anatomista 
A n d r e a s Vi 'sal ius (1514-15M) d u r a n t e a Renascença (F igura 1.4). T ix iav ia , a loca-
l ização ven t r i cu la r da função cerebral permaneceu inal terada. N d realidade, todo 
este concei to fo i reforçado no in íc io d o século XV I I , q u a n d o inventores franceses 
1 i»mt\ -aram a desenvo lve r d ispos i t i vas mecânicos cont ro lados h id rau l i camente . 
Figura 1.3 , , 
O encéfalo d issecado de uma ovelha most rando os ventrículos. 
Figura 1.4 
Representação dos ventr ículos cere-
brais humanos na Renascença. Dese-
nho extraído de De humani corporis fabnca 
de Vesalíus (1S43). O indivíduo provavel-
mente era um criminoso decapitado. Gran-
de cuidado toi tomado para desenhar cor-
retamente os ventrículos. (Fonte: Finger. 
1994, Fig. 2.8.) 
6 Capitulo t / Iníroduçáo às Neuroctôncias 
Figura 1.5 
O encéfalo de acordo c o m Descar tes. 
Este desenho apareceu em uma publica-
ção de 1662 feita por Descartes. Nervos 
"ocos" projelam-se dos olhos aos ventrícu-
los cerebrais. A mente influencia a respos-
ta motora, controlando a glândula pineal 
(H), que trabalha como uma válvula para 
controlar o movimento dos "espíritos" ani-
mais através dos nervos que inflam os 
músculos. (Fonte: Finger. 1994. Fig. 2.16.) 
Tais apa re lhos rcforçarjm a noção d o encé fa lo c o m o u m t i p o d e m á q u i n a oxecu-j; 
t a r d o u m a sér ie d e funções: u m fluido f o r ç a d o pa ra fo ra d o s v e n t r í c u l o s através || 
d o s ner\'Oi> p o d e r i a l i t e r a l m e n t e "bom lx»a r para c i m a " e m o v i m e n t a r seus mcm- ji 
bros. A f i n a l d e contas , os m ú s c u l o s n à o " i n c h a m " q u a n d o se c o n t r a e m ? [ 
O g r a n d e d e f e n s o r desta " t w í r i a d e fluido m e c â n i c o " d o f u n c i o n a m e n t o ence- ]i 
f á l i co fo i o m a t e m á t i c o e f i l ó s o f o f rancês René Descar tes {1596-1650). A p e s a r d f 1 
ele pensar q u e esta teor ia p o d i a e x p l i c a r o encé fa lo e o c o m p o r t a m e n t o d e outras j| 
a n i m a i s , n ã o se c o n v e n c i a d e q u e ela e x p l i c a v a c o m p l e t a m e n t e o c o m p o r t a m e n 4 
to huniano. Descar tes c o a s i d e r a v a q u e , d i f e r e n t e m e n t e d e o u t r o s a n i m a i s , as pes- |j 
soas p o s s u í a m in te lec to e u m a a l m a d a d a p o r Deus . A s s i m , p r o p ô s q u e mecanis-ï 
m o s cerebra is c o n t r o l a v a m o c o m p o r t a m e n t o h u m a n o s o m e n t e na m e d i d a cm 
q u e este se assemelhasse ao d o s a n i m a i s . C a p a c i d a d e s m e n t a i s exc lus ivamenteh u m a n a s e x i s t i r i a m fo ra d o e n c é f a l o (e d o p r ó p r i o cé reb ro ) , na " m e n t e " * . IX'S-
car tes ac red i tava q u e a m e n t e era u m a e n t i d a d e e s p i r i t u a l q u e recebia sensações 
e c o m a n d o s d o s m o v i m e n t o s pe la comun i caçà t> c o m a m a q u i n a r i a d o encéfalo 
p o r m e i o d a g l â n d u l a p i n e a l ( F i g u r a 1.5), I Joje e m d i a , a l g u m a s pessoas . l indí 
a c r e d i t a m q u e ex is te u m " p r o b l e m a m e n t e - c é r i ' b r o " , e q u e d e a l g u m a mane i ra t 
m e n t e h u m a n a é d i s t i n t a d o cérebro** . C o n t u d o , c o m o v e r e m o s n o C a p i t u l o 2 0 , 
pesqu isas m o d e r n a s e m neur<K iénc ias s u p o r t a m o u t r a c o n c l u s ã o : a m e n t e tem 
u m a base f ís ica, q u e é o cérebro . 
Por sor te , ou t r i « . c ien t i s tas d u r a n t e os sécu los X V I I e X V I I l r o m p e r a m a tradi-
ção d e G a l e n o e m foca l i za r apenas nos v e n t r í c u k » e c o m e ç a r a m a d a r ma i s im-
p o r t â n c i a ã subs tânc ia cerebra l . U m a d a s observaçcSes fo i a d e q u e o t ec ido cere-
b r a l era d i v i d i d o e m d u a s par tes ; a sutfslâiiciu âitzeiíta e a aulfflància branca (Figu-
ra 1.6). Q u e re lação e s t r u t u r a - f u n ç â o fo i , en tão , p r o p o s t a ? A subs tânc ia brancâ. 
• N d e i l-^UpoutAoíihjnvMJjdeilui/umncdrtnMn» 
•• N. d e i I;*IMP. na fiUoolui, unich.imAÜo "pn^bUfrij mtt i i r- iorptr.quí (»aiili<miiow<>r(dm Ji- li>nM 
muil» iimplificAda i mbord. p<rd(>kfil(SM>finda^>C4 rm i|uf tilinolU t-ciéruijdinJii m-uinfumliam -c«** 
monotemptxJelXncdrt«"! , n U uiiu qun l io m«» 4nipU. rU | i loi i>m ^Mrult-parlv n->pi'nJid4 
ciéncii, dr iundopdri i«lmfnli*«bw>lolou debele-(.-nln- "monUlisl.is". "nwUTwlisUs " i- "dudli-U»". N« til»>-
soíu cunmnporinM. piwrtn. p*istc uma i rr« de invntiKd<i». Ic^ilinva «• n-^pnudd - « fi/i»»ifti J« "toile • 
que W deÒK4 * um nuf ICT> IRMNC.I de ^ UI'^ IAR» amceilwiit «dvind«* do IDIO de o rtivbn. humam. I ^ M F »uiv 
(òe»Uo»ulikqu4nti>a«inici^-u. a imd|;irucit>e<>pcn>dnH-nl« l(>){iio-iiu(i>mátiii>, <)ui-»A(>diiiin»de 
*traduyir~emei>penmmiincienHfKO»p«lpa\eis.oqiMr Ktitvi. enfim. i«/mdo com que eMek Irma« nioi«-
iam naminado» com o dr% ido ngor 
As Origens das Neurociöncias 7 
Figura 1.6 
Subfttincia branca e substincia cinzen-
ta. O cérebro (oi cortado para mostrar os 
dois tipos de tecido. 
q u e tinhiJ c o n t i n u i d a d e com tw nem>s d o corpo, fo i cor re tamente ind icada c o m o 
c o n t e n d o as f ibras que l evam e t r a / e m a in fo rmação para a substância cinzenta. 
A o redor d o f ina l d o século X V l l I , o sistema nervoso já hav ia s ido comp le ta -
mente dissecado, e sua anatomia jçrosseira descrita em detalhes. Foi reconhecido 
q u e o s is tema nerv oso l i nha u m a d i v i são central , que consisHa d o encéfalo e da 
m e d u l a esp inha l , a lém de u m a d i v i são per i fér ica, q u e consist ia na ax te de ner-
vos q u e pe rco r rem o co rp t i (F igura 1.7). U m impt>rtante passo na n e u n w n a t o m i a 
fo i a observação de q u e o m e s m o t i po de padrão de saliências (os giros) e sulcos 
(ou/i.-ísurrts) pt>dia ser i den t i f i cado na super f íc ie cerebral de cada i n d i v í d u o (Fi-
gu ra 1.8). Este pad rão , que p e r m i t e a d i v i são d o cérebro e m /ofcos. fo i a base da 
especulação d e q u e d i ferentes funções estar iam local izadas e m di ferentes sal iên-
cias d o cérebro. Os c ient is tas es tavam, então, p ron tos para a era da l i xa l i zação 
cerebral . 
O Encéfalo como Era Visto no Século XIX 
Vamos rev isar o estágio de compreensão d o s istema ner\ -oso n o f i m d o século 
X V I l l : 
• D a n o n o encéfa lo p o d e causar desorgan ização das sensaçtVs, m o v i m e n t o s e 
pens t iment tw, p o d e n d o levar ã mor te . 
• O encéfalo comunica-se c o m o co rpo através dos nervos. 
• O encéfalo t em partes d i ferentes ident i f icáve is e que p rovave lmen te evecutam 
d is t in tas funções. 
• O encefa lo opera c o m o u m a m á q u i n a e segue as leis da nahj reza. 
D u r a n t e os KH) anos q u e se segui rão, ap renderemos mais sobre as funç tVs d o 
encéfa lo d o que fo i a p r e n d i d o e m tt)di>s i>s registn>s p rév ios da h is tór ia . Este tra-
ba lho p r o p i c i o u a st i l ida fundação e m que as n e u r w i é n c i a s d o século XX repou-
sam. A seguir , revisiia'mos qua t ro descobertas-chave real izadas n o século XIX. 
N e r v o s c o m o F i o s . Em 1751, Ben jamin F rank l i n p u b l i c o u u m panf le to i n t i t u -
l ado ExiferimiUoa e Ol'M'mii;îkii íobn- n Elctriciiiiuic, o qua l l evou a uma nova com-
preensão dos fenômenos elétr icos. N a v i r ada d o século, o c ient ista i ta l iano L u i g i 
C a l v a n i e o b ió logo a lemão Emi l d u Bo is -Reymond m o s t r a r a m que os múscu los 
p tKÜam ser m o v i m e n t a d o s q u a n d o i » nerv-tw e r a m es t imu lados elet r icamente, e 
q u e o encéfalo, p r o p r i a m e n t e d i t o . pod ia gerar e le t r ic idade. Tais descobertas fi-
n a l m e n t e d e r r u b a r a m a m»ção d e que os nervos comun i cam-se c o m o encéfa lo 
pe lo m o v i m e n t o de f lu idos . O n o v o concei to era de que os nervos e r a m c o m o 
• f i tw" o u calK>s que c o n d u z e m sinais e lét r icos d o e para o encéfalo. 
(.) p rob lema não- reso lv ido era se iw sinais para causar m o v i m e n t o nos múscu-
los u t i l i z a v a m os mesmos f ios que registravam a sens.\ção na pele. Comun icação 
1 o Capítulo 1 / Introdução às Neurociéncias 
Figura 1.7 
Subd iv isão anatômica bás ica d o 
s istema nervoso. O sistema nervo-
so possuí duas divisões, o sistema 
nervoso central (SNC) e o sistema 
nervoso periférico (SNP). O SNC é 
formado pelo encéíalo e pela medula 
espinhal. As irés partes pnndpais do 
encéíalo são o cérebro, o cerebelo e 
o tronco encefálico. O SNP consiste 
de nervos e células nervosas que se 
localizam fora do encéfaio e da me-
dula espinhal 
b i d i r e c i o n a l a t ravés d o s f ios fo i s u g o r i d a pela observ<ïçâo di> q u e q u . i n d o u m j 
n e r v o n o c o r p o é co r t ado , g e r a l m e n t e ex is te a p e r d a s i m u l t a n é . ! da s e n s i b i l i d a d ® 
e d o m o v i m e n t o na reg ião a fe tada . En t re tan to , t a m b é m sabia-se q u e e m cada fii^ f 
d o c o r p o e x i s t i a m m u i l t w f i l a m e n t o s , o u fibras neniosa^, cada u m a de las pod t 
d o se rv i r c o m o u m f i o i n d i v i d u a l c a r r e g a n d o i n f o r m a ç ã o e m d i fe ren tes direções-^ 
Esta ques tão fo i r e s p o n d i d a p o r v o l t a d e 1810 p o r u m m é d i c o escocês, C h a r - I 
les Bel l , e p o r u m f i s io log is ta f rancês, l " ranço is M a g e n d i e . U m c u r i o s o fa lo anJ* 
t ó m i c o é q u e j u s t a m e n t e antes d e os ne r \ ' o s l i ga rem-se à m e d u l a e s p i n h a l , fibras 
d i v i d i a m - s e e m d o i s b raços , o u raízes. A r a i z d o r s a l e n t r a v a pe la p a r t e d e tnis 
da m e d u l a e s p i n h a l , e n q u a n t o a ra i z v e n t r a l o faz ia pe la f r en te ( F i g u r a 1.9). 
As Origens das Neurocièncias 9 
Sulco 
lateral 
Figura 1.8 
Os lobos do cérebro. Note a profunda fissura de Silvius divi-
dindo o lobo frontal do temporal, e o sulco central, dividindo o lo-
bo frontal do parietal. O lobo occipital localiza-se na parte poste-
rior do cérebro. Estas marcas podem ser encontradas em todos 
08 cérebros humanos. 
tes tou a poss i b i l i dade dc essas duns raízes espinhais carregarem d is t in tas i n fo r -
mações c m d i fe ren tes direções, co r tando cada raiz separadamente e obser \ an-
d o as conseqüênc ias em an ima is exper imenta is . Ele obser \ 'ou que, c o r t a n d o so-
m e n t e a ra iz ven t ra l ,ocor r ia paral is ia muscu lar . Poster iormente, M a ^ e n d i e de-
m o n s t r o u q u e a ra iz dorsa l po r tava in fo rmação stibre a sens ib i l idade para a me-
d u l a esp inha l . Bell e M a g e n d i e conc lu í ram que e m cada nc r \ ' o exist ia u m a mis -
tu ra d e m u i t o s f ios, a lguns deles car regavam in fo rmação para o encéfalo e a me-
d u l a e s p i n h a l ao passo q u e ou t ros l evavam in fo rmaçáo para os múscu los . E m 
cada f ib ra m o t o r a o u sen.sitiva. a t ransmissão era exc lus i vamen te e m u m ún i co 
.Raízes ventra IS 
Figura 1.9 
Nervos espinfials e raízes nervosas 
espintials. Trinta e um pares de ner-
vos deixam a medula espint>al para 
inervar a pele e os músculos. Cortar 
um nen/o promove a perda da sensa-
ção e dos movimentos na região afeta-
da do corpo. Fibras sensoriais de entra-
da e fibras motoras de saída dividem-
se em raizes espinhais onde os nervos 
s e ligam à medula espinhal. Bell e Ma-
gendie observaram que as raízes ven-
trais conlôm somente fibras motoras e 
as raizes dorsais, fibras sensonais. 
1 o Capítulo 1 / Introdução às Neurociéncias 
Figura 1.10 
Um mapa f renológico. De acordo com 
Gall e seus seguidores, diferentes traços 
do comporiamento estavam relacionados 
com o tamanho de diferentes partes do 
crânio. (Fome: Clarke e O Malley. 1968, 
Fig. 118.) 
Figura 1.11 
Paul Broca (1824-1880). Estudando cui-
dadosamenle o encéfalo de um homem 
que tinha perdido a capacidade de falar 
depois de uma lesão cerebral (veja a Figu-
ra 1.12). Broca convenceu-se de que dife-
renies funções podiam estar localizadas 
em diferentes parles do cérebro (Fonle: 
Clarke e O Malley. 1968. Fig. 121.) 
hcn l i do . Os do i s l i p o s d o f ih r . is . ip . i rocom u n i d o s pol . i m a i o r p a r t e d a extonsào 
d o fo ixc, mas são a n a t o m i c a m e n t e seRre};ados q u a n d o e n l r a m o u saem da me-
d u l a esp inha l . 
L o c a l i z a ç ã o d e F u n ç õ e s E s p e c i f i c a s e m D i f e r e n t e s P a r t e s d o Cérebro . 
Se d i fe ren tes íunç(V's s í o loca l i zadas e m d i f e ren tes raízes esp inha i s , en tào talvez 
d i fe ren tes funções t a m b é m p o s s a m sor l iK-a l izadns e m d i f e ren tes regiOes d o en-
ctí falo. \'.n\ 1811, Bel l p r o p ô s i ] ue a o r i g e m das f i b ras m o t o r a s era o c o r o b o l o e o 
dest in t ) das f ib ras sens i t i vas , o oncC-falo. 
C o m o p o d e r i a esta p r o p o s t a ser testada? U m a m a n e i r a era u t i l i z a r a mesma 
estratégia q u e Ik'11 e M a g e n d i e us<iram para i d e n t i f i c a r as f unções das raízes es-
p inha is : d e s t r u i r essas par tes d o s is tema ne rx ' osoe tos tar para dé f i c i t s motores e 
s imsor ia is . Tal es t ra tég ia , o m q u e par tes d o s i s tema n e r v o s o sào s is temat icamen-
te des t ru ídas para d e t e r m i n a r sua fun«,-.1o. é c h a m a d a d e mctotio ik ablaçHo cxperi-
mental. E m 1823, o f i s io log is ta f rancês Mar ie -Jean-P ie r re F l o u r e n s u s o u este mé-
lod t ) e m d i f e ren tes a n i m a i s ( p a r t i c u l a r m e n t e o m pássaros) pa ra m o s t r a r que o 
cerebelo rea lmen te t e m u m p a p e l na coo rdenasSo d o s m o v i m e n t o s , conc lu indo , 
t a m b é m , ta l c o m o Bell o M a g e n d i e já h a v i a m s u g e r i d o , q u e o e n c é f a l o está en-
v o l v i d o na sens ib i l i dade e na percepção. M a s , d i f e r e n t e m e n t e d e seus antecesso-
res, í - lourens p r o d u z i u s u p o r t e e x p e r i m e n t a l s ó l i d o pa ra suas conc lusões . 
E o q u e d i ze r a respe i to d e t t x ias as c i r c u n v o l u ç õ e s na supe r f í c i e d o cérebro? 
Elas t a m b é m t ê m d i ferent i -s funções? A idé ia d o q u e t i n h a m era i r res is t íve l para 
u m j o v e m es tudan te d e m e d i c i n a aus t r íaco c h a m a d o F ranz Joseph Cîall. Acredi -
t a n d o q u e as sal iências na super f í c ie d o c r â n i o refletiam c i rcunvo luçc ies na super-
fície d o céa 'b ro . G a l l p n i p ô s , e m 1809, q u e a p r o p e n s ã o a cer tos t r a ç w d o persona- ; 
l idado, c o m o a generos idade, a t i m i d e z e a d e s t r u t i v i d a d e , p o d i a estar relacionada I 
às d imensões d a cabeça (F igu ra 1.10). Para sus ten tar sua a l e g a ç í o . G a l l e seus se-
g u i d o r e s co le ta ram e m e d i r a m c u i d a d o s a m e n t e o c r â n i o d e cen tenas d e pessoas 
rep resen tando u m a g r a n d e v a r i e d a d e d e t i pos d e pe rsona l i dades , di»sde os mais 
p r i v i l eg i ados até i>s c r i m i n o s o s e loucos. Fsta n o v a " c i ê n c i a " d e co r re lac iona r a es-
t r u t u r a da cabeça c o m traços da p e r s o n a l i d a d e fo i c h a m a d a d e fri'uoloj(iii. I jnbt ) ra 
as a legaçõ is dos f reno log is tas nunca t e n h a m s i d o levadas a sér io p i ' la comun ida-1 
de c ient í f ica, eles c a p t u r a r a m a i m a g i n a ç ã o p o p u l a r d a ép tKa . IX- fa to , u m livro-
texto d e frenoU>gia p u b l i c a d o o m 1827 v e n d e u ma i s d e 100.000 cóp ias . 
U m d o s c r í t i cos ma i s ac i r r ad t i s da f r e n o l o g i a fo i F l ou rens , o m e s m o homem | 
q u e d e m o n s t r o u e x p e r i m e n t a l m e n t e q u e o ce rebe lo e o cé reb ro reali/am diferen- P 
ti»s funções, O s f u n d a m e n t o s d e suas c r i t i cas e r a m s<)lidi>s. Para começar , o f o r - 1 
m a t o d o c r â n i o n â o se co r re lac iona c o m o f o r m a t o d o encé fa lo . A l é m d i s t o . F iou -1 
rens rea l i zou ablações e x p e r i m e n t a i s m o s t r a n d o q u e t raços p a r t i c u l a r e s nâo são ^ 
iso lados de porções d o cé reb ro espec i f i cados pela f r e n o l o g i a . F io t a m b é m d o d u - 1 
z iu , en t re tan to , q u e todas as regiões d o cérebro p a r t i c i p a m i g u a l m e n t e d e todas ^ 
as funções cerebra is , u m a conc lusão q u e ma i s t a rdo m o s t r o u - s e e r r a d a . 
A pessoa g e r a l m e n t e c red i t ada p o r i n f l u e n c i a r a c o m u n i d a d e c ien t í f i ca a l'st.v | 
belecer a loca l i zação das f unções cerebra is fo i o n e u r o l o g i s t a f rancês Pau l Broca | 
( F i g u r a 1.11). BriK-a fo i a p r e s e n t a d o a u m pac ien to q u e c o m p n - e n d i a a l ingua- ) 
g e m , mas n â o p o d i a fa lar . A p t w a m o r t o d o pac ien to , o m 1861, B r w a exam inou 
c u i d a d o s a m e n t e seu encé fa lo e e n c o n t r t ) u u m a lesão n o l o b o f r o n t a l esquerdo 
(F igu ra 1.12). Baseado neste caso e o m mu i t t ) s o u t r o s , c o n c l u i u t j u e i>sta região do 
cérebro h u m a n o era espec i f i camen te responsáve l pe la p r t K l u ç â o d a fala. 
E x p e r i m e n t o s m u i t o cons is ten tes rea l i zados a segu i r o fe rece ram s u p o r t o à lo* I 
ca l izaçAo d a s funções cerebra is e m a n i m a i s . O s f i s i o l i í g i s t as a lemães Gustav 
l ' r i t sch e l í d u a r d I l i t z i g m o s t r a r a m que , a p l i c a n d o u m a p e q u e n a c o r r e n t e e l é t r i - | 
ca e m u m a reg ião c i r cunsc r i t a d a supe r f í c i e cerebra l expos ta d o u m cão, pi>dor-| 
se-ia p r o m o v e r d i sc re tos m o v i m e n t o s . O n e u r o l o g i s t a osctK-ês D a v i d For r ie r n.>-1 
p o t i u ta l e x p e r i m e n t o c o m macacos. E m 1881, e lo m o s t r o u i | u e a r e m i r ã o dJ 
m e s m a reg iã í i d o cé reb ro causava pa ra l i s i a d o s m ú s c u l o s . Da m e s m a f o r m a , o 
f i s ioh tg is ta a l e m ã o H e r m a n n M ü n k , u s a n d o ab lação e x p e r i m e n t a l , apresentou 
ev i dênc ias d e q u e o l o b o o c c i p i t a l d t i cé reb ro es tava e s p i v i f i c a m e n t e e n v o h 
na v isão. 
As Origens das Neufocièncias 11 
Figura 1.12 
O encéfalo que convenceu Broca da localização de funçãono cére-
bro. Este é o encéfalo preservado de um paciente que perdeu a fiabilida-
de de falar antes de morrer, em 1861. A lesão que produziu este déficit es-
tá indicada. (Fonte: Corsi. 1991. Fig, 111,4.) 
C o n f o r m e se verá na Parte II doste l i v ro , agora sabemos que existe u m a clara 
d i v i s ã o de t raba lho n o encéfalo, c o m d i ferentes partes rea l izando funções bem 
d is t i n tas . O m a p a a lua i da d i v i são das funções cerebrais rivaliza m e s m o com o 
ma i s e lab i i rado dos mapas p n x i u z i d o s pe l iw frenologistas. A ma io r d i ferença é 
que, ao con t ra r i o dos frenologistas. os cientistas de hoje requerem evidências ex-
p e r i m e n t a i s só l idas antes de a t r i bu i r uma funçáo a u m a porção d o encéfalo. 
C o n t u d o , parece que Ga l l teve a idéia certa. É na tu ra l quest ionar-se por que 
F lourens, o p i one i r o da l iK-al i /ação das funções cerebrais, fo i l evado a acredi tar 
q u e o encéfa lo agia c o m o u m todo e náo pod ia ser s u b d i v i d i d o . Há mu i tas ra-
zões para q u e este b r i l han te pesquisador náo lenha descoberto a kxral izaçáo ce-
rebral , mas parece c laro que u m a das razões era sua forte reação cont ra C a l i e a 
f reno log ia . Ble não pod ia concordar nem remotamente c o m Gal l , a q u e m consi-
de rava u m lunát ico . Isto nos lembra que ciência, para o bem ou para o ma l , era e 
a i nda é u m e m p r e e n d i m e n t o caracter ist icamente h u m a n o . 
A E v o l u ç ã o d o S i s t e m a N e r v o s o . Em 185^, o b i ó l o g o ing lês Char les Dar -
w i n (F igu ra 1.13) p u b l i c o u N e s t e t raba lho, q u e é œferência 
abs t i l u la na b io log ia m i n l e m a . ele a r t i c u l o u a Teoria da Evo lução Na tu ra l : as es-
pécies de o rgan i smos e v o l u í r a m d e u m ancestra l c o m u m . De acordo c o m a sua 
tw>ria, d i fe renças ent re as espécies aparecem p o r u m pr iKesso q u e D a r w i n cha-
m o u l ie sclt\i}o mtiinil. C o m o resu l tado d o mecan i smo d e r e p n x l u ç á o , i>s traços 
físicos d o s f i l hos a l g u m a s vezes são d i fe ren tes d o s pais. Se estes traços repre-
sentam urna van tagem para a sobrev ivênc ia , este f i l ho terá mais chance de se rv-
p r o d u z i r , desta mane i ra fazendo c o m que este t raço seja passado para as p róx i -
mas gerações. A t r a v é s de vár ias gerações, este priKesst> l e v o u ao desenvo l v i -
m e n t o de t raços q u e d i s t i n g u e m espécies hoje e m d ia : nadadei ras nas f iKas, pa-
tas nos cães, m i o s ni»s g u a x i n i n s , e ass im p o r d ian te . Esta s imp les observação 
r e v o l u c i o n o u a b io log ia . Ho je . ev idênc ias c ient í f icas desde a an t ropo log ia até a 
genét ica mo lecu la r ap t i i am, d e f o r m a esmagadora , a teoria da evo lução pela se-
leção na tu ra l . 
D a r w i n i n c l u i u o c o m p o r t a m e n t o enta* os traços herdados que p i x i e r i a m 
evo lu i r . Por exemp lo , ele no tou q u e mu i tas espécies de mamí fe ros mos t ravam a 
mesma reação q u a n d o estavam c o m medo: as pup i l as dos o lhos a u m e n t a v a m de 
t a m a n h o , o coração d isparava, os cabelos f i cavam em pé. Isto é v e r d a d e i m para 
o h o m e m ass im c o m o para o cão. Para D a r w i n , a s i m i l a r i d a d e nestas n>spostas 
m o s t r a v a que as d i fe ren tes espécies t i n h a m e v o l u í d o de u m ancestra l c o m u m , 
q u e possuía o m e s m o traço de c o m p o r t a m e n t o (que p rev is i ve lmente era vanta-
josi>, po is fac i l i tava f u g i r dos predadores) . C o m o o c o m p o r t a m e n t o ref lete a at i -
v i d a d e d o s istema nervoso. p t )demos in fe r i r q u e os mecan ismos encefál icos q u e 
f o r m a m a base desta reação de m e d o d e v e m ser s imi lares, se não idênt icas, nas 
espiVi i 's . 
Figura 1.13 
Charles Darwin (1809-1882). Oanivinpn>-
põs a Teoria da Evolução, explicando como 
a s espécies evoluem através do processo 
de seleção natural. (Fonte: Arquivos de 
Bettman.) 
12 Capitulo 1 / IntrodiiçAo às Neurociónoas 
Rgura 1.14 
Diferentes especial izações cerebrais 
em macacos e ratos, (a) O encéfalo de 
um macaco tem um senso de vtsâo bas-
tante evoluído A região no quadro em des-
taque recebe informações dos olhos. 
Quando esta região é seccionada e corada 
para que se possa visualizar o tecido me-
tabolicamente ativo, um mosaico de 'bo-
lhas' aparece Os neurônios dentro das bo-
lhas sáo especializados na análise de co-
res no mundo visual, (b) O encéfalo de um 
rato tem um senso táctil altamente evoluí-
do na face. A região no quadro em desta-
que recebe informação das vibrissas. 
Quando esta região é secclor^da e corada 
para mostrar a localização dos neurônios, 
um mosaico de 'barr is ' aparece, Cada bar-
ril é especializado em receber um estimulo 
de uma única vibrissa na face do rato. (Fo-
tomicrografía Cortesia do Or. S.H.C. 
Hendry.) 
A idéia do q u e o .sistem.i n e n ' o s o d e d i fe ren tes espécies e v o l u i u d e .incestra» 
comuns e que estes p o d e m ter mecan ismos c o m u n s era o q u e p rec isávamos pa. 
ra relacionar os resultados e m e x p e r i m e n t o s c o m a n i m a i s c o m os rea l i zados em 
humanos. Assim, por exemplo , mu i tos dos d e t a l h e s d e c o m o o i m p u l s o elétrico 
é c o n d u z i d o pe lo n e r v o f o r a m d e m o n s t r a d o s p r i m e i r a m e n t e e m lu las e, agora, 
sabe-se q u e são igua lmente apl icáveis e m h u m a n o s . A m a i o r i a d o s neur(KÍenfis-
tas hoje e m dia ut i l iza nK\ielos animais d o s prtKesst>s q u e eles q u e r e m compreen-
der e m humanos . Por e x e m p l o , os ra los m o s t r a m c laros s ina is d e dependência 
qu ímica se lhes for d a d a a chance d e se a u l o - a d m i n i s l r a r e m ccKaína repetida-
mente. Conseqüentemente , ratos são excelentes m o d e l o s p a r a pesqu isa focada 
em compreender c o m o as drogas ps icoat ivas e x e r c e m seus e fe i tos sobre o siste-
ma ner\'ost>. 
Por outn> lado, mu i tos traços c o m p o r t a m e n t a i s sâo a l t a m e n t e especial izado! 
para o a m b i e n t e ( o u n icho) q u e a espécie t K u p a . P o r e x e m p l o , m a c a c o s balan-
çandivse d e ga lho e m g a l h o t ê m u m a g u d o senso d e v i s ã o , e n q u a n t o q u e ratos 
correndo e m hineis subterrâneos t ê m u m a v isão p o b r e , m a s u m r e f i n a d o senso 
táctil e m p r e g a n d o suas vibrissas. A d a p t a ç õ e s re f l e tem-se n a e s t r u t u r a e nas fun-
ções d o encéfalo d e cada espécie. C o m p a r a n d o a e s p e c i a l i z a ç ã o d o encéfa lo de 
diferentes espécies, os neurocient istas f o r a m capazes d e i d e n t i f i c a r q u e partes do 
encéfalo e r a m responsáveis p o r d i fe ren tes funções c o m p o r t a m e n t a i s . E x c m p l « 
e m macaci>s e ratos estão representados na F i g u r a 1.14. 
O N e u r ô n i o : A U n i d a d e F u n c i o n a l B á s i c a d o S i s t e m a N e r v o s o . O refina-
mento d o micn>sc6pio n o iníc io d o século X I X o fe receu at>s c ient is tas sua primei-
ra o p o r t u n i d a d e d e e x a m i n a r tec idos a n i m a i s e m m a g n i f i c a ç õ c s ma io res . Era 
1839, o zix)logista a l e m ã o T h e o d o r S c h w a n n p r o p ô s o q u e se t o r n o u conhecido 
como teoria cfluhr. todos os tecidos sào c o m p o s t o s p o r u n i d a d e s microscópicai 
chamadas células. ~ 
Apesar d e as c é l u l a s cerebrais já e s t a r e m i d e n t i f i c a d a s e descr i tas , a i n d a exis-
tia controvérsia sí>bre se a "célu la ner \ 'osa" i n d i v i d u a l e r a r e a l m e n t e a unidade 
O ) E n c é l a l o d e w o 
As Neufociéncias Hoje 13 
básica da funçÃo cerebríil. As células nervosas comumcntc tôm um corto núme-
ro dc projeções ou prtKessos finos, que se estendem a partir do corpocelular (Fi-
gura 1.15). Inicialmente, os cientistas não podiam decidir se os prwessos de di-
ferentes ciíkilas fundiam-se com os vasos sangüíneos do sistema circulatório. Sc 
isto era verdade, o termo "rede nervosa" de células neurais conectadas poderia 
representara unidade elementar da funçAo cerebral. 
O Capitulo 2 apresenta uma pequena história de como esta questão íoi resol-
vida. 1- suficiente dizer que. por volta de 1900. a célula ner\ osa individual, hoje 
chamada de neurônio, foi reconhecida como sendo a unidade funcional básica 
do sistema nervoso. 
AS NEUROCIÉNCIAS HOJE 
A história moderna das neurocièncias ainda está sendo escrita, e as suas desctv 
bertas, até aqui, formam a base deste livro. Discutiremos os maLs recentes desen-
volvimentos ao longo de todo o l ivro. Vamos, agora, examinar como os estudos 
sobre o encéfalo sáo conduzidas hoje em dia e por que sua continuidade é impor-
tante para a stKiedade. 
Níveis de Análise 
A história demonstrou claramente que compreender como o encéfalo funciona é 
um grande desafio. Para reduzir a complexidade do problema, os neurwienlis-
tas o "quebraram" em pequenos pedaços para uma análise sistemática experi-
mental. Isto é chamado de abordiii^cm rcdtidoiüsta. O tamanho da unidade a ser 
estudada define o que geralmente é chamado de nivel de análise. Em ordem as-
cendente de complexidade, estes níveis sào: molecular, celular, de sistema, com-
portamental e cognitivo. 
N e u r o c i è n c i a s Mo lecu la res . O encéfalo já foi t ido como a mais complexa 
porçáo de matéria no universo. A matéria encefálica consiste de uma fantástica 
variedade do moléculas, muitas das quais sâo exclusivas do sistema ner\-oso. Es-
tas diferentes moléculas têm diferentes papéis que sÃo cruciais para a função ce-
rebral: mensageiros que permitem aos neurónios comunicarem-se uns com os 
outros, sentinelas que controlam que materiais podem entrar ou deixar os neu-
rônios, guias que direcionam o crescimento neuronal, arquivistas de experiên-
cias passadas. Ü estudo do encéfalo em seu nível mais elementar é chamado de 
neunKíências moleculares. 
Figura 1.15 
Um desenho antigo de uma célula ner-
vosa. Publicado em 1865. este desenho 
do anatomista alemão Otto Deiters mostra 
uma célula nervosa, ou neurônio, e suas 
várias projeções, chamadas de neunfos. 
Por um tempo pensou-se que os neurítos 
fundiam-se como os vasos sangüíneos do 
sistema circulatório. Agora sabe-se que os 
neurônios sáo entidades distintas que se 
comunicam utilizando sinais químicos 
(Fonte Clarke e O Malley. 1968. Fig. 16.). 
N e u r o c i è n c i a s Celu lares . O próximo nível de análise é o das neurixrièncias 
celulaa-s, que enfiKa o estudo de como as moléculas trabalham juntas para dar 
ao neurônio suas propriedades especiais. Entre as perguntas formuladas neste 
nível temos: Quantos diferentes tipt>s de neurônios existem e como eles diferem 
em sua função? Como os neurónios influenciam outros neurônios? Como os 
neurônios se interconectam durante o desenvolvimento fetal? Como os neurô-
nios fa/em suas computações? 
N e u r o c i è n c i a s de S is temas . Constelações de neurônios formam circuitos 
complexos que realizam uma determinada função comum: a visáo, por exemplo, 
ou o movimento voluntário. Assim, f>«>demi>s falar no "sistema visual" e no "sis-
tema motor", cada um com seus próprios circuitos dentn^ do encéfalo. Neste ní-
vel de análise, chamado neunxriencias de sistemas, neunvientistas estudam civ 
mo diferentes ciaui tos neurais analisam informação .sensorial, formam a penrep-
ção do mundo externo, tomam decisões e executam movimentos. 
Neu roc iènc ias Compor tamen ta i s . Como os sistemas neurais trabalham jun-
tos para produzir lomportanu-iUo-, integrados? Por exemplo, existem diferentes 
fi>rmas de memória para diferentes sistemas? Onde. no encéfalo, agem as drogas 
que alteram a mente e qual é a contribuição normal destes sistemas para a regu-
1 o Capítulo 1 / Introdução às Neurociéncias 
lação d o h u m o r e d o c o m po r ta m e n lo? Q u . i l s i s tema n e u r a l é responsáve l pelos 
c o m p o r t a m e n t o s especí f icos d e cada gênero? De o n d e v e m os sonhos? Estas sâo 
questões es tudadas pe las neurcKiênc ias c o m p o r t a m e n t a i s . 
N e u r o c i ê n d a s C o g n i t i v a s . P m v a v e l m e n t e o m a i o r d e s a f i o das lu-urtKièncias 
fo i a c o n i p n i i isão d o s m e c a n i s m o s n e u r a i s responsáveis pe las a t i v i d a d e s men-
tais supe r i o res d o h o m e m , c o m o a consc iênc ia , a i m a g i n a ç ã o e a l i nguagem. A 
pesquisa n o n í v e l das neu r tK iênc ias c o g n i t i v a s i nves t i ga c o m o a a t i v i d a d e d o 
céfa lo c r ia a men te . 
O s N e u r o c i e n t i s t a s 
" N e u r i K i e n t i s t a " é u m a d e s i g n a ç ã o q u e soa d e m a n e i r a tão impress ionanle 
q u a n t o " c i en t i s ta espac ia l " . M a s , c o m o v t K ê , nós t a m b é m já f o m o s estudantes-j 
Por a l g u m m o t i v o - t a l vez p o r q u e t i véssemos a v is ta f raca, o u ta l vez po rque al-
g u m f a m i l i a r tenha p e r d i d o a fa la apcw u m d e r r a m e e qu i séssemos saber o moti-
v o - c o m e ç a m o s a c o m p a r t i l h a r d e u m dese jo c o m u m d e "saber c o m o funciona", 
Ta lvez você t a m b é m v e n h a a c o m p a r t i l h a r c o n o s c o este desejo. 
Ser u m neu roc i en t i s t a é m u i t o g r a t i f i c a n t e , m a s n ã o é m u i t o fác i l chegar aqu i 
São necessár ios m u i t o s anos d e a p r e n d i z a d o . A l g u n s t a l v e z c o m e c e m ajudando 
na pesqu isa e m a l g u m l a b o r a t ó r i o d u r a n t e o u a p ó s a f a c u l d a d e e, poster iormen-
te, c u r s e m a p ó s - g r a d u a ç ã o para o b t e r u m t í t u l o d e m e s t r e o u d o u t o r (ou anv 
bos). Is to g e r a l m e n t e é s e g u i d o p o r a n o s d e p ó s - d o u t o r a d o n o s q u a i s se apren-
d e m n o v a s técnicas o u m a n e i r a s d e p e n s a r sob a s u p e r \ ' i s ã o d e u m neurocient is-
ta estabelec ido. F i n a l m e n t e , o " j o v e m " neu roc ien t i s ta está p r o n t o pa ra in ic ia r seu 
t r a b a l h o e m u m a u n i v e r s i d a d e , i n s t i t u t o o u h o s p i t a l . 
F a l a n d o d e m o d o gera l , a pesqu isa e m neurcx i iênc ias (e os neuroc ien t i s tas ) po-
d e ser d i v i d i d a e m d o i s t ipos : clínica e experimental. Pesqu isa c l í n i ca é basicameivl 
te c o n d u z i d a p o r m é d i c o s . A s p r i n c i p a i s e s p e c i a l i d a d e s d e d i c a d a s ao sistemaj^ 
n e r v o s o h u m a n o são a n e u r o l o g i a , a p s i q u i a t r i a , a n e u r o c i r u r g i a e a n e u r o p a t t B 
l og ia (Tabela 1.1). M u i t o s d o s q u e c o n d u z e m as pesqu i sas c l í n i cas c o n t i n u a m i 
t r a d i ç ã o d e Broca, t e n t a n d o d e d u z i r d o s e fe i t os c o m p o r t a m e n t a i s d a s lesões as 
f unções das vá r i as reg iões d o encé fa lo . O u t r o s c o n d u z e m e s t u d o s p a r a .icessar 
os r iscos e os bene f íc ios d e n o v o s t i p o s d e t r a t a m e n t o . 
A p e s a r d o ó b v i o v a l o r da pesqu isa c l ín ica , os f u n d a m e n t o s d e l o d o s os trata» 
m e n t o s m é d i c o s d o s i s tema n e r v o s o f o r a m e c o n t i n u a m s e n d o baseados n « 
neu roc iénc ias e x p e r i m e n t a i s , q u e p o d e m ser r ea l i zadas p o r u m m e s t r e ou um 
d o u t o r , n ã o necessar iamente f o r m a d o e m m e d i c i n a . A s a b o r d a g e n s exper imc iv 
ta is u t i l i z a d a s para se es tuda r o encé fa lo sâo tão a m p l a s q u e i n c l u e m quase quaH 
q u e r m e t o d o l o g i a conceb íve l . A s s i m , apesar d a n a t u r e z a i n t e r d i s c i p l i n a r d'lS 
neuroc iénc ias , o q u e d i s t i n g u e u m neurocien t i s ta d e o u t r o é o f a l o d e ser especia« 
l i z a d o e m d e t e r m i n a d a s m e t o d o l o g i a s . Ex i s t em n e u r o a n a t o m i s t a s , q u e u l i l i zam 
m i c r o s c ó p i o s so f i s t i cados para t raçar conexões n o encé fa l o ; neuro f is io log is tas . 
q u e u t i l i z a m e le t rodos , a m p l i f i c a d o r e s e osc i l oscóp ios pn ra m e d i r a at iv idade 
Tabela 1.1 Especia l idades módicas assoc iadas c o m o s is tema nervoso 
ESPECIALISTA DESCRIÇÃO 
Neufoanatomista E8luda a estrutura do sislema nervoso, 
Neurobiõlogo do Analisa o desenvolvimento e a maturação do 
desenvolvimento encéfalo. 
Neurobiólogo molecular Usa o material genético dos neurônios para 
compreender a estrutura e a função das 
moléculas cerebrais. 
Neurocientista computacional Usa a matemática e os computadores para 
construir modelos de funções cerebrais. 
Neurocientista computacional Usa a matemática e os computadores para 
construir modelos de funções cerebrais. 
As Neufociéncias Hoje 15 
Tabela 1.2 Tipo» de neuroclent l . ta . experimenlais 
Neurocirurgião 
Neuroetólogo 
Neurofarmacologisla 
Neurotisiologista 
Neurologista 
Neuropatologista 
Neuropsicólogo 
Neuroquímico 
Psicobiólogo 
(psicólogo fisiologista) 
Psicofisico 
Psiquiatra 
DESCRIÇÃO 
Um médico treinado para realizar cirurgia no 
encéfalo e na medula esptnfial. 
Estuda as bases neurais de comportamentos 
animais específicos de cada espécie no seu 
habitat natural. 
Examina os efeitos de drogas sobre o sistema 
nervoso-
Mede a atividade elétrica do sistema nervoso. 
Um médico treinado para diagnosticar e tratar de 
doenças do sistema nervoso. 
Um médico ou outro profissional treinado para 
reconhecer as alterações no tecido nervoso que 
resultam de doenças. 
Estuda as bases neurais do comportamento 
humano. 
Estuda a química do sistema nervoso. 
Estuda as bases biológicas do comportamento 
animal. 
Mede quantitativamente as habilidades de 
percepção. 
Um médico treinado para diagnosticar e tratar 
transtornos do humor e da personalidade. 
e lét r ic . i cerebral ; neurofarmacolog is tas, que usam drogas talhadas para es tudar 
a q u í m i c a da função cerebral ; neurob ió logos moleculares, q u e c o p i a m o mater ia l 
gené t i co dos neu rôn ios para encont rar pistas das es t ru tu ras molecu lares cere-
bra is ; e ass im p o r d ian te . A Tabela 1.2 lista a lguns dos tipt)s d e neuroc ient is las. 
Pergun te ao seu o r i en tado r que t i po de neurocient is ta ele ou ela é. 
O Processo Científico 
N e u r o c i e n t i s l a s de todas as l inhas esforçam-se para estabelecer as verdades a 
respe i to d o s istema nervoso. Independen temente d o n íve l de anál ise que esco-
l h e m , eles t r aba lham de acordo c o m o niclotio cwiilifico, que consiste de q u a t r o 
etapas o.ssenciais; observação, repl icação, in terpretação e ver i f icação. 
O b s e r v a ç ã o . Observações são t i p i camente real izadas d u r a n t e exper imentos 
licícnlituloiy para testar u m a h ipótese par t icu la r . Hell, p o r exemp lo , h i po te t i zou 
q u e as ra í /es vent ra is c o n t i n h a m as f ibras nervosas que con t ro lavam os múscu-
los. l 'ara testar esta idéia, ele r e a l i / o u o expe r imen to n o qua l seccionou estas fi-
bras e obse rvou se resul tava a l guma paral is ia muscu la r ou não. Ou t ros t ipos de 
observação d e r i v a m de u m atento o lhar d o m u n d o ao nosso redor, o u da intros-
pecção, o u de casos c l ín icos humanos . Por exemplo , as observações cu idadosas 
d e Brix-a o l eva ram a cor re lac ionar a lesão no lobo f ron ta l esquerdo c o m a perda 
da hab i l i dade d e fa la r 
R e p l i c a ç ã o . N ã o i m p o r t a n d o se a observação é expe r imen ta l ou c l ín ica, é es-
sencia l que ela possa ser rep l icada antes de poder ser aceita pelos cient istas co-
m o u m fato. Repl icação s imp lesmente quer d ize r repet i r o exper imen to em di fe-
rentes sujei tos ou fa /e r observação s im i l a r em di ferentes pacientes, quantas ve-
zes f o r necessário para se descartar a poss ib i l i dade de que esta observação tenha 
o c o r r i d o apenas por acaso. 
I n t e r p r e t a ç ã o . N o m o m e n t o em que o cient ista acredita que a observação está 
correta, ele laz u m a in terpretação, a qua l depende de seu estado de conhec imen-
to (ou ignorânc i i i ) no m o m e n t o da observação e de suas noções preconcebidas. 
16 Capítulo 1 / Introdução ás Neurociências 
Ass im , as in terprot . ições n e m sempre res is tem ao teste d o t e m p o . 1 o r exemplo , 
no m o m e n t o em q u e (cz estn observação, F lou rens n ã o s. ibia q u e o cerebro de 
u m passar inho era f u n d a m e n t a l m e n t e d i f e ren te d o d e u m m a m í f e r o . A s s i m , cie 
conc lu i u , e r roneamente , das ablações e x p e r i m e n t a i s e m pássaros, q u e n ã o exis-
tia a local ização de certas funções n o cérebro d e m a m í f e r o s . A l é m d i sso , conio 
d issemos, seu p r o f i m d o desp rezo p o r G a l l ce r t amen te i n f l u e n c i o u esta interpre-
tação. O p o n t o é q u e a i n te rpa - tação cor re ta c o m f r eqüênc ia p e r m a n e c e desco-
nhec ida p o r m u i t o t e m p o após a real ização da obser \ 'ação. N a rea l i dade , muitas 
vezes g randes descober tas são fei tas q u a n d o ve lhas o b s e r \ ações sSo in terpreta-
das sob u m a n o v a luz . 
V e r i f i c a ç ã o . A ú l t i m a etapa d o processo c ien t í f i co é a ve r i f i cação . Esta etapa é 
d is t in ta da rep l i cação rea l izada pe lo o b s e r v a d o r o r i g i n a l . Ver i f icaç<io s igni f ica 
que a obsen-ação é su f i c i en temen te robusta e p o d e r á ser rea l i zada p o r qualquer 
c ient ista compe ten te q u e siga p rec isamente o p r o t o c o l o d a obse rvação or ig ina l . 
U m a ver i f i cação b e m - s u c e d i d a v i a d e regra s i gn i f i ca q u e a o b s e r v a ç ã o é aceita 
c o m o fato. Ent re tan to , n e m toda obser\ -ação p o d e ser v e r i f i c a d a . A l g u m a s vezes 
is to se d e v e a imprec isões n o a r t i g o o r i g i n a l o u à rep l i cação i nsu f i c i en te . N o en-
tanto, o insucesso da ve r i f i cação u s u a l m e n t e p o d e se d e v e r ao f a to d e q u e inú-
meras va r iáve i s ad ic iona is , c o m o t e m p e r a t u r a o u ho ra d o d ia , c o n t r i b u e m para 
o resu l tado o r i g i na l . A s s i m , o processo d e ve r i f i cação , se a f i r m a t i v o , estabelece 
novos fatos c ient í f icos, e, se nega t i vo , sugere n o v a s i n te rp re tações pa ra a obser-
vação o r ig ina l . 
Ocas iona lmen te , l emos na i m p r e n s a le iga o re la to d e a l g u m caso d e " f r aude 
c ient í f i ca" . Os pesqu isadores d e v e m c o m p e t i r d u r a m e n t e p o r l i m i t a d o s fundos 
d e pesquisa e so f rem cons ideráve l pressão para " p u b l i c a r o u m o r r e r " . C o m o ob-
je t i vo de acelerar os t raba lhos , a l guns au to res a c a b a m p u b l i c a n d o "observações" 
q u e nunca f o r a m feitas. Por sor te , estes casos d e f r a u d e são ra ros , graças à pró-
p r ia na tureza d o processo c ien t í f i co . S e m m u i t o ta rdar , o u t r o s c ien t i s tas vêem-se 
incapazes de ver i f i ca r as observações f r a u d u l e n t a s e c o m e ç a m a l e v a n t a r dúv i -
das sobre c o m o elas f o r a m o b t i d a s o r i g i n a r i a m e n t e . O m a t e r i a l q u e c o m p õ e este 
l i v r o é u m ve rdade i ro a tes tado d o sucesso d o processo c ien t í f i co . 
O Uso de Animais na Pesquisa em Neurociências 
A m a i o r par te d o q u e sabemos sobre o s i s tema n e r v o s o v e m d e e x p e r i m e n t o s 
rea l izados c o m an ima is . N a m a i o r i a d o s casos, os a n i m a i s são sac r i f i cadospara 
que o encéfalo possa ser e x a m i n a d o n e u r t w n a t ó m i c a , n e u r o f i s i o l ó g i c a e / o u neu- : 
r o q u i m i c a m e n t e . O fa to d e q u e os a n i m a i s são sac r i f i cados pa ra o conhec imen to | : 
h u m a n o levanta questões sobre a ética da pesqu isa c o m a n i m a i s . 
O s A n i m a i s . I n i c i a l m e n t e , v a m o s co locar o assun to e m p e r s p e c t i v a h is tór ica. i 
Desde sempre os h o m e n s t ê m t r a t a d o os a n i m a i s e seus p r o d u t o s c o m o reservas ; 
na tu ra is de a l i m e n t o , ves tuá r i o , t r anspo r te , recreação, espo r te e c o m p a n h i a . Os J 
a n i m a i s e m p r e g a d o s na pesqu isa , na educação e e m testes s e m p r e f o r a m uma 
pequena f ração d o to ta l u t i l i z a d o para o u t r o s p r o p ó s i t o s . Por e x e m p l o , nos Esta-
dos U n i d o s ho je e m d ia , o n ú m e r o d e a n i m a i s u t i l i z a d o s e m t o d o s os t i pos de 
pesqu isa b i o m é d i c a soma m e n o s q u e 1% d o n ú m e r o to ta l do a n i m a i s sacr i f ica-1 
dos somen te para f ins de a l imen tação* . O n ú m e r o u t i l i z a d o espec i f i camen te na 
pesquisa e m neuroc iênc ias é a i nda menor . 
E x p e r i m e n t o s e m neuroc iênc ias são c o n d u z i d o s u t i l i z a n d o v á r i a s espécies di-
ferentes, desde cobras até macacos. A escolha da espécie a n i m a l g e r a l m e n t e é di-
tada pela ques tão sob inves f igação, o n í v e l d e aná l ise e o g r a u da re lação d o co-
n h e c i m e n t o o b t i d o neste n í v e l c o m os seres h u m a n o s . Via d e regra, q u a n t o mais 
básico fo r o p r w e s s o sob invest igação, ma i s d i s tan te p o d e r á ser o a n i m a l e.scolhi-
• N. dl- A De acrdo com o N.ilional Acadi-my oi Scienc« lir-liluto of Medú im-, 1991. 
c<.mprcendc-r a bnse molecular da condução do impulso nervoso podem ser rea-
l izados cm uma especie tão dist inta do nós quanto a lula. For outro lado, com-
preender as bases neurais do movimento e dos transtornos da percepção em hu-
manos requerem experimentos em espécies mais próximas de nós, como o ma-
caco. Hoje, mais da metade dos animais uti l izados para pesquisa nas neurociên-
cias são roedores - ratos ou camundongos - que são criados especificamente pa-
ra esto propósito. ^ 
B e m - E s t a r d o s A n i m a i s . No mundo desenvolvido, a maioria dos adultos ins-
truídos preocupa-se com o bem-estar dos animais. Os neurocientistas compart i-
l ham desta preocupação e trabalham para garantir que os animais sejam bem 
tratados. Entretanto, é bom lembrar que a sociedade nem sempre deu tanto va-
lor ao bem-estar animal, como podemos depreender de algumas das práticas 
científ icas do passado. Por exemplo, nos seus experimentos do início do século 
X iX , Magendie u t i l i zou fi lhotes de cão sem anestesia (tendo sido posteriormen-
te cr i t icado por isso pelo seu r ival científico Bell). Antes de qualquer julgamento 
precip i tado, considere o quanto a filosofia de Descartes era influente na socieda-
de francesa deste período. Acreditava-se que animais de todos os tipos eram 
apenas simples autômatos, máquinas biológicas que careciam de qualquer emo-
ção, Atualmente, isto soa perturbador, mas não podemos nos esquecer de que os 
humanos também não t inham mu i to mais respeito uns pelos outros (a escravi-
dão, por exemplo, ainda era praticada nos Estados Unidos). Por sorte, algumas 
coisas m u d a r a m quase que dramaticamente desde então. A grande importância 
que se tom dado ao bem-estar animal nos dias de hoje tom levado a grandes me-
lhorias no seu tratamento na pesquisa biomédica. Infelizmente, outras coisas 
muda ram pouco. Humanos em todo o mundo cont inuam a abusar uns dos ou-
tros de diferentes maneiras (abuso infant i l , crimes violentos, matanças étnicas, e 
assim por diante). 
Hojo, os neurocientistas aceitam certas responsabilidades morais pelos ani-
mais experimentais: 
1. An imais são ut i l izados somente para experimentos necessários que garantam 
avanços no conhecimento do sistema n e n oso. 
2. Todos os passos necessários são tomados para min imizar a dor e o estresse ex-
perimentados pelo animal (uso de anestésicos, analgésicos, etc.). 
3. Todas as alternativas ao uso de animais são consideradas. 
O cumpr imento deste código de ética é moni tor izado de diferentes maneiras. 
Primeiro, propostas de pesquisa devem passar por uma revisão pelo Comitê Ins-
t i tuc ional do Bioética ( "CIB" , ou outra sigla equivalente em sua instituição). 
Mombros deste comitê incluem um veterinário, cientistas de outras disciplinas, 
e representantes não-cientistas da comunidade. Após passar pela revisão do CIB, 
as propostas são avaliadas quanto ao mér i to científico por um grupo de neuro-
cientistas reconhecidos. Esto passo garanto que somente aqueles projetos que va-
lham a pona sejam realizados. Assim, quando o neunxrientista vai publ icar seus 
resultados em revistas especializadas, os artigos serão revisados por outros neu-
rocientistas, tanto pelo mér i to científico quanto pelo bem-estar dos animais en-
vo lv idos. Problemas com qualquer u m destes itons podem lovar à rejeição do 
trabalho, o que, por sua vez, pode acarretar a perda do f inanciamento àquele 
projeto de pesquisa. Ad ic iona lmente a estes procedimentos de monitorização, 
lois federais estabelecem normas restritas para os cuidados e acondicionamento 
de animais do laboratório. 
D i r e i t o s d o s A n i m a i s . A maioria das pessoas aceita a necessidade da experi-
mentação em animais para o avanço do conhecimento, desde que ela seja reali-
zada humanamente e com o dev ido respeito ao bem-ostar animal. Entretanto, 
uma minor ia barulhenta e bastante violenta quer a abolição total do uso de ani-
mais para propósitos humanos, inc lu indo a experimentação. Essas possoas colo-
18 CapilukJl'InlroduçâoasNeurociôncias 
 
They've Saved More People Than 911. | 
Figura 1.16 
Nossa dívida para com a pesquisa com animais. Este cartaz contra-argumenta os de-
fensores dos direitos dos animais, conscientizando o público dos benefícios da pesquisa 
com animais (Fonte: Fundação Nacional de Pesquisa Biomédica dos Estados Unidos). 
Observação: 911 é o telefone para emergências em geral dos EUA. 
cam-se em uma posição fi losófica denominada "d i re i los dos an ima is " (animal ' 
ri<?/rfs). De acordo com esle modo de pensar, os animais têm os mesmos direitos |! 
legais e morais que os humanos. |l 
Sc você ama os animais, é possível que simpatize com este ponto de vista. Con- \\ 
sidere, porém, as seRuintes questões. Você seria capaz de deprivar-se e a sua fa- i,' 
mília de prixedimentt>s médicos que foram desenvolvidos usando animais? A 
morte de um camundonj^o é equivalente à morte de u m ser humano? Ter u m ani- . 
mal de estimação náo seria a mesma coisa que a escravidão? Comer carne seria o { 
equivalente moral do assassinato? VcKê acha que é eticamente incorreto matar • 
u m porco para salvar uma criança? Controlar a população de roedores ou baratas 
nos esgotos da .sua casa equivale moralmente ao Holocausto? Se a sua resposta é 
não para alguma destas questões, então você nào se encaixa na fiUxsofin dos direi- j 
tos animais. Bcni-cslar aiihiiat - uma preocupação que todas as pessoas responsá- j | 
veis compart i lham - nào deve ser confundido com "direi tos dos animais" . 
Mi l i tantes dos direitos dos animais têm combat ido intensamente a pesquisa i i 
com animais, algumas vezes com um sucesso alarmante. Eles têni man ipu lado a 
opinião pública com repetidas alegações de crueldade nos exper imentos com 
animais que são grosseiramente distorcidas ou simplesmente falsas. Hm algu-
mas ocasiões, vandal ismo tem sido prat icado em laboratórios, des t ru indo anos 
de dados científicos obt idos com mui to trabalho e centenas de milhares de dóla-
res em equipamentos(pagos pelos contribuintes). Usando de ameaças de violên-
cia, induz i ram alguns cientistas a abandonar a pesquisa. 
Felizmente, isto está mudando. Graças ao esforço de u m razoável número de 
pessoas, cientistas e nào-cientistas, essas falsas alegações têm sido expostas, e os 
benefícios à humanidade das pesqui.sas com animais tem sido mostrados (Figu-
ra 1.16). Considerando-se o elevado custo, em termos de sofr imento humano, re-
sultante de transtornos e distúrbios do sistema nervoso, os neurocientistas assu-
mi ram a posição de que imoral seria iiflo usar, de maneira sábia, todos os recur-
sos que a natureza proporciona, inc lu indo os animais, para obter o conhecimen-1 
to de como o encéfalo funciona na saúde e na doença. 
As Neufociéncias Hoje 19 
Tabela 1.3 Alguns dos principais distúrbios e Iranstornos do sistema n 
DOENÇA 
Acidente Vascular 
Cerebral ("derrame") 
Depressão 
Doença de Alzheimer 
Doença de Parkinsor» 
Epilepsia 
Esclerose múltipla 
Esquizofrenia 
Lesão espinhal 
Paralisia cerebral 
DESCRIÇÃO 
Perda da funçào cerebral causada porinlerrupçáo do suprimento sangüíneo, normalmente levando a 
déficit sensitivo, motor ou cognitivo permanente. 
Grave Iranstorno do humor caracterizado por insónia, perda do apetite e sentimento de rejeição. 
Doença degenerativa progressiva do encéfalo, caracterizada por demência; é sempre fatal. 
Doença progressiva do encéfalo que leva à dificuldade em iniciar movimentos voluntários. 
condição caractenzada por distúrbios periódicos da atividade elétrica cerebral que pode levar a 
convulsões, perda da consciência e problemas sensoriais. 
Doença progressiva que afeta a condução nervosa, caracterizada por episódios de fraqueza, perda 
da coordenação e distúrbio da fala. 
Grave transtorno psicótico caracterizado por alucinações, delírios e comportamento bizarro. 
Perda da sensibilidade e dos movimentos devido a um trauma na medula espinhal. 
Distúrbio-motor causado por lesão cerebral no momento do nascimento. 
O Custo da Ignorância: Distúrbios e Transtornos do 
Sistema Nervoso 
A m o d e r n a pesquisa e m neuroc ièncias é onerosa, mas o custo da ignorânc ia 
acerca d o f u n c i o n a m e n t o d o encéfalo é m u i t o m a i o r A Tabela 1.3 lista a lguns dos 
t r ans to rnos e d i s t ú rb i os que afetam o sistema nervoso. É p rováve l que a sua fa-
m í l i a tenha s o f r i d o o i m p a c t o de uma o u mais delas. Examinemos, aqu i , a lgu-
mas destas doenças e ve r i f i quemos seus efeitos na sociedade*. 
A doença de Park inson e a doença de A l z h e i m e r são caracterizadas por u m a 
p rogress iva degeneração de neurôn ios específicos no encéfalo. A d twnça de Par-
k inson , q u e resul ta n u m a d i f i c u l d a d e dos m o v i m e n t o s invo lun tá r ios , afeta cer-
ca de 50Ü.Ü00 amer icanos. A d t v n ç a de A l zhe imer leva à demência, u m estado de 
c o n f u s ã o carac te r i zado pela perda da capacidade de aprender novas i n í o rma -
çCtes e d e recordar conhec imentos p rev iamente adqu i r idos . O Ins t i tu to Nac iona l 
de Saúde d o s Hstados U n i d o s ( N I H ) est ima que a demência afete 10% das pes-
soas ac ima dos 65 anos e 50% das pessoas acima de 85 anos. O n ú m e r o de ame-
r i canos c o m demênc ia to ta l iza ma is de 3 mi lhões. A tua lmen te , há o reconhc»ci-
m e n t o d e q u e a demênc ia não é uma conseqüência inev i táve l d o enve lhec imen-
to, c o m o se acred i tava , mas, s im, s inal de u m a pato logia encefálica. A doença de 
A l z h e i m e r p r o g r i d e sem piedade, roubando de suas v í t imas p r i m e i r o sua men-
te, d e p o i s o con t ro le sobre as funções básicas corpora is e, f ina lmente , sua v ida ; a 
doença sempre é fatal. N o s Estados Un idos , o custo anua l para o cu idado de pes-
soas c o m demênc ia c de a p m x i m a d a m e n t e 90 bi lhões de dólares. 
A depressão e a esqu izo f ren ia são transtornos d o h u m o r e d o pensamento. A 
depressão ê caracter izada por sent imentos de derrota, baixa auto-est ima e cu lpa. 
Q u i n z e m i l hões de amer icanos i rão, em a l g u m m o m e n t o de suas v idas , exper i -
m e n t a r a l g u m e p i s ó d i o m a i o r de depníssão. A depressão é a p r i n c i p a l causa de 
su i c í d i o nos Estados U n i d o s , ma tando cerca de 30.000 pessoas a cada ano. A es-
qu i zo f ren ia é u m t rans to rno da pei-sonalidade caracter izado por alucinações, de-
l í r ios e c o m p o r t a m e n t o b izar ro . A doença gera lmente in ic ia no começo da v i da 
p r o d u t i v a - adolescência e começo da v i da adu l ta - e pode persist i r por toda a vi-
da. Ma i s de 2 m i lhões de amer icanos sof rem de esquizofrenia. O Ins t i tu to Nac io-
na l de Saúde M e n t a l ( N I M H ) est ima que doenças menta is c o m o a depressão e a 
esqu izo f ren ia cus tam aos Estados Un idos mais de 13Ü bi lhões de dólares por ano. 
O ac idente vascular cerebral (AVC, o p o p u l a r " d e r r a m e " ) ê a terceira causa de 
m o r t e nos l -s tados U n i d o s . A s v í t i m a s de d e r r a m e que não m o r r e m , cerca de 
1O0.ÜÜ0 ao ano, m u i t o p r o v a v e l m e n t e terão c o m o seqi iela a lguma def ic iência fí-
sica Ü custo anua l d o A V C nos Estados U n i d o s ê de bi lhões de dólares. A depen-
dênc ia de á lcool e d rogas afeta v i r t u a l m e n t e todas as famí l ias no país. Os custos 
d . « t - M l í s l i c - . JiSta ^-çao: U.S. Ofiicoot ÍK-lon«oi.J Tivhnolo«y Policy, 1«1 
1 o Capítulo 1 / Introdução às Neurociéncias 
em termos de t ra tamento , perda de salár ios e ou t ras conseqüênc ias c h e g a m a 150 
bi lhões por ano. Estes poucos exemp los i l u s t r a m apenas a supe r f í c i e d o proble-
ma, Miiis ûHicricaiiofi í^ão lioapitolizndos por dhlúrbioi^ iiciirolófiicos f fnuin/ornos wen-
tóis ,/tí íjue í}iiti/<]ueri)utro^^rii;\) de doenças, induiudo doenças cardíacas c ahicer. 
Os custos econômicos das d is funções cerebrais são eno rmes , mas eles n ã o são 
nada se comparados c o m o custo emoc iona l q u e a t i nge suas famí l ias . A p reven-
ção e o t ra tamento dos t rans tornos menta is r e q u e r e m a c o m p r e e n s ã o d a função 
n o r m a l d o encéfalo, e este conhec imen to bás ico é o escopo das neuroc iénc ias . A 
pœquisa em neurociéncias já c o n t r i b u i u para o d e s e n v o l v i m e n t o d e t ra tamentos 
efe t ivamente m e U u w s para a doença de Pa rk i nson , a depressão e a esqu izo f re -
nia. Novas estratégias estão sendo testadas para se reg i s t ra rem n e u r ô n i o s q u e es-
tão m o r r e n d o e m pacientes c o m a doença d e A l z h e i m e r e naque les q u e so f re ram 
u m AVC. G r a n d e progresso t e m s i do a lcançado na compreensão de c o m o as dro-
gas e o álcool a fe tam o encéfa lo e c o m o eles l e v a m ao c o m p o r t a m e n t o d e depen-
dência. O mater ia l deste l i v r o d e m o n s t r a o m u i t o q u e sabemos sobre a f unção do 
encéfalo. M a s o q u e sabemos é i ns ign i f i can te se c o m p a r a d o a o q u e a i n d a temos 
de aprender. 
COMENTÁRIOS FINAIS 
Neste cap í tu lo , en fa t i zamos q u e as neuroc iénc ias são u m e m p r e e n d i m e n t o dis-
t i n t i vamen te h u m a n o . A s fundações h is tór icas das neuroc iénc ias f o r a m lançadas 
por mu i t as pessoas do vár ias gerações. H o m e n s e m u l h e r e s ho je e m d i a estão 
t raba lhando e m todos os n íve is de anál ise, u t i l i z a n d o l o d o s os t i p o s de tecnolo-
gia para t razer a l g u m a l u z ao e s t u d o d o encéfa lo . O s f r u t o s deste t r a b a l h o for-
m a m a base deste l i v r o . 
A meta das neuroc iénc ias é c o m p r e e n d e r c o m o o s is tema n e r v o s o f unc iona . 
M u i t a s percepções i m p o r t a n t e s f o r a m a d q u i r i d a s a p a r t i r d e u m " p o n t o d e vis-
t a " ex te rno ao cérebro e à p r ó p r i a cabeça,po is c o m o a a t i v i d a d e ce reb ra l ref lete-
se n o c o m p o r t a m e n t o , m e d i d a s c o m p o r t a m e n t a i s c u i d a d o s a s i n f o r m a m acerca 
das capacidades e l imi tações da função cerebral . M o d e l o s d e c o m p u t a d o r q u e re-
p r o d u z e m as p r o p r i e d a d e s c o m p u t a c i o n a i s d o encé fa lo p o d e m nos a j u d a r a 
compreende r c o m o tais p r o p r i e d a d e s se d e s e n v o l v e r a m . D o esca lpo, p o d e m o s 
m e d i r ondas cerebrais q u e nos d i z e m a l g u m a coisa sobre a a t i v i d a d e e lé t r ica de 
d i ferentes par tes d o encéfalo d u r a n t e d i ve rsos es tados c o m p o r t a m e n t a i s . Novas 
técnicas c o m p u t a d o r i z a d a s de n e u r o i m a g e m p e r m i t e m aos pesqu i sado res exa-
m i n a r e m a es t ru tu ra d o encéfa lo v i v o , d e n t r o d o c rân io . E. u t i l i z a n d o m é t o d o s 
a inda ma is sof is t icados de i m a g e m , es tamos c o m e ç a n d o a ver qua i s as d i fe ren -
tes regiões d o encéfalo que se t o m a m a t i vas sob d i s t i n tas cond ições . En t re tan to , 
n e n h u m destes m é t o d o s n ã o - i n v a s i v o s , v e l h o s o u n o v o s , é capaz d e s u b s t i t u i r 
exper imen tos com o tec ido cerebra l v i v o . N ã o p o d e m o s c o m p r e e n d e r s ina is de-
tectados r emo tamen te se n ã o f o r m o s capazes d e sabor c o m o eles são g e r a d o s e o 
que s ign i f i cam. Para e n t e n d e r m o s cowo o encé fa lo f unc iona , é necessár io abr i r -
m o s o c rân io e e x a m i n a r o q u e há lá d e n t r o - n e u r o a n a t ó m i c a , n e u r o f i s i o l ó g i c a c 
n e u r o q u i m i c a m e n t e . 
O d e s e n v o l v i m e n t o a tua l das neuroc iénc ias é v e r d a d e i r a m e n t e fasc inan te e 
gera g randes esperanças de que, e m breve, n o v o s t r a t a m e n t o s es tarão d i s p o n í -
ve is para u m a g rande gama d e t rans to rnos e d i s t ú r b i o s d o s is tema n e r v o s o que 
d e b i l i t a m e incapac i tam m i l hões d e pessoas a n u a l m e n t e . K m r e c o n h e c i m e n t o ao 
progresso e às promessas da inves f igação d o encéfa lo , o C o n g r e s s o a m e r i c a n o 
des ignou a década de 1991) c o m o a "década d o encé fa lo " . ( U m e s t i m a d o colega 
nosso suge r i u que, apesar d e esta ser u m a boa idé ia , talvez, o Cong resso tenha si-
d o m u i t o o t im is ta , suge r i ndo q u e des ignássemos este n o v o sécu lo c o m o o "sécu-
lo d o encéfa lo" . ) A p e s a r dos progressos d u r a n t e a ú l t i m a década , a i n d a existe 
u m l o n g o c a m i n h o a percor re r antes de q u e possamos c o m p r e e n d e r c o m p l e t a -
mente c o m o o encéfa lo real iza suas impress ionan tes façanhas. M a s esta é a gra-
ça e m ser u m neuroc ien t i s ta : nossa i gno rânc ia acerca da f u n ç ã o ce reb ra l é tão 
vasta que descobertas exc i tantes nos e s p e r a m a q u a l q u e r m o m e n t o . 
Comentários Finais 21 
O que sâo os ventrículos cerebrais e que função toi airibuida a eles ao Ion-
go dos anos? 
Que exper imento Bell realizou para demonstrar que os nervos do corpo con-
têm uma mistura de fibras sensoriais e motoras? 
Que funções o experimento de Flourens sugeriu para o cérebro e o cerebe-
lo? 
Qua l é o sentido da expressão modelo animar? 
U m a região do cérebro é chamada de área de Broca Que função você acha 
que esta região realiza e por què? 
Qua is são os diferentes níveis de análise na pesquisa em neurocièncias? 
Que t ipo de questões os pesquisadores fazem em cada um desses níveis? 
Qua is são as etapas do processo científico? Descreva cada uma delas. 
Q U E S T Õ E S 
D E R E V I S Ã O

Continue navegando