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Autoras: Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Profa. Sandra Heloísa Nunes Messias Colaboradores: Prof. Flavio Buratti Gonçalves Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Farmacologia Aplicada à Biomedicina Professoras conteudistas: Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão / Sandra Heloísa Nunes Messias Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Graduada em 2002 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Ciências Biológicas – Modalidade Médica. Mestre (2005) e doutora (2009) em Ciências, com ênfase em Farmacologia, pela Unifesp e licenciada em Química pelas Faculdades Oswaldo Cruz (2011). É professora titular da UNIP desde 2010, onde leciona disciplinas como Análise Físico-Química, Bases Analíticas do Laboratório Clínico, Embriologia e Farmacologia para os cursos de Biomedicina, Enfermagem e Nutrição. Também ministrou a disciplina de Farmacologia para o curso de Medicina do Centro Universitário São Camilo (2010-2011). É coordenadora auxiliar do curso de Biomedicina da UNIP, campus Chácara Santo Antônio, desde 2011. Na mesma instituição, foi membro do Comitê de Ética no período de 2011 a 2017 e, desde 2012, atua na Comissão de Qualificação das Avaliações (CQA). Sandra Heloísa Nunes Messias Biomédica graduada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mestre em Farmacologia pela mesma instituição e doutora em Patologia Ambiental e Experimental da Universidade Paulista (UNIP). É professora titular de Farmacologia e, atualmente, é coordenadora geral do curso de Biomedicina da UNIP, conselheira honorária do CFBM-CRBM, membro do Comitê de Ética de Pesquisa em Animais da UNIP, do Corpo Editorial do Journal of the Health Sciences Institute – Revista do Instituto de Ciências da Saúde (UNIP) – e do Banco de Avaliadores (BASis) do Inep, e delegada do Conselho Regional de Biomedicina (CRBM-1) na região de Descalvado, em São Carlos. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P314f Patrão, Marília Tavares Coutinho da Costa. Farmacologia Aplicada à Biomedicina / Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão, Sandra Heloísa Nunes Messias. - São Paulo: Editora Sol, 2020. 248 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Farmacologia. 2. Farmacocinética. 3. Farmacodinâmica. I. Patrão, Marília Tavares Coutinho da Costa. II. Messias, Sandra Heloísa Nunes. III. Título. CDU 615 U508.12 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Jaci Albuquerque Sumário Farmacologia Aplicada à Biomedicina APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 FARMACOCINÉTICA ........................................................................................................................................ 11 1.1 Formas farmacêuticas e vias de administração ....................................................................... 14 1.1.1 Vias de administração local ................................................................................................................ 16 1.1.2 Vias de administração sistêmica ....................................................................................................... 17 1.2 Absorção .................................................................................................................................................. 21 1.2.1 Transporte através das membranas biológicas ........................................................................... 22 1.2.2 Características teciduais que influem na absorção dos fármacos ...................................... 24 1.2.3 Influência do pH na absorção dos fármacos ............................................................................... 27 1.2.4 Interações medicamentosas que alteram a absorção dos fármacos ................................. 33 1.3 Distribuição ............................................................................................................................................. 33 1.3.1 Cinética de distribuição dos fármacos ........................................................................................... 36 1.3.2 Interações medicamentosas que alteram a distribuição dos fármacos ........................... 36 1.4 Biotransformação ................................................................................................................................. 37 1.4.1 Reações de fase I ..................................................................................................................................... 39 1.4.2 Reações de fase II ................................................................................................................................... 41 1.4.3 Interações medicamentosas que alteram a biotransformação dos fármacos ............... 41 1.5 Excreção ................................................................................................................................................... 42 1.5.1 Excreção renal .......................................................................................................................................... 43 1.5.2 Excreção biliar .......................................................................................................................................... 44 1.5.3 Outras vias de excreção ........................................................................................................................ 45 1.5.4 Interações medicamentosas que alteram a excreção dos fármacos ................................. 46 1.6 Parâmetros farmacocinéticos de importância na prática clínica ..................................... 46 1.6.1 Concentração máxima (Cmax) ou pico de concentração plasmática ............................... 47 1.6.2 Área sob a curva (AUC) ......................................................................................................................... 47 1.6.3 Tempo de meia-vida plasmática (t1/2) .......................................................................................... 47 1.6.4 Volume de distribuição ......................................................................................................................... 48 1.6.5 Clearance .................................................................................................................................................... 49 2 FARMACODINÂMICA ..................................................................................................................................... 49 2.1 Alvos moleculares da ação de fármacos: enzimas, canais iônicos e proteínas transportadoras ........................................................................................................................51 2.1.1 Enzimas ....................................................................................................................................................... 51 2.1.2 Canais iônicos ........................................................................................................................................... 53 2.1.3 Proteínas transportadoras ................................................................................................................... 54 2.2 Alvos moleculares da ação de fármacos: receptores ............................................................. 55 2.2.1 Receptores ionotrópicos ...................................................................................................................... 56 2.2.2 Receptores enzimáticos ....................................................................................................................... 57 2.2.3 Receptores acoplados à proteína G ................................................................................................. 58 2.2.4 Receptores intracelulares .................................................................................................................... 62 2.2.5 Regulação da atividade dos receptores ......................................................................................... 65 2.3 Farmacologia experimental: estudos da interação fármaco-receptor ........................... 66 3 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO ...................................................................... 72 3.1 Sistema nervoso autônomo: visão geral..................................................................................... 72 3.1.1 Principais características anatômicas ............................................................................................. 73 3.1.2 Principais aspectos da fisiologia do sistema nervoso autônomo ....................................... 74 3.1.3 Neurotransmissores autonômicos: biossíntese e biotransformação ................................. 75 3.1.4 Subtipos de receptores adrenérgicos e muscarínicos .............................................................. 79 3.1.5 Etapas da neurotransmissão autonômica .................................................................................... 81 3.1.6 O mecanismo de retroalimentação negativa e o controle da atividade dos nervos autonômicos ................................................................................................................................. 82 3.1.7 Principais ações do sistema nervoso autônomo ........................................................................ 83 3.2 Farmacologia do sistema nervoso simpático ............................................................................ 85 3.2.1 Simpatomiméticos de ação direta: visão geral ........................................................................... 85 3.2.2 Simpatomiméticos de ação direta: catecolaminas endógenas ............................................ 86 3.2.3 Simpatomiméticos de ação direta: catecolaminas sintéticas............................................... 89 3.2.4 Simpatomiméticos de ação direta: outras monoaminas ........................................................ 91 3.2.5 Simpatomiméticos de ação indireta ou mista ............................................................................ 92 3.2.6 Simpatolíticos de ação direta ............................................................................................................ 93 3.2.7 Simpatolíticos de ação indireta/mista ............................................................................................ 97 4 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO PARASSIMPÁTICO, DO GÂNGLIO E DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR ................................................................................................................... 98 4.1 Farmacologia do sistema nervoso parassimpático ................................................................. 98 4.1.1 Parassimpatomiméticos de ação direta ......................................................................................... 98 4.1.2 Parassimpatomiméticos de ação indireta ...................................................................................103 4.1.3 Parassimpatolíticos de ação direta ................................................................................................106 4.1.4 Parassimpatolíticos de ação indireta ............................................................................................ 110 4.2 Farmacologia do gânglio autonômico e da junção neuromuscular .............................110 4.2.1 Fármacos que atuam sobre o gânglio autonômico ................................................................ 110 4.2.2 Fármacos bloqueadores neuromusculares ................................................................................. 112 4.2.3 Outros fármacos que atuam sobre a junção neuromuscular ............................................. 114 Unidade II 5 FARMACOLOGIA CARDIOVASCULAR E RENAL ..................................................................................120 5.1 Antiarrítmicos e cardiotônicos .....................................................................................................120 5.1.1 Antiarrítmicos ....................................................................................................................................... 122 5.1.2 Cardiotônicos......................................................................................................................................... 125 5.2 Anti-hipertensivos e diuréticos ....................................................................................................129 5.2.1 Fisiopatologia da hipertensão arterial ........................................................................................ 129 5.2.2 Regulação da hipertensão arterial................................................................................................ 130 5.2.3 Fármacos anti-hipertensivos ........................................................................................................... 134 5.2.4 Associações de fármacos no tratamento da hipertensão arterial ................................... 140 6 FARMACOLOGIA DA DOR E DA INFLAMAÇÃO ...................................................................................141 6.1 Mecanismo de transmissão da dor .............................................................................................141 6.2 Papel dos prostanoides na regulação da sensação dolorosa ............................................145 6.3 Atuação de fármacos sobre a transmissão do estímulo doloroso ..................................146 6.4 Anti-inflamatórios não esteroidais (Aines) ..............................................................................147 6.4.1 Mecanismo de ação dos Aines ....................................................................................................... 148 6.4.2 Principais Aines ..................................................................................................................................... 154 6.5 Anti-inflamatórios esteroidais ......................................................................................................155 6.5.1 Mecanismo de ação dos glicocorticoides .................................................................................. 157 6.5.2 Principais glicocorticoides utilizados na clínica .......................................................................161 6.5.3 Principais efeitos adversos ............................................................................................................... 162 6.6 Analgésicos opioides .........................................................................................................................164 6.6.1 Mecanismo de ação dos analgésicos opioides......................................................................... 164 6.6.2 Principaisopioides utilizados na clínica ..................................................................................... 167 6.6.3 Tratamento da sobredosagem e da dependência aos opioides ........................................ 168 6.7 Anestésicos............................................................................................................................................169 6.7.1 Anestésicos locais ................................................................................................................................ 169 6.7.2 Anestésicos gerais .................................................................................................................................171 Unidade III 7 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL .........................................................................178 7.1 Aspectos funcionais ..........................................................................................................................178 7.1.1 Atividade neuronal .............................................................................................................................. 178 7.1.2 Neurotransmissores .............................................................................................................................181 7.1.3 Relação entre as disfunções na neurotransmissão e as patologias do SNC ................ 185 7.2 Fármacos de ação central ...............................................................................................................185 7.2.1 Ansiolíticos, sedativos e hipnóticos .............................................................................................. 186 7.2.2 Antidepressivos ..................................................................................................................................... 189 7.2.3 Estabilizadores do humor ................................................................................................................. 196 7.2.4 Neurolépticos ........................................................................................................................................ 197 7.2.5 Anticonvulsivantes ...............................................................................................................................201 7.2.6 Antiparkinsonianos ............................................................................................................................. 203 7.2.7 Tratamento da doença de Alzheimer ........................................................................................... 206 8 FARMACOLOGIA DO SISTEMA ENDÓCRINO .......................................................................................208 8.1 Mecanismos de ação hormonal ...................................................................................................209 8.2 O eixo hipotálamo-hipófise e a secreção hormonal ............................................................211 8.2.1 O eixo hipotálamo-hipófise-tireoide ............................................................................................212 8.2.2 O eixo hipotálamo-hipófise-testículo ..........................................................................................216 8.2.3 O eixo hipotálamo-hipófise-ovários .............................................................................................221 9 APRESENTAÇÃO A presente disciplina tem como objetivo estudar os aspectos básicos da farmacocinética e da farmacodinâmica aplicados aos principais fármacos de uso terapêutico e experimental, com enfoque nas alterações fisiológicas que eles provocam. Este livro-texto foi elaborado de modo a apresentar, inicialmente, os conceitos relativos à cinética do fármaco no organismo (que compreende as etapas de absorção, distribuição, biotransformação e excreção) e a ação do fármaco em alvos moleculares específicos, o que explica os mecanismos pelos quais ocorrem os efeitos terapêuticos e adversos dessas substâncias. Em seguida, serão abordados os fármacos que atuam sobre o sistema nervoso autônomo e sobre o sistema nervoso somático (junção neuromuscular), o que é de extrema importância, visto que o sistema nervoso autônomo regula o funcionamento de virtualmente todos os órgãos e tecidos do organismo, e o sistema nervoso somático, a atividade do músculo voluntário. Na sequência, iremos estudar a ação de fármacos sobre os principais órgãos e sistemas. Serão abordados os fármacos que atuam sobre o sistema cardiovascular (antiarrítmicos, cardiotônicos e anti-hipertensivos) e renal (diuréticos), sobre a dor e a inflamação (anti-inflamatórios, analgésicos simples, anestésicos locais e gerais e analgésicos opioides), sobre o sistema nervoso central (ansiolíticos, antidepressivos, antipsicóticos, antiparkinsonianos e anticonvulsivantes, além do tratamento do mal de Alzheimer e do transtorno bipolar) e sobre o sistema endócrino (fármacos que atuam sobre a tireoide e sobre os órgãos sexuais masculinos e femininos). Durante o seu estudo, é importante ficar atento às seguintes informações: • Qual o mecanismo de ação do fármaco? • Como eu explicaria sua ação terapêutica? • Quais os principais efeitos adversos e como posso explicá-los? Ao final da disciplina, esperamos que você esteja familiarizado com o uso de diferentes fármacos, tanto na terapêutica como na experimentação. Bom estudo! INTRODUÇÃO De acordo com Katzung (2017), a farmacologia é a ciência que estuda os fármacos (do grego pharmacon – fármaco e logos – estudo). Em um sentido amplo, estuda a interação entre substâncias químicas e os sistemas orgânicos. No campo da farmacologia, qualquer substância química que possa produzir uma resposta biológica num organismo vivo é considerada um fármaco. 10 Observação O termo droga é utilizado por alguns autores para designar as substâncias farmacologicamente ativas. O uso desse termo não é recomendado, devendo ser utilizada a designação fármaco. A farmacologia é uma ciência que integra o conhecimento de diferentes áreas (como a bioquímica, a fisiologia e a patologia) e abordagens diversas a respeito dos fármacos. A partir do estudo da ação das substâncias no organismo, é possível explorar não só alternativas terapêuticas, mas também aspectos da fisiologia que são elucidados através do estudo da interação de diferentes substâncias com os sistemas orgânicos. Há divisões teóricas da farmacologia, dependendo do aspecto a ser estudado. A farmacocinética estuda o caminho percorrido pelo fármaco no organismo vivo, desde sua administração até sua completa eliminação. A farmacodinâmica estuda o local e o mecanismo de ação, ações e efeitos, efeitos terapêuticos e efeitos tóxicos dos fármacos. A farmacoterapêutica refere-se à orientação do uso dos medicamentos para prevenção, tratamento e diagnósticos das enfermidades. A farmacognosia estuda a origem, as características, a estrutura e a composição química dos fármacos no seu estado natural e na forma de extratos. A farmacologia clínica preocupa-se com os padrões de eficácia e segurança da administração de medicamentos aos animais ou seres humanos, comparando informações obtidas na população saudável com as obtidas na população doente. Outras subáreas têm surgido nos últimos anos (imunofarmacologia, farmacogenômica, entre outras), em função dos avanços biotecnológicos na área biomédica. 11 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Unidade I 1 FARMACOCINÉTICA O estudo das ações dos produtos naturais sobre o organismo tem suas origens nos primórdios da humanidade, desde quando o homem começou a usar substâncias obtidas na natureza com finalidades medicinais, ou até mesmo visando efeitos nocivos. No entanto, foi somente a partir de meados do século XIX que a farmacologia se consolidou como ciência, como consequência da evolução de outras áreas afins de conhecimento (fisiologia, patologia, bioquímica etc.). Desde então, os fármacos têm sido purificados, caracterizados quimicamente e atémesmo sintetizados em laboratório. Até o momento, desenvolveu-se uma ampla variedade de novos fármacos altamente potentes e seletivos, cujo mecanismo de ação, na maioria das vezes, já foi elucidado. Esse conjunto de informações faz da farmacologia a espinha dorsal da terapêutica racional. Os principais termos utilizados no estudo da farmacologia estão listados a seguir: • Fármaco é qualquer substância ou produto que é usado ou se destina a ser usado para modificar ou explorar sistemas fisiológicos ou estados patológicos. Em outras palavras, os fármacos são substâncias químicas que, ao interagirem com alvos específicos presentes nas células, são capazes de promover alterações das funções fisiológicas pré-existentes. Existem fármacos que são usados como parte da terapêutica de diferentes doenças, enquanto outros apresentam importância puramente experimental. O termo princípio ativo é um sinônimo de fármaco. • Medicamento refere-se ao fármaco (princípio ativo) ou à associação de fármacos que apresentam alguma aplicação terapêutica e/ou diagnóstica, ou seja, destinadas a curar, diminuir, prevenir ou diagnosticar enfermidades. • Remédio é um termo usado para todos os agentes que curam, aliviam ou evitam uma enfermidade, usado de forma abrangente não só para substâncias químicas (fármacos), como também para agentes físicos (massagens, duchas etc.). • Placebo é toda e qualquer substância sem propriedades farmacológicas que é administrada a pessoas ou grupo de pessoas como se tivesse propriedades terapêuticas. O placebo não contém os princípios ativos e é elaborado de forma a ter a aparência exata de um medicamento real, porém é constituído somente de substâncias químicas inativas (como o amido, o açúcar e outros excipientes). Como as pessoas às quais foi administrado o placebo não o sabem, algumas sentem- se melhor e outras chegam até a apresentar efeitos adversos, pois estão sugestionadas a acreditar que estão recebendo uma substância farmacologicamente ativa. Na atualidade, o placebo só pode ser utilizado na pesquisa clínica, que é o estudo da ação de novos medicamentos sobre voluntários saudáveis e doentes e, mesmo assim, com ressalvas. 12 Unidade I De acordo com Fregnani (2015), no processo de desenvolvimento de um novo medicamento, os pesquisadores realizam estudos para compará-lo com o medicamento de escolha já disponível comercialmente. Na ausência de terapia medicamentosa já estabelecida, a comparação é feita com o placebo. Geralmente, metade dos participantes do estudo recebem o novo medicamento e os demais recebem um placebo, de aspecto idêntico. Idealmente, nem os participantes e nem os investigadores devem saber quem recebeu o medicamento e quem recebeu o placebo (esse tipo de estudo chama-se estudo duplo-cego). Quando o estudo é concluído, todas as alterações observadas nos participantes dos dois grupos são comparadas e, para que se justifique seu uso, o novo medicamento deve ter um desempenho substancialmente melhor do que o placebo ou do que o medicamento já comercializado para tratar a doença. • Forma farmacêutica corresponde ao conjunto de características físicas (apresentação) e químicas (composição) do medicamento. É comum um medicamento ser preparado com o mesmo princípio ativo e apresentar doses e formas diferentes. Por exemplo, o Diazepam é comercializado em dosagem de 5 mg e de 10 mg em comprimidos e ampolas. Nesse caso, as formas farmacêuticas são: comprimidos e ampolas. No preparo de uma forma farmacêutica, os fabricantes incorporam excipientes (“veículos” para o princípio ativo), que têm como função aumentar o volume do medicamento, melhorar o seu visual e sabor (por meio de revestimentos e corantes) e também definir o padrão de liberação do princípio ativo, para que ele seja absorvido. Além disso, eles também ajudam a conservar o medicamento. Os medicamentos geralmente têm vários nomes. Para melhor entendermos essa nomenclatura, vamos descrever brevemente como é feito o processo de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos. A primeira etapa consiste na descoberta de um composto (substância química) com atividade sobre um organismo vivo. Nessa etapa, o fármaco recebe um nome químico, que descreve sua estrutura atômica ou molecular. O nome químico é geralmente muito complexo para uso geral. Na segunda etapa é feito o estudo pré-clínico, que inclui testes in vitro para avaliação das propriedades biológicas das moléculas ativas e também testes in vivo em animais para avaliação da farmacocinética e farmacodinâmica da substância química. É frequente nessa etapa já o uso de uma versão abreviada do nome químico ou um nome em código (por exemplo, PN200110) para facilitar a referência entre os pesquisadores. Na terceira e última etapa do processo, denominada estudo clínico, são realizados estudos em humanos. Esses estudos, de acordo com Rang (2011), são divididos em quatro fases: • Fase 1: o medicamento é testado em voluntários saudáveis. São testadas diferentes vias de administração e doses, e o padrão de absorção e de excreção do fármaco (perfil farmacocinético) é estabelecido. 13 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA • Fase 2: envolve estudos em um pequeno número de pessoas que têm a doença contra a qual o medicamento possivelmente é eficaz. • Fase 3: uma quantidade maior de pacientes, tratadas em diferentes centros médicos de pesquisa, recebe o medicamento. Essa amostra maior de pacientes fornece informações sobre efeitos adversos raros ou pouco frequentes. A agência governamental (no Brasil, a Anvisa) aprovará o uso do novo medicamento se os estudos de fase 3 forem satisfatórios. • Fase 4: é voluntária e envolve a farmacovigilância pós-mercado dos efeitos do medicamento. O fabricante do medicamento recebe relatos de médicos e de outros profissionais da área de saúde a respeito dos resultados terapêuticos e de efeitos adversos do medicamento. Alguns medicamentos, por exemplo, apresentaram efeitos tóxicos e foram retirados do mercado depois de seu lançamento inicial. Quando um medicamento é aprovado para comercialização, o princípio ativo recebe um nome genérico (oficial) e um nome comercial (proprietário ou de marca). Por exemplo, a dipirona é um nome genérico, e Novalgina®, Neosaldina® e Anador® são nomes comerciais das formas farmacêuticas produzidas por diferentes laboratórios. Os nomes genéricos e comerciais devem ser exclusivos, para impedir que um medicamento seja confundido com outro. Para evitar possível confusão, todo nome comercial proposto deve ser aprovado pela Anvisa. O nome comercial é desenvolvido pela empresa que solicita aprovação para o medicamento e o identifica como propriedade exclusiva de tal empresa (patente). O medicamento comercializado pelo laboratório que o desenvolveu em primeiro lugar é denominado medicamento de referência, pois foi a partir dele que foram realizados os estudos pré-clínicos e clínicos que descrevemos anteriormente (exemplo: Novalgina® é o nome comercial de referência do medicamento dipirona). Quando o medicamento não está protegido por patente, a empresa pode comercializar seu produto com o nome genérico ou com um nome comercial. Os medicamentos genéricos são comercializados pelo nome oficial (exemplo: dipirona), enquanto os medicamentos similares são comercializados por outros laboratórios, utilizando outros nomes comerciais, diferentes do medicamento de referência (Neosaldina® e Anador®, por exemplo). Assim, em resumo: • Os medicamentos de referência são os primeiros a serem comercializados, utilizando-se um nome comercial. Passaram por testes pré-clínicos e clínicos para a avaliação de sua eficácia e são patenteados. • Os medicamentos genéricos são produzidos por outros laboratórios e comercializados pelo nome oficial do princípio ativo, após a queda ou a quebra da patente. • Os medicamentos similares são produzidos por outros laboratórios e comercializados utilizando-se outros nomes comerciais, após a quebra ou a quedada patente. 14 Unidade I Por determinação da Anvisa, os medicamentos de referência, genéricos e similares de um mesmo princípio ativo precisam ser bioequivalentes, ou seja, apresentar a mesma dosagem e a mesma taxa de absorção, o que garante que, em qualquer tempo, a concentração plasmática seja a mesma nos três casos. A maioria dos medicamentos genéricos, embora mais baratos do que os medicamentos de nome comercial correspondentes, possuem a mesma eficácia e a mesma qualidade deles, exatamente pela necessidade de se realizar testes de bioequivalência com o medicamento de referência. A farmacocinética é o estudo do movimento do fármaco no interior de um organismo vivo e envolve a avaliação de como o fármaco é absorvido, distribuído, biotransformado e excretado. Na prática, um fármaco deve ser capaz de alcançar seu local de ação pretendido após a administração, em quantidade e por tempo adequado para que seja observada ação farmacológica. A partir de agora, vamos estudar as principais formas farmacêuticas e vias de administração dos fármacos. Em seguida, serão abordadas cada uma das quatro etapas da farmacocinética: absorção, que é a passagem do fármaco do local de administração para a circulação sistêmica; distribuição, que é a passagem do fármaco do sangue para os diferentes órgãos e sistemas; biotransformação ou metabolismo, que se refere às alterações da estrutura química do fármaco, visando sua eliminação; e excreção, que é a saída do fármaco do organismo. Veja a figura a seguir: 1 Absorção (entrada) 4 Excreção (saída) 2 Distribuição 3 Biotransformação Fármaco no local da administração Fármaco no plasma Fármaco ou metabólitos na urina, na bile ou nas fezes Metabólitos nos tecidos Fármaco nos tecidos Figura 1 – Etapas da farmacocinética 1.1 Formas farmacêuticas e vias de administração Os medicamentos são apresentados em diferentes formas farmacêuticas, e esse parâmetro influencia a velocidade e a extensão da absorção do fármaco. As principais formas farmacêuticas estão descritas no quadro a seguir: 15 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Quadro 1 – Principais formas farmacêuticas Estado físico Forma farmacêutica Principais características Sólidos Pó O medicamento apresenta-se na forma de cristais, necessitando de diluente para sua administração Comprimido É um cristal submetido a uma compressão em molde, geralmente discoide Cápsula O medicamento em pó é envolvido por uma camada de amido ou gelatina de consistência dura, a fim de impedir seu contato com a mucosa oral e facilitar a deglutição Drágea É um comprimido revestido com uma camada de açúcar, geralmente polido, com ou sem corante. O revestimento faz com que a absorção ocorra preferencialmente no intestino. Quando as drágeas são pequenas, são denominadas pílulas Supositório É uma forma sólida revestida por gelatina ou manteiga de cacau, que se desfazem à temperatura do corpo, possibilitando a absorção. Indicada para aplicação retal Óvulo Forma sólida, revestida por gelatina, de formato ovoide, para aplicação vaginal. Pastilha Comprimido achatado e circular indicado para dissolução na boca e absorção pela mucosa oral Semissólidos Pomada O fármaco é dissolvido em uma base gordurosa, de consistência macia, devendo ser aplicado topicamente na pele ou nas mucosas Creme O fármaco é dissolvido em uma base aquosa e oleosa. Também utilizado para aplicação tópica Pasta É uma forma farmacêutica de consistência macia, aquosa, que contém 20% de pó Líquidos Solução É um preparado líquido que apresenta uma ou mais substâncias dissolvidas, formando uma mistura homogênea Xarope À solução aquosa do fármaco são adicionados açúcar e aromatizantes Suspensão O pó contendo o medicamento encontra-se disperso no meio líquido, sem estar dissolvido, formando um sistema heterogêneo, bifásico. Quando em repouso, as partículas se depositam no fundo do frasco Tintura É um preparado de álcool que contém o princípio ativo extraído de um vegetal ou mineral Elixir Solução composta de álcool, açúcar, água e agente medicinal, destinada à administração oral Gasosos Gás Para administração inalatória de substâncias que, à temperatura ambiente, encontram-se no estado gasoso. Exemplo: o anestésico inalatório óxido nitroso (N2O) Aerossol As partículas sólidas ou líquidas do fármaco são distribuídas em névoa ou acondicionadas em recipiente pressurizado (“bomba”) Fonte: Pivello (2014, p. 3-10). Cada uma das formas farmacêuticas descritas é adequada para a administração por uma ou mais vias específicas. A escolha da via de administração apropriada em uma determinada situação depende de fatores relacionados ao fármaco e ao paciente. 16 Unidade I São fatores que podem interferir na escolha da via de administração de um fármaco: • propriedades físico-químicas (estado físico, solubilidade, estabilidade, pH, irritação); • local da ação desejada (localizado e acessível ou sistêmico e não acessível); • taxa e extensão da absorção do fármaco a partir de diferentes locais da administração, bem como volume a ser administrado; • ação do suco gástrico e/ou de enzimas do trato digestório e metabolismo de primeira passagem; • rapidez com a qual o efeito do fármaco tem que ser observado (tratamento de rotina ou de emergência); • necessidade de se ter precisão na quantidade de fármaco absorvido (por exemplo, na via intravenosa, existe a certeza da quantidade de fármaco que atingiu a circulação sistêmica); • condição clínica do paciente (idade do paciente e se ele se encontra consciente, presença de vômito e diarreia etc.). Observação O metabolismo de primeira passagem é a biotransformação do fármaco, pelo fígado e/ou pela microbiota intestinal, antes de ele atingir a circulação sistêmica. De forma geral, as vias de administração podem ser divididas em locais e sistêmicas. 1.1.1 Vias de administração local Conforme Yellepedi (2016), as vias de administração local só podem ser usadas para lesões localizadas em regiões acessíveis e para administração de fármacos cuja absorção sistêmica seja mínima ou ausente. Assim, as concentrações ideais do fármaco são atingidas no local desejado, sem que haja exposição do restante do organismo ao fármaco. Consequentemente, os efeitos adversos sistêmicos ou a toxicidade são mínimos ou ausentes. Para os fármacos que são absorvidos a partir de uma via local de administração (por exemplo, a pele), ela pode servir como via de administração sistêmica. Um exemplo é o adesivo transdérmico de fentanila (Durogesic®) aplicado na pele. As vias de administração locais são divididas em: • Tópica: refere-se à aplicação externa do fármaco numa superfície, para uma ação localizada. É geralmente mais conveniente para o paciente. Os fármacos podem ser administrados com eficiência nas lesões localizadas na pele, na mucosa orofaríngea e nasal, nos olhos, no canal auditivo, no canal anal ou na vagina. 17 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Outras formas de administração tópica incluem os fármacos não absorvidos e administrados por via oral para ação na mucosa gastrointestinal (por exemplo, o sucralfato), a inalação de fármacos que atuam nos brônquios (por exemplo, o salbutamol) e as soluções aplicadas na uretra (por exemplo, a iodopovidona). • Tecidos mais profundos: certas áreas profundas podem ser acessadas usando uma seringa e uma agulha, mas o fármaco deve estar em uma forma que a absorção sistêmica seja limitada, como ocorre na injeção intra-articular (por exemplo, o acetato de hidrocortisona na articulação do joelho) e na infiltração ao redor de um nervo ou injeção intratecal (por exemplo, a lidocaína). • Suprimento arterial: a injeção intra-arterial próxima é usada para meios de contraste na angiografia; medicamentos antineoplásicos podem ser infundidos na artéria femoral ou braquial para localizar o efeito em condições de câncer nos membros. 1.1.2 Vias de administração sistêmica O fármaco administrado por vias sistêmicas deve ser absorvidoaté a corrente sanguínea e distribuído por todo o organismo, incluindo o local da ação, através da circulação. As principais vias de administração sistêmica são: Oral A administração por via oral é o modo mais frequente de administração de fármacos. É mais segura, mais conveniente, não invasiva e geralmente indolor. Para a administração por essa via, o fármaco não precisa ser estéril e geralmente não é necessária assistência de profissional qualificado para realizar a administração ao paciente, o que faz da via oral a via mais econômica. As formas farmacêuticas sólidas (pós, comprimidos, cápsulas, drágeas, comprimidos) e líquidas (elixires, xaropes, emulsões, misturas) podem ser administradas por via oral. Fármacos administrados por essa via precisam ser engolidos, e a absorção ocorrerá principalmente na mucosa do estômago e do intestino. Entre as desvantagens ou limitações da administração de fármacos por via oral, temos: • O início da ação dos fármacos é mais lento e, portanto, não é uma via adequada para emergências. • Fármacos com sabor desagradável (por exemplo, o cloranfenicol) são difíceis de administrar. Para contornar esse problema, eles podem ser acondicionados em cápsulas, por exemplo. • A administração por via oral pode causar náuseas e vômitos. • Não pode ser usado em pacientes não cooperantes, inconscientes ou apresentando vômitos. 18 Unidade I • Após a administração por via oral, a absorção do fármaco pode ser variável e irregular, sendo que certos fármacos não são absorvidos (por exemplo, a estreptomicina). • Há fármacos que são destruídos pelas enzimas digestivas (por exemplo, a penicilina G e a insulina) ou pelo fígado (por exemplo, a testosterona e a lidocaína). Esses fármacos geralmente são administrados por outras vias. Sublingual Na via sublingual, o comprimido contendo o fármaco é colocado sob a língua ou é esmagado na boca e espalhado sobre a mucosa oral. Apenas medicamentos lipossolúveis e não irritantes podem ser administrados por essa via. A absorção é relativamente rápida, sendo que o início da ação pode ser observado em minutos. Embora seja um pouco inconveniente, pode-se cuspir a forma farmacêutica após a obtenção do efeito desejado. A principal vantagem é que o medicamento, uma vez absorvido, passa diretamente para a circulação sistêmica, sem sofrer metabolismo hepático de primeira passagem. Infelizmente, poucos medicamentos disponíveis no mercado podem ser administrados por via sublingual (por exemplo, gliceril trinitrato). Retal A via de administração retal pode ser usada quando o paciente está inconsciente ou está apresentando vômitos recorrentes. No entanto, a maioria dos pacientes a considera como uma via de administração bastante inconveniente e, muitas vezes, constrangedora. Certos medicamentos irritantes ou de sabor desagradável também podem ser colocados no reto, como supositórios ou como enema para efeito sistêmico. A absorção pela via retal é lenta, irregular e muitas vezes imprevisível. O medicamento absorvido após a administração pela via retal passa para as veias hemorroidais externas (cerca de 50%) e cai na circulação sistêmica sem atingir o fígado, porém o medicamento absorvido que passa para as veias hemorroidais internas atinge o fígado, ou seja, sofre metabolismo de primeira passagem. Medicamentos irritantes podem causar inflamação retal. Cutânea Fármacos altamente lipossolúveis podem ser aplicados sobre a pele e serão absorvidos de forma lenta e prolongada até a circulação sistêmica. O fármaco pode ser incorporado em uma pomada, creme ou gel e ser aplicado em uma área específica da pele. Sistemas terapêuticos transdérmicos são adesivos de várias formas e tamanhos que liberam o fármaco numa taxa constante na circulação sistêmica através da pele. Nesses sistemas, ele é mantido em um reservatório entre um filme de suporte oclusivo e uma membrana de microporos de controle de taxa, cuja superfície inferior possui um adesivo impregnado com a dose inicial do fármaco. A camada adesiva é protegida por outro filme que deve ser retirado imediatamente antes da aplicação. 19 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA O fármaco é liberado na superfície da pele por difusão para absorção percutânea na circulação. Embora mais caros, eles fornecem concentrações plasmáticas do fármaco sem flutuações, minimizando as variações interindividuais e os efeitos adversos. Eles também são mais convenientes – muitos pacientes preferem adesivos transdérmicos aos comprimidos orais do mesmo fármaco, o que garante maior adesão ao tratamento. Em alguns pacientes pode ocorrer irritação local e eritema, mas geralmente são manifestações leves. Inalatória Líquidos e gases voláteis são administrados por inalação para ação sistêmica (por exemplo, os anestésicos gerais halotano, isoflurano e o óxido nitroso). A absorção ocorre na ampla superfície dos alvéolos, e o início da ação do fármaco é muito rápido. Quando a administração é interrompida, o medicamento difunde-se novamente do tecido para a circulação sistêmica e é rapidamente eliminado no ar expirado. Vapores irritantes (por exemplo, éter) causam inflamação do trato respiratório e aumentam a secreção. Nasal A membrana mucosa do nariz pode absorver facilmente alguns poucos medicamentos (por exemplo, insulina, agonistas do GnRH e desmopressina). Com isso, evita-se a ação dos sucos digestivos e o metabolismo hepático de primeira passagem. Observação Em junho de 2019, a Anvisa autorizou a comercialização da insulina inalável. Trata-se de um pó, comercializado em cartuchos com três tipos de dosagem, semelhante às “bombinhas” para asma. A substância é levada ao pulmão e absorvida pela corrente sanguínea e, assim, reduz os níveis de glicemia (CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA, 2019). Além de evitar as injeções de insulina após cada refeição, o pico de ação da insulina inalável (50 minutos) é menor do que o da aplicada por via subcutânea (30 a 40 minutos), o que proporciona melhor controle da glicemia. Parenteral Convencionalmente, o termo parenteral refere-se à administração por injeção, que leva o fármaco diretamente ao fluido tecidual ou sangue, sem ter que atravessar a mucosa enteral (gastrointestinal). Assim, as limitações relacionadas à administração oral (enteral), como as náuseas e os vômitos decorrentes da irritação gástrica, podem ser contornadas com a administração parenteral. 20 Unidade I O início da ação do fármaco administrado por via parenteral é mais rápida, o que é um aspecto importante em emergências. As vias parentéricas (ou parenterais) podem ser empregadas em pacientes inconscientes, não cooperativos ou com vômito. Não há riscos de interferência de alimentos ou sucos digestivos com o fármaco. Não há metabolismo de primeira passagem. Quanto às desvantagens das vias parenterais, as principais são: a preparação deve ser esterilizada, o que torna essa via mais cara; a técnica é invasiva e dolorosa; é necessária a assistência de outra pessoa, embora a autoinjeção seja possível (por exemplo, insulina para diabéticos); há possibilidade de lesão tecidual local e, em geral, a via parenteral é considerada mais “arriscada” que a oral. As principais vias parenterais são: • Subcutânea (s.c.): o fármaco é administrado no tecido subcutâneo, que é ricamente suprido pelos nervos (fármacos irritantes não podem ser injetados), mas é menos vascularizado (a absorção é mais lenta que a intramuscular). Apenas pequenos volumes podem ser injetados pela via subcutânea. A autoinjeção é possível, porque não é necessária uma penetração profunda. Preparações de repositório (depósito) que são suspensões aquosas podem ser injetadas para ação prolongada. • Intramuscular (i.m.): o fármaco é injetado em um dos grandes músculos esqueléticos – deltoide, tríceps, glúteo máximo, reto femoral etc. O músculo é menos rico em suprimentos de nervos sensoriais (irritantes leves podem ser injetados) e é mais vascularizado, o que aumenta a velocidade de absorção.É menos dolorosa, mas a autoinjeção geralmente é impraticável, porque é necessária uma penetração profunda (veja a figura a seguir). Preparações de depósito (soluções oleosas e suspensões aquosas) podem ser injetadas por essa via. Injeções intramusculares devem ser evitadas em pacientes tratados com anticoagulantes, pois podem produzir hematoma local. Injeção subcutânea Injeção intramuscular Epiderme Derme Músculo Tecido subcutâneo Figura 2 – Diferença entre a injeção intramuscular e a subcutânea 21 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA • Intravenosa (i.v.): o fármaco pode ser injetado na forma de bolus (administração da quantidade total do fármaco de uma só vez) ou pode ser infundido lentamente durante horas em uma das veias superficiais. O fármaco atinge diretamente a corrente sanguínea, e os efeitos são produzidos imediatamente, o que é extremamente útil em emergências. A camada íntima das veias é insensível, e o fármaco é diluído no sangue; portanto, mesmo fármacos altamente irritantes podem ser injetados pela via intravenosa, mas os riscos são tromboflebite da veia injetada e necrose dos tecidos adjacentes, se ocorrer extravasamento. Devem ser injetadas por via intravenosa apenas soluções aquosas (não é possível a administração de suspensões, pois as partículas do fármaco podem causar embolia). A dose necessária do fármaco é menor pela via intravenosa, pois a etapa de absorção é ultrapassada (100% do fármaco administrado atinge a circulação sistêmica) e podem ser infundidos até grandes volumes (veja a figura a seguir). Essa é a via de administração mais “arriscada”, pois os órgãos vitais como coração, cérebro etc. são expostos a altas concentrações do fármaco. 100 0 0 30 60 Tempo (minutos) 5 mg de midazolam por via intravenosa 5 mg de midazolam por via intramuscularC on ce nt ra çã o no p la sm a (n g/ m L) 90 200 Figura 3 – Concentração plasmática do midazolam no plasma, após injeção de doses equivalentes (5 mg) por via intravenosa e intramuscular. Observe que o pico de concentração plasmática é maior quando o fármaco é administrado por via intravenosa, uma vez que, nesse caso, o fármaco é administrado diretamente na circulação sistêmica • Injeção intradérmica: é uma rota utilizada apenas para fins específicos. O fármaco é injetado na pele, produzindo uma espécie de bolha (por exemplo, vacina BCG, testes de sensibilidade). 1.2 Absorção Conforme Tracy (2011), absorção é a passagem do fármaco do local de administração para a circulação sistêmica. Essa passagem ocorre através do tecido íntegro e, portanto, envolve vários processos específicos, que incluem a administração do fármaco, sua dissolução nos líquidos corporais e a passagem pela membrana plasmática das células. A medida da quantidade de fármaco que é absorvido a partir do local é denominada biodisponibilidade. Por definição, a biodisponibilidade é a fração do fármaco inalterado que atinge a circulação sistêmica. Quando duas formas farmacêuticas contendo uma mesma dose de determinado fármaco apresentam a mesma biodisponibilidade, dizemos que as formas farmacêuticas são bioequivalentes. 22 Unidade I Lembrete Quando afirmamos que um medicamento genérico é bioquivalente ao medicamento de referência, estamos dizendo que a velocidade e a extensão da absorção desses dois medicamentos é a mesma. Para que o fármaco seja absorvido, ele deverá atravessar barreiras biológicas, como as camadas da pele, o endotélio vascular, o epitélio gastrointestinal e a barreira hematoencefálica. Essas barreiras são constituídas de células, unidas entre si por diferentes tipos de junções intercelulares e banhadas por um líquido intersticial que apresenta composição química própria. A composição química desse líquido e as características físico-químicas da molécula do fármaco influenciam grandemente a absorção dos fármacos. As principais características físico-químicas do fármaco que influem na absorção são: • Lipossolubilidade: quanto mais apolar a molécula for, maior a solubilidade da droga na membrana plasmática, e mais fácil a travessia pelo mecanismo de difusão passiva. • Hidrossolubilidade: fármacos polares e/ou muito grandes só atravessam a membrana das células quando existem sistemas transportadores específicos ou poros hidrofílicos que facilitam a passagem pela membrana. Esse parâmetro também influi na velocidade de dissolução do fármaco nos meios biológicos. • Estabilidade química da molécula do fármaco: permite um maior tempo de ação. • Massa molecular: é a estimativa do tamanho e do volume das moléculas do fármaco. Quanto maior a molécula do fármaco, maior a massa molecular e mais difícil será a passagem pela membrana plasmática. • Comportamento da molécula do fármaco em diferentes pHs: fármacos de caráter ácido e de caráter básico comportam-se de maneira específica de acordo com o pH da solução. 1.2.1 Transporte através das membranas biológicas Para que um fármaco possa atingir seus alvos intracelulares ou atravessar uma barreira, deve ser capaz de atravessar a membrana plasmática. Esse processo ocorre por difusão simples, por difusão facilitada, por transporte ativo ou por endocitose/pinocitose (veja a figura a seguir). 23 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA Difusão passiva Difusão facilitada Transporte ativo Endocitose/pinocitose Fármaco Fármaco Fármaco Proteína transportadora Meio extracelular Ciroplasma ATP ADP Proteína transportadora com atividade ATPase Fármaco com alta massa molecular Membrana Membrana plasmáticaplasmática Difusão passiva de um fármaco hidrosolúvel através de um canal ou poro aquoso (aquaporina) Difusão passiva de um fármaco lipossolúvel a partir da dissolução na membrana plasmática Figura 4 – Mecanismos de transportes do fármaco através da membrana Todas as células do organismo humano são delimitadas por uma membrana plasmática constituída de uma bicamada de fosfolipídeos. Esses fosfolipídeos apresentam uma região hidrofóbica e uma região hidrofílica, posicionada em contato com os ambientes aquosos de dentro e de fora da célula. Além dos componentes lipídicos, as membranas biológicas contêm numerosas proteínas diferentes. Algumas dessas proteínas estão apenas ancoradas à superfície interna ou externa da membrana plasmática, enquanto outras (proteínas transmembranares) atravessam a membrana plasmática e, portanto, estão em contato tanto com o meio intra quanto com o meio extracelular. A porção hidrofóbica da membrana plasmática representa uma importante barreira para o transporte dos fármacos. As pequenas moléculas apolares são lipossolúveis e, portanto, são capazes de difundir-se facilmente através das membranas e atingir o meio intracelular. Um exemplo são os hormônios esteroidais (cortisol, estrógeno, testosterona etc.). Sintetizados a partir do colesterol, eles atravessam livremente a membrana plasmática das células, onde irão ativar seus alvos moleculares. Conforme já discutido anteriormente, as moléculas apolares dissolvem-se livremente na camada lipídica da membrana, difundindo-se prontamente através das membranas celulares. A solubilidade do fármaco na membrana é função de seu coeficiente de partição óleo/água, parâmetro que indica a porcentagem de fármaco dissolvido nos compartimentos aquoso e oleoso do tecido, e de seu coeficiente de difusão, que é a medida da mobilidade das moléculas na camada lipídica. O transporte do fármaco através da membrana plasmática também depende da sua concentração no microambiente em que a célula está localizada. O problema é que a maioria dos fármacos usados na terapêutica são moléculas grandes e polares (hidrossolúveis) o suficiente para que a passagem pela membrana plasmática seja prejudicada. As moléculas que não são suficientemente lipossolúveis precisam de processos especiais para atravessar as membranas biológicas, como canais hidrofílicos funcionais e sistemas específicos de transporte. 24 Unidade I Algumas proteínastransmembranares possibilitam a passagem dos fármacos e de outras moléculas polares através da membrana. Essas proteínas podem ser carreadoras especializadas em transportar determinada substância endógena e, por extensão, também transportam o(s) fármaco(s) que apresentam estrutura química semelhante a ela. Após a ligação do fármaco com a superfície extracelular dessas proteínas carreadoras, ocorre uma alteração conformacional, que permite que tenha acesso ao interior da célula. O transporte realizado por proteínas carreadoras pode depender de energia, na forma de ATP (transporte ativo) ou não (difusão facilitada). Alguns fármacos ligam-se a receptores de superfície celular específicos, deflagrando um processo denominado endocitose, em que a membrana celular sofre invaginação e forma uma vesícula, a partir da qual é subsequentemente liberado no interior da célula. A difusão através das aquaporinas, glicoproteínas de membrana que formam um poro que atravessa a membrana também é importante. No entanto, os poros formados por essas proteínas apresentam diâmetro muito pequeno – em torno de 0,4 nm – para possibilitar a passagem da maioria das moléculas de fármacos (que geralmente excedem 1 nm de diâmetro). O processo de transporte através das células pode ocorrer por endocitose ou por pinocitose. A pinocitose envolve a invaginação de parte da membrana celular e a captação, dentro da célula, de uma pequena vesícula contendo constituintes extracelulares. O conteúdo da vesícula pode, então, ser liberado dentro da célula ou estruído no outro lado desta. Esse mecanismo parece ser importante para o transporte de algumas macromoléculas (por exemplo, a insulina, que cruza a barreira hematoencefálica por esse processo), mas não para moléculas pequenas. Em um modelo biológico ideal, o fármaco irá penetrar na célula por difusão simples até que suas concentrações nos meios intracelular e extracelular sejam iguais. A velocidade de difusão depende da área de exposição da membrana ao fármaco e da espessura e da permeabilidade da membrana e do gradiente de concentração do fármaco através dela. 1.2.2 Características teciduais que influem na absorção dos fármacos No tecido epitelial, as células são justapostas, ou seja, mantêm muito pouco espaço entre si, pois estabelecem muitas junções intercelulares com as células vizinhas. Há muito pouco material extracelular entre essas células. Assim, para atravessar a barreira epitelial, as moléculas devem atravessar pelo menos duas membranas celulares (a interna e a externa). Isso também ocorre em relação à passagem pela mucosa gastrointestinal e do túbulo renal. A passagem do fármaco pela célula endotelial, por sua vez, é facilitada, devido ao espaço entre elas. A célula endotelial é do tipo achatada, de espessura variável que recobre o interior dos vasos sanguíneos. Nos capilares, elas são organizadas de maneira descontínua, formando lacunas, que são preenchidas por uma matriz frouxa de proteínas que atuam como filtros, de forma que só permitem a passagem de moléculas menores. 25 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA A permeabilidade do endotélio varia de um tecido para outro: em alguns órgãos, especialmente no sistema nervoso central e na placenta, existem junções firmes (zônulas de oclusão ou tight junctions) entre as células endoteliais, e o endotélio vascular é envolvido numa camada impermeável de células periendoteliais, de forma que as substâncias pouco lipossolúveis não penetram facilmente, o que evita lesões no cérebro ou no feto. Em outros órgãos, como o baço e o fígado, o endotélio não é contínuo, tornando possível a livre passagem de substâncias químicas entre as células. Outros fatores, como a vascularização do tecido no qual o fármaco foi administrado e a extensão de tecido disponível para a absorção, também interferem na absorção dos fármacos. A via oral é a principal via de administração de fármacos e, por esse motivo, iremos estudar mais a fundo os fatores que regulam a absorção por essa via. Em geral, cerca de 75% de um fármaco administrado por via oral é absorvido no período de 1 a 3 horas, mas numerosos fatores, alguns fisiológicos e outros relacionados com a formulação, alteram essa absorção. Os principais fatores são: a presença ou não de conteúdo intestinal, a intensidade e a frequência dos movimentos peristálticos, o fluxo sanguíneo esplâncnico, o tamanho das partículas do fármaco e suas características físico-químicas, a forma farmacêutica etc. Durante a primeira fase dos ensaios clínicos, a influência da alimentação sobre a absorção dos fármacos é analisada. A presença de alimento no tubo digestório altera fluxo de sangue esplâncnico e, quanto mais vascularizada a área de absorção, maior tende a ser a velocidade dela. De fato, diversos fármacos (por exemplo, o propranolol) alcançam uma concentração plasmática mais alta se tomados após uma refeição, provavelmente porque o alimento aumenta o fluxo sanguíneo esplâncnico. No entanto, a absorção dos fármacos pela mucosa do trato gastrointestinal também resulta de outros fatores, como o perfil de lipossolubilidade/hidrossolubilidade do fármaco, as características do alimento ingerido e até mesmo a frequência dos peristaltismos. O movimento excessivamente rápido do conteúdo intestinal observado em alguns tipos de diarreia pode, por exemplo, comprometer a absorção. O tamanho da partícula e a formulação exercem importantes efeitos sobre a absorção. Duas formas farmacêuticas contendo a mesma dose de determinado fármaco podem apresentar padrões distintos de absorção, por conta das características da formulação, daí a necessidade da realização dos testes de bioequivalência. Esses testes são realizados dissolvendo-se as formas farmacêuticas em condições controladas; elas serão bioequivalentes se o padrão de liberação do princípio ativo for idêntico entre elas. Os produtos terapêuticos são formulados de modo a produzir as características de absorção desejadas. As cápsulas podem ser projetadas para permanecer intactas por algumas horas após a ingestão para retardar a absorção; os comprimidos podem ter um revestimento resistente para produzir o mesmo efeito. Em alguns casos, faz-se uma mistura de partículas de liberação lenta e rápida na mesma cápsula, a fim de promover uma absorção rápida, mas sustentada. Sistemas farmacêuticos mais elaborados incluem diversas preparações de liberação modificada que tornam possível administração menos frequente. 26 Unidade I Tais preparações não somente aumentam o intervalo entre as doses, como também reduzem os efeitos adversos relacionados com os altos picos de concentração plasmática após a administração de uma formulação convencional (veja a figura a seguir). 11 22 33 44 55 Forma farmacêutica: 1. Revestimento entérico 2. Comprimido cápsula 3. Xarope, solução 4. Liberação estendida 5. Liberação retardada Figura 5 – Padrão de absorção dos fármacos por via oral, de acordo com a forma farmacêutica. As regiões do tubo digestório nas quais a absorção ocorre em maior velocidade estão sombreadas em vermelho Quando os fármacos são engolidos, geralmente a intenção é que sejam absorvidos e causem efeito sistêmico, porém existem exceções. A administração da vancomicina por via oral, por exemplo, visa a eliminação do Clostridium difficile da luz intestinal em pacientes com colite pseudomembranosa. Caso se deseje que esse antibiótico produza efeitos sistêmicos, deve-se administrá-lo por via intravenosa, pois sua absorção por via oral é lenta e incompleta. Outros exemplos são a mesalazina, que é comercializada em formulações contendo revestimento acrílico que somente sofre degradação no íleo terminal, e cólon proximal, que constitui seu local de ação. Fármacos administrados por via oral são absorvidos através do revestimento do estômago ou do intestino delgado. Em alguns casos, alguns alimentos ou algum outro fármaco podem reduzir a absorção de outro fármaco. Por exemplo, a tetraciclina é umantibiótico com capacidade quelante de íons cálcio, ferro, magnésio e alumínio. Dessa forma, a tetraciclina não é absorvida adequadamente se for tomada 27 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA no período de uma hora após a ingestão de alimentos ou de complexos vitamínicos que contenham cálcio (por exemplo, o leite e os laticínios). Além disso, a presença de alimentos no sistema digestório pode alterar a motilidade intestinal e interferir com a absorção do medicamento. Uma precaução importante é evitar a administração de alimentos por uma hora antes ou algumas horas depois de ter tomado um fármaco, ou tomar diferentes fármacos com um intervalo de pelo menos duas horas. A forma farmacêutica de um fármaco pode interferir na absorção, de forma que os fármacos na forma líquida são mais bem absorvidos que aqueles na forma sólida, pois nesse último caso deve ocorrer dissolução para que haja absorção do princípio ativo. Em relação à área de absorção e à concentração do fármaco, existe uma correlação positiva entre esses fatores e o grau de absorção. Ou seja, quanto maior a circulação sanguínea e/ou a concentração do fármaco na área de absorção, maior a taxa de absorção. A aplicação local de calor ou massagens pode aumentar a circulação local, aumentado a taxa de absorção do fármaco administrado. Por outro lado, o emprego de vasoconstritores pode limitar a circulação local e, consequentemente, a taxa de absorção. 1.2.3 Influência do pH na absorção dos fármacos A capacidade de atravessar barreiras hidrofóbicas é fortemente influenciada pela lipossolubilidade do fármaco. A velocidade de difusão de uma substância depende principalmente de seu tamanho molecular, pois o coeficiente de difusão é inversamente proporcional à raiz quadrada da massa molecular da substância. Consequentemente, enquanto moléculas grandes se difundem mais lentamente do que as pequenas, a variação de acordo com a massa molecular é pouco significativa. Os fármacos, em sua maioria, são substâncias químicas com propriedades de ácidos fracos ou bases fracas e, portanto, em solução aquosa se apresentam parcialmente ionizados. A proporção entre a fração ionizada e a fração não ionizada de um fármaco é determinada pelo pH do meio onde ele se encontra dissolvido e da sua constante de dissociação (pKa). A difusão desses fármacos através das membranas biológicas é grandemente afetada pelo seu grau de ionização. A concentração do fármaco em cada um dos lados da membrana é determinada pela constante de dissociação de ácido (pKa) do fármaco e pelo gradiente de pH através da membrana. Para os fármacos que são ácidos fracos – como o fenobarbital e a aspirina –, a forma protonada (HA) não apresenta carga elétrica e, portanto, atravessa a membrana plasmática com facilidade. Essa forma protonada predomina em pH ácido e, portanto, fármacos que são ácidos fracos apresentam alta velocidade de absorção em pHs ácidos, como no estômago. Ao atingir o meio intracelular, mais básico, o fármaco de caráter ácido é desprotonado, e passa a ter carga elétrica (A-), o que faz com que ele tenha menor probabilidade de atravessar novamente a membrana apical das células da mucosa e voltar para a luz do estômago (“sequestro”). 28 Unidade I Observação O pKa é um parâmetro que representa o valor de pH em que 50% das moléculas do fármaco encontra-se em sua forma ionizada (com carga elétrica). No caso dos fármacos que são bases fracas, é observado o oposto: a forma protonada apresenta carga elétrica (BH+) e, portanto, a absorção não é favorecida em pH ácido. Por outro lado, a forma não protonada (B), que predomina em pH básico (por exemplo, no intestino), conseguirá atravessar a membrana com facilidade. Ao atingir o meio intracelular, ocorre nova protonação, e a forma ionizada fica “sequestrada” no interior da célula (veja a figura a seguir). Membrana lipídica Membrana lipídica Compartimento corporal Compartimento corporal Compartimento corporal Compartimento corporal A. Ácido fraco A. Base fraca Figura 6 – Difusão da forma não ionizada de um ácido fraco (A) ou de uma base fraca (B) através da bicamada lipídica Para um ácido fraco, A, a reação de ionização é: HA Ka H+ + A- Sendo: HA = forma molecular, protonada, do fármaco de caráter ácido. H+ = próton livre. A- = forma ionizada, não protonada, do fármaco de caráter ácido. Ka = constante de dissociação do ácido, que indica a relação entre as concentrações da forma protonada e da forma não protonada nas condições do equilíbrio. No equilíbrio, a constante de dissociação do ácido, Ka, é expressa como: 29 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA ] [ [ ] A · H Ka HA − + = Onde: [A-] = concentração, em mol/L, da forma ionizada do fármaco. [H+] = concentração, em mol/L, de prótons livres. [HA] = concentração, em mol/L, da forma não ionizada do fármaco. Rearranjando a equação e transformando-a em uma função logarítmica, que é a melhor forma de trabalharmos com concentração de prótons livres (H+) em solução, uma vez que a concentração deles cresce exponencialmente em resposta às condições do meio, temos: [ ]HA H Ka· A + − = [ ]HA log H logKa log A + − − = − − Por definição, o valor negativo do logaritmo, na base 10, da concentração de H+ em solução (-log[H+]) é denominado pH (potencial hidrogeniônico). De maneira semelhante, -logKa passa a ser denominado pKa. Assim, temos: [ ]HA pH pKa log A− = − ou, reorganizando a fórmula, [ ] A pH pKa log HA − = + Essa equação chama-se equação de Henderson-Hasselbalch. Ela estima a relação entre as concentrações da forma não ionizada e ionizada do fármaco em determinado pH, de acordo com seu pKa (que expressa o pH no qual 50% das moléculas do fármaco encontram-se na forma não ionizada e a outra metade, na forma ionizada). 30 Unidade I Podemos expressar a equação da seguinte maneira: [ ] [ ] forma não protonada pH pK log forma protonada = + De maneira semelhante, aplicando-se a fórmula a uma equação de dissociação de uma base fraca que, em solução, comporta-se da seguinte maneira: BH+ Kb B + H+ Sendo: BH+: forma ionizada, protonada, do fármaco de caráter básico. H+: próton livre. A-: forma molecular, não protonada, do fármaco de caráter básico. A equação de Henderson-Hasselbach correspondente é a seguinte: [ ]B pH pKb log BH+ = + Onde: [B] = concentração, em mol/L, da forma não ionizada do fármaco de caráter básico. [H+] = concentração, em mol/L, de prótons livres. [BH+] = concentração, em mol/L, da forma ionizada do fármaco. Por exemplo, consideremos o exemplo hipotético de um fármaco fracamente ácido com pKa = 4. No estômago, que apresenta pH = 1, temos: [ ] A pH pKa log HA − = + [ ] A 1,0 4,0 log HA − = + 31 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA [ ] A log 3,0 HA − = − [ ] 3 A 10 HA − − = Ou seja, a proporção entre a concentração da forma ionizada e a forma molecular é igual a 10-3 ou 0,001 (para cada uma partícula na forma ionizada A-, existem 1.000 partículas na forma molecular): [ ] 3 A 1 HA 10 − = [ ] A 1 HA 1000 − = Sob o ponto de vista da absorção, podemos afirmar que, no estômago, a forma protonada (HA, não ionizada) do fármaco encontra-se numa concentração 1.000 vezes maior do que a forma desprotonada (A-, ionizada), ou seja, 99,9% do fármaco estão na forma molecular, não ionizada, nesse ambiente ácido. Como a forma molecular consegue atravessar a membrana plasmática com maior velocidade, a absorção do fármaco, nessas condições, é favorecida. Se realizarmos o mesmo cálculo considerando o pKa do fármaco (pKa = 4) e o pH do plasma (pH = 7,4, porém vamos usar o valor aproximado de pH = 7), teremos o seguinte: [ ] A pH pKa log HA − = + [ ] A 7,0 4,0 log HA − = + [ ] 3 A 10 HA − = [ ] A 1000 HA 1 − = 32 Unidade I Portanto, no plasma, a relação entre a concentração das formas não protonada e protonadase inverte, e temos 99,9% do fármaco na forma ionizada, forma que praticamente não atravessa de volta a membrana plasmática das células. Portanto, nessas condições, o fármaco tende a ficar “sequestrado” no plasma. Utilizando o mesmo raciocínio, para uma base fraca (por exemplo, petidina, pKa de 8,6) em um meio alcalino (por exemplo, no intestino), a maior parte do fármaco está na forma protonada (B, não ionizada). Em um compartimento de pH = 7,6, por exemplo, a forma protonada encontra-se numa concentração 10 vezes maior do que a da forma desprotonada (BH+, ionizada), de forma que 90% do fármaco encontra-se na forma molecular, sem cargas, nesse ambiente básico, e a absorção é favorecida. Um cálculo semelhante para o estômago, cujo pH é de cerca de 1, demonstra que a situação é invertida, com a maior parte do fármaco na forma desprotonada, com cargas. Portanto, no estômago a absorção ocorre lentamente, pois a maioria das moléculas do fármaco encontram-se na forma ionizada. Concluindo, a razão entre as formas ionizada e não ionizada de um fármaco é determinada pelo seu pKa e pelo pH do compartimento. Presume-se que a forma não ionizada possa atravessar a membrana e consequentemente alcançar concentrações iguais em cada compartimento do organismo, e que a forma ionizada não consegue atravessá-la. O resultado é que, no equilíbrio, a concentração total (ionizada + não ionizada) do fármaco será diferente em cada compartimento do organismo, sendo possível fazer as seguintes generalizações: • Fármacos de caráter ácido apresentam maior velocidade de absorção em compartimentos de pH ácido (nos quais predomina a forma HA) e maior velocidade de excreção em urina básica (na qual predomina a forma A-). • Fármacos de caráter básico apresentam maior velocidade de absorção em compartimentos de pH alcalino (nos quais predomina a forma B) e maior velocidade de excreção em urina ácida (na qual predomina a forma BH+). Deve-se mencionar que a partição pelo pH não é o principal determinante do local de absorção de fármacos no trato gastrointestinal. Isso ocorre em razão da enorme área de absorção das vilosidades e microvilosidades intestinais, comparada com a área de absorção do estômago, que é muito menor, diminuindo, assim, sua importância. Desse modo, a absorção de um fármaco ácido, como a aspirina, é aumentada por fármacos que aceleram o esvaziamento gástrico (por exemplo, metoclopramida) e retardada por fármacos que o reduzem (por exemplo, a propantelina), apesar de o pH ácido do estômago favorecer a absorção de ácidos fracos. A partição pelo pH tem algumas consequências muito importantes na clínica: • A acidificação da urina acelera a eliminação de bases fracas e retarda a de ácidos fracos, enquanto a alcalinização da urina tem o efeito oposto: reduz a eliminação de bases fracas e aumenta a de ácidos fracos. • O aumento do pH do plasma (por exemplo, pela administração de bicarbonato de sódio) faz com que ácidos fracos sejam extraídos do SNC para o plasma. O oposto é verdadeiro, ou seja, a redução do pH do plasma (por exemplo, pela administração de um inibidor da anidrase carbônica, 33 FARMACOLOGIA APLICADA À BIOMEDICINA como a acetazolamida) faz com que ácidos fracos sejam concentrados no sistema nervoso central, aumentando sua neurotoxicidade. Portanto, caso um paciente apresente intoxicação por ácido acetilsalicílico, por exemplo, deve-se alcalinizar a urina, o que pode ser atingido com a administração de bicarbonato de sódio ou de acetazolamida. Ambas aumentam o pH urinário e, portanto, facilitam a eliminação dos salicilatos. Por outro lado, o bicarbonato reduz a distribuição de salicilatos no sistema nervoso central, enquanto a acetazolamida a aumenta. 1.2.4 Interações medicamentosas que alteram a absorção dos fármacos Em algumas situações, pode ser desejável retardar a absorção, para produzir um efeito local prolongado ou para prolongar as ações sistêmicas. Essas interações são denominadas benéficas ou intencionais, pois são vantajosas do ponto de vista terapêutico. Por exemplo, a adição de epinefrina (adrenalina) ao anestésico local reduz a absorção do anestésico na circulação sistêmica, prolongando apropriadamente seu efeito; a formulação de insulina com protamina e zinco produz uma forma de ação prolongada. Outras interações causam prejuízo terapêutico e são, por esse motivo, denominadas interações não intencionais ou fortuitas. Por exemplo, o fármaco A pode interagir física ou quimicamente com o fármaco B no intestino e inibir a sua absorção: tanto os íons cálcio quanto os íons ferro formam complexos insolúveis com a tetraciclina, retardando a sua absorção; a colestiramina, uma resina de ligação ao ácido biliar, se liga a diversos fármacos (por exemplo, a varfarina e a digoxina), inibindo a sua absorção se for administrada simultaneamente. A absorção gastrointestinal é retardada por fármacos que inibem o esvaziamento gástrico, como a atropina e os opioides, ou acelerada por fármacos que promovem o esvaziamento gástrico (por exemplo, a metoclopramida). Por esse motivo, é necessário examinar atentamente a bula dos medicamentos, a fim de saber se o medicamento em questão pode ou não ser associado aos medicamentos que alteram o trânsito intestinal. 1.3 Distribuição Conforme Tracy (2011), distribuição é o movimento do fármaco pela circulação sanguínea sistêmica até os diversos tecidos do organismo (por exemplo, tecidos adiposo, muscular e cerebral) e dos tecidos para a circulação sanguínea sistêmica. A distribuição de um fármaco ocorre primariamente através do sistema circulatório, enquanto o sistema linfático contribui com um componente menor. Na maioria das vezes, uma vez administrado, o fármaco será absorvido e passará para a circulação sistêmica, sendo distribuído rapidamente pelo organismo. A distribuição não é uniforme em todo o organismo, sendo que os fármacos hidrossolúveis têm tendência de permanecerem no sangue e no líquido ao redor das células (espaço intersticial) e os fármacos lipossolúveis tendem a concentrar-se nos tecidos adiposos. Há ainda alguns fármacos que se concentram em órgãos específicos, porque os tecidos nessa região têm uma afinidade diferenciada pelo fármaco, promovendo sua retenção (por exemplo, o iodo na glândula tireoide). 34 Unidade I A velocidade de penetração dos fármacos nos diferentes tecidos também é desigual, de forma que um fármaco altamente lipossolúvel atravessa rapidamente a barreira hematoencefálica, atingindo de forma eficiente o cérebro, ao passo que um fármaco hidrossolúvel não tem a mesma facilidade de atravessar essa barreira. Alguns fármacos têm capacidade de se acumular em determinados tecidos, que atuam, portanto, como reservatórios. Esses tecidos liberam lentamente o fármaco na circulação sanguínea sistêmica, evitando a redução rápida dos níveis sanguíneos da substância e prolongando, assim, seu efeito. Alguns fármacos, como os que se acumulam nos tecidos adiposos, saem dos tecidos tão lentamente que circulam na corrente sanguínea por dias após a pessoa ter parado de tomar o medicamento. A maioria das moléculas do fármaco, uma vez no compartimento sanguíneo, se ligam de maneira reversível às proteínas presentes no plasma – principalmente à albumina, mas também à betaglobulina e à glicoproteína ácida, entre outras. Esses fármacos geralmente são transferidos da corrente sanguínea para os tecidos muito lentamente, uma vez que somente a fração livre do fármaco tem capacidade de deixar o plasma para alcançar seu local de ação. Entre as frações livre e ligada do fármaco existe um equilíbrio dinâmico, de forma que quando a fração livre abandona a circulação, uma nova porção do fármaco ligado se libera das proteínas, refazendo esse equilíbrio. Dessa forma, a ligação às proteínas plasmáticas atua como um reservatório de fármaco potencialmente ativo na corrente sanguínea (veja a figura a seguir). Efeito Efeito Célula-alvo Fármaco que Fármaco que não se liga não se
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