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Tópicos Especiais em Engenharia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Marcio Nunes Revisão Textual: Prof. Esp. Kelciane da Rocha Campos Anatomia de um Grande Projeto • Introdução • O Projeto Apollo da NASA • A gestão do projeto • A nave espacial Apollo • O módulo lunar • O legado do projeto · Nesta unidade, é abordado o gerenciamento de um grande projeto de engenharia: o projeto Apollo da NASA, que transportou o homem à superfície da Lua. Trata-se de um projeto de grande envergadura, que mobilizou cerca de 400.000 pessoas no espaço de 13 anos. · Esperamos que após ler o texto desta unidade você possa ter uma boa noção das dificuldades encontradas e quais as soluções propostas, e de como estas se desenrolaram. · Você vai observar que o relacionamento humano teve um peso importante no decorrer dos trabalhos e quase impediu que os objetivos finais do projeto fossem atingidos. Em suma, o objetivo da unidade é mostrar como um projeto de tamanha envergadura foi gerenciado e assim mostrar que muitas das soluções utilizadas surgiram dentro do próprio projeto. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta Unidade, vamos aprender um pouco mais sobre um importante tema: “Anatomia de um grande projeto”. Então, procure ler com atenção o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Não esqueça! A leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas; por isso, não deixe de registrá-las e transmiti-las ao professor-tutor. Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as atividades de Avaliação, uma Atividade Reflexiva e a Videoaula. Cada material disponibilizado é mais um elemento para seu aprendizado; por favor, estude todos com atenção. ORIENTAÇÕES Anatomia de um Grande Projeto UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto Contextualização O projeto Apollo da NASA redundou no transporte do homem à Lua. Cerca de 500 milhões de pessoas assistiram pela televisão em imagens em preto e bran- co quando Neil Armostrong desceu da nave e pisou no solo lunar. Foi um feito impressionante para a época, quando não existiam ainda os microcomputadores e a internet. O público viu apenas os resultados das missões, mas não teve acesso às dificuldades encontradas para a sua realização. O gerenciamento de um projeto de tamanha magnitude foi e tem sido objeto de estudo por pesquisadores ao redor do mundo. Os cursos de engenharia, de um modo geral, não contemplam a questão do gerenciamento, mas ensinam apenas a questão técnica. Hoje conhecemos essa realidade mais de perto, ou seja, como nossos precursores encararam os desafios propostos. Temos muito que aprender com eles. Da mesma forma como Pedro Álvares Cabral saiu de Portugal com navios movidos a vento e retornou, sem ter sequer nenhum meio de comunicação, os primeiros astronautas também foram ao espaço sem saber o que encontrariam ali. Da mesma forma pensavam os organizadores do projeto: como colocar um homem sobre a superfície lunar e trazê- lo de volta, em segurança? Nota-se que encarar desafios sempre foi uma questão importante e, caso não tivessem arriscado, hoje o mundo seria muito diferente em relação ao que conhecemos. E você, está disposto(a) a encarar seus próprios desafios? 6 7 Introdução Nas Unidades anteriores falamos sobre o que é a engenharia e o que ela pretende. Você teve uma boa noção do que é ser engenheiro e mergulhou no passado para notar como a engenharia evoluiu até nossos dias. Neste tópico, vamos analisar mais de perto um dos projetos civis de engenharia mais ambiciosos de todos os tempos: a viagem e pouso do homem na Lua. Você vai ter a oportunidade de observar que se tratava de algo novo e desconhecido e que levou cientistas e engenheiros a uma corrida sem precedentes pelo conhecimento. Estamos falando de um projeto que foi levado a cabo em apenas treze anos, com mais de 90% de todo o conhecimento utilizado adquirido durante sua execução. O que está escrito a seguir é um relato da evolução do projeto, de seus êxitos e fracassos, de suas dificuldades e obstáculos. Você notará também que o relacionamento humano acabou tendo um peso significativo no desenrolar do projeto, causando inúmeras dificuldades. Leia atentamente essa cronologia e observe como os dirigentes tomaram as decisões (acertadas ou não), mas que acabaram resultando no êxito do programa. O Projeto Apollo da NASA Sem dúvida, o caso de maior abrangência e maior intervenção da engenharia de que se tem notícia até o momento foi o projeto Apollo da NASA, que resultou no transporte do homem à Lua. Nenhum outro programa civil havia utilizado anteriormente tantos engenheiros e cientistas. Para a época, tratava-se de uma revolução na arte de criar e de atingir objetivos que nunca haviam sido tentados anteriormente. O Projeto Apollo foi sem dúvida aquele que trouxe como benefício, em tão pouco tempo, uma quantidade de conhecimento relevante e que ainda hoje é utilizado. Começou em 1961 e terminou em 1974, com o lançamento da Apollo 17. Na época do encerramento, havia ainda mais três missões a serem realizadas, mas como o objetivo principal do projeto já tinha sido atingido – recuperação do prestígio internacional dos EUA –, o governo cortou a verba e as naves existentes viraram peças de museu. Este relato apresenta de forma resumida as dificuldades que foram superadas sobre o desconhecido, fazendo com que cada etapa fosse sendo vencida com bastante segurança. O projeto aconteceu em uma época em que não havia a internet, ou seja, as informações de que se dispunha estavam nos livros e em relatórios nas mãos de poucas pessoas. Os próprios astronautas não tinham a menor ideia do que iriam encontrar na superfície lunar, e mesmo assim decidiram ir até o fim. Estava sobre eles o mesmo espírito desbravador que havia nos primeiros navegadores marítimos do século XV. 7 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto Figura 1 – Edwin Aldrin sobre o solo lunar, durante a missão Apollo 11 – 1969. Fonte: Wikimedia Commons. O grande motivador do projeto foi a guerra fria travada entre a União Soviética e os Estados Unidos. O ponto de início da corrida ocorreu quando em 12 de abril de 1961 os russos deram o pontapé inicial e puseram em órbita o primeiro astronauta humano, o major Yuri Gagarin, em um voo suborbital de 90 minutos. O governo dos EUA, então chefiado por John Kennedy, decidiu que era chegada a hora de revidar e injetou mais de 20 bilhões de dólares na NASA. Na época, os EUA estavam politicamente desgastados pela fracassada invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, por refugiados cubanos treinados pelos americanos e precisavam de uma recuperação do prestígio perdido. Porém, essa mobilização de recursos não foi o único desafio para os responsá- veis políticos da época; a NASA teve que fundir culturas institucionais e diferentes abordagens em uma organização única, movendo-se ao longo de um caminho unificado. Cada instalação laboratorial da NASA, cada universidade, cada empre- sa contratada, teria que trabalhar em sintonia, algo que não se consegue de uma hora para outra. Na época, o que se conhecia sobre gerenciamento de grandes projetos era conhecido como “programa de gestão”, que surgiu no final da dé- cada de 1950. A NASA resolver utilizar esse modelo, expandindo-o, trazendo gestores militares para supervisionar o programa Apollo. Esses gestores militares 8 9 tinham experiência com mísseis balísticos e também conheciam bem a estratégia militar e sabiam cumprir cronogramas. Foi criado então um escritório central, onipotente e autoritário, centralizando todo o projeto, a engenharia, a análise, a construção, a fabricação, a logística, o treinamento e as operações. Para concretizar o objetivo de colocar o primeiro homem na superfície da lua sob as restrições de tempo impostas pelo presidente dos EUA (Kennedy queria que isso acontecesse antes do final da década de 1960), uma quantidadeimensa de pessoas teve que ser contratada. No setor administrativo, o efetivo pessoal passou de 10.000 funcionários em 1960 para 36.000 em 1966. Além disso, os líderes da NASA tomaram a decisão de que eles teriam que contar com pesquisadores e técnicos externos para completar o projeto, e assim a quantidade de pessoas contratadas que trabalhou no programa aumentou de 36.500 em 1960 para 376.700 em 1965. Foram mobilizadas a indústria privada, instituições de pesquisa e universidades. Gerenciar todo esse aparato seria um grande desafio para a direção da agência. A NASA teve que recorrer à contratação externa de bens e serviços para incorporar a grande quantidade de trabalho realizado na burocracia formal. Cerca de 80 a 90 por cento do orçamento total da NASA foi destinada a esses contratos de compra de bens e serviços de terceiros, algo que nunca havia acontecido antes na história da agência. Essa foi a única maneira encontrada para aproveitar talentos e recursos institucionais já existentes na indústria aeroespacial emergente e nas universidades de pesquisa do país. Além desses recursos, a NASA moveu-se rapidamente durante o início da década de 1960 para expandir sua capacidade física para que pudesse realizar o programa Apollo. Em 1960, a agência espacial consistia em uma pequena sede em Washington, com seus três centros de pesquisa, o Jet Propulsion Laboratory, o Goddard Space Flight Center e o Marshall Space Flight Center. Com o advento do projeto, essas instalações cresceram rapidamente. Além disso, a NASA acrescentou três novas instalações especificamente para atender às exigências do programa de pouso lunar. Em 1962 foi criado o Manned Spacecraft Center (rebatizado de Lyndon B. Johnson Space Center em 1973), perto de Houston, Texas, para projetar a nave espacial Apollo e a plataforma de lançamento para o módulo lunar. Esse centro também se tornou o lar dos astronautas da NASA e o local de controle da missão. Em seguida, foi criado o Launching Operational Center em Cabo Canaveral, na Flórida, rebatizado de John F. Kennedy Space Center em 29 de novembro de 1963, logo após a morte de John Kennedy; essa instalação se tornou o palco de todos os lançamentos Apollo. Finalmente, para apoiar o desenvolvimento do veículo lançador Saturno V, em outubro de 1961, a NASA criou um campo de testes na Universidade do Mississipi, rebatizado de John C. Stennis Space Center, em 1988. O custo total dessa expansão superou 2,2 bilhões de dólares ao longo da década, com mais de 90 por cento gastos antes de 1966. 9 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto A gestão do projeto Um dos princípios fundamentais do conceito de gestão do programa Apollo foi que três fatores que eram considerados críticos - custo, cronograma e confiabilidade - foram interligados e tiveram que ser geridos como um grupo monolítico; caso os gestores de programa alterassem, por exemplo, o custo para um patamar específico, em seguida, um dos outros dois fatores, ou ambos, a um grau um pouco menor, seriam prontamente afetados. Como havia seres humanos envolvidos nos voos, somado ao fato da recuperação política dos EUA perante o mundo, os gestores do programa colocaram uma forte ênfase na confiabilidade. Assim, o projeto Apollo passou a utilizar extensivamente sistemas redundantes para que as falhas fossem previsíveis e minimizadas no resultado final. A ênfase que foi dada a esses dois fatores – cronograma e confiabilidade - forçou o terceiro fator, o custo, a se tornar maior do que poderia ter sido. Esse foi o preço pago para o sucesso da operação. A gestão do programa foi reconhecida como um componente crítico para o sucesso do projeto Apollo. Em novembro de 1968, a conceituada revista Science observou: “Em termos de números de dólares ou de homens, a NASA não é a nossa maior empresa nacional, mas em termos de complexidade, taxa de crescimento e sofisticação tecnológica, é sem dúvida a única. Pode acontecer que o grande spin-off [do programa espacial] será humano, e não tecnológico: o desafio será como melhorar o conhecimento para planejar, coordenar e controlar as atividades múltiplas e variadas das organizações.” (Observação: spin off equivale ao nosso “calcanhar de Aquiles”, ou ponto crítico). Compreender a gestão de estruturas complexas para a conclusão bem sucedida de uma tarefa de múltiplas faces foi uma consequência importante do projeto. Esse conceito de gestão orquestrada foi aplicado a mais de 500 empresas subcontratadas que trabalharam em pequenos e grandes empreendimentos do projeto Apollo. Por exemplo, os contratos principais concedidos à indústria privada para a fabricação dos principais componentes do foguete propulsor Saturno V incluiu a Boeing Company (que montou o primeiro estágio do foguete); a North American Aviation (o segundo estágio); a Douglas Aircraft Corporation (ficou com o terceiro estágio); a Divisão Rocketdyne da North American Aviation (fabricou os motores propulsores do primeiro e do segundo estágio); e a International Business Machines (IBM) (fez os instrumentos do Saturno V). Essas empresas subcontratadas, por sua vez, subcontrataram mais de 250 outras empresas, que juntas produziram milhões de peças e componentes para utilização no veículo de lançamento Saturno V. O custo total despendido no desenvolvimento do veículo de lançamento Saturno foi enorme, algo em torno de 9,3 bilhões de dólares da época. A coordenação de tantos recursos desafiou os gestores do programa, independentemente se eram ou não do serviço civil, indústria ou pessoal universitário. Como em todo grande projeto, havia vários setores dentro da NASA que divergiam sobre as prioridades e competiam por recursos. Os dois grupos 10 11 mais polêmicos foram o dos engenheiros e o dos cientistas, que constituíam a nata do programa. Segundo seus princípios, os engenheiros estão acostumados a trabalharem em equipes; e isso não foi diferente no projeto Apollo, pois eles se empenharam para construir o aparato que poderia levar a cabo um pouso na Lua com sucesso, até o final da década. Seu objetivo principal era a construção de veículos que deveriam funcionar de forma confiável dentro dos recursos financeiros atribuídos ao projeto. Por outro lado, o grupo dos cientistas espaciais envolvidos estava mais preocupado com a elaboração de experiências que iriam expandir o conhecimento científico sobre a Lua. Eles também tendiam a ser individualistas, desacostumados à arregimentação e dispostos a ceder de bom grado a direção de projetos a entidades externas. Os dois grupos disputavam entre si uma grande variedade de questões associadas ao projeto. Por exemplo, os cientistas não gostavam de ter que reconfigurar cargas úteis para que pudessem atender aos requisitos de redução de peso muitas vezes exigidos. Os engenheiros, igualmente, se ressentiam de ter que realizarem alterações em pacotes científicos adicionados após a definição do projeto, porque essas mudanças acabavam anulando esforços realizados anteriormente. Ambos os grupos tiveram reclamações válidas e tiveram que manter uma cooperação desconfortável até o final do projeto. As comunidades científicas e de engenharia dentro da NASA, além disso, não eram monolíticas e as diferenças entre elas só aumentavam. E isso sem contar que os representantes da indústria, universidades e centros de pesquisa, e da concorrência em todos os níveis, também queriam ampliar seus próprios domínios científicos e técnicos. Todos viam no programa a oportunidade que sempre sonharam: expandir o conhecimento espacial. A cúpula da NASA geralmente via esse pluralismo como uma força positiva dentro do programa espacial, pois isso assegurava que as opiniões de todos fossem expostas e isso acabava conduzindo a um refinamento nas atitudes e tomadas de decisão dentro da empresa. Por outro lado, se esse conflito se tornasse demasiadamente importante, poderia causar problemas na realização do programa lunar. A direção trabalhou duro paramanter esses fatores equilibrados e promover a ordem para que a NASA pudesse cumprir com os objetivos do programa. Outro problema de gestão importante surgiu da cultura herdada da pesquisa doméstica da agência. A NASA estava acostumada a desenvolver seus projetos internamente até então. Porém, devido à magnitude do projeto Apollo e de sua limitação de tempo, a maioria do trabalho tinha de ser feita fora da NASA por meio de contratos. Como resultado, com algumas exceções importantes, os cientistas e engenheiros da NASA não construíram o aparato de voo; em vez disso, eles planejaram o programa e as diretrizes para a sua execução, supervisionando o trabalho das contratadas. Essa atitude da NASA acabou gerando divergências internas, causando alguns problemas. Um exemplo disso foi o seguinte: o segundo estágio do Saturno V foi construído pela North American Aviation e enviado à NASA sem que tivesse sido testado, que era uma das cláusulas do contrato, devido às limitações de tempo. Porém, a equipe de engenheiros de Wernher von Braun, 11 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto que estava acostumada a projetar, construir e lançar seus próprios foguetes na Alemanha na década de 40, desmontou e remontou completamente o segundo estágio para assegurar a confiabilidade. Esse foi um expediente extremamente caro e resultou no atraso do cronograma de produção do foguete, quase o levando a uma paralisação. Quando isso aconteceu, o chefe do programa espacial instigou von Braun a desistir da desmontagem, acrescentando que eles teriam que confiar na indústria norte-americana. Wernher von Braun ficou famoso quando migrou para os EUA ao término da Segunda Guerra Mundial e foi trabalhar no setor de desenvolvimento de mísseis balísticos do exército norte-americano. Ele é considerado o pai do primeiro míssil balístico de longo alcance, o V2. Enquanto o projeto corria, um item importante ainda não havia sido definido. Nenhum assunto gerou tanta polêmica dentro da NASA quanto o método de descer na Lua. Havia três abordagens básicas que foram avaliadas para cumprir a missão lunar: 1. Direct Ascent (ascensão direta), por meio da construção de um foguete poderoso o suficiente para descer na superfície lunar e que subisse em seguida. Ou seja, seria uma nave única que realizaria as funções do pouso e da decolagem. O estudo levou a um enorme foguete que teria capacidade de gerar um empuxo de até 200 milhões de Newtons. Mesmo se outros fatores não prejudicassem a possibilidade de ascensão direta, o enorme custo e sofisticação tecnológica do foguete conduziram ao cancelamento desse projeto no início da década de 1960, apesar da simplicidade conceitual do método. Todavia, esse método encontrou poucos defensores quando o planejamento sério da Apollo começou. 2. Earth-Orbit Rendezvous (encontro na órbita da Terra) foi a primeira alternativa lógica à abordagem anterior, a da ascensão direta. Tratava-se do lançamento de vários módulos necessários para a viagem de lua em uma órbita acima da Terra, onde eles se encontrariam; seriam montados em um único sistema, reabastecido, e enviados para a Lua. Isso poderia ser conseguido usando-se o veículo de lançamento Saturno V já em desenvolvimento pela NASA e capaz de gerar um empuxo de 37 milhões de Newtons (nota-se aqui que o veículo lançador já estava sendo desenvolvido, sem que se soubesse ainda qual o tamanho da carga que iria levar). Um componente lógico dessa abordagem foi também o desenvolvimento de uma estação espacial em órbita da Terra para servir como ponto de encontro da missão lunar, montagem e postos de abastecimento. Em parte devido a essa perspectiva, a estação espacial surgiu como parte do planejamento de longo prazo da NASA como um local de partida para a exploração do espaço. Esse método de alcançar a Lua, no entanto, também foi considerado repleto de desafios, principalmente a elaboração de métodos de manobra e encontro no espaço, montagem de componentes em um ambiente sem gravidade e reabastecimento das naves espaciais com segurança. 3. Lunar-Orbit Rendezvous (encontro na órbita da Lua) propôs o envio de todo o conjunto lunar em um único lançamento. Consistia em ir à Lua, entrar em órbita lunar e enviar uma pequena sonda para a superfície lunar. Foi o mais 12 13 simples dos três métodos, tanto em termos de desenvolvimento como de custos operacionais, mas foi considerado o mais arriscado. Esse encontro deveria ocorrer em órbita lunar e não haveria margem para erros. Além disso, algumas das mais difíceis manobras e correções de curso tinham de ser feitas após a nave espacial retornar da Lua. A batalha pela escolha do método se arrastou por vários meses, levando em consideração o custo e o prazo. Enquanto os engenheiros da NASA concebiam o veículo de lançamento, o Saturno V, eles não podiam avançar muito além das concepções rudimentares sem uma decisão acerca do modo de descida. Finalmente, em meados de 1962, um grupo de cientistas acabou convencendo a liderança da NASA de que o melhor método era o do encontro em órbita lunar. O último a aceitar a ideia foi Wernher von Braun e seus associados do Marshall Space Flight Center. Esse grupo era adepto do encontro em órbita da Terra, pois já vislumbravam a oportunidade de projetarem uma estação orbital. Na época do anúncio do projeto Apollo pelo presidente Kennedy em maio de 1961, a NASA ainda estava preocupada com a tarefa de colocar um norte- americano em órbita por meio do projeto Mercury. O primeiro voo espacial de um astronauta, feita por Alan B. Shepard, tinha sido adiado por semanas para que os engenheiros da NASA pudessem resolver inúmeros problemas e só teve lugar em 5 de maio de 1961, menos de três semanas antes do anúncio do Apollo. O segundo voo, uma missão suborbital, lançado em 21 de Julho de 1961, também teve problemas: a escotilha da cápsula Mercury, chamada Liberty Bell 7, explodiu prematuramente e afundou no Oceano Atlântico antes que pudesse ser recuperada. No processo, o astronauta “Gus” Grissom quase se afogou antes de ser içado para a segurança em um helicóptero. Esses voos suborbitais, no entanto, mostraram- se valiosos para os técnicos da NASA, que encontraram formas de solucionar ou contornar literalmente muitos problemas. O próximo passo foi um voo orbital, protagonizado por John Glenn, em 20 de fevereiro de 1962. Foi o primeiro astronauta norte-americano a circundar a Terra, fazendo três órbitas em sua nave Mercury Friendship 7. O voo teve seus problemas: Glenn voou parte das duas últimas órbitas manualmente por causa de uma falha do piloto automático e também parte do escudo térmico da nave se soltou, quase causando a perda da missão. Porém, o voo de Glenn elevou a autoestima nacional na corrida espacial. Três outros voos bem sucedidos do projeto Mercury tiveram lugar em 1962 e 1963. O mais importante aconteceu em maio de1963, com o voo de Gordon Cooper, que circundou a Terra 22 vezes em 34 horas. O programa tinha sido bem sucedido no cumprimento de sua finalidade: a órbita com sucesso de um ser humano no espaço, explorar aspectos de monitoramento e controle, e conhecer os problemas da ausência da gravidade terrestre. Mesmo com o sucesso do programa Mercury, a NASA percebeu que havia ainda muitas questões a serem respondidas. Por exemplo, como acoplar duas naves em órbita no espaço? Também não conheciam a capacidade dos astronautas 13 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto de trabalharem fora de suas cápsulas e precisavam de maiores informações sobre o comportamento biológico do ser humano em longas jornadas no espaço. Para ganhar experiência nessas áreas antes do lançamento das naves Apollo, a NASA então concebeu o projeto Gemini. Tratava-se de uma nave maior que a cápsula Mercury e podia acomodar dois astronautas em períodos de mais de duas semanas. A Gemini foi também pioneira na utilização de células de combustível em vez de utilizar baterias para suprir a energia das naves. O eixo centraldesse programa era aperfeiçoar as técnicas de aproximação e acoplagem entre duas naves. No entanto, o programa teve muitos problemas: o lançador oscilava demais durante a subida, as células de combustível vazavam no espaço, etc. Todas essas dificuldades elevaram o custo do programa de US$ 350 milhões para mais de US$ 1 bilhão. Porém, os resultados foram satisfatórios. Até o final de 1963 a maioria das dificuldades havia sido resolvida e os voos começaram a fluir. Em junho de 1965, Edward White permaneceu no espaço por quatro dias e realizou a primeira atividade fora da cápsula. Mais oito missões aconteceram até novembro de 1966. O banco de dados obtido pelo projeto Gemini ajudou a diminuir a distância entre o projeto Mercury e o que seria necessário para completar a Apollo dentro das limitações de tempo estipuladas. Além da necessidade de adquirir as habilidades necessárias para manobrar no espaço, a NASA teve que aprender muito mais sobre a própria Lua para garantir que seus astronautas iriam sobreviver. Eles precisavam conhecer a composição e a geografia da Lua, bem como a natureza da superfície lunar. Seria a superfície sólida o suficiente para suportar uma nave ou havia muita poeira que poderia engolir a nave espacial? Será que os sistemas de comunicação funcionariam na Lua? Será que outros fatores - geologia, geografia, radiação, etc.- afetariam os astronautas? Para responder a essas perguntas, três programas de investigação distinta por satélite foram empreendidos para estudar a Lua. O primeiro deles foi o projeto Ranger, que na verdade havia sido iniciado na década de 1950, em resposta à exploração lunar soviética, mas tinha sido um fracasso notável até meados dos anos 1960, quando três sondas fotografaram a superfície lunar antes de colidir com ela. O segundo projeto foi o Lunar Orbiter, um programa aprovado em 1960 para colocar sondas em órbita ao redor da Lua. Esse projeto não se destinava inicialmente a apoiar o programa Apollo, mas foi reconfigurado em 1962 e 1963 para realizar o mapeamento da superfície lunar. Além de uma câmera poderosa que poderia enviar fotografias para estações de monitoramento da Terra, essa sonda realizou três experimentos científicos: prospecção geodésica lunar, detecção de meteoritos e medição de radiação. A NASA lançou cinco satélites Lunar Orbiter entre agosto de 1966 e agosto de 1967, e todos conseguiram atingir os seus objetivos. Na altura da terceira missão, os cientistas do projeto Apollo anunciaram que já possuíam dados suficientes para avançar, visando um pouso de astronauta. E finalmente, em 1961, a NASA criou o projeto Surveyor, cujas sondas possuíam a capacidade de pousar na Lua e podiam tirar fotografias pós-pouso e executar uma variedade de outras medições. Das sete sondas lançadas, somente cinco tiveram êxito: a Surveyor 1 pousou na Lua em junho de 1966 e transmitiu mais de 10.000 14 15 fotografias de alta qualidade da superfície; a Surveyor 3 realizou medições da composição da crosta lunar e leituras sobre a refletividade térmica e radar do solo; e as três restantes, 5, 6 e 7, foram enviadas até 1968 e renderam dados científicos significativos tanto para o projeto Apollo como para a comunidade científica. A NASA herdou a capacidade para desenvolver a família de foguetes lançadores Saturno (utilizados para levar a Apollo à Lua) em 1960, quando adquiriu a Agência de Mísseis Balísticos do Exército, cujo engenheiro chefe era Wernher von Braun. Alimentados por uma combinação de oxigênio líquido (LOX) e RP-1 (uma versão do querosene), o foguete Saturno I poderia gerar um empuxo de um milhão de Newtons. Tratava-se do mesmo conceito utilizado por von Braun em seu míssil balístico V-2, desenvolvido durante a Segunda Guerra. Esse grupo de engenheiros também trabalhou em um segundo foguete, conhecido como Centauro, que usava uma mistura de combustível revolucionário de LOX e hidrogênio líquido, que poderia gerar uma força de propulsão maior ainda. Embora este último combustível tivesse maior poder de propulsão, era, por outro lado, extremamente volátil e não podia ser facilmente manipulado. Mas, em contrapartida, poderia produzir um adicional de 450.000 Newtons de empuxo e acabou sendo o combustível escolhido para o segundo estágio do foguete. O Saturno I era apenas um veículo de pesquisa e desenvolvimento que iria levar a Apollo ao espaço, e foram realizados dez lançamentos entre outubro de 1961 e julho de 1965. O próximo passo no desenvolvimento do Saturno veio com a maturação do Saturno I-B, uma versão atualizada do veículo anterior. Com motores mais potentes, gerando 8 milhões de Newtons de empuxo no primeiro estágio, a combinação de dois estágios poderia colocar 30 toneladas de carga útil em órbita da Terra. O primeiro voo ocorreu em fevereiro de 1966 para testar a cápsula Apollo em um voo suborbital. Em seguida, houve um hiato de mais de um ano até que, em janeiro de 1968, ocorreu o lançamento de um Saturno I-B, levando a cápsula Apollo e um módulo de pouso lunar a bordo para o teste orbital. O primeiro voo tripulado do Saturno I-B teve lugar em Outubro 1968, quando Walter Schirra, Donn Eisele, e R. Walter Cunningham realizaram 163 órbitas testando a Apollo. O maior veículo lançador dessa família, o Saturno V, representou o ponto culminante desses programas de desenvolvimento de lançadores. Medindo mais de 110 metros de altura, com três estágios; esse foi o veículo que iria levar astronautas à Lua e retorná-los em segurança à Terra. O primeiro estágio gerava 37 milhões de Newtons de empuxo por intermédio de cinco enormes motores desenvolvidos para o sistema. Esses motores, conhecidos como F-1, foram algumas das realizações de engenharia mais significativas do programa, que requereram o desenvolvimento de novas ligas e técnicas de construção para resistir a condições extremas de calor e choque durante a partida. O segundo estágio apresentou enormes desafios para os engenheiros da NASA e quase causou o cancelamento do projeto. Composta por cinco motores que queimavam LOX e hidrogênio líquido, juntos poderiam entregar 5 milhões de Newtons de empuxo. Seu desenvolvimento estava constantemente atrasado no cronograma, e exigiu atenção firme e financiamento adicional para 15 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto garantir sua conclusão dentro do prazo previsto. O desenvolvimento do primeiro e do terceiro estágio do Saturno V avançou de forma relativamente suave. O terceiro estágio foi uma versão ampliada e melhorada do I-B, e teve poucas complicações durante o seu desenvolvimento. Apesar de tudo isso, o maior problema no desenvolvimento do Saturno V não foi tecnológico, mas sim o choque de filosofias durante seu desenvolvimento e testes. A equipe de von Braun tinha feito contribuições tecnológicas importantes e gostava da aclamação popular como resultado das práticas de engenharia conservadoras que utilizavam. Eles adotavam abordagens minuciosamente incrementais em relação a testes e verificações; testavam cada componente de cada sistema individualmente e, em seguida, partiam para uma longa série de testes em solo. Em seguida, eles pretendiam lançar cada estágio individualmente antes de montar todo o conjunto. Embora essa prática assegurasse a evolução com bastante rigor, era cara e demorada, e a NASA não tinha cacife para bancá-la. Assim, o chefe do Escritório de Voos Tripulados da NASA, em desacordo com essa abordagem, defendeu o que chamou de conceito “all-up”, no qual todo o sistema Apollo-Saturno deveria ser testado em conjunto em voo, sem outros testes preliminares. E assim aconteceu. Seguindo essa filosofia, foi realizado o primeiro lançamento de teste do Saturno V em novembro de 1967, em um voo não tripulado com toda a combinação Apollo-Saturno. Um segundo teste se seguiu em abril de 1968, e apesar de ter sido apenas parcialmente bem sucedido, não interrompeu o cronograma. Nesse voo, um dos motores do segundo estágio desligou-se prematuramentee o terceiro estágio – aquele que carregaria a Apollo até à Lua – falhou. Com relação ao motor que se desligou, uma investigação mostrou que os cabos de comando de dois dos motores haviam sido trocados durante a montagem, causando o desligamento prematuro do motor. A providência tomada foi a construção de cabos de comando de tamanhos diferentes, de forma que só se encaixariam nas posições corretas. Resolvido o problema, o próximo voo seria tripulado. Houve várias discussões acerca da confiabilidade do foguete, mas depois de muita conversa a direção da agência decidiu apostar na equipe e prosseguir. A aposta deu certo: no total, foram realizados 17 voos de teste e 15 voos tripulados, levando a família Saturno a marcar 100 % de aproveitamento em confiabilidade nos voos tripulados. A nave espacial Apollo Uma vez que o método de descida na Lua foi decidido, passou-se ao detalhamento. A ideia que surgiu foi um sistema modular, constituído de quatro unidades: um módulo de comando com capacidade para três pessoas capazes de sustentar a vida humana por duas semanas ou mais em uma órbita da Terra ou em uma trajetória lunar; um módulo de serviço que transportasse oxigênio, combustível, instrumentos, foguetes, células de combustível e outros equipamentos descartáveis 16 17 e de suporte à vida, que poderia ser descartado antes da reentrada na atmosfera terrestre; um sistema propulsor ligado ao módulo de serviço para desacelerar a nave antes da reentrada; e, finalmente, um sistema de escape (em caso de falha durante o lançamento) que seria descartado antes do módulo entrar em órbita. O módulo de comando, que possuía formato de uma gota d’água, possuía duas escotilhas, sendo uma no lado de entrada e saída da equipe em solo terrestre e uma no nariz, dotada de um colar de acoplamento para utilização no espaço. Figura 2 – Nave Apollo, como era montada no topo do foguete. Fonte: Wikimedia Commons. O desenvolvimento da nave espacial Apollo começou em novembro de 1961, quando foi assinado o contrato com a North American, e terminou em outubro 1968, quando o último voo de teste ocorreu. Vários testes foram realizados, tanto em terra como no espaço, com voos não tripulados, até o final de 1966, quando os líderes da NASA declararam o módulo de comando da Apollo pronto para ser utilizado com astronautas. O último voo da nave espacial antes da ida à Lua ocorreu em 11-22 de outubro de 1968, tendo três astronautas a bordo. Mas nem tudo correu como planejado. Durante a etapa de desenvolvimento, uma tragédia se abateu sobre o programa Apollo. Em 27 de Janeiro de 1967, o então denominado programa Apollo-Saturno (AS) 204, programado para ser o primeiro voo espacial com astronautas a bordo da cápsula, estava na plataforma de lançamento no Centro Espacial Kennedy, na Flórida, executando testes de simulação. Estavam a bordo três astronautas que iriam voar nessa missão - “Gus” Grissom, Edward White e Roger Chaffee. Depois de várias horas de trabalho, ocorreu um incêndio no interior da nave e a atmosfera de oxigênio puro favoreceu a queima, matando os três astronautas por asfixia. A equipe de solo levou cinco minutos para abrir a escotilha. Quando o fizeram, encontraram os três corpos. Embora outros três astronautas tenham morrido anteriormente - todos em acidentes aéreos - essas foram as primeiras mortes diretamente atribuídas ao programa 17 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto espacial. O choque consternou a NASA e a nação durante os dias que se seguiram. Foram feitas investigações acerca do acidente e descobriram que o fogo havia sido causado por um curto-circuito no sistema elétrico, que acabou incendiando diversos materiais combustíveis na nave espacial, alimentado por uma atmosfera rica em oxigênio. Eles também descobriram que o acidente poderia ter sido evitado caso fossem feitas várias modificações na nave, tal como melhoria na abertura da escotilha e utilização de uma atmosfera menos rica em oxigênio. Essas alterações foram rapidamente implementadas, e dentro de pouco mais de um ano ela estava pronta para o primeiro teste em voo. Esse acidente na AS 204 levou a uma mudança de decisões na NASA. Até então, a orientação era dar bastante liberdade de ação para os especialistas e supervisionar seu trabalho a distância. Esse era o modelo tecnológico idealizado pela cúpula da agência, mas que se mostrou inadequado. Após o acidente, essa orientação foi alterada, com a direção da NASA passando a ter maior autonomia nas decisões. Como resultado, os diretores do programa passaram a ter menos simpatia por parte de seus comandados. O fracasso do modelo tecnológico para resolver problemas acabou se tornando um antecipador importante de uma tendência que estaria cada vez mais presente na cultura americana, posteriormente, em que a tecnologia foi responsabilizada por um bom número de males concedidos à sociedade. O módulo lunar Se o veículo de lançamento Saturno V e a nave Apollo eram desafios tecnológi- cos difíceis, a terceira parte do aparato para o pouso na Lua, o módulo lunar, re- presentava o problema mais grave. Começando um ano mais tarde do que previsto inicialmente, o módulo lunar estava permanentemente atrasado no cronograma e acima do orçamento. Grande parte dos problemas estava relacionada com a ques- tão da construção de duas partes separadas da nave espacial - uma para a descida até a Lua e uma para a subida de volta para o módulo de comando, que ficaria em órbita da Lua. Ambos os motores teriam que funcionar perfeitamente, caso con- trário existiria uma grande possibilidade de que os astronautas não voltassem para casa. A orientação, capacidade de manobra e controle da nave espacial não cau- saram tantas dores de cabeça. O veículo final teria que possuir uma estrutura leve e resistente a choques. Foi apresentado um projeto de um veículo em que dois as- tronautas teriam que voar em pé. Em novembro de 1962, a Grumman Aerospace Corp. assinou o contrato com a NASA para produzir o módulo lunar e iniciou ime- diatamente os trabalhos. Em janeiro de 1968, o módulo fez seu primeiro voo e foi considerado pronto para entrar em operação. 18 19 Figura 3 – O módulo lunar Fonte: Wikimedia Commons. 19 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto Após uma missão orbital tripulada para testar a nave Apollo em outubro de 1968, em dezembro desse ano a Apollo 8 decolou no topo de um lançador Saturno V a partir do Centro Espacial Kennedy, com três astronautas a bordo - Frank Borman, James A. Lovell, Jr. e William A. Anders - para a missão de orbitar a Lua. Inicialmente, essa missão havia sido planejada para testar o conjunto Apollo numa órbita baixa relativamente segura da Terra, mas alguns engenheiros haviam pressionado a direção para torná-la um voo orbital lunar. As vantagens disso poderiam ser importantes, tanto no conhecimento técnico e científico adquirido, como em uma demonstração pública acerca do que os EUA poderiam atingir. Até aquele momento, a Apollo tinha sido apenas uma promessa; com o lançamento da Apollo 8, no entanto, as coisas começaram a mudar. Em novembro de 1968, a agência reconfigurou a missão para uma viagem lunar. Após circundar a Terra uma vez e meia, a Apollo 8 iniciou sua viagem à Lua. Foi a primeira vez na história que a humanidade via pela televisão as transmissões internas da cabine e a visão da própria Terra, que se distanciava em uma viagem de quase 400.000 km. A nave chegou à Lua na véspera de Natal e iniciou o retorno à Terra no dia seguinte, pousando no Oceano Pacífico em 27 de dezembro. Foi uma realização enormemente significativa, que veio em um momento em que a sociedade americana estava em crise com o Vietnã, com relações raciais, com problemas urbanos, e uma série de outras dificuldades. Mais duas missões Apollo ocorreram antes do clímax do programa, mas elas fizeram pouco mais do que confirmar que havia chegado o momento de um pouso lunar. Então veio o grande evento: a Apollo 11 decolou em 16de julho de 1969, e após a confirmação de que tudo estava funcionando bem, os astronautas iniciaram a viagem de três dias à Lua. Em 20 de julho de 1969, o módulo lunar - com os astronautas Neil A. Armstrong e Edwin E. Aldrin - aterrissou na superfície lunar, enquanto Michael Collins orbitava a Lua no módulo de comando da Apollo. O primeiro a sair da nave foi Neil Armstrong, em transmissão direta pela televisão. Aldrin logo o seguiu, e os dois caminhavam ao redor do local de pouso, em uma gravidade equivalente a 1/6 à da Terra. Colheram amostras de solo e rochas e levaram a cabo alguns experimentos científicos. No dia seguinte, subiram de volta para a cápsula Apollo em órbita e iniciaram a viagem de volta para a Terra, descendo no oceano Pacífico em 24 de Julho. Esse voo reacendeu a emoção sentida no início de 1960 com John Glenn e os astronautas do Mercury. Na esteira da Apollo 11, em particular, seguiu-se uma reação de êxtase, com palestras, vídeos e exposições de fotos e das pedras do solo lunar, em várias partes do planeta. Mais cinco missões de pouso aconteceram em intervalos de aproximadamente seis meses, até dezembro de 1972, a cada uma delas aumentando o tempo gasto na Lua. Nas três últimas missões Apollo os astronautas utilizaram um veículo lunar para se locomoverem mais longe do local de pouso, mas nenhum deles igualou as emoções da Apollo 11. Os experimentos científicos realizados na Lua e as amostras 20 21 de solo lunar trazidas pelos astronautas da Apollo forneceram grande quantidade de informação acerca das investigações do Sistema Solar pelos cientistas desde então. O retorno científico foi significativo, mas o programa Apollo não respondeu à antiga questão acerca da origem do ser humano. Apesar do sucesso das outras missões, apenas a Apollo 13, lançada em 11 de abril de 1970, chegou perto de igualar o interesse popular anterior. Mas isso ocorreu porque, após 56 horas de voo, um tanque de oxigênio no módulo de serviço de Apollo rompeu e danificou alguns dos sistemas de energia e de suporte à vida. As pessoas em todo o mundo assistiram pela televisão e acompanhavam, juntamente com o pessoal da NASA, o desdobramento da situação. A NASA trabalhou intensamente para encontrar uma maneira de trazer os astronautas com vida à Terra. Os engenheiros da NASA rapidamente chegaram à conclusão de que não existiria ar, água e eletricidade em quantidade suficiente na cápsula Apollo para sustentar os três astronautas até que pudessem retornar à Terra. Eles então recorreram ao módulo lunar como tábua de salvação, a qual poderia fornecer suporte à vida para a viagem de regresso. Eles conseguiram: a tripulação retornou em segurança em 17 de Abril de 1970. Esse desastre uma vez mais serviu para que fossem observados mais de perto pontos nevrálgicos que pudessem ter influência na segurança dos astronautas. O legado do projeto De um modo geral, o Projeto Apollo mostrou que o empenho e a reunião de esforços – científicos, tecnológicos e financeiros – poderiam resultar (como acabaram resultando) em um sucesso comprovado, mesmo considerando a natureza arriscada do empreendimento. Os EUA conseguiram atingir seu objetivo político, ao se antecipar à União Soviética na questão espacial. A humanidade também ganhou um enorme conhecimento espacial, em que as leis da física foram postas à prova e de forma controlada. A empreitada custou aos cofres públicos a bagatela de US$ 25,4 bilhões (cerca de US $ 95 bilhões, em dólares de 1990), com apenas a construção do Canal do Panamá rivalizando com o tamanho do programa Apollo como o maior esforço tecnológico não militar já realizado pelos Estados Unidos. Na área militar, somente o Projeto Manhattan para construir a primeira bomba atômica na Segunda Guerra Mundial foi comparável ao projeto Apollo. Existem vários legados importantes (ou conclusões) sobre o Projeto Apollo que precisam ser lembrados. Em primeiro lugar, conforme descrito anteriormente, o programa foi levado a cabo para elevar a autoestima do país, fato que se consumou. Em segundo lugar, o projeto Apollo foi um triunfo da gestão de sistemas de engenharia extremamente difíceis, desafios tecnológicos e requisitos de integração organizacional. Os administradores da NASA, no auge do programa entre 1961 e 1968, sempre sustentaram que a Apollo era muito mais um exercício de gestão do 21 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto que qualquer outra coisa, e que o desafio tecnológico, ao mesmo tempo sofisticado e impressionante, foi em grande parte superado ao longo do tempo. Foi mais difícil assegurar que essas competências tecnológicas fossem devidamente geridas e utilizadas. A NASA teve que adquirir e organizar recursos sem precedentes para realizar a tarefa. Tanto do ponto de vista político como tecnológico, a gestão era crítica. Depois de sete anos após a decisão de iniciar o projeto Apollo, em outubro de 1968 os diretores da NASA foram a Washington para renegociar recursos para atender aos requisitos do projeto. Pode-se dizer que o gerenciamento de sistemas do programa foi fundamental para o sucesso da Apollo. Compreender a gestão de estruturas complexas para a conclusão bem sucedida de uma tarefa multifacetada foi uma consequência fundamental nesse caso. Em terceiro lugar, o Projeto Apollo forçou os povos do mundo a enxergar o planeta com outros olhos. A Apollo 8 foi fundamental para essa mudança, uma vez que trouxe ao mundo as primeiras fotos da Terra vista de longe. O movimento ambientalista moderno foi galvanizado em parte por essa nova percepção do planeta, surgindo a necessidade de protegê-lo e dar suporte à vida. Finalmente, o programa Apollo deixou um grande legado para a NASA e para a comunidade aeroespacial. Foi considerado como a “era de ouro” da agência, quando os recursos financeiros fluíam com facilidade. Também se tornou uma espécie de alavanca para o projeto de futuras missões de exploração espacial, sejam elas de iniciativa privada ou públicas. Porém, uma coisa que a maioria dos funcionários da NASA não entendia na época do pouso na Lua em 1969 foi que a Apollo não tinha sido conduzida sob circunstâncias políticas normais e que as circunstâncias excepcionais do projeto não seriam repetidas. O projeto Apollo foi, portanto, uma anomalia no processo de tomada de decisão governamental. Desde então, o dilema da “era de ouro” da Apollo tem sido difícil de superar. 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Acervo fotográfico do projeto Apollo está disponível online Acervo com mais de 8.000 fotos disponibilizadas pela NASA acerca do projeto Apollo: REVISTA GALILEU. Acervo fotográfico do projeto Apollo está disponível online. Acesso em: 26 jul. 2016. http://goo.gl/mbpG8D Project Apollo Archive Fotos do projeto Apollo: FLICKER. Project Apollo archive. Acesso em: 26 jul. 2016. https://goo.gl/dpXWcd Nasa disponibiliza na Internet todas as fotos do homem na Lua Vídeo com fotos do projeto Apollo disponibilizado pela NASA: EL PAÍS. Nasa dis- ponibiliza na Internet todas as fotos do homem na Lua. Acesso em: 26 jul. 2016. http://goo.gl/8bPIMa About Project Mercury O programa Mercury : NASA. About Project Mercury. Acesso em: 26 jul. 2016. https://goo.gl/BfOtSi What Was the Gemini Program? O pr ograma Gemini: NASA. What was the Gemini Program? Acesso em: 26 jul. 2016. http://goo.gl/3qDxj1 23 UNIDADE Anatomia de um Grande Projeto Referências AIR AND SPACE. The Apollo program. Disponível em: <https://airandspace. si.edu/explore-and-learn/topics/apollo/apollo-program/>. Acesso em: 26 jul. 2016. APOLLO ARCHIVE. The project Apollo archive. Disponível em: <http://www. apolloarchive.com/>. Acesso em: 26 jul. 206. NASA. The Apollo missions. Disponível em: <http://www.nasa.gov/mission_ pages/apollo/missions/index.html>. Acesso em: 26 jul. 2016. RAMOS, Ademilson. Saturno V: o foguete mais potente que a humanidade já viu. Disponível em: <http://engenhariae.com.br/curiosidades/saturno-v-o-foguete-mais-potente-que-a-humanidade-ja-viu/>. Acesso em: 26 jul. 2016. VANDENBURG, W. H., and KHAN, N. (1994). How Well is Engineering Education Incorporating Societal Issues. Journal of Engineering Education 83: 357-61. 24