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DOCÊNCIA EM SAÚDE NUTRIÇÃO APLICADA ÀS DOENÇAS CARDIOVASCULARES 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842n Nutrição aplicada às doenças cardiovasculares / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 190p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-589-4 1. Nutrição aplicada. 2. Doenças cardiovasculares. I. Portal Educação. II. Título. CDD 641.1 2 SUMÁRIO 1 ANATOMIA E FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR .................................................................... 5 1.1 Artérias Coronárias ................................................................................................................. 11 2 EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES ................................................... 25 3 HIPERTENSÃO ARTERIAL (HAS) ........................................................................................... 26 3.1 Fatores de Risco para HAS ..................................................................................................... 27 3.2 Outros Fatores de Risco Cardiovascular .............................................................................. 28 3.3 Medida da Pressão Arterial ..................................................................................................... 28 3.4 Rotina de Diagnóstico e Seguimento .................................................................................... 31 3.5 Medida Residencial da Pressão Arterial ................................................................................ 32 3.6 Medida Ambulatorial da Pressão Arterial .............................................................................. 32 3.7 Critérios Diagnósticos e Classificação .................................................................................. 34 3.8 Investigação Clínico-Laboratorial e Decisão Terapêutica .................................................... 38 3.9 Estratificação de Risco e Decisão Terapêutica..................................................................... 41 3.10 HAS Secundária ....................................................................................................................... 43 4 ATEROSCLEROSE .................................................................................................................. 53 5 SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS .............................................................................. 57 6 OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA ............................................................................. 62 7 MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS NAS DOENÇAS SISTÊMICAS ........................................... 68 7.1 Diabetes Melito (DM) ............................................................................................................... 68 7.2 Doenças Tireoidianas .............................................................................................................. 70 8 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE) ......................................................................... 72 3 9 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (IC) ............................................................................................. 85 10 HIPERTENSÃO ARTERIAL (HAS) ........................................................................................... 93 10.1 Dietoterapia na HAS ................................................................................................................ 95 11 ATEROSCLEROSE ................................................................................................................. 100 12 OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA (SM) ................................................................... 106 13 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE) ........................................................................ 109 14 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (IC) ............................................................................................ 111 15 DIETA DO MEDITERRÂNEO .................................................................................................. 116 16 DIETAS VEGETARIANAS ....................................................................................................... 122 17 ALIMENTOS FUNCIONAIS EM CARDIOLOGIA ..................................................................... 128 18 DIRETRIZES PARA O TRATAMENTO DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES................. 132 18.1 HAS .......................................................................................................................................... 132 18.2 Decisão Terapêutica ............................................................................................................... 138 18.3 Tratamento Medicamentoso .................................................................................................. 141 18.4 Prevenção Primária ................................................................................................................ 144 19 ATEROSCLEROSE E DISLIPIDEMIAS ................................................................................... 147 19.1 Classificação das dislipidemias ............................................................................................ 147 19.2 Tratamento não medicamentoso das dislipidemias e medidas de prevenção da aterosclerose..................................................................................................................................... 154 19.3 Tratamento medicamentoso das dislipidemias .................................................................. 160 19.4 Dislipidemias em grupos especiais ...................................................................................... 168 20 SÍNDROME METABÓLICA ..................................................................................................... 176 20.1 Diagnóstico Clínico e Avaliação Laboratorial ...................................................................... 177 20.2 Prevenção Primária ................................................................................................................ 178 4 20.3 Tratamento da SM................................................................................................................... 178 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 185 5 1 ANATOMIA E FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR O coração humano localiza-se no mediastino médio, estando envolvido por um saco fibro-seroso, chamado pericárdio. O pericárdio é composto por duas camadas: o pericárdio fibroso, uma camada externa de tecido conjuntivo denso, que define os limites do mediastino médio, e o pericárdio seroso, fino e constituído por duas partes: a camada parietal (que reveste a superfície interna do fibroso) e a camada visceral (ou epicárdio) do pericárdio seroso, que adere ao coração e forma sua cobertura externa. Porção posterior do pericárdioFonte: Elsevier: Drale et al: Gray’a Anatomy for Students – www.studentsconsult.com http://www.studentsconsult.com/ 6 A forma e a orientação do coração na caixa torácica assemelham-se a uma pirâmide que desabou e está apoiada em um de seus lados. O ápice da pirâmide projeta-se para frente, para baixo e para a esquerda, enquanto a base fica oposta ao ápice e voltada numa direção posterior. Os lados da pirâmide consistem em: a) uma face diafragmática (inferior), onde a pirâmide está apoiada; b) uma face esternocostal (anterior) orientada anteriormente; c) uma face pulmonar direita; d) uma face pulmonar esquerda. A face esternocostal está voltada anteriormente e consiste principalmente no ventrículo direito, como uma parte do átrio direito à direita e uma parte do ventrículo esquerdo à esquerda. Na posição anatômica, o coração situa-se sobre a face diafragmática, que consiste no ventrículo esquerdo e uma pequena porção do ventrículo direito, separados pelo sulco interventricular posterior. Esta superfície está voltada inferiormente, apoiada no diafragma, separada da base do coração pelo seio coronário, e estende-se da base ao ápice do coração. 7 Face esternocostal do coração A face pulmonar esquerda está voltada para o pulmão esquerdo, é ampla e convexa, consistindo no ventrículo esquerdo e numa porção do átrio esquerdo, enquanto que a face pulmonar direita está voltada para o pulmão direito. O coração humano possui quatro cavidades, sendo duas superiores (átrios) e duas inferiores (ventrículos). 8 Fonte: http://educacao.uol.com.br/ciencias/ult1686u24.jhtm O átrio direito (AD) comunica-se com o ventrículo direito (VD), através da válvula tricúspede (VT) e o átrio esquerdo (AD), com o ventrículo esquerdo (VE), através da válvula bicúspede ou mitral (VM). Fonte: http://www.manuaisdecardiologia.med.br/Anatomia/anatomia_Page357.htm A parede do VE é duas vezes mais espessa que a parede do VD porque a pressão de resistência encontrada pelo VE na aorta é muito mais alta. O trabalho dos ventrículos é diferente em cada lado, pois no VD irriga os pulmões, enquanto que no lado esquerdo, o VE irriga todos os órgãos. http://educacao.uol.com.br/ciencias/ult1686u24.jhtm http://www.manuaisdecardiologia.med.br/Anatomia/anatomia_Page357.htm 9 De dentro dos ventrículos surgem as fibras tendinosas onde se inserem as cordoalhas (fibras miocárdicas altamente resistentes) das válvulas de entrada. Durante a contração ventricular estas fibras se distendem dando a sustentação necessária para segurar os folhetos das válvulas, evitando que o sangue retorne para os átrios. As válvulas cardíacas são estruturas fibrosas, posicionadas na entrada e saída dos ventrículos, cuja função é garantir que o sangue siga numa única direção, sempre dos átrios para os ventrículos, e destes para a aorta e artérias pulmonares. São elas: a) Válvula tricúspede (VT): está situada entre o átrio e o ventrículo direito. Possui três folhetos que se fecham no início da contração ventricular, evitando que o sangue retorne do ventrículo ao átrio direito. Os folhetos são sustentados em forma de um guarda-chuva pelas cordoalhas tendinosas. b) Válvula Pulmonar (VP): é a válvula posicionada na saída do fluxo sanguíneo do VD para o tronco da artéria pulmonar (AP). Seus folhetos se fecham no final da contração ventricular, evitando que o sangue que atingiu a AP retorne para o VD. O diâmetro dessa válvula é menor do que a válvula tricúspede. c) Válvula Mitral (VM): localiza-se entre o átrio e o ventrículo esquerdo, e tem como função, evitar o refluxo de sangue do ventrículo para o átrio esquerdo. A VM se fecha no início da contração ventricular. d) Válvula Aórtica (VA): é a válvula posicionada na saída do VE para a aorta. O fechamento dos folhetos desta válvula ocorre no final da contração ventricular com a função de evitar que o sangue que foi para a aorta retorne para o VE. É importante notar que tanto as válvulas de entrada, bem como as de saída, em condições normais, se fecham em perfeita sincronia a cada batimento cardíaco. O músculo cardíaco (miocárdio) é um sincício funcional, ou seja, suas células funcionam como se fossem uma rede de células ligadas por discos intercalares (gap junction), 10 favorecendo uma rápida propagação do estímulo para sua contração, permitindo que o miocárdio se contraia como um todo. Quando uma célula do músculo cardíaco (miócito) é excitada, o potencial de ação se espalha para todas as outras, passando de célula-a-célula, e disseminando-se por todas as interconexões. As células cardíacas (miócitos) são formadas por numerosos feixes ou ramos entrecruzados (miofibrilas), os quais possuem cinco componentes principais: sarcolema (membrana celular), túbulos T (para a condução do impulso), retículo sarcoplasmático (reservatório de cálcio), elementos contráteis e mitocôndrias. Os túbulos T estão envolvidos na propagação do estímulo elétrico, e também se entrelaçam em torno das miofibrilas, o que facilita a propagação dos estímulos. Quando um potencial de ação se propaga pela membrana de uma fibra muscular, se espalha ao longo do túbulo T, chegando ao interior da membrana. A principal característica do retículo sarcoplasmático é a alta concentração de cálcio, que é liberado quando os túbulos T são excitados, ligando-se fortemente à troponina C e levando à contração muscular. Esta continuará enquanto os íons cálcio permanecerem em concentração elevada no líquido sarcoplasmático, e em geral, isto ocorre apenas no momento imediatamente posterior a um potencial de ação. O sarcômero é a unidade contrátil do coração, sendo funcionalmente constituído por filamentos das proteínas contráteis, formados por actina (que é uma proteína contrátil) e miosina, troponina e tropomiosina (filamentos espessos). A interação entre estes filamentos é responsável pela contração e relaxamento do miocárdio. As células adjacentes estão conectadas de uma ponta a outra por uma porção espessa do sarcolema (disco intercalado), um segmento com baixa resistência para a propagação da atividade elétrica pela célula, permitindo ao miocárdio, propagar o estímulo elétrico por todas as células cardíacas rapidamente. O núcleo está centralizado e as mitocôndrias estão situadas próximas às miofibrilas, facilitando a transferência das moléculas de ATP (trifosfato de adenosina) do local de produção, para o local de utilização, conferindo maior capacidade oxidativa. O retículo sarcoplasmático localiza-se próximo ao sarcolema sendo de fundamental importância no processo de contração 11 muscular. A disposição das fibras cardíacas, a alta capacidade oxidativa e a maior afinidade ao cálcio, conferem ao coração, maior eficiência contrátil, quando comparado ao músculo esquelético. 1.1 Artérias Coronárias Fonte: http://www.incl.rj.saude.gov.br/incl/paginas/revas.asp As artérias coronárias são os vasos que irrigam o miocárdio com sangue rico em oxigênio. Elas derivam de dois pontos da raiz da aorta formando a artéria coronária direita (CD) e o tronco da artéria coronária esquerda (TCE). Do tronco da coronária esquerda originam-se as artérias descendente anterior (DA), responsável pela irrigação da parte frontal do miocárdio do ventrículo esquerdo. No lado direito, a Coronária direita é responsável pela irrigação do ventrículo direito. Dela originam-se ramificações como a artéria ventricular posterior que irriga a porção posterior do VD. É importante notar que o afilamento das artérias é muito abrupto, considerando 12 a área miocárdica. Isto é uma característica anatômica que favorece os eventos obstrutivos destes vasos. Fonte:http://www.diproredinter.com.ar/general/cardio/INFARTO%20AGUDO%20MIOCARDIO_ar chivos/image002.jpgO desempenho do coração depende de alguns fatores, como pré-carga, pós-carga, estado inotrópico e freqüência de contração, cuja inter-relação determina o desempenho cardíaco, tendo em vista que alterações no miocárdio produzem uma ativação dependente de comprimento, por intermédio de alterações na sensibilidade ao cálcio dos filamentos e aumento no estado inotrópico ou na contratilidade do miocárdio. Desta forma, aumentos no comprimento do músculo, favorecem aumentos graduais da força do miocárdio. Tais fatores são descritos abaixo: a) Pré-carga – ou mecanismo de Frank-Starling. Estabelece a relação entre a força de contração e o comprimento da fibra muscular em repouso. Pode ser definida como a tensão ou estresse de parede ventricular distólica final, o que determina que o enchimento diastólico ventricular regule o desempenho sistólico. Isto ocorre porque, quanto maior for a quantidade de sangue que chega ao coração, maior será a quantidade de sangue bombeado para a aorta, considerando-se os limites fisiológicos de estiramento do músculo cardíaco. 13 b) Alguns fatores, como a volemia e a capacitância venosa interferem no retorno venoso, e apresentam relação direta com a pré-carga. Outros fatores que também interferem são o movimento respiratório, pois a caixa torácica se expande, junto com vasos, veias e artérias e a venoconstricção, estimulada pelo sistema nervoso simpático. c) Pós-carga - é a tensão, força ou estresse necessário ao sarcômero, para gerar a tensão de parede, abrir a valva aórtica e ejetar o sangue. Os fatores que determinam a pós- carga são: resistência vascular periférica, características físicas da árvore arterial e volume de sangue contido no sistema vascular ao início da ejeção. A pós-carga é bastante influenciada pela pressão arterial e pela resistência vascular periférica, que determinam a quantidade de sangue ejetado pelo coração. O aumento da pós-carga diminui o volume de ejeção, além da extensão e velocidade da redução da parede ventricular. d) Papel do cálcio na contração muscular - o influxo de íons cálcio através das membranas dos sarcômeros, leva à interação troponina-tropomiosina, e conseqüentemente à contração. A freqüência do surgimento e a intensidade (freqüência de formação de pontes transversas) são moduladas pela atividade de vários sistemas enzimáticos e pelas condições e a cinética do ATP no sarcômero, demonstrando que a concentração de cálcio e a capacidade oxidativa são fundamentais para a deficiência da contração muscular. O ritmo de contrações do miocárdio é controlado pelo nó sinoatrial, considerado o marca-passo cardíaco, pois dispara o primeiro impulso para a contração do coração, e está localizado na junção da veia cava superior com o átrio direito e se comunica com as vias internodais, conduzindo o estímulo para o nó atrioventricular. O nó atrioventricular (localizado entre o átrio e o ventrículo direitos) conduz, para os ventrículos, o impulso gerado pelo sinoatrial. Sua função é retardar o impulso até os ventrículos, permitindo então, que os átrios se contraiam antes. Este retardo acontece, porque as fibras deste nó são mais delgadas e possuem um menor número de junções abertas nos discos intercalares. O nó atrioventricular se bifurca, para formar as fibras de Purkinje, as quais também se dividem em dois ramos (direito e esquerdo). Estas fibras conduzem o impulso até os 14 ventrículos rapidamente, permitindo a sincronização ventricular, ou seja, que todas as fibras do ventrículo se contraiam ao mesmo tempo. Fonte: http://www.humanillnesses.com/original/images/hdc_0001_0001_0_img0092.jpg O ciclo cardíaco engloba todos os eventos hemodinâmicos provocados pela contração muscular e são três os eventos que possibilitam sua ocorrência: a despolarização celular, a contração do miocárdio (ciclo fisiológico) e o movimento cinético do sangue e das valvas cardíacas (que compõem o ciclo cardíaco propriamente dito). Todo o ciclo cardíaco consiste em um período de relaxamento (diástole), durante o qual, o coração se enche de sangue, seguido por um período de contração (sístole), no qual ocorre o esvaziamento ventricular. O sangue flui, normalmente, de forma contínua das grandes veias para os átrios, e cerca de 75% do sangue flui diretamente dos átrios para os ventrículos, antes que aqueles se contraiam. A contração dos átrios permite o enchimento adicional dos ventrículos, com 25% do fluxo, e desta forma, os átrios atuam como bombas de reforço, aumentando a eficácia do enchimento ventricular. Ao término da contração ventricular, as valvas AV se abrem, permitindo que este sangue flua rapidamente para os ventrículos. Durante a sístole, nos átrios, ocorre um grande acúmulo de sangue, devido ao fechamento da valva AV. Quando a sístole termina, e a pressão sistólica cai de volta aos valores diastólicos (mais baixos), a pressão moderadamente aumentada nos átrios promove a abertura Nó sinoatrial 15 da valva AV, permitindo o fluxo rápido de sangue para os ventrículos (período de enchimento rápido dos ventrículos – corresponde ao primeiro terço da diástole). Durante o segundo terço da diástole, apenas uma pequena quantidade de sangue flui normalmente para os ventrículos, e este sangue é o que chega das veias para os átrios e vai daí, para os ventrículos. No último terço da diástole, os átrios se contraem e dão o impulso adicional ao influxo de sangue para os ventrículos, o que corresponde a 25% do enchimento ventricular durante o ciclo, e a contração ventricular isovolumétrica ocorre para aumentar as pressões nos ventrículos e para que estes possam vencer a pós-carga. O período de ejeção permite que haja o esvaziamento do ventrículo nos 30% restantes, e logo após ocorre o relaxamento isovolumétrico do coração, período em que ocorre o enchimento dos átrios. Após a sístole atrial, os ventrículos encontram-se em sua capacidade máxima de volume, além de sua maior pressão diastólica (pressão diastólica final) e as valvas aórtica e pulmonar estão fechadas, devido às pressões diastólicas arteriais serem bem maiores que a pressão diastólica dos ventrículos. A ativação elétrica, ao chegar ao ventrículo, dá início à fase de contração muscular, na qual a pressão intracavitária sobe rapidamente e as valvas AV, se fecham completamente. Quando a pressão intracavitária ultrapassa a pressão diastólica das grandes artérias, as valvas semilunares (aórtica e pulmonar) se abrem. Os ventrículos precisam de 0,02 a 0,3 segundos, para gerar a pressão necessária para abrir as valvas semilunares contra a pressão nas artérias aorta e pulmonar. Nesse período o fluxo aórtico é nulo, e ocorre contração ventricular, porém, sem esvaziamento. A tensão no interior do ventrículo aumenta, sem que haja encurtamento das fibras musculares (período de contração isovolumétrica do ventrículo). Quando a pressão esquerda aumenta pouco acima de 80mmHg ( e a direita, aumenta pouco mais de 8mmHg), as valvas semilunares são forçadas a se abrir, fazendo com que 70% do sangue saia dos ventrículos, no primeiro terço do período de ejeção (período de ejeção rápida), enquanto que os outros 30%, saem nos outros dois terços (período de ejeção lenta) Quando a sístole termina, começa subitamente o relaxamento ventricular. As altas pressões nas grandes artérias distendidas empurram imediatamente o sangue de volta para os ventrículos, forçando o fechamento abrupto das valvas aorta e pulmonar. O músculo ventricular continua a relaxar, não ocorrendo alteração no volume ventricular, as pressões intraventriculares 16 retornam aos seus valores diastólicos rapidamente e as valvas AV se abrem para iniciar novo ciclo cardíaco. A função cardíaca depende do suprimento adequado de sangue para ser mantida, pois a geração de energia ocorre em decorrência da oxidação de substratos(carboidratos, lipídios e proteínas). As artérias responsáveis pelo fornecimento de sangue para o coração são as artérias coronárias, que são os primeiros ramos emergentes da aorta, logo acima da valva aórtica. Pode-se dividir o fornecimento de sangue ao coração em: a) Suprimento sangüíneo esquerdo – o sangue é fornecido pela artéria coronária esquerda, sendo responsável pela irrigação da parede ântero-lateral do ventrículo esquerdo, átrio esquerdo e porção anterior do septo ventricular, e b) Suprimento direito – fornecido pela artéria coronária direita, que se encarrega da irrigação do átrio e ventrículo direitos, da porção posterior do septo ventricular, dos nós sinusal e atrioventricular e da parte posterior e mais significativa do septo ventricular. O fluxo coronariano decorre da pressão de perfusão coronária e da relação inversa com o tônus vascular. A pressão de perfusão é decorrente da razão de diferença entre a pressão sangüínea na raiz da aorta e a pressão do átrio direito, relacionando-se com a pressão arterial sistêmica e a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. Ocorre principalmente na diástole e depende de sua duração, podendo apresentar-se comprometido durante momentos de taquicardia (que causa encurtamento da diástole) ou em pacientes portadores de infartos prévios ou de anormalidades de condução. O fluxo coronariano pode ser afetado pela estimulação dos nervos autônomos, de maneira direta ou indireta. Alguns neurotransmissores, como acetilcolina e noradrenalina, têm ação direta sobre os vasos coronarianos, entretanto, os efeitos indiretos é que desempenham papel preponderante no fluxo coronariano. A maior atividade cardíaca gera mecanismos reguladores do fluxo sangüíneo local, para promover vasodilatação, com o fluxo sangüíneo 17 aumentado em proporção aproximada às necessidades metabólicas do miocárdio, através da demanda aumentada de oxigênio. A regulação da atividade cardíaca ocorre em resposta às alterações no volume de sangue que chega ao coração (Lei ou mecanismo de Frank-Starling), e sempre que houver um aumento no retorno venoso, haverá aumento no sangue ejetado, resultando em aumento do débito cardíaco, devido à maior distensão do miocárdio, que se contrairá com maior força. O mecanismo de Frank-Starling atua como fator regulador intrínseco do desempenho cardíaco, ao aumentar o estiramento das miofibrilas, promovendo maior força de contração do coração, mecanismo este, que engloba ajustes subcelulares em resposta ao estiramento das miofibrilas, afetando o inotropismo miocárdico, promovendo maior afinidade das miofibrilas ao cálcio. O sistema nervoso autônomo é o responsável pela regulação neuro-hormonal do coração, sendo constituído pelos sistemas nervosos simpático e parassimpático. A noradrenalina (secretada pelos neurônios pós-ganglionares ou adrenérgicos do SNS), é liberada pelas fibras do sistema nervoso simpático (SNS), aumenta a permeabilidade do coração aos íons sódio e cálcio, promovendo aumento da freqüência de despolarização do nó sinoatrial, aumento na velocidade de condução do estímulo, aumento da excitabilidade em todo o coração e aumento na força de contração. A estimulação simpática do cérebro também estimula a secreção de epinefrina (adrenalina) pelas glândulas adrenais (supra-renais), sendo este hormônio responsável pela taquicardia, aumento da pressão arterial, da freqüência respiratória, aumento da produção de suor, da glicose sangüínea (gliconeogênese) e da atividade mental, além de promover vasoconstrição na pele. O sistema nervoso parassimpático (SNP) é responsável pela inervação dos nodos AV e AS. Os neurônios pós-ganglionares do SNP (neurônios colinérgicos) secretam acetilcolina, que aumenta a permeabilidade cardíaca ao potássio (hiperpolarização), causando uma diminuição da freqüência de despolarização dos novos AV e AS, demonstrando efeitos antagônicos aos dos neurônios adrenérgicos, como bradicardia, diminuição da pressão arterial, da freqüência respiratória, relaxamento muscular, etc.. O sistema cardíaco e o circulatório necessitam funcionar de forma sincronizada, e qualquer alteração num destes dois sistemas levará a alterações e disfunções no outro. 18 A circulação pode ser dividida em duas etapas: a) Circulação pulmonar (ou pequena circulação) – o sangue sai do ventrículo direito, para os pulmões, onde será oxigenado, retornando ao átrio esquerdo; b) Circulação sistêmica (ou grande circulação) – o sangue sai do ventrículo esquerdo, circula por todo o organismo e retorna ao coração, pelo átrio direito. Fonte: http://www.icb.ufmg.br/fib/neurofib/Engenharia/Marcapasso/func_fisio.htm O sistema circulatório é composto por artérias, veias, arteríolas, vênulas e capilares, cujas funções são descritas a seguir: a) Artérias – conduzem o sangue e controlam a força necessária de bombeamento do coração, permitindo a perfusão sangüínea adequada e suficiente para a função celular. São compostas por três camadas que formam suas paredes: a camada externa (adventícia), composta por tecido conjuntivo, a camada média, formada por fibras musculares lisas e a Pulmões Coração Órgãos e sistemas Pequena circulação Grande circulação http://www.icb.ufmg.br/fib/neurofib/Engenharia/Marcapasso/func_fisio.htm 19 camada interna (íntima), formada por tecido conjuntivo, e recoberta internamente por uma camada muito delgada de células que formam o endotélio; b) Veias – conduzem o sangue contendo os produtos do metabolismo celular, e da mesma forma que as artérias, possuem suas paredes formadas por três camadas, que se diferenciam das camadas anteriores pela diminuição da camada média; c) Capilares – desempenham importante papel na nutrição celular e no transporte de sangue para os tecidos, como também, na remoção dos produtos provenientes do metabolismo celular para serem eliminados pelo organismo. A volemia (volume sangüíneo) corresponde à cerca de 7% do peso corporal, distribuída assim: 9% circulação pulmonar, 64% nas veias e vênulas, 7% arteríolas e capilares, 13% artérias e 7% coração, estando a maior parte do sangue, concentrada nas veias, pois o sistema venoso contém menor quantidade de tecido elástico, tornando-o menos rígido e com menor pressão, o que aumenta sua capacidade de armazenar o volume sangüíneo. O endotélio é uma capa. Formada por uma única camada de células, que recobre todos os vasos do organismo, desde o coração (endocárdio), a grandes, médias e pequenas artérias e toda a rede venosa e vasos linfáticos. Atualmente, é considerado um órgão com inúmeras funções metabólicas, além de atuar ativamente na regulação do tônus vascular, através de diferentes mecanismos (metabólicos, miogênicos e neuroendócrinos), que interagem entre si. A célula endotelial, em resposta a estímulos humorais, neurais e mecânicos, pode detectar alterações mínimas, seja na pressão arterial, no fluxo sangüíneo, no balanço oxidativo (equilíbrio entre forças oxidativas e antioxidantes), na coagulação, sinal de inflamação ativando o sistema imunológico, sintetizar e liberar substâncias vasoativas que modulam o tônus, calibre dos vasos ou fluxo sangüíneo, desempenhando papel fundamental na circulação. O endotélio pode ser considerado um agente regulador, pois controla alterações antagônicas, como induzir a resposta pró-coagulante ou anticoagulante, além de alterar as respostas vasculares, promovendo a liberação de agentes vasodilatadores ou vasoconstrictores, ou inibir ou favorecer a angiogênese. O endotélio também é responsável pela secreção de 20 substâncias que controlam a vasodilatação e a vasoconstrição, e dentre os principais mediadores da vasodilatação dependente do endotélio estão a prostaciclina e o óxido nítrico (NO), sendo a produção deste, principal mecanismo vasodilatador, ocorrendoem resposta à presença de substância como acetilcolina, bradicinina, trombina, histamina, endotelina e alterações no estresse do cisalhamento, resultante do aumento no fluxo sangüíneo. A endotelina é uma das principais e mais potentes entre as substâncias vasoconstritoras. Outras substâncias vasoconstritoras, como a prostaglandina N2 e o radical superóxido podem ter importância em situações patológicas, como hipertensão arterial e após lesão vascular. No músculo liso dos vasos, os mediadores de vasodilatação ou vasoconstrição podem se ligar, promovendo seu relaxamento ou contração, sendo a função do endotélio, a regulação deste mecanismo. A vasodilatação tem início com a estimulação do receptor muscarínico, situado na cavéola do endotélio pela acetilcolina, estimulando então, a liberação do NO, e este, como é uma molécula de tamanho pequeno e altamente lipossolúvel, difunde-se para a musculatura lisa vascular, estimulando a enzima guanilato ciclase e a produção de guanosina monofosfato cíclico (GMPc), levando a uma maior captação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático das células musculares lisas, através dos canais de cálcio, com isso, há uma diminuição do cálcio intracelular disponível para iniciar a contração. Por sua vez, a proteína quinase dependente de GMPc é ativada, levando à fosforilação da miosina de cadeia leve e vasodilatação. As células endoteliais também produzem substâncias anticoagulantes e antitrombóticas, como a prostaglandina 2 (PLGL2), o NO, a trombomodulina (ativador da proteína C), ativadores teciduais do plasminogênio (T-PA) e uroquinase, porém em situações de lesão vascular, podem haver efeitos pró-trombóticos, pois as citocinas e outros mediadores inflamatórios podem estimular a produção de liberação de fatores pró-trombóticos, como o inibidor do plasminogênio. As células do endotélio estão unidas entre si por complexos juncionais, fazendo do endotélio uma barreira de difícil permeabilidade; entretanto, a existência de receptores específicos de membrana, permite a passagem de algumas moléculas, até a camada celular, fazendo do endotélio, uma barreira seletiva. O endotélio também é responsável pela produção de fatores de crescimento e agentes quimiotáticos, que são componentes importantes do metabolismo lipídico, pois as células endoteliais podem interagir com os quilomícrons e 21 lipoproteínas de baixa densidade (LDL), provocando o surgimento ou perpetuando a formação de placas ateromatosas. “A pressão sangüínea é pressão que o sangue exerce contra a parede interna das artérias, sendo também a força que movimenta o sangue pelo sistema circulatório, fluindo de um local de alta pressão para outro de baixa pressão” (Araújo e Casella Filho, 2006). A pressão mais alta, aferida durante a contração miocárdica é a sistólica, enquanto que a mais baixa, durante a diástole ou relaxamento miocárdico, é a diastólica. O fluxo sangüíneo no interior dos vasos está diretamente relacionado com a diferença de pressão entre as duas extremidades do vaso e da resistência à passagem do fluxo, e desta forma, pode-se observar que, ao aumentar o diferencial de pressão, o fluxo aumenta, e aumentando a resistência, o fluxo diminui. A resistência dos vasos ao fluxo sangüíneo depende de inúmeros fatores, como o comprimento do vaso (quanto mais longo o caminho a ser percorrido pelo sangue, maior será a resistência oferecida ao fluxo sangüíneo), diâmetro do vaso (pequenas variações no diâmetro de um vaso, proporcionam grandes variações na resistência ao fluxo e grandes variações no fluxo), viscosidade de sangue (quanto menor a viscosidade, como ocorre nos indivíduos anêmicos, maior é o fluxo através dos vasos). O mecanismo mais importante para o controle local do fluxo é a vasodilatação decorrente da ação de substâncias que atuam no endotélio. Entretanto, existem outros fatores que promovem o aumento do fluxo sangüíneo, como a hipóxia tecidual e o aumento das substâncias do metabolismo, o que leva à formação de substâncias vasodilatadoras (CO2, hidrogênio, lactato, potássio e adenosina). Além disso, a diminuição da quantidade de oxigênio também é responsável pela vasodilatação, pois este gás é necessário para a manutenção do tônus vascular. Em outras palavras, significa que sempre que houver um aumento no metabolismo, haverá vasodilatação, que por sua vez, leva a um aumento imediato do fluxo sangüíneo. A hiperemia reativa também aumenta o fluxo sangüíneo, e ocorre quando o tecido passa por um período de diminuição do fluxo sangüíneo, provocando um fluxo compensatório posterior, em função da liberação de óxido nítrico. O óxido nítrico é liberado em resposta ao aumento do fluxo, que promove uma deformação do citoesqueleto dos vasos, sendo detectado pelo endotélio, que rapidamente promove a liberação do NO e vasodilatação. O fluxo sangüíneo é controlado em duas fases distintas: controle agudo e em longo prazo, como descrito a seguir: 22 a) Mecanismos de regulação em curto prazo: a.1) Sistema neural – é realizado através do centro vasomotor, localizado no tronco (ponte e bulbo), que possui três áreas ou grupos de neurônios: - Área vasoconstritora - atua por intermédio de nervos eferentes do simpático, com um constante estímulo para a manutenção do tônus vascular e para a atividade cardíaca; sempre que for estimulada, ocorrerá um aumento do débito cardíaco e aumento da resistência periférica total em decorrência da vasoconstrição, com conseqüente aumento da pressão arterial; - Área vasodilatadora – quando esta área é estimulada, promove inibição da área vasoconstritora, revertendo, então, os efeitos da estimulação simpática, e uma estimulação dos nervos vagos, por onde seguem as fibras eferentes do parassimpático. O estímulo parassimpático, por diminuir a freqüência cardíaca, diminui também o débito cardíaco, com conseqüente diminuição da pressão arterial. - Área sensorial – recebe informações dos nervos vagos e glossofaríngeos, identificando variações da pressão arterial (PA), além de controlar a atividade das outras áreas, enviando sinais inibitórios ou excitatórios, para a área vasoconstritora ou vasodilatadora, de acordo com as variações percebidas na PA. Na parede da aorta (crossa) e nas artérias carótidas, onde estas se bifurcam (seios carotídeos), existe um conjunto de células auto-excitáveis, que são estimuladas pela distensão destas artérias. A cada aumento na pressão em seu interior, maior a distensão de suas paredes e maior a excitação dos receptores (barorreceptores), os quais enviam sinais nervosos inibitórios ao centro vasomotor, reduzindo a atividade deste e a PA. O controle da PA também pode ser realizado pelos receptores de baixa pressão, semelhantes aos barorreceptores, que estão localizados em áreas onde a pressão sangüínea é normalmente baixa (átrios e artérias pulmonares), atuando em paralelo a aqueles, potencializando assim, o controle da PA. Quando há aumento da PA e estiramento dos átrios, ocorre vasodilatação reflexa das arteríolas renais, o que leva a um aumento na filtração glomerular e na diurese, para promover diminuição na PA – reflexo atrial. Próximo aos barorreceptores, nas grandes artérias também estão os quimiorreceptores, sensíveis à falta de O2 e ao excesso de CO2 e hidrogênio (H+). São 23 estimulados quando a PA cai abaixo de 80mmHg, pois nesta situação, ocorre diminuição do fluxo sangüíneo para os tecidos e conseqüente acúmulo de CO2 e H+ no sangue. Os quimiorreceptores enviam um sinal para a área sensorial do centro vasomotor, indicando que a PA está diminuída, obtendo como resposta, uma elevação imediata da PA, em função da estimulação da área vasoconstritora e inibição da área vasodilatadora. a.2) Mecanismo Renal de controle da PA – é o mais importante mecanismo de controle da PA, e pode ser subdividido em dois mecanismos:hemodinâmico e hormonal. Qualquer aumento na PA promove aumento na pressão hidrostática nos capilares glomerulares do néfron, levando a um aumento na filtração glomerular, no volume do filtrado e, finalmente, no volume da urina (diurese). O aumento da diurese faz com que o volume do compartimento extracelular diminua, ocasionando redução no volume sangüíneo e conseqüentemente, o débito cardíaco, levando à diminuição da PA. Com a diminuição no volume do filtrado, as células justaglomerulares, localizadas nas paredes das arteríolas aferentes e eferentes do néfron, liberam maior quantidade de renina, que age sobre a proteína angiotensinogênio, convertendo-a em angiotensina I, que por ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), é convertida em angiotensina II. Esta atua como um potente vasoconstritor, promovendo aumento na resistência vascular e aumento na PA. A angiotensina II também leva as glândulas adrenais (supra-renais) a liberar maior quantidade de aldosterona na circulação, a qual atua principalmente nos túbulos contornados distais dos néfrons, favorecendo maior absorção de água e sal, com aumento no volume sangüíneo e aumento no débito cardíaco e na PA. A vasopressina (ou hormônio antidiurético ou ADH), é outro hormônio importante no controle da PA, sendo secretado por estimulação da hipófise pela angiotensina II. O ADH atua nos rins, promovendo diminuição da diurese e da excreção de sódio. O peptídio natriurético atrial (ANP) é produzido pelos átrios e liberados em resposta ao estiramento destes, sendo liberados sempre que houver aumento da PA, promovendo aumento da natriurese (eliminação de sódio na urina), levando à diminuição do volume sangüíneo, o que irá reduzir o débito cardíaco e a PA. b) Regulação em Longo Prazo da Pressão Arterial – os reguladores nervosos da PA, apesar de agirem de forma rápida e eficiente, para corrigir alterações agudas da PA, em algumas horas ou dias, perdem sua capacidade de controlá-las, pois a maior parte dos receptores nervosos se adapta, perdendo sua responsividade. Em longo prazo, a PA necessita de reguladores mais eficientes, como os mecanismos renais (mecanismo renina-angiotensina e 24 aldosterona). O sistema renina-angiotensina tem um papel importante na manutenção do equilíbrio do organismo. A ECA participa da geração da angiotensina II, que atua sistemicamente, pois a renina produzida no aparelho justaglomerular, é lançada no sangue para atuar sob seu substrato específico, o angiotensinogênio, formando a angiotensina I, a partir de reações enzimáticas. Esta enzima também promove a degradação da bradicinina, peptídio que promove a liberação de NO pelas células endoteliais. A angiotensina II aumenta a produção de ânions superóxidos, a partir da estimulação da NADPH (nicotinamida adenina dinuicleotidio fosfato) oxidase, nas células musculares lisas, que por sua vez, levam ao aumento da degradação do NO. A angiotensina II e a aldosterona também estimula a síntese de colágeno nos vasos e nas células miocárdicas, entretanto, em situações de desequilíbrio, a ativação do sistema renina-angiotensina favorece o surgimento de doenças cardiovasculares, pois a geração da angiotensina II é regulada pelo sistema renina-angiotensina circulante e tecidual, ambos com atividade aumentada na doença cardiovascular. Observa-se uma expressão aumentada da ECA nos vasos de pacientes hipertensos e na microvasculatura da placa aterosclerótica, para a produção local de angiotensina II, a qual desencadeará diversos mecanismos fisiopatológicos intimamente associados à aterogênese, como inflamação vascular, ruptura da placa aterosclerótica, e trombose, além de estresse oxidativo e estimulação de fatores de transcrição nucleares, atração e ativação monocitária. Assim, o desequilíbrio do sistema renina- angiotensina-aldosterona resulta em depressão da função cardíaca, em virtude do remodelamento ventricular, causado pela deposição de colágeno nas fibras cardíacas. 25 2 EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES Observa-se no Brasil, uma elevada taxa de mortalidade por doenças cerebrovasculares, maior que por outras doenças cardiovasculares (DCV), principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Em todo o território nacional, as DCV ocupam o segundo lugar como causa de morbidade hospitalar, ficando atrás apenas das doenças respiratórias; entretanto, em relação ao custo total, assumem a primeira posição na lista, ou o equivalente a quase 20% de todo o valor gasto com internação no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo o principal gasto entre homens e segundo entre as mulheres, perdendo apenas para as internações obstétricas. Dentre as internações por DCV, a insuficiência cardíaca assume o lugar de destaque, seguida pelas doenças isquêmicas do coração e pelo acidente vascular encefálico (AVE). Dentre os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento das DCV estão o tabagismo, a obesidade e o sedentarismo. A seguir, estão descritas as principais DCV. 26 3 HIPERTENSÃO ARTERIAL (HAS) A HAS pode ser definida como a pressão de níveis tencionais sistólicos iguais ou maiores que 140mmHg e/ou diastólicos iguais ou maiores que 90mmHg. Pode ser definida como HAS primária ou secundária, de acordo com sua etiologia, sendo os casos de HAS primária, cerca de 90% dos casos, e os demais 10%, decorrentes (secundários) a outras patologias. A HAS secundária, geralmente é decorrente de nefropatias, endocrinopatias e uso de drogas hipertensoras, e pode ser revertida quando as causas puderem ser tratadas. Durante a anamnese, deve-se suspeitar de HAS secundária quando houver: início do quadro antes dos 30 anos ou após os 45 anos, início abrupto, hipertensão de difícil tratamento (uso de três ou mais medicamentos, sem sucesso), labilidade emocional, cefaléia intensa, rubores, palpitações, presença de sopro abdominal, etc. Também se deve estar atento a sintomas como epistaxe, tonteira, zumbidos, mal- estar e pressão na nuca. Além disso, como parte da investigação inicial, o médico deverá solicitar exames complementares como: glicose, uréia, creatinina, hemograma completo, sódio, potássio, EAS (elementos anormais e sedimentos – urina), radiografia de tórax, eletrocardiograma e fundoscopia, com o objetivo de afastar possíveis causas secundárias de HS e estratificar os pacientes quanto à presença de outros fatores de risco cardiovasculares ou de lesões em órgãos-alvo. Os principais sistemas que podem sofrer lesões decorrentes da HAS são: sistema nervoso central (acidente vascular cerebral, ataque isquêmico transitório), sistema cardiovascular (hipertrofia ventricular esquerda, angina, infarto agudo do miocárdio, aortopatias, vasculopatias) e sistema urinário (glomerulonefrites, nefropatias e insuficiência renal). 27 3.1 Fatores de Risco para HAS: a) Idade - A pressão arterial aumenta com a idade. Em indivíduos jovens, a hipertensão é decorrente da elevação na pressão diastólica, enquanto que a partir da sexta década o principal componente é a elevação da pressão sistólica. O risco relativo de desenvolver doença cardiovascular associado ao aumento da pressão arterial não diminui com o avanço da idade e o risco absoluto aumenta marcadamente. b) Sexo e Etnia - A prevalência global de hipertensão insinua que sexo não é um fator de risco para hipertensão. Estimativas globais sugerem taxas de hipertensão mais elevadas para homens até os 50 anos e para mulheres a partir da sexta década. A HAS é mais prevalente em mulheres afrodescendentes com excesso de risco de hipertensão de até 130% em relação às mulheres brancas. c) Fatores Socioeconômicos - Nível socioeconômico mais baixo está associado à maior prevalência de hipertensão arterial e de fatores de risco para elevaçãoda pressão arterial, além de maior risco de lesão em órgãos-alvo e eventos cardiovasculares. Hábitos dietéticos, incluindo consumo excessivo de sal e ingestão de álcool, índice de massa corporal aumentado, estresse psicossocial, menor acesso aos cuidados de saúde e nível educacional, também são possíveis fatores associados. d) Sal - O excesso de consumo de sódio contribui para a ocorrência de hipertensão arterial. A relação entre aumento da pressão arterial e avanço da idade é maior em populações com alta ingestão de sal. Povos que consomem dieta com reduzido conteúdo deste, têm menor prevalência de hipertensão e a pressão arterial não se eleva com a idade. Em população urbana brasileira, foi identificada maior ingestão de sal nos níveis socioeconômicos mais baixos. e) Obesidade - O excesso de massa corporal é um fator predisponente para a hipertensão, podendo ser responsável por 20% a 30% dos casos de hipertensão arterial; 75% dos homens e 65% das mulheres apresentam hipertensão diretamente atribuível a sobrepeso e obesidade. Apesar do ganho de peso estar fortemente associado com o aumento da pressão arterial, nem todos os indivíduos obesos tornam-se hipertensos. Estudos observacionais mostraram que ganho de peso e aumento da circunferência da cintura são índices prognósticos importantes de hipertensão arterial, sendo a obesidade central um importante indicador de risco 28 cardiovascular aumentado. Estudos sugerem que obesidade central está mais fortemente associada com os níveis de pressão arterial do que à adiposidade total. Indivíduos com nível de pressão arterial ótimo, que ao correr do tempo apresentam obesidade central, têm maior incidência de hipertensão. A perda de peso acarreta redução da pressão arterial. f) Álcool - O consumo elevado de bebidas alcoólicas como cerveja, vinho e destilados aumenta a pressão arterial. O efeito varia com o gênero, e a magnitude está associada à quantidade de etanol e à freqüência de ingestão. O efeito do consumo leve a moderado de etanol não está definitivamente estabelecido. Verifica-se redução média de 3,3 mmHg (2,5 a 4,1 mmHg) na pressão sistólica e 2,0 mmHg (1,5 a 2,6 mmHg) na pressão diastólica com a redução no consumo de etanol. g) Sedentarismo - O sedentarismo aumenta a incidência de hipertensão arterial. Indivíduos sedentários apresentam risco aproximado 30% maior de desenvolver hipertensão que os ativos. O exercício aeróbio apresenta efeito hipotensor maior em indivíduos hipertensos que normotensos. O exercício resistido possui efeito hipotensor semelhante, mas menos consistente. 3.2 Outros Fatores de Risco Cardiovascular A presença de fatores de risco cardiovascular ocorre mais comumente na forma combinada. Além da predisposição genética, fatores ambientais podem contribuir para uma agregação de fatores de risco cardiovascular em famílias com estilo de vida pouco saudável. A obesidade aumenta a prevalência da associação de múltiplos fatores de risco. 3.3 Medida da Pressão Arterial 29 A medida da pressão arterial deve ser realizada em toda avaliação de saúde, por médicos das diferentes especialidades e demais profissionais da área de saúde, todos devidamente treinados. Alguns estudos têm mostrado que, na prática clínica, nem sempre a medida da pressão arterial é realizada de forma adequada. No entanto, os erros podem ser evitados com preparo apropriado do paciente, uso de técnica padronizada de medida da pressão arterial e equipamento calibrado. O método mais utilizado para medida da pressão arterial na prática clínica é o indireto, com técnica auscultatória e esfigmomanômetro de coluna de mercúrio ou aneróide, ambos calibrados. Apesar da tendência de substituir os aparelhos de coluna de mercúrio por equipamentos automáticos, em razão do risco de toxicidade e contaminação ambiental pelo mercúrio, eles continuam sendo os mais indicados para a medida da pressão arterial porque se descalibram menos freqüentemente do que os aparelhos aneróides. Os aparelhos eletrônicos evitam erros relacionados ao observador e podem ser empregados quando validados de acordo com recomendações específicas, inclusive em estudos epidemiológicos. Independente do tipo de aparelho escolhido, é importante saber que devem ser testados e devidamente calibrados a cada seis meses. A medida da pressão arterial na posição sentada deve ser realizada de acordo com os procedimentos descritos na tabela abaixo, com manguitos de tamanho adequado à circunferência do braço, respeitando a proporção largura/comprimento de 1:2. Embora a maioria dos fabricantes não siga essas orientações, a largura da bolsa de borracha do manguito deve corresponder a 40% da circunferência do braço, e seu comprimento, a pelo menos 80%. As tabelas abaixo indicam o procedimento a ser adotado no momento de aferir a pressão arterial. 30 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005. 31 3.4 Rotina de Diagnóstico e Seguimento Na primeira avaliação, as medidas devem ser obtidas em ambos os membros superiores e, em caso de diferença, utiliza-se sempre o braço com o maior valor de pressão para as medidas subseqüentes. O indivíduo deverá ser investigado para doenças arteriais se apresentar diferenças de pressão entre os membros superiores maiores de 20/10 mmHg para a pressão sistólica/diastólica. Em cada consulta, deverão ser realizadas pelo menos três medidas, com intervalo de um minuto entre elas, sendo a média das duas últimas considerada a pressão arterial do indivíduo. Caso as pressões sistólicas e/ou diastólicas obtidas apresentem diferença maior que 4 mmHg entre elas, deverão ser realizadas novas medidas até que se obtenham medidas com diferença inferior ou igual a 4 mmHg, utilizando-se a média das duas últimas medidas como a pressão arterial do indivíduo. A posição recomendada para a medida da pressão arterial é a sentada. A medida nas posições ortostática e supina deve ser feita pelo menos na primeira avaliação em todos os indivíduos e em todas as avaliações em idosos, diabéticos, portadores de disautonomias, alcoolistas e/ou em uso de medicação anti-hipertensiva. Novos estudos consideram a utilização da MAPA (medida ambulatorial da pressão arterial) e da MRPA (medida residencial da pressão arterial) como ferramentas importantes na investigação de pacientes com suspeita de hipertensão. Recomenda-se, sempre que possível, a medida da pressão arterial fora do consultório para esclarecimento diagnóstico, identificação da hipertensão do avental branco e hipertensão mascarada. A hipertensão do avental branco determina risco cardiovascular intermediário entre normotensão e hipertensão, porém mais próximo ao risco dos normotensos. No entanto, apesar de não existirem evidências de benefícios de intervenções nesse grupo de pacientes, eles devem ser considerados no contexto do risco cardiovascular global, devendo permanecer em seguimento clínico. Alguns estudos mostram que a hipertensão mascarada determina maior prevalência de lesões de órgãos-alvo do que indivíduos normotensos. 32 Na dependência dos valores da pressão arterial de consultório e do risco cardiovascular do indivíduo, define-se o intervalo entre as visitas para seguimento. 3.5 Medida Residencial da Pressão Arterial A MRPA é o registro da pressão arterial por método indireto, com três medidas pela manhã e três à noite, durante cinco dias, realizado pelo paciente ou outra pessoa treinada, durante a vigília, no domicílio ou no trabalho. A MRPA permite a obtenção de grande número de medidas de pressão arterial de modo simples, eficaz e pouco dispendioso, contribuindo para o diagnóstico e o seguimento da hipertensão arterial. A MRPA não deve ser confundida com automedida da pressão arterial, que é o registro não sistematizadoda pressão arterial realizado de acordo com a orientação do médico do paciente. São consideradas anormais na MRPA as médias de pressão arterial acima de 135/85 mmHg. 3.6 Medida Ambulatorial da Pressão Arterial A MAPA é o método que permite o registro indireto e intermitente da pressão arterial durante 24 horas, enquanto o paciente realiza suas atividades habituais na vigília e durante o sono. 33 Evidências obtidas com estudos de desfechos clínicos têm demonstrado que este método é superior à medida casual da pressão arterial em predizer eventos cardiovasculares, tais como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. São consideradas anormais na MAPA as médias de pressão arterial de 24 horas, vigília e sono acima de 130/80, 135/85 e 120/70 mmHg, respectivamente. Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005. Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 34 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 3.7 Critérios Diagnósticos e Classificação Em estudos populacionais, a pressão arterial tem relação direta com o risco de morte e de eventos mórbidos. Os limites de pressão arterial considerados normais são arbitrários e, na avaliação dos pacientes, deve-se considerar também a presença de fatores de risco, lesões de órgãos-alvo e doenças associadas. A acurácia do diagnóstico de hipertensão arterial depende fundamentalmente dos cuidados dispendidos nas medidas da pressão arterial. Minimizam-se, assim, os riscos de falsos diagnósticos, tanto da hipertensão arterial quanto da normotensão, e suas repercussões na saúde dos indivíduos e no custo social envolvido. Os valores que permitem classificar os indivíduos adultos acima de 18 anos, de acordo com os níveis de pressão arterial estão na tabela 7. 35 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 Com referência a crianças e adolescentes, consideram-se os valores abaixo do percentil 90 como normotensão, desde que inferiores a 120/80 mmHg; entre os percentis 90 e 95, como limítrofe1 (“pré-hipertensão”, de acordo com o The Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents), e igual ou superior ao percentil 95, como hipertensão arterial, salientando-se que qualquer valor igual ou superior a 120/80 mmHg em adolescentes, mesmo que inferior ao percentil 95, deve ser considerado limítrofe (Tabela 8). Por exemplo, um menino com 6 anos de idade, medindo 110 cm (percentil 10) e apresentando pressão arterial de 100/60 mmHg, seria considerado normotenso. Já um menino de mesma idade e altura, mas com pressão arterial de 108/70 mmHg, seria considerado limítrofe. Se esta segunda criança, em vez de 110 cm, tivesse estatura de 119 cm (percentil 75), a pressão arterial de 115/75 mmHg o faria ser considerado hipertenso. Por outro lado, um menino com 14 anos de idade, medindo 158 cm (percentil 25) e com pressão arterial de 110/70 mmHg, seria considerado normotenso. Já outro menino de mesma idade e mesma altura, mas com pressão arterial de 122/70 mmHg, seria considerado limítrofe. Se esta segunda criança, em vez de 158 cm, tivesse estatura de 170 cm (percentil 75), a 36 pressão arterial de 130/83 mmHg o faria ser considerado hipertenso.Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 37 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 38 3.8 Investigação Clínico-Laboratorial e Decisão Terapêutica Os objetivos da investigação clínico-laboratorial são os seguintes: a) Confirmar a elevação da pressão arterial e firmar o diagnóstico de hipertensão arterial; b) Identificar fatores de risco para doenças cardiovasculares; c) Avaliar lesões de órgãos-alvo e presença de doença cardiovascular; d) Diagnosticar doenças associadas à hipertensão; e) Estratificar o risco cardiovascular do paciente; f) Diagnosticar hipertensão arterial secundária. Para atingir tais objetivos, são fundamentais: a) História clínica, considerando, em especial, o que consta da tabela 2: Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 39 b) Exame físico (Tabela 3) Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005. 40 c) Avaliação laboratorial inicial do hipertenso (Tabela 4): Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 A avaliação complementar (Tabela 5) está indicada em pacientes que apresentam elementos indicativos de doenças associadas, lesões em órgãos-alvo, doença cardiovascular ou três ou mais fatores de risco. Quando houver indícios de hipertensão secundária (Tabela 6), esta possibilidade deve ser investigada por métodos específicos: Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 41 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 3.9 Estratificação de Risco e Decisão Terapêutica Para a tomada da decisão terapêutica é necessária a confirmação diagnóstica, seguindo-se a estratificação de risco (Tabela 7), que levará em conta, além dos valores de pressão arterial, a presença de fatores de risco cardiovasculares (Tabela 8), as lesões em órgãos-alvo e as doenças cardiovasculares (Tabela 9) e, finalmente, a meta mínima de valores da pressão arterial, que deverá ser atingida com o tratamento (Tabela 10). 42 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 A estratégia terapêutica deverá ser individualizada de acordo com a estratificação de risco e a meta do nível de pressão arterial a ser alcançado (Tabela 10). Preconizam-se mudanças dos hábitos alimentares e do estilo de vida (tratamento não-medicamentoso) para todos os pacientes, independentemente do risco cardiovascular. Para emprego isolado do tratamento não-medicamentoso, ou associado ao tratamento medicamentoso como estratégia terapêutica, deve-se considerar a meta da pressão arterial a ser atingida, que em geral é determinada pelo grau de risco cardiovascular. A tabela 11 aponta a estratégia de tratamento da hipertensão arterial mais provável de acordo com a estratificação do risco cardiovascular. 43 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 3.10 HAS Secundária Apresenta prevalência, em torno de 3% a 10%, e seu diagnóstico depende da experiência de quem investiga e dos recursos diagnósticos disponíveis. As situações em que se deve investigar a possibilidade de hipertensão arterial secundária estão na tabela 1. 44 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 Entretanto, deve-se fazer o diagnóstico diferencial com as seguintes possibilidades: medida inadequada da pressão arterial; hipertensão do avental branco; tratamento inadequado; não-adesão ao tratamento; progressão da doença; presença de comorbidades; interação com medicamentos. As principais causas de HAS secundárias estão descritas a seguir: 45 a) Hiperaldosteronismo Primário - Caracteriza-se pela produção aumentada de aldosterona pela glândula supra-renal (ou adrenal), originada por hiperplasia da glândula, adenoma, carcinoma ou por formas genéticas. A prevalência nos hipertensos varia de 3% a 22%, sendo mais alta nos hipertensos de difícil controle. Geralmente, os pacientes têm hipertensão arterial estágio 2 ou 3, podendo ser refratária ao tratamento. A abordagem do hiperaldosteronismo primário inclui quatro etapas principais: rastreamento, confirmação do diagnóstico, diagnóstico diferencial entre hiperplasia e adenoma e tratamento. O rastreamento deve ser realizado em todo hipertenso com hipocalemia espontânea ou provocada por diuréticos, em hipertensos resistentes aos tratamentos habituais e em hipertensos com tumor abdominal pela determinação da relação aldosterona sérica/atividade de renina plasmática (A/R). Relação A/R > 30 ng/dl/ng, com aldosterona sérica superior a 15 ng/dl, é achadoconsiderado positivo e sugestivo de hiperaldosteronismo primário. Paciente com rastreamento positivo para hiperaldosteronismo primário deve ter este diagnóstico confirmado pela determinação de aldosterona após sobrecarga de sal realizada pela administração endovenosa de soro fisiológico (2 l em 4 horas) ou pela administração via oral, durante quatro dias, de acetato de fludrocortisona (0,1 mg 6/6 horas), além de dieta rica em sal. Pacientes com concentrações de aldosterona > 5 ng/dl e > 6 ng/dl, após o final do primeiro e do segundo testes, respectivamente, têm o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário confirmado. O terceiro passo no diagnóstico do hiperaldosteronismo primário é fazer a diferenciação entre hiperplasia e adenoma, essencial para o tratamento adequado dessas duas condições. Isso pode ser feito a partir de dados clínicos, laboratoriais, radiológicos e, finalmente, da determinação da aldosterona nas veias adrenais por cateterismo das adrenais, que indica se existe lateralização na produção de aldosterona ou se ela é bilateral. Do ponto de vista clínico e laboratorial, pacientes portadores de adenoma são, em geral, mais jovens, têm hipocalemia mais acentuada e concentrações mais elevadas de aldosterona (> 25 ng/dl). A investigação radiográfica do hiperaldosteronismo primário tem o objetivo de indicar a presença ou a ausência de tumor. Deve ser feita pela tomografia computatorizada ou pela ressonância magnética das adrenais. Entretanto, cerca de 20% dos adenomas são tumores menores que um centímetro e podem não ser visualizados. b) Feocromocitoma - São tumores neuroendócrinos da medula adrenal ou de paragânglios extra-adrenais (paragangliomas), com prevalência de 0,1% a 0,6%. O tumor pode 46 se apresentar como esporádico ou associado a síndromes genéticas familiares (20% dos casos), em que predominam a de Von-Hippel- Lindau, neoplasia endócrina múltipla tipo 2A e 2B, neurofibromatose tipo 1 e paragangliomas, com pelo menos seis genes de suscetibilidade (RET, VHL, NF1, SDHB, SDHD e SDHC). Geralmente, o tumor é adrenal unilateral, mas pode ser bilateral (síndromes familiares), múltiplo e extra-adrenal, benigno ou maligno (5% a 26% dos casos). A hipertensão paroxística (30% dos casos) ou sustentada (50% a 60% dos casos) e os paroxismos são acompanhados principalmente de cefaléia (60% a 90%), sudorese (55% a 75%) e palpitações (50% a 70%). O diagnóstico é baseado na dosagem de catecolaminas plasmáticas ou de seus metabólitos no sangue e na urina e na identificação de mutações nos genes envolvidos. No Brasil, não se dispõe de dosagem sérica de metanefrina no sangue, mas pode-se fazê-la na urina. Para o diagnóstico topográfico dos tumores e, eventualmente, de metástases, os métodos de imagens recomendados são: tomografia computadorizada e ressonância magnética, ambas com sensibilidade próxima a 100% para tumores adrenais e mapeamento de corpo inteiro com metaiodobenzilguanidina, com sensibilidade de 56% (tumores malignos) a 85% e alta especificidade. O tratamento preferencial é cirúrgico. No tratamento farmacológico pré- operatório ou crônico, são utilizados alfabloqueadores (prazosina, doxazocina e dibenzilina), combinados ou não a outros agentes como inibidores da ECA, bloqueadores dos canais de cálcio, betabloqueadores, sempre após alfabloqueio efetivo e, principalmente em tumores inoperáveis, alfametiltirosina (Demser®). Para a intervenção cirúrgica, recomenda-se controle da hipertensão arterial e reposição volêmica. Em crises agudas e durante a cirurgia, nitroprussiato de sódio e antiarrítmicos são agentes freqüentemente utilizados (vide capítulo 6, item 6.6). O seguimento do paciente é essencial para a detecção de recorrências ou metástases. No rastreamento familiar recomenda-se a detecção de mutações dos genes envolvidos e de outros exames relativos às síndromes. c) Hipotireoidismo - É relativamente comum, principalmente em mulheres, com prevalência de aproximadamente 8% na população geral. Hipertensão, principalmente diastólica, atinge 40%. Outros achados são: ganho de peso, queda de cabelos e fraqueza muscular. Pode ser diagnosticado precocemente pela elevação dos níveis séricos de TSH e confirmado com a diminuição gradativa dos níveis de T4 livre. Caso persista hipertensão arterial após a correção com tiroxina, está indicado o tratamento com medicamentos anti-hipertensivos. 47 d) Hipertireoidismo - A prevalência das formas clínica e subclínica em adultos variam de 0,5% a 5%. A suspeita clínica é feita em presença de hipertensão arterial sistólica isolada ou sistodiastólica acompanhada de sintomas como intolerância ao calor, perda de peso, palpitações, exoftalmia, tremores e taquicardia. O diagnóstico é feito pela identificação do TSH baixo e elevação dos níveis de T4 livre. A correção geralmente se acompanha de normalização da pressão arterial. e) Hiperparatireoidismo - A suspeita clínica deve ser feita em casos de hipertensão arterial acompanhada de história de litíase renal, osteoporose, depressão, letargia e fraqueza muscular. O diagnóstico é feito pela dosagem dos níveis plasmáticos de cálcio e PTH. A correção do hiperparatireoidismo não necessariamente se acompanha de normalização da pressão arterial. f) Hipertensão Arterial Renovascular - Caracteriza-se por aumento de pressão arterial decorrente do estreitamento único ou múltiplo das artérias renais. Entretanto, a simples identificação de uma estenose de artéria renal não faz o diagnóstico de hipertensão arterial renovascular. Geralmente, o diagnóstico é confirmado após a correção da estenose e o desaparecimento ou a melhora da hipertensão arterial. A prevalência é de 4% na população geral, mas pode ser mais alta em paciente com doença arterial coronária e periférica. Estima-se que 12% dos pacientes em programa de diálise apresentem doença renovascular. A estenose de artéria renal pode ser causada por aterosclerose (90%) ou por displasia fibromuscular. As outras causas de estenose de artéria renal incluem aneurisma de artéria renal, arterite de Takayasu, tromboembólica, síndrome de Williams, neurofibromatose, dissecção espontânea de artéria renal, malformações arteriovenosas, fístulas, trauma e radiação abdominal prévia. Os indicadores clínicos de probabilidade de hipertensão arterial renovascular estão apresentados na tabela. 48 Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 f.1 Tratamento da doença renovascular - Os objetivos principais do tratamento são a cura ou a melhora da hipertensão arterial e/ou a melhora ou a preservação da função renal. O tratamento da hipertensão arterial renovascular pode ser clínico, cirúrgico ou por meio de revascularização percutânea com ou sem a colocação de próteses endovasculares (stents). f.1.1Tratamento clínico - Os inibidores da ECA, os bloqueadores dos canais de cálcio e os betabloqueadores são medicamentos efetivos para o tratamento da hipertensão arterial associada à estenose unilateral de artéria renal. Os bloqueadores dos receptores AT1 também são efetivos para o tratamento da hipertensão arterial associada à estenose de artéria renal. As indicações clínicas para correção da estenose de artéria renal por via percutânea ou por revascularização cirúrgica são: a) hipertensão resistente, hipertensão acelerada ou maligna e hipertensão com intolerância à medicação; b) perda progressiva da função renal com estenose bilateral ou estenose em rim único ou na estenose unilateral; c) insuficiência cardíaca congestiva ou edema pulmonar agudo de repetição. f.1.2 Tratamento cirúrgico - Está indicado em: a) obstrução total da artéria renal; b) grandes fístulas arteriovenosas; c) lesões de aorta englobando as artérias renais; d) 49 insucesso do tratamento endovascular; e) insucesso do tratamento clínico. A técnica a ser empregada depende da experiênciae da decisão da equipe. f.1.3 Tratamento por via percutânea (angioplastia isolada ou com stent). Salvo as indicações citadas para cirurgia, o tratamento endovascular deverá ser a abordagem inicial desde que atenda aos critérios clínicos para intervenção. O implante de stent é considerado superior ao balão no tratamento da estenose de artéria renal de etiologia aterosclerótica, de modo que o implante de stent é recomendado para lesões ostiais ateroscleróticas e a angioplastia com balão para as lesões fibrodisplásicas. g) Hipertensão em Diálise e Transplante Renal - Hipertensão arterial é altamente prevalente nos pacientes dialisados(60% a 80%) e nos transplantados. Os eventos cardiovasculares são os principais responsáveis pela morbidade e pela mortalidade nesses indivíduos, sendo a hipertensão arterial considerada fator de risco independente. Na fase precoce da diálise (< 2 anos), os níveis normais baixos de pressão arterial e os episódios de hipotensão arterial estão mais relacionados com a mortalidade do que a hipertensão arterial, o que provavelmente reflete a associação com outros estados mórbidos graves. Em fases mais tardias e, principalmente, após cinco anos, a hipertensão arterial representa papel mais relevante para mortalidade nesses pacientes. Tem sido relatada intrigante elevação do risco de mortalidade na vigência de redução acentuada (< 110 mmHg) da pressão arterial sistólica pré-diálise. A curva de associação entre pressão arterial e mortalidade adquire padrão em forma de “U”, em que os pacientes de maior risco são aqueles muito hipertensos (pressão arterial sistólica pré-diálise > 180 mmHg) e os muito hipotensos (pressão arterial sistólica pré-diálise < 110 mmHg). Sugere-se que esta condição seja evitada tanto quanto possível, assim como maior atenção deva ser dada à hipertensão arterial pós-diálise. Hipertensos em diálise são, em geral, mal controlados, em decorrência da hipervolemia, hiperatividade simpática, alterações do SRAA, concentração de sódio do dialisato, hiperparatireoidismo, uso de eritropoetina e redução da resposta vasodilatadora dependente do endotélio, sendo a sobrecarga de volume o mais importante. Há evidências de que a hemodiálise diária e a CAPD estariam associadas ao melhor controle da pressão arterial. A monitoração ambulatorial da pressão arterial, por períodos de 48 h, pode ser útil no período interdialítico. A hipertensão arterial ocorre em mais da metade dos transplantados, 50 sendo considerada um fator de risco não-imunológico na sobrevida em longo prazo do enxerto. Pode ser induzida por ciclosporina e outros imunossupressores, corticosteróides, rejeição, recidiva da doença renal, estenose de artérias renais e hipertensão arterial primária superajuntada. A terapia imunossupressora também eleva a ocorrência de dislipidemia. O tratamento nos pacientes em programa de diálise pode ser feito com todas as classes de medicamentos anti-hipertensivos, exceto os diuréticos tiazídicos e os de alça nos pacientes anéfricos ou que não apresentam diurese com os diuréticos, além da adequação da diálise Nos transplantados, há evidências de que os medicamentos que bloqueiam o SRAA podem melhorar os resultados. Nos pacientes em uso de ciclosporina, os bloqueadores de canais de cálcio são indicados por reverter a vasoconstrição ocasionada pela medicação, e o verapamil e o diltiazem podem aumentar os níveis séricos de ciclosporina. h) Coartação da Aorta - É causa de hipertensão secundária especialmente em crianças e adultos jovens, em que há evidência de níveis de pressão arterial mais elevados em membros superiores em relação aos inferiores ou quando há ausência ou diminuição de pulsos em membros inferiores. Os exames complementares diagnósticos indicados são ecocardiograma e angiografia por ressonância magnética. É muito importante o diagnóstico precoce, pois pode ser causa de insuficiência cardíaca na infância e há relação inversa entre o tempo de exposição à hipertensão e a reversão desta após a correção. A intervenção pode ser realizada por procedimento endovascular, principalmente em crianças, ou por cirurgia. i) Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono - É definida como a obstrução recorrente completa ou parcial das vias aéreas superiores durante o sono, resultando em períodos de apnéia, dessaturação de oxiemoglobina e despertares freqüentes com sonolência diurna. Está relacionada ao desenvolvimento de hipertensão arterial independentemente da obesidade e alterações precoces da estrutura e da função arterial, sendo reconhecida como fator de risco para aterosclerose e doença cardiovascular. A ativação simpática e as respostas humorais, como conseqüência aos episódios repetidos de hipoxemia, causam vasoconstrição, disfunção endotelial, elevação da PCR, aumento dos níveis de fibrinogênio, das citocinas e da pressão arterial. A suspeita clínica deve ser realizada na presença dos seguintes sintomas: ronco alto, episódios de engasgo freqüentes, cansaço diurno, sonolência diurna excessiva, alterações de memória e capacidade de concentração prejudicada. 51 Alguns achados clínicos associados auxiliam na suspeita diagnóstica, tais como obesidade, aumento da circunferência do pescoço, orofaringe pequena e eritematosa, insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão pulmonar e cor pulmonale. Alguns pacientes podem ter apresentações clínicas atípicas, como palpitações noturnas, cefaléia matutina, tonturas, refluxo gastroesofágico e noctúria. O diagnóstico é confirmado pelo achado de cinco ou mais episódios de apnéia e/ou hipopnéia por hora de sono (índice de apnéia–hipopnéia) na polissonografia. O tratamento inclui o uso de máscara de pressão positiva contínua (CPAP) em vias aéreas superiores por via nasal durante o sono, tratamento cirúrgico do processo obstrutivo e redução do peso em indivíduos com sobrepeso ou obesidade. j) Hipertensão Induzida por Medicamentos e Drogas - A tabela 4 relaciona algumas classes de substâncias com seu potencial hipertensivo e sugestões de intervenção. Recomenda- se, em geral, avaliar a relação risco–benefício e adequar as doses e associações dos anti- hipertensivos. 52 53 4 ATEROSCLEROSE A aterosclerose é uma doença progressiva, que se caracteriza pelo acúmulo de lipídeos e componentes fibrosos em grandes artérias (ateromatose), constituindo-se a causa primária de doença arterial coronariana (DAC) e acidente vascular cerebral (AVC). È responsável por cerca de 50% dos óbitos em países ocidentais. É considerada uma doença inflamatória e os recentes avanços no estudo de sua fisiopatologia permitem que seja considerada uma doença multifatorial e progressiva, que envolve a inflamação crônica em todos os seus estágios, desde seu início, até a ruptura da placa aterosclerótica. A ateromatose associa-se a inúmeras alterações estruturais e funcionais que ocorrem na parede arterial: disfunção endotelial, acúmulo de LDL oxidada, elevada concentração de macrófagos, neutrófilos e linfócitos T, além da migração de células musculares lisas. E, apesar da presença de estenose luminal, causada pela placa de colesterol (ateroma) e a vasoconstrição anormal ser basicamente a causa dos sintomas das doenças cardiovasculares. É a sobreposição de um trombo por erosão ou ruptura de uma ou mais placas (trombose coronariana), que promove a maioria dos sintomas ou manifestações clínicas mais graves de tais doenças, principalmente das síndromes coronarianas agudas (SCA): angina instável, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou morte súbita. O processo de aterosclerose tem início com a agressão do endotélio por diversos fatores como o estresse mecânico e a lipoproteína de baixa densidade (LDL) oxidada, a qual é considerada atualmente, um potencial fator de risco para a inflamação que vai desencadear o processo aterosclerótico. Possivelmente,
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