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Autores: Profa. Michele Christine Landemberger Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Colaboradora: Profa. Laura Cristina Cruz Dominciano Processos Fisiológicos e Patológicos Professores conteudistas: Michele Christine Landemberger / Juliano Rodrigo Guerreiro Michele Christine Landemberger Graduada em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Paulista (UNIP) e doutora em oncologia pela Fundação Antonio Prudente (FAP-SP). Atuou como pesquisadora em oncologia e neurociências por oito anos no Centro Internacional de Pesquisa (Cipe) do A. C. Camargo Câncer Center. Desde 2008, faz parte do quadro de professores da UNIP nos cursos da área de saúde modalidade presencial. É ainda professora convidada em pós-graduação nas áreas de patologia, bioética, pesquisa clínica e oncologia. Foi membro de comissões de ética humana e animal por dez anos. Tem dois capítulos de livros publicados e dezenove artigos científicos indexados nas áreas de neurociências e oncologia. Juliano Rodrigo Guerreiro Graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade de São Paulo (FCF/USP), concluído em 2004, e doutor em Bioquímica pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ/USP), concluído em 2009. Fez pós-doutorado com ênfase em Bioquímica de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) durante 2009-2012. Possui formação de especialista em Mariologia pela Universidade Dehoniana (2017). Atualmente, cursa licenciatura em História pela UNIP com previsão de término em 2020. Coordenador do curso de Farmácia desde 2008 e professor titular da UNIP desde 2009, tendo sido professor-auxiliar da mesma universidade de 2005 a 2009. Tem experiência nas áreas de bioquímica, farmacologia, fisiologia, química, teologia e história; além de gerenciamento de drogarias. Atua principalmente nos seguintes temas: estrutura de biomoléculas, bioquímica estrutural, metabólica e clínica, bioquímica e fisiologia de plantas, interação ligante-receptor e venenos de animais. É autor e coautor de dezessete artigos científicos sobre venenos de animais, fisiologia e bioquímica. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) L254p Landemberger, Michele Christiane. Processos Fisiológicos e Patológicos / Michele Christiane Landemberger, Juliano Rodrigo Guerreiro. - São Paulo: Editora Sol, 2020. 224 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Fisiopatologia. 2. Função circulatória. 3. Sistema nervoso. I. Guerreiro, Juliano Rodrigo. II. Título. CDU 616-092 U505.46 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Aline Ricciardi Bruno Barros Jaci Albuquerque Sumário Processos Fisiológicos e Patológicos APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 INTRODUÇÃO À FISIOPATOLOGIA ............................................................................................................. 11 1.1 Definições em processos patológicos .......................................................................................... 11 1.2 Homestase e saúde .............................................................................................................................. 13 1.3 Agentes causadores de doença ..................................................................................................... 14 1.3.1 Agentes biológicos ................................................................................................................................. 16 1.3.2 Agentes físicos ........................................................................................................................................ 17 1.3.3 Agentes químicos .................................................................................................................................. 22 1.3.4 Herança genética .................................................................................................................................... 22 1.3.5 Lesões por desequilíbrios nutricionais ........................................................................................... 23 1.4 Ciclo celular ............................................................................................................................................ 24 1.4.1 Intérfase ...................................................................................................................................................... 25 1.4.2 Mitose .......................................................................................................................................................... 26 1.4.3 Controle do ciclo celular e pontos de checagem ...................................................................... 27 1.5 Distúrbios de crescimento e diferenciação celular – adaptações celulares ................. 28 1.5.1 Alteração no volume celular .............................................................................................................. 28 1.5.2 Alteração da taxa de divisão celular ............................................................................................... 30 1.5.3 Alteração da diferenciação celular .................................................................................................. 31 1.6 Lesões celulares ..................................................................................................................................... 34 1.6.1 Lesões celulares reversíveis ................................................................................................................. 35 1.6.2 Lesões celulares irreversíveis .............................................................................................................. 39 1.6.3 Tipos de necrose ...................................................................................................................................... 40 1.6.4 Necrose versus apoptose ..................................................................................................................... 48 1.7 Pigmentações patológicas ............................................................................................................... 49 2 PATOGÊNESE DOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS............................................................................... 54 2.1 Processos celulares da inflamação ................................................................................................ 54 2.2 Inflamação aguda ................................................................................................................................ 55 2.2.1 Quimiotaxia ..............................................................................................................................................58 2.2.2 Ativação de leucócitos e fagocitose ............................................................................................... 58 2.2.3 Células envolvidas no processo inflamatório .............................................................................. 60 2.2.4 O processo inflamatório ....................................................................................................................... 64 2.3 Inflamação crônica .............................................................................................................................. 66 2.3.1 Inflamação crônica inespecífica e inflamação granulomatosa ........................................... 67 2.4 Mecanismos de reparação e regeneração tecidual ................................................................ 68 2.4.1 Cicatrização ............................................................................................................................................... 70 2.4.2 Cicatrização por primeira ou segunda intenção ........................................................................ 72 2.4.3 Cicatrização hipertrófica e queloide ............................................................................................... 73 2.4.4 Fatores que afetam a cura das feridas ........................................................................................... 74 3 NEOPLASIAS ...................................................................................................................................................... 76 3.1 Conceitos, classificação, nomenclaturas ..................................................................................... 76 3.2 Estudo das principais neoplasias ................................................................................................... 78 3.2.1 Prevalência de câncer no mundo ..................................................................................................... 78 3.2.2 Câncer de mama ..................................................................................................................................... 79 3.2.3 Câncer de próstata ................................................................................................................................. 79 3.2.4 Câncer de estômago .............................................................................................................................. 80 3.2.5 Câncer de cólon e reto ......................................................................................................................... 80 3.3 Bases moleculares e genéticas na carcinogênese ................................................................... 81 3.4 Tipos de tratamentos em câncer .................................................................................................... 81 3.5 Marcadores tumorais e desenvolvimento de terapias-alvo ................................................ 83 4 FISIOPATOLOGIA DOS SISTEMAS .............................................................................................................. 83 4.1 Sistema respiratório ............................................................................................................................ 83 4.1.1 Asbestose .................................................................................................................................................... 83 4.1.2 Asma ........................................................................................................................................................... 84 4.1.3 Bronquite aguda e crônica ................................................................................................................. 86 4.1.4 Derrame pleural ...................................................................................................................................... 87 4.1.5 Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ............................................................................ 88 4.1.6 Enfisema ..................................................................................................................................................... 89 4.1.7 Fibrose cística ........................................................................................................................................... 90 4.1.8 Insuficiência respiratória aguda (IRA) ............................................................................................ 91 4.1.9 Pleurisia e pneumotórax ...................................................................................................................... 92 4.1.10 Pneumonias ........................................................................................................................................... 94 4.1.11 Câncer de pulmão ................................................................................................................................ 96 4.2 Sistema e patologias do aparelho digestório ........................................................................... 97 4.2.1 Distúrbios do esôfago ........................................................................................................................... 98 4.2.2 Distúrbios do estômago .....................................................................................................................102 4.2.3 Distúrbios do intestino .......................................................................................................................105 4.3 Distúrbios do sistema renal-urinário .........................................................................................105 4.3.1 Cálculos renais ......................................................................................................................................106 4.3.2 Glomerulonefrite ..................................................................................................................................107 4.3.3 Insuficiência renal aguda (IRA) e insuficiência renal crônica (IRC) ..................................108 4.3.4 Pielonefrite ..............................................................................................................................................109 4.3.5 Síndrome nefrótica ............................................................................................................................. 110 4.3.6 Infecção do trato urinário (ITU) .......................................................................................................111 Unidade II 5 DISTÚRBIOS DA FUNÇÃO CIRCULATÓRIA ...........................................................................................116 5.1 Edema .....................................................................................................................................................116 5.2 Hiperemia e congestão ....................................................................................................................120 5.3 Trombose ................................................................................................................................................122 5.4 Embolia ..................................................................................................................................................127 5.5 Hemorragia ...........................................................................................................................................131 5.6 Hipertensão .........................................................................................................................................133 5.7 Infarto .....................................................................................................................................................133 5.8 Insuficiência cardíaca ......................................................................................................................135 5.9 Endocardite, miocarditee pericardite ........................................................................................136 5.10 Choque circulatório ........................................................................................................................139 5.11 Doença arterial coronariana e doença arterial oclusiva ..................................................143 6 O SISTEMA NERVOSO ..................................................................................................................................143 6.1 Organização geral .............................................................................................................................143 6.2 As células do sistema nervoso ......................................................................................................147 6.2.1 A condução de sinais elétricos nos neurônios ......................................................................... 148 6.2.2 As células gliais .....................................................................................................................................151 6.3 As informações são transportadas nos neurônios como sinais elétricos ....................153 6.3.1 O potencial de repouso neuronal .................................................................................................. 154 6.3.2 O potencial graduado e o potencial de ação ........................................................................... 157 6.3.3 Os períodos refratários ...................................................................................................................... 159 6.3.4 Diferentes neurônios possuem diferentes velocidades de condução dos potenciais de ação .......................................................................................................................................... 160 6.4 Os neurônios se comunicam por sinapses ...............................................................................161 6.5 A somação dos potenciais graduados........................................................................................165 7 MEDULA ESPINAL E SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO (SNP) ........................................................166 7.1 A medula espinal ................................................................................................................................166 7.1.1 Os reflexos medulares ........................................................................................................................ 168 7.2 O SNC é sustentado por ossos e tecido conectivo ...............................................................170 7.3 As diferentes partes do encéfalo e suas funções ..................................................................172 7.4 O sistema nervoso autônomo .......................................................................................................175 7.5 Fisiologia aplicada aos sistemas sensoriais ..............................................................................178 7.5.1 Campos de recepção ........................................................................................................................... 179 7.5.2 Sensibilidade somática ...................................................................................................................... 182 7.6 Funções intelectuais do cérebro ...................................................................................................185 7.6.1 Áreas associativas ................................................................................................................................ 187 7.6.2 As funções interpretativas ............................................................................................................... 188 7.6.3 Pensamentos, consciência e memória ......................................................................................... 188 8 DOENÇAS DO SISTEMA NERVOSO ..........................................................................................................195 8.1 Doenças neurodegenerativas e dobramento proteico .......................................................195 8.2 Neurodegeneração e inflamação .................................................................................................196 8.3 Estudo das principais doenças neurodegenerativas (DNEs) .............................................196 8.3.1 Doença de Alzheimer (DA) ............................................................................................................... 196 8.3.2 Doença de Parkinson .......................................................................................................................... 197 8.3.3 Doença de Huntington ...................................................................................................................... 197 8.3.4 Esclerose múltipla (EM) ..................................................................................................................... 197 8.3.5 Esclereose lateral amiotrófica (ELA) ............................................................................................ 198 8.3.6 Encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET) ............................................................... 198 8.4 Transtornos mentais ..........................................................................................................................199 8.4.1 Transtornos do pensamento e do humor .................................................................................. 199 8.4.2 Transtorno do humor (TH) .................................................................................................................201 8.4.3 Transtornos ansiosos, somatoformes e dissociativos ............................................................202 8.4.4 Transtornos de personalidade ....................................................................................................... 203 8.4.5 Transtornos alimentares .................................................................................................................. 205 9 APRESENTAÇÃO Objetivamos com este livro-texto apresentar os principais tópicos que norteiam a patologia geral e a específica, bem como os conceitos fundamentais da fisiopatologia. Através do estudo dos processos patológicos básicos, será possível compreender os elementos celulares e todos os processos fisiológicos os quais regulam as funções normais dos nossos órgãos, tecidos e sistemas a fim de manter a homeostase no nosso organismo. Uma vez que nos apropriarmos desses conhecimentos, será possível reconhecer os principais processos patológicos. Enfatizamos, portanto, nesse sentido, os aspectos comuns a diferentes doenças no que se refere às suas causas, a seus mecanismos patogênicos, às lesões estruturais (microscópicas e macroscópicas) e às alterações da função que envolvem com base ao entendimento. Para sua melhor compreensão, abordamos inicialmente os processos básicos com maior ênfase aos processos de adaptações celulares e inflamação, bem como os mecanismos de reparação tecidual, além das pigmentações patológicas. Na sequência, abordamos os principais processos patológicos envolvendo os diferentes sistemas orgânicos, como sistema circulatório, respiratório, renal, digestório, endócrino, sistema nervoso, imunopatologia e reações de hipersensibilidade. Por fim, e não menos importante, abordamos os principais aspectos envolvidos na gênese das principais neoplasias e os conceitos gerais da anatomia patológica. INTRODUÇÃO Neste livro-texto, estudaremos os principais processos fisiológicos e seu desequilíbrio, sendo, portanto, a fisiopatologia o objeto de estudo. A fisiopatologia é entendida como um processo fisiológico desordenado que causa, resulta ou está associada a uma doença ou lesão. Patologia é a disciplina médica que descreve condições normalmente observadas durante um estado de doença, enquanto fisiologia é a disciplina biológicaque descreve processos ou mecanismos que operam dentro de um organismo. A patologia descreve a condição anormal ou indesejada, enquanto a fisiopatologia procura explicar as alterações funcionais que estão ocorrendo dentro de um indivíduo devido a uma doença ou estado patológico. Em outras palavras, patologia é o estudo das causas e efeitos de doenças ou lesões. O significado de patologia também se refere ao estudo da doença em geral, incorporando uma ampla gama de campos de pesquisa em biociências e práticas médicas. No entanto, quando utilizado no contexto do tratamento médico moderno, o termo é frequentemente usado de maneira mais restrita para se referir a processos e testes que se enquadram no campo médico contemporâneo da “patologia geral”, uma área que inclui vários tipos distintos, mas especialidades médicas inter-relacionadas que diagnosticam doenças, principalmente através da análise de amostras de tecidos, células e fluidos corporais. Linguisticamente, “uma patologia” também pode se referir à progressão prevista ou real de doenças específicas (como na declaração “as muitas formas diferentes de câncer têm patologias diversas”), e o caminho do afixo às vezes é usado para indicar um estado da doença. Como campo de investigação e pesquisa geral, a fisiopatologia aborda quatro componentes da doença: causa, mecanismos de desenvolvimento (patogênese), alterações estruturais das células (alterações morfológicas) e as consequências das alterações (manifestações clínicas). Na prática 10 médica comum, a patologia geral preocupa-se principalmente com a análise de anormalidades clínicas conhecidas que são marcadores ou precursores de doenças infecciosas e não infecciosas e é conduzida por especialistas em uma das duas principais especialidades: patologia anatômica e patologia clínica. Existem outras divisões na especialidade com base nos tipos de amostras envolvidas (comparando, por exemplo, citopatologia, hematopatologia e histopatologia), órgãos (como na patologia renal) e sistemas fisiológicos (patologia oral), bem como com base no foco do exame (como na patologia forense). Já a psicopatologia é o estudo de doenças mentais, particularmente de distúrbios graves. Fortemente fundamentada na psicologia e na neurologia, seu objetivo é classificar doenças mentais, elucidar suas causas subjacentes e orientar o tratamento psiquiátrico clínico de acordo. Embora o diagnóstico e a classificação de normas e transtornos mentais sejam amplamente da competência da psiquiatria – cujos resultados são diretrizes como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que tentam classificar a doença mental principalmente em evidências comportamentais. Transtornos mentais ou sociais ou comportamentos vistos como geralmente não saudáveis ou excessivos em um determinado indivíduo, a ponto de causar danos ou perturbações graves no estilo de vida do doente, são frequentemente chamados de “patológicos”. 11 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS Unidade I 1 INTRODUÇÃO À FISIOPATOLOGIA 1.1 Definições em processos patológicos O termo patologia é derivado do grego pathos, que significa doença, sofrimento, e logos, que quer dizer estudo. A patologia é uma área da medicina que se dedica ao estudo de alterações estruturais, bioquímicas e funcionais das células. É uma ponte entre as ciências básicas e a medicina clínica, sendo a base científica de toda medicina (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016). A patologia pode ser dividida em duas grandes áreas: patologia geral, que estuda a etiologia e a patogenia assim como as consequências dos distúrbios patológicos; e patologia especial, que estuda as alterações que ocorrem em cada um dos sistemas. Temos ainda a anatomia patológica, área de especialidade médica que se concentra em estudar as alterações estruturais e morfológicas dos diferentes tecidos do corpo; e, por fim, a fisiopatologia, que irá estudar as consequências funcionais dessas alterações nos órgãos e sistemas afetados abrangendo assim um significado mais clínico das doenças. Os quatro aspectos de um processo de doença que formam o cerne da patologia são sua causa (etiologia), os mecanismos do seu desenvolvimento (patogenia), as alterações bioquímicas e estruturais induzidas nas células e órgãos do corpo (alterações moleculares e morfológicas) e as consequências funcionais dessas alterações (manifestações clínicas). Etiologia ou causa A ideia de que as doenças eram causadas é extremamente antiga, datando desde 2500 a.C. Através de relatos históricos antigos, percebe-se que se alguém adoecesse, a culpa era do próprio paciente (por ter pecado) ou por obra de agentes externos, como maus odores, frio, maus espíritos ou deuses. Atualmente, surgem duas principais classes de fatores etiológicos, sendo estes os de origem genética (por exemplo, mutações herdadas e doenças associadas com variantes genéticas, ou polimorfismo) e adquiridos (por exemplo, por meios infecciosos, nutricionais, químicos, físicos). O conceito de que um agente etiológico seja a causa de uma doença, desenvolvido a partir do estudo de infecções e distúrbios monogênicos, não é aplicável à maioria das doenças. Sabe-se que muitos dos problemas hoje de maior importância em termos de saúde pública que afeta a população é na maior parte das vezes multifatorial e surge dos efeitos de vários estímulos a um indivíduo suscetível. Patogenia A patogenia refere-se à sequência de eventos na resposta de células ou tecidos ao agente etiológico, partindo da compreensão do estímulo inicial à forma como se apresenta no final da doença. Mesmo nas 12 Unidade I situações em que a priori a causa inicial de uma doença é conhecida como nas situações de infecção, por exemplo, o estudo da patogenia continua a ser um dos principais domínios da patologia, inclusive se destacando também os eventos bioquímicos e morfológicos eventualmente associados. As novas tecnologias vêm apresentando possibilidades de novas abordagens, sobretudo em relação a aspectos terapêuticos, e por essas razões, o estudo da patogenia nunca foi tão desafiador e estimulante aos profissionais da área da saúde. Alterações moleculares e morfológicas Refere-se às alterações estruturais em células ou tecidos que são características de uma doença e que favorecem o diagnóstico de um processo sobre aspectos etiológicos. Nesse sentido, a utilização da patologia diagnóstica revela a identificação dos fatores causais, ou seja, da natureza do processo e de sua progressão, para tal, a patologia diagnóstica utiliza o estudo das alterações morfológicas nos tecidos e alterações químicas nos pacientes. Mais recentemente, as limitações da morfologia em diagnosticar doenças tornaram-se incrivelmente evidentes, e o campo da patologia diagnóstica expandiu-se a fim de cercar as abordagens imunológicas e moleculares para a análise do estado da doença. Manifestações clínicas As alterações e/ou anormalidades funcionais são o resultado final das alterações genéticas, bioquímicas e estruturais em células e tecidos, as quais acabam por gerar as manifestações clínicas (sinais e sintomas) da doença, bem como a sua progressão (curso clínico e consequência). De forma geral, as doenças iniciam-se com alterações moleculares ou estruturais nas células, um conceito formulado, primeiramente, no século XIX, por Rudolf Virchow. Como já dito, as doenças têm causas que atuam por mecanismos variados, os quais produzem alterações moleculares e/ou morfológicas nos tecidos, resultando em alterações funcionais no organismo ou em parte dele, produzindo manifestações subjetivas (sintomas) ou objetivas (sinais). A patologia cuida dos aspectos de etiologia (estudo das causas), patogênese (estudo dos mecanismos), anatomia patológica (estudo das alterações morfológicas dos tecidos que, em conjunto, recebem o nome de lesões), fisiopatologia (estudo das alterações funcionais de órgãos e sistemas afetados) e semiologia (estudo dos sinais e sintomas das doenças). Todasessas áreas objetivam de forma conjunta estabelecer o diagnóstico (propedêutica) a partir do qual se estabelecem o prognóstico, o tratamento e a prevenção da doença. A patologia, para ser mais bem compreendida e estudada, pode ser dividida em dois grupos ou temáticas denominadas patologia geral e patologia especial. A patologia geral estuda os aspectos comuns às várias doenças em relação às suas causas, à patogênese, às lesões estruturais e alterações funcionais; já a patologia especial, também conhecida como sistêmica, estuda as doenças de determinado órgão ou sistema (por exemplo, sistema respiratório, cavidade oral), ou estuda as doenças agrupadas por suas causas (doenças infecciosas, doenças causadas por radiações etc.). 13 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS 1.2 Homestase e saúde Para que seja possível o entendimento dos seus processos fisiopatológicos, é de fundamental importância que revisemos os conceitos básicos da fisiologia de forma a melhor compreender o pleno e normal funcionamento do organismo. A célula normal está condicionada a manter-se em uma faixa razoavelmente estreita de função e estrutura por seu estado de metabolismo, diferenciação e especialização; por limitações das células vizinhas; e pela disponibilidade de substratos metabólicos. Porém, vale ressaltar que ela é capaz de sustentar as demandas fisiológicas, mantendo um estado normal chamado de homeostasia. Nesse sentido, cada célula que constitui nosso organismo está diretamente envolvida na manutenção de um estado dinâmico de equilíbrio, o qual denominamos homeostase. Qualquer alteração ou lesão, por menor que seja eventualmente, pode comprometer o organismo como um todo. A manutenção da homeostase é de certa forma uma responsabilidade integrada de três estruturas cerebrais importantes: a medula oblonga, que corresponde à parte do tronco cerebral ligada à manutenção das funções vitais, como respiração, circulação, entre outras; a hipófise, a qual regula a função de outras glândulas, estando diretamente associada ao crescimento, maturação e reprodução de um indivíduo; e o sistema reticular, o qual se configura como uma intrincada rede de núcleos e fibras provenientes de células nervosas no tronco cerebral e na medula espinal, diretamente associado ao controle dos reflexos vitais como, por exemplo, o que ocorre na função cardiovascular. A homeostase é sustentada por mecanismos de autorregulação que também são retroestimulados, conhecidos como: • Retroestimulação positiva: responsável por ampliar a alteração sistêmica, tirando o sistema da homeostase. Um exemplo clássico para melhor entendimento ocorre quando o coração bombeia sangue com maior velocidade e mais força numa situação de choque. Em situações de choque, se evoluir, a ação do coração pode demandar mais oxigênio do que o que normalmente encontra-se disponível, isso pode acarretar uma insuficiência cardíaca. • Retroestimulação negativa: o processo restaura a homeostase corrigindo deficiências pelo entendimento das alterações no organismo. Pode-se exemplificar tomando como base as alterações provocadas pela elevação da glicose. Nesse caso, desencadeia-se o aumento na produção de insulina pelo pâncreas, ocasionando uma redução dos níveis de glicose aos patamares normais e restaurando o equilíbrio. Cada mecanismo de retroestimulação, independentemente se positivo ou negativo, apresenta três componentes básicos: um sensor responsável por detectar as mudanças na homeostase, normalmente expressa por alterações dos impulsos nervosos ou de níveis hormonais; um centro de controle no sistema nervoso central (SNC), o qual recebe sinais advindos do sensor e regula a resposta do organismo frente às alterações; dando início ao mecanismo de execução, o qual é diretamente responsável por restabelecer a homeostase. 14 Unidade I O conceito de saúde de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) (apud DONNANGELO; PEREIRA, 1979) é o indivíduo ter o completo bem-estar físico, social e mental e não apenas a ausência de doenças. A definição é complexa e abrangente, leva em consideração não apenas a presença de doenças fisiológicas que podem ser diagnosticadas, mas todas as condições psicológicas e mentais que interferem diretamente na qualidade de vida das pessoas. Lembrete Em 1948, o preâmbulo da Constituição da OMS definiu saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não exclusivamente como a ausência de doenças e enfermidades. Doença é uma condição anormal específica que afeta negativamente a estrutura ou a função de parte ou de todo o organismo, e isso não é devido a nenhuma lesão externa. As doenças geralmente são interpretadas como condições médicas associadas a sintomas e sinais específicos. Uma doença pode ser causada por fatores externos, como patógenos, ou por disfunções internas. Por exemplo, disfunções internas do sistema imunológico podem produzir uma variedade de doenças diferentes, incluindo várias formas de imunodeficiência, hipersensibilidade, alergias e distúrbios autoimunes. Nos seres humanos, a doença é frequentemente usada de maneira mais ampla para se referir a qualquer condição que cause dor, disfunção, angústia, problemas sociais ou morte da pessoa afetada ou problemas semelhantes para aqueles em contato com a pessoa. Nesse sentido mais amplo, às vezes, inclui lesões, deficiências, distúrbios, síndromes, infecções, sintomas isolados, comportamentos desviantes e variações atípicas de estrutura e função, enquanto que em outros contextos e para outros fins, podem ser consideradas categorias distinguíveis. As doenças podem afetar as pessoas não apenas fisicamente, mas também mentalmente, pois a contração e a convivência com uma doença podem alterar a perspectiva de vida da pessoa afetada. A morte por doença é chamada morte por causas naturais. Existem quatro tipos principais de doenças: infecciosas, por deficiência, hereditárias (incluindo doenças genéticas e doenças hereditárias não genéticas) e fisiológicas. Também podem ser classificadas de outras maneiras, como transmissíveis versus não transmissíveis. As doenças mais mortais nos seres humanos são as das artérias coronárias (obstrução do fluxo sanguíneo), seguidas pelas cerebrovasculares e infecções respiratórias inferiores. 1.3 Agentes causadores de doença Os agentes responsáveis pelo aparecimento de doença são conhecidos como fatores ou agentes etiológicos. Entre eles, estão os biológicos (por exemplo, bactérias e vírus), os físicos (por exemplo, traumatismo, queimaduras, radiação), os agentes químicos (por exemplo, pesticidas e nicotina), a herança genética (por exemplo, síndromes cromossômicas) e os excessos ou déficits nutricionais (por exemplo, obesidade e avitaminose). 15 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS A maioria dos agentes etiológicos é inespecífico, e muitos agentes diferentes podem causar uma doença em um mesmo órgão. Por outro lado, um único agente ou trauma pode desenvolver uma doença em diferentes órgãos ou sistemas. Por exemplo, na fibrose cística, um único aminoácido produz uma doença generalizada. Embora um agente patológico possa afetar mais de um órgão isoladamente e diferentes agentes patológicos possam afetar o mesmo órgão, a maioria das doenças não tem uma única causa. Muitas têm origem multifatorial, ou seja, várias causas. Podemos citar o câncer e as doenças cardíacas. Os diversos fatores que predispõem a uma doença são chamados de fatores de risco. Em geral as doenças evoluem por meio de inúmeros estágios: • Exposição ou lesão: o tecido denominado de alvo é exposto ao agente causal ou lesado. • Latência ou período de incubação: o indivíduo não manifesta sinais e/ou sintomas da doença. • Período prodrômico: surgem os primeiros sinais e sintomas, no entanto, em sua maioria, são inespecíficos e não permitem uma clara identificação do agente causal. • Fase aguda: normalmente apresentam-se sinais e sintomas em sua forma mais expressiva, podendoinclusive acarretar complicações. Pode ser denominada de forma aguda subclínica se o paciente continuar a se comportar como se a doença ainda não estivesse instalada. • Remissão: uma nova e eventual fase de latência que deverá ser seguida por outra fase aguda. Remissões acontecem muitas vezes por falha no processo terapêutico, trazendo por vezes situações de maior agravamento quando comparadas à fase aguda inicial. • Convalescença: o paciente apresenta sinais compatíveis com indivíduo em processo de recuperação. O objetivo é que, ao término desse processo, o paciente esteja completamente recuperado e apto a restabelecer suas atividades normais. • Recuperação: o paciente encontra-se completamente recuperado, em plena capacidade funcional, sem a presença de sinais e/ou sequelas do processo de doença ocorrida. Quando um fator de estresse ocorre, a exemplo das situações de mudança de vida, como término de um relacionamento, perda de um emprego ou até mesmo algo positivo como o nascimento de um filho, o indivíduo busca formas de se adaptar de maneira adequada a essas mudanças, a incapacidade de adaptação pode resultar em estresse. A dificuldade de uma pessoa motivada por esse estresse pode desencadear ou agravar uma doença ou condição. O quadro a seguir apresenta algumas condições por vezes consideradas bastantes comuns associadas ao estresse. 16 Unidade I Quadro 1 Alterações menstruais Erupções cutâneas Angina Etilismo Ansiedade e ataques de pânico Fraqueza ou espasmo muscular Cefaleias (enxaquecas ou do tipo tensional Hipertensão Depressão Insônia Desmaio Palpitações cardíacas Disfunção sexual Síndrome do intestino irritável Distúrbios alimentares (bulimia, anorexia, entre outros) Úlcera péptica Alguns estágios presentes na adaptação frente a um evento estressante são definidos como alarme, resistência e recuperação ou exaustão. Na situação de alarme, o corpo detecta o agente ou a situação estressante e acaba por acionar o SNC à liberação de substâncias químicas para o que conhecemos como resposta de luta e fuga. A liberação de epinefrina ocorre através da ação da medula simpática adrenal, e a liberação de glicocorticoides, pelo eixo hipotálamo-hipófise e adrenal, tais sistemas atuam de forma integrada auxiliando uma resposta mais adequada do corpo ao estresse, tal evento é por muitos denominado liberação adrenérgica do pânico ou da agressão. No estágio de resistência, o corpo responde ao estresse e tenta se adaptar. Os mecanismos de cobertura são acionados, e se o corpo não conseguir se adaptar, inicia-se o estado de exaustão. Os hormônios não são mais produzidos como o que ocorria no estado de alarme, em decorrência, ocorre lesão de órgãos e tecidos, acarretando o aparecimento dos sinais e sintomas das doenças. 1.3.1 Agentes biológicos Agentes biológicos incluem vírus, bactérias, fungos, protozoários, helmintos e artrópodes. Todos eles podem invadir e/ou colonizar o organismo a fim de procurar condições ideais de abrigo e nutrição e acabam por, em inúmeros casos, produzir doenças conhecidas em conjunto como infecciosas. Um agente biológico pode produzir lesão por meio de inúmeros mecanismos: • Ação direta: por invasão de células que se multiplicam podendo ocasionar a morte e/ou a sua destruição. A presença de um microrganismo no interior de uma célula pode ser definida como efeito citopático e pode ocorrer associada à infecção celular por muitos microrganismos, especialmente vírus e alguns tipos de riquétsias, bactérias e protozoários. • Substâncias tóxicas (toxinas) liberadas pelo agente infeccioso: as exotoxinas de bactérias, de micoplasmas e de alguns protozoários. Pode-se citar como exemplos as toxinas produzidas pelas espécies de Clostridium spp. como Clostridium tetanii e Clostridium botulinum, estas por ação de suas toxinas podem provocar respectivamente o tétano e o botulismo. 17 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS • Toxinas endógenas, ou endotoxinas: componentes estruturais ou substâncias armazenadas no interior do agente biológico e liberados após sua morte e desintegração. • Antígenos/componentes do agente agressor: podem aderir à superfície celular ou de outras estruturas teciduais, tornando-se alvo da ação de anticorpos e da imunidade celular dirigida aos epítopos desses microrganismos. • Antígenos do microrganismo: podem ter epítopos semelhantes a moléculas dos tecidos; a resposta imunitária contra esses epítopos faz-se também contra componentes similares existentes nos tecidos (autoagressão), a exemplo do que pode vir a ocorrer após sucessivas infecções de repetição por Streptococcus pyogenes e o aparecimento posterior de febre reumática, glomerulonefrite de Bruton e endocardite estreptocócica, por similaridade antigênica entre a estreptolisina O e proteínas do tecido cardíaco. • Integração ao genoma celular (por exemplo, vírus) e alterações na síntese proteica, o que pode levar a neoplasias: inúmeros vírus, por exemplo, apresentam o chamado potencial oncogênico, como o já conhecido vírus do papiloma humano (HPV), causador de inúmeros casos de neoplasia como de útero e ovário, e o vírus Epstein-Barr, causador de linfomas como de Burkitt e carcinomas como o de nasofaringe. Todos esses mecanismos agem com maior ou menor intensidade de acordo com a constituição genética do organismo. Importante também são as condições do organismo no momento da invasão pelo microrganismo (estado nutricional, lesões preexistentes etc.). 1.3.2 Agentes físicos Dependendo da intensidade e duração de sua ação, qualquer agente físico pode causar lesão. Entre os agentes físicos, estão a força mecânica, as variações da pressão atmosférica, as variações de temperatura, a eletricidade, a radiação e as ondas sonoras (ruídos). Força mecânica A ação da força mecânica sobre o organismo produz vários tipos de lesões denominadas lesões traumáticas (ou impropriamente chamadas de trauma mecânico, já que esse é o agente causal, e não a consequência). Essas são as feridas cujas características seguem: • desprendimento ou remoção de células da epiderme; • laceração, separação de tecidos, por excessiva força de estiramento (laceração de tendões ou vísceras); • contusão na qual o impacto é transmitido através da pele aos tecidos subjacentes, levando à ruptura de pequenos vasos, com hemorragia e edema; • incisão ou corte, lesão produzida por ação de instrumentos cortantes; 18 Unidade I • perfuração produzida por instrumentos pontiagudos sobre os tecidos, sendo uma ferida mais profunda do que extensa; • Fratura, caracterizada por ruptura ou solução de continuidade de tecidos duros, como o ósseo e cartilaginoso. Variações de pressão atmosférica O organismo humano suporta melhor o aumento da pressão atmosférica que a sua diminuição. Veja a seguir. Síndrome de descompressão A doença por descompressão ou barotrauma é causada por uma diminuição rápida da pressão do meio circundante, ocorrendo algumas vezes em mergulhadores. Essa condição desenvolve-se devido à formação de bolhas de nitrogênio na corrente sanguínea e nos tecidos do corpo, normalmente, quando o mergulhador se desloca de águas profundas para a superfície num curto espaço de tempo. Os sintomas da descompressão variam de acordo com a localização de formação das bolhas no corpo, sendo frequente dores de cabeça ou vertigens, cansaço ou fadiga, erupções cutâneas, dor nas articulações, fraqueza muscular ou paralisia. Cerca de 50% dos mergulhadores com problemas de descompressão desenvolvem sintomas na primeira hora após o mergulho ou dentro das primeiras 24 horas. Em casos mais graves, podem desenvolver dificuldades respiratórias, choque ou perda de consciência. Efeitos de grandes altitudes A doença da altitude ocorre em indivíduos não adaptados que se deslocam para grandes altitudes. Até uma altura de 2.500 m, geralmente, não acontecem manifestações; entre 3.000 m e 4.000 m, as alterações são frequentes, mas pouco importantes; e acima de4.000 m, podem aparecer alterações graves. À medida que a altitude aumenta, a pressão atmosférica diminui e menos moléculas de oxigênio encontram-se disponíveis no ar rarefeito. A diminuição do oxigênio disponível afeta o corpo de várias maneiras: a frequência e a profundidade da respiração aumentam, alterando o equilíbrio de gases nos pulmões e no sangue, aumentando a alcalinidade do sangue e mudando a distribuição de sais, como o sódio e o potássio, nas células. Como consequência, a água é distribuída de modo diferente entre o sangue e os tecidos. Nas altitudes elevadas, o sangue contém menos oxigênio, produzindo coloração azulada em pele, lábios e unhas. Ao longo de alguns dias, o organismo produz mais hemácias, transportando então mais oxigênio aos tecidos. Muitas pessoas que vivem ao nível do mar, quando ascendem a uma altitude moderada (2.400 m), em um ou dois dias, apresentam falta de ar, aumento da frequência cardíaca e cansaço fácil. A maioria melhora em poucos dias. 19 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS Variações de temperatura O organismo submetido a baixas temperaturas tenta se adaptar produzindo maior quantidade de calor. A adaptação é temporária, e, se não houver proteção adequada, a temperatura corporal começa a abaixar, instalando-se a hipotermia (considera-se hipotermia a temperatura corporal abaixo de 35 °C). Quando a temperatura cai, ocorre vasoconstrição periférica, palidez acentuada e redução progressiva da atividade metabólica de todos os órgãos, especialmente do encéfalo e da medula espinhal. A causa de morte no resfriamento é, geralmente, falência cardiorrespiratória por inibição dos centros bulbares de controle da respiração e da circulação. A ação local do calor produz as queimaduras. O calor causa lesão por: • liberação de histamina pelos mastócitos, que produz vasodilatação e edema; • liberação de substância P das terminações nervosas aferentes; • ativação da calicreína plasmática e tecidual, com liberação de bradicinina, que aumenta a vasodilatação e o edema; • lesão direta da parede vascular, que pode aumentar o edema, produzir hemorragia e levar à trombose de pequenos vasos, resultando em isquemia e necrose. Se o indivíduo é submetido a temperaturas elevadas (excesso de sol, proximidade de caldeiras), pode haver elevação progressiva da temperatura corporal, a hipertermia. Quando a temperatura corporal atinge ou ultrapassa 40 °C, ocorre vasodilatação periférica, abertura dos capilares e sequestro de grande quantidade de sangue na periferia, iniciando quadro de insuficiência circulatória periférica (choque térmico clássico). Radiações ionizantes As lesões causadas por radiações ionizantes em humanos decorrem de inalação ou ingestão de poeira ou alimentos que contenham partículas radioativas, o que acontece em: • trabalhadores de minas, onde são abundantes os minerais radioativos, como o rádio; • exposição a radiações com fins terapêuticos ou diagnósticos; • contato acidental com radiações emanadas de artefatos nucleares, como reatores, aparelhos de radioterapia ou de radiodiagnóstico; • bombas nucleares. A radiação ionizante de uma forma dose-dependente pode causar mutação nas células e matá-las por múltiplas vias, incluindo morte celular por apoptose, necrose ou redistribuição de células para 20 Unidade I outros compartimentos. A radiação ionizante interage com alvos intracelulares produzindo radicais livres e causando uma ruptura no ácido desoxirribonucléico (DNA). O dano tecidual é dependente da radiossensibilidade dos diferentes tecidos, com o efeito particularmente alto em espermatócitos nos testículos, linfócitos circulantes, células hematopoiéticas na medula óssea e células da cripta nos intestinos. O dano nas células é em grande parte dependente das doses de radiação. A ruptura do DNA geralmente é reparada por uma variedade de mecanismos. Esse reparo pode levar a pequenas mutações, enquanto falhas de cadeia dupla podem levar a translocações cromossômicas, inversões e fusões de telômeros. Embora as translocações cromossômicas, inversões e mutações pontuais sejam tipicamente lesões não letais, tais aberrações cromossômicas induzidas por radiação podem ser lesões iniciais que apresentam a possibilidade de ter efeito atrasado de carcinogênese. Efeitos da luz solar A luz solar contém amplo espectro de radiações. A radiação infravermelha produz calor, sendo responsável em parte por queimaduras solares. As radiações ultravioletas são potencialmente mais lesivas. Os raios UV-C são absorvidos na camada de ozônio e não chegam à superfície da Terra (a proteção da camada de ozônio tem, pois, grande importância para as pessoas). Os raios UV-A e UV-B são os responsáveis pelas lesões provocadas pela luz solar, que podem ser agudas ou crônicas. Insolação e queimaduras são lesões agudas, caracterizadas por eritema, edema e formação de bolhas; em seguida, surgem descamação e hiperpigmentação. Os efeitos crônicos são mais relevantes. Os raios UV-B têm ação melanogênica, induzem pigmentação, são responsáveis principais por fenômenos de fotossensibilização, aceleram o envelhecimento e provocam lesões proliferativas, incluindo neoplasias. Reações de fotossensibilização são induzidas por substâncias que se depositam na pele e por absorverem raios UV, podem ser ativadas, originar radicais livres e ter efeitos tóxicos sobre células epidérmicas; podem surgir erupções, com coceira, área de vermelhidão e inflamação nas manchas de pele expostas ao sol. A luz pode provocar reações do sistema imunológico, determinadas doenças, como lúpus eritematoso sistêmico, podem provocar reações cutâneas mais sérias se houver exposição à luz solar. Os raios UV-A causam degenerações dos ceratinócitos e alterações no seu DNA, o que pode provocar lesões proliferativas benignas ou malignas (carcinoma basocelular e melanomas). 21 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS UV-A Provoca bronzeamento. Acumulação sobre um período de tempo pode levar a cararatas UV-B Causa queimaduras solares. Superexposição aos raios UVB pode causar danos à córnea UV-C Absorvido e bloqueado pela camada de ozônio antes de alcançar a Terra Figura 1 – Tipos de radiações ultravioletas e seus efeitos Saiba mais Você pode saber mais sobre câncer de pele no site do Inca: INCA. Câncer de pele não melanoma. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-nao-melanoma. Acesso em: 8 nov. 2019. Som (ruído) Observações epidemiológicas indicam que uma pessoa submetida a ruídos intensos (no ambiente de trabalho, em casa, nas ruas) apresenta distúrbios de audição caracterizados por perda progressiva da capacidade de distinguir sons de frequência mais alta. Admite-se que ruídos muito altos induzam lesões nas células ciliadas do órgão de Corti, as quais são responsáveis pela acuidade auditiva. É notório que indivíduos idosos da zona rural tenham audição mais conservada do que os de grandes centros urbanos, onde o nível de ruídos é maior. Membrana tectorial Estereocílios Células ciliadas internas Células ciliadas externas Membrana basilar Célula de suporte Célula de Deiter Túnel Célula pilar Nervo Nervo auditivo Figura 2 – Estrutura do ouvido interno 22 Unidade I O ultrassom, gerado pela transformação de energia elétrica em ondas sonoras com frequência acima de 20.000 Hz, é muito utilizado no diagnóstico por imagens (ultrassonografia). Até o momento, não há relatos de efeitos deletérios decorrentes da ultrassonografia, inclusive na vida embrionária. 1.3.3 Agentes químicos Quer sejam substâncias tóxicas, quer sejam medicamentos, ambos podem provocar lesões a partir de dois mecanismos distintos: • Ação direta sobre células ou interstício: mediante transformações moleculares que resultam em degeneração ou morte celular, alterações do interstício ou modificações no genoma, induzindo transformação maligna (efeito carcinogênico). Quando atuam na vida intrauterina,podem induzir a erros do desenvolvimento (efeito teratogênico). • Ação indireta: atuando como antígeno (o que é muito raro), induzindo resposta imunitária humoral ou celular responsável pelo aparecimento de lesões. Quer seja um medicamento, quer seja uma substância tóxica, o efeito do agente químico depende de vários fatores como dose, vias de penetração e absorção, transporte, armazenamento, metabolização e excreção; depende também de particularidades do indivíduo como idade, gênero, estado de saúde, momento fisiológico e constituição genética. As substâncias químicas capazes de danificar as células estão no ar em toda parte no ambiente. A poluição do ar e da água contém substâncias capazes de lesar os tecidos, como o tabaco e alguns alimentos. Algumas das substâncias mais prejudiciais existem em nosso ambiente, como o gás monóxido de carbono, inseticidas e metais pesados, por exemplo, o chumbo. Muitas drogas, como álcool, medicamentos e seus excessos e drogas ilícitas, são capazes de danificar os tecidos, direta ou indiretamente. O álcool etílico danifica a mucosa gástrica, o fígado, o feto em desenvolvimento e outros órgãos. As drogas antineoplásicas (anticâncer) e imunossupressoras podem danificar diretamente as células. Outras drogas produzem produtos finais metabólicos tóxicos às células. O paracetamol, droga analgésica bastante usada, é detoxificado no fígado, onde pequenas quantidades do medicamento são convertidas em metabólitos altamente tóxicos. Esse metabólito é detoxificado por uma via metabólica que usa uma substância (por exemplo, glutationa) normalmente presente no fígado. Quando grande quantidade da droga é ingerida, essa via é superada, e os metabólitos tóxicos acumulam-se, causando intensa necrose hepática. 1.3.4 Herança genética Herança genética é processo pelo qual um organismo ou célula adquire ou torna-se predisposto a adquirir características semelhantes às do organismo ou célula que o gerou através de informações codificadas (código genético) transmitidas à descendência. A combinação entre os códigos genéticos dos progenitores (em espécies sexuadas) e erros (mutações) na transmissão desses códigos é responsável pela variação biológica que sob a ação da seleção natural, permite a evolução das espécies. As doenças genéticas são aquelas que envolvem alterações no material genético, ou seja, no DNA. Algumas delas 23 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS podem possuir o caráter hereditário, sendo repassadas de pais para filhos. Entretanto, nem toda doença genética é hereditária. Um exemplo é o câncer, ele é causado por alterações no material genético, mas não é transmitido aos descendentes. Existem três tipos de doenças genéticas: • Monogenéticas ou mendelianas: quando apenas um gene é modificado. • Multifatorial ou poligênicas: quando mais de um gene é atingido e ocorre ainda interferência dos fatores ambientais. • Cromossômicas: quando os cromossomos sofrem modificações em sua estrutura e número. As doenças de origem genéticas mais comuns no Brasil são a síndrome de Down, a anemia falciforme, o diabetes, o câncer e o daltonismo. 1.3.5 Lesões por desequilíbrios nutricionais Os excessos e as deficiências nutricionais predispõem as células a lesões. Considera-se que a obesidade e as dietas ricas em gorduras saturadas predispõem à aterosclerose. O corpo precisa de mais de sessenta substâncias orgânicas e inorgânicas em quantidades que variam de microgramas a gramas. Esses nutrientes consistem em minerais, vitaminas, alguns ácidos graxos e aminoácidos específicos. As deficiências dietéticas podem ocorrer sob a forma de inanição na qual há deficiência de todos os nutrientes e vitaminas, ou por deficiência seletiva de um único nutriente ou vitamina. A anemia ocorre por deficiência de ferro, o escorbuto, o beribéri e a pelagra são exemplos de lesões causadas pela falta de vitaminas específicas ou minerais. Necessidade de nutrientes Fatores sociais e culturais Fatores físicos (exemplo: doenças, má-absorção) Condições especiais (exemplo: doença, febre, estresse) Manutenção das necessidades corporais Desenvolvimento e crescimentoFatores econômicos Fatores emocionais Ingestão de nutrientes Figura 3 – Equilíbrio nutricional e ingestão de alimentos 24 Unidade I 1.4 Ciclo celular O ciclo celular é um conjunto de eventos que leva ao processo de duplicação e divisão celular. O seu principal objetivo é produzir duas células que deverão corresponder a cópias idênticas da célula que a originou. É através desse processo que as células unicelulares irão se reproduzir, e as células multicelulares se multiplicarão. A frequência de divisões celulares varia com o tipo e o estado fisiológico e nutricional de cada célula. As características de crescimento e diferenciação celulares são essenciais para todos os seres vivos. O crescimento ou a multiplicação celular é o mecanismo responsável pela formação das células que compõem um organismo, assim como o processo envolvido na reposição de células que acabam sendo perdidas durante a vida pelo processo de envelhecimento ou por lesões celulares. Já o processo de diferenciação é responsável pela especialização morfofuncional de todas as células de um organismo vivo. Levando em consideração a capacidade de replicação das células, elas podem ser classificadas em três grupos: • Células lábeis: precisam se renovar sempre e, portanto, se multiplicam com muita facilidade. Encontram-se em constante divisão celular com o objetivo de repor as células que morreram, por exemplo: epitélio do intestino delgado, células do sistema linfático, da cavidade oral, do trato gastrointestinal, células dos folículos capilares, células da medula óssea. • Células estáveis ou quiescentes: multiplicam-se em função de algum estímulo. Estão comumente em fase G0 do ciclo celular e têm baixo nível de replicação, mas quando devidamente estimuladas, possuem rápida proliferação, por exemplo: hepatócitos, células ósseas, pancreáticas, renais, do pulmão, musculatura lisa, do endotélio e fibroblastos da pele. • Células permanentes ou perenes: as mais especializadas do corpo humano. Atingiram o estágio final de diferenciação e não têm mais capacidade de se dividirem. Dessa forma, essas células estão permanentemente em G0 e não podem se renovar. São três as células permanentes: as da musculatura esquelética e cardíaca e os neurônios. O período que vai do início ao fim da divisão de uma célula é denominado ciclo celular. O ciclo celular é dividido em duas fases: a intérfase e a mitose ou a meiose. Nesse ciclo, a célula deverá crescer e se preparar para o processo de divisão celular. Quando na divisão, a célula origina células-filhas com a metade do número de cromossomos, o processo é chamado de meiose. A meiose é composta de dois ciclos consecutivos de divisões, chamadas de meiose I e meiose II. Já quando o objetivo da divisão celular for originar duas células-filhas idênticas, o processo será denominado mitose. Assim, ao fim de cada ciclo celular, o mesmo número de cromossomos e as mesmas informações genéticas da célula-mãe serão mantidos nas células-filhas. Algumas células, como os neurônios, que já atingiriam o seu ponto máximo de capacidade de diferenciação, permanecem em intérfase durante toda a vida. Já as células estáveis permanecem em G0, 25 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS ou também chamado de estado de quiescência, até que ocorra um estímulo proliferativo para que ela volte a se dividir. Nesses estágios, as células estão realizando todas as suas funções para manter o tecido ou órgão funcionando, mas não inicia os mecanismos necessários para a divisão celular. 1.4.1 Intérfase A intérfase é o estado natural da célula, ou seja, aqui ela não se encontra em divisão celular. Nessa etapa, as células mantêm o equilíbrio de todas as suas funções através da absorção dos nutrientes necessários à sua manutenção. Ela permanecerá nesse estágio até estarpreparada para uma nova divisão, em que ocorrerá o aumento do tamanho, do volume e ainda em número de organelas. A partir de então, o ciclo se reinicia. Para as células que entrarão em divisão, a intérfase é dividida em quatro fases: G0, G1, S e G2. Fase G0 ou fase de repouso celular É a fase em que a célula não tem estímulos para a divisão celular e se concentra em exercer sua função vital. A célula só sai dessa fase quando ocorre um estímulo adequado para se dividir. Fase G1 ou GAP1 É a fase mais longa do ciclo celular e também a mais variada de todas. Esse período é caracterizado por síntese proteica e de RNA. Ocorre crescimento celular com aumento do citoplasma das células recém-formadas. Após o período G1, há um ponto de checagem em que se verifica se o ambiente está favorável para a célula se dividir. Durante essa fase do ciclo celular, a progressão de muitas células é interrompida e impedida de se proliferar. Esse controle repressivo é chamado de ponto de restrição. Se o fornecimento de nutrientes foi pobre ou se as células receberem algum estímulo antiproliferativo como um sinal para finalizar a diferenciação, elas permanecem no ciclo celular em G1 ou são removidas do ciclo. No entanto, se as células recebem estímulos positivos e forem capazes de ultrapassar o ponto de restrição, um novo ciclo de replicação de DNA é acionado e ocorre a divisão celular. Fase S É a fase do ciclo celular comprometida com a duplicação do DNA e, portanto, nessa fase, ocorre o crescimento expressivo do núcleo celular. É responsável por desencadear a divisão celular, além de garantir que as células-filhas recebam as informações genéticas determinantes de suas características. Ocorre a duplicação das cromátides dos cromossomos, ficando cada cromossomo com duas cromátides-irmãs unidas pelo centrômero. Ocorre também a duplicação dos centríolos da célula, organelas responsáveis por parte importante da duplicação celular. Fase G2 ou GAP2 Nessa fase, ocorre síntese das proteínas do citoesqueleto celular e a duplicação dos centríolos. Em G2, os cromossomos estão constituídos por duas moléculas de DNA cada (2 cromátides). Após a separação dos centríolos para os polos da célula, ocorre a formação de um sistema com importante participação durante a divisão celular – o fuso mitótico. 26 Unidade I 1.4.2 Mitose A fase M (mitose seguida de citocinese) é o processo de divisão celular propriamente dito, é contínuo, em que a partir de uma célula inicial, o material genético da célula é duplicado e formam-se duas células idênticas e com o mesmo número de cromossomos. A mitose acontece na maioria das células somáticas do nosso corpo e é essencial nos processos de regeneração tecidual e cicatrização. Ocorre em cinco etapas sequenciais: prófase, metáfase, anáfase e telófase, além da etapa de citocinese. Prófase O começo da mitose é marcado pela condensação dos cromossomos. Essa condensação é mediada pela ação condensina, que faz com que os cromossomos fiquem mais curtos e grossos. É nesse momento que ocorrerá a duplicação do DNA e dos centríolos. As duas cromátides irmãs são mantidas juntas pelo centrômero. Os centríolos duplicados migram para os polos da célula e formam o fuso mitótico. Com o DNA condensado e os centríolos em movimento, inicia-se o processo da divisão mitótica. Ocorre a quebra do envelope nuclear, os nucléolos desaparecem e a carioteca é completamente fragmentada. Em seguida, os microtúbulos do fuso mitótico ligam-se ao centrômero. O término dessa etapa ocorre quando os cromossomos se encontram no meio entre os dois polos celulares numa posição equatorial da célula. Metáfase Muitas células permanecem brevemente nessa fase, marcada pelo grau máximo de condensação dos cromossomos. Nessa etapa, o DNA alinha-se no eixo central enquanto os centríolos iniciam sua conexão com ele. Dois fios do cromossomo se ligam na parte central do centrômero. A transição para anáfase é marcada pela quebra e separação das cromátides e migração de cada uma para um dos polos da célula. Anáfase Nessa fase, as cromátides de separam, e com o encurtamento das fibras do fuso mitótico, são puxadas para os polos opostos da célula. Essa etapa é o ponto de checagem dos cromossomos (checkpoint), em que se não houver anexação e separação correta, o ciclo celular não prossegue. Telófase Nessa etapa, os cromossomos já nos polos celulares se descondensam e têm início a formação de novos envelopes nucleares, reconstituindo dois novos núcleos. A telófase marca o término da mitose, antecedendo a citocinese. Citocinese Essa é a última fase da mitose. Nessa etapa, o anel contrátil de actina e miosina divide o citoplasma em dois, originando duas células-filhas, cada uma com um núcleo. 27 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS 1.4.3 Controle do ciclo celular e pontos de checagem O ciclo celular é uma sequência ordenada de eventos na qual uma célula duplica seu conteúdo e origina duas outras células idênticas. O controle do ciclo celular é um dos mecanismos mais bem estruturados e incluem os mecanismos de controle do crescimento celular, a replicação e a integridade dos cromossomos e sua segregação adequada durante o processo de mitose. Os pontos de controle ou de restrição são períodos que ocorrem durante a divisão celular nas fases G1 e G2, quando algum problema é detectado, o ciclo celular é interrompido até que seja corrigido, ou a célula tem sua morte programada por um mecanismo conhecido como apoptose. Nele, diversas alterações são realizadas no núcleo e no citoplasma da célula, que acaba morrendo e sendo fagocitada por células de defesa do organismo sem perturbação das células vizinhas. Esses pontos de verificação do ciclo celular são fundamentais para a manutenção da integridade e estabilidade das células, a perda dessa capacidade de verificação é um dos maiores responsáveis pelo processo de desenvolvimento do câncer. Na maior parte das células tumorais ocorre descontrole desses pontos de controle, fazendo com que elas se proliferem indefinidamente mesmo com erros na divisão e sem o estímulo adequado. Além disso, os componentes que regulam o crescimento e a divisão celular também desempenham papéis importantes na cessação da divisão celular necessária para a diferenciação celular. Um dos mecanismos mais relevantes se relaciona com a inibição por contato, em que uma célula para de crescer quando se encontra com outra célula, impedindo assim que haja empilhamento ou aumento de densidade populacional desproporcional à manutenção da homeostasia celular. Existem vários pontos de checagem, mas os três mais importantes estão a seguir: Ponto de checagem G1 É o principal ponto de decisão para uma célula, é o primeiro momento da divisão em que o ciclo pode ser interrompido caso haja dano no DNA ou erros de replicação. Se a célula passar por esse controle de qualidade e ingressar na fase S, se torna irreversivelmente comprometida com a divisão. Nesse ponto de checagem, são avaliados o tamanho das células, se há nutrientes suficientes para o processo, a integridade do DNA e os sinais moleculares que estão sendo recebidos, como, por exemplo, os fatores de crescimento ou de inibição celular. Ponto de checagem G2 Antes da mitose, a célula possui ainda o segundo ponto de checagem em que será verificada a integridade do material produzido e se houve ou não algum dano de DNA. Essa etapa é o controle de qualidade da replicação a fim de verificar se o DNA foi completamente copiado durante a fase S. Se o dano não for reparado, a célula sofrerá apoptose. 28 Unidade I Ponto de checagem de M Esse é o ponto de checagem dos fusos mitóticos em que será verificado se cromátides estão corretamente ligadas aos microtúbulos do fuso. Como a separação das cromátides-irmãs durante a anáfase é um passo irreversível, o ciclo não irá continuar até que todos os cromossomos estejam firmemente ligados aos filamentos do fuso em lados opostos da célula. 1.5 Distúrbios de crescimentoe diferenciação celular – adaptações celulares 1.5.1 Alteração no volume celular Atrofia É a redução quantitativa dos componentes estruturais e das funções celulares com diminuição do volume das células e dos órgãos atingidos. Na maior parte dos casos, isso também acarreta numa diminuição do número de células. As atrofias podem ser fisiológicas, como a atrofia senil, em que ocorre uma redução volumétrica orgânica de cérebro, ossos, mucosas, sem um prejuízo funcional, pois se mantém a homeostasia. Já nas atrofias patológicas, as causas podem ser várias: atrofia muscular causada pela diminuição da carga de trabalho (membro engessado), perda da inervação na poliomielite ou na neuropatia diabética. Pode ainda ser causada pela diminuição do suprimento sanguíneo em casos de isquemia, nutrição inadequada, em que os tecidos atrofiam-se por inanição seguindo uma ordem: tecido gorduroso, músculos, tecido linfoide, pele, glândulas, ossos, pulmões, coração e cérebro. É o caso da caquexia que ocorre na fase terminal de um paciente com câncer. Pode ainda ser causada por perda da estimulação endócrina por destruição da hipófise: atrofia ovariana, de mamas, útero e genitália. A) B) Figura 4 – Atrofia por denervação do músculo esquelético: A) a denervação do músculo esquelético leva a uma forma característica de atrofia: as fibras musculares perdem massa, e o sistema contrátil é desorganizado até sobrar pouco além de núcleos residuais; as fibras atróficas formam ângulos no corte transversal; por fim, ocorre a necrose celular, e as fibras musculares são substituídas por tecido conectivo; B) fibras musculares esqueléticas normais 29 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS A) B) Figura 5 – Atrofia cerebral em doença neurodegenerativa: A) normal; B) doença de Alzheimer avançada Hipertrofia Aumento quantitativo dos constituintes e das funções celulares com aumento volumétrico das células e dos órgãos atingidos. Podem ser fisiológicos, como o útero na gravidez, e patológicos, como a hipertrofia miocárdica, hipertrofia de musculatura esquelética em caso de atletas e hipertrofia de musculatura lisa de órgãos ocos. Figura 6 – Hipertrofia miocárdica, corte transversal do coração com hipertrofia ventricular esquerda 30 Unidade I A) B) Figura 7 – A) miócitos cardíacos normais; B) miócitos cardíacos hipertróficos: embora não se dividam, eles compensam a carga de trabalho adicional aumentando de tamanho; as células sofrem endomitose (com aumento em ploidia, sem divisão), resultando, muitas vezes, em grandes núcleos retangulares (núcleos “boxcar”) Observação No início do processo atrófico, as células têm sua função diminuída, mas não estão mortas. A atrofia ocasionada pela diminuição do suprimento sanguíneo pode progredir até o ponto no qual as células são lesadas de modo irreversível e morrem, frequentemente por apoptose. A morte celular por apoptose contribui para a atrofia de órgãos endócrinos após retirada hormonal. 1.5.2 Alteração da taxa de divisão celular Hipoplasia É a diminuição da população celular de um tecido, órgão ou parte do corpo. Podem ser fisiológicas, como nos casos de involução do timo e das gônadas no climatério; e patológicas, como as hipoplasias da medula óssea causada por agentes tóxicos ou infecções, por exemplo, pelo vírus do HIV e da febre amarela. As consequências são reversíveis, salvo as congênitas. Hiperplasia É o processo adaptativo em que ocorre o aumento do número de células de um órgão ou parte deles por aumento da taxa de replicação celular. Podem ser fisiológicos-compensadores (nefrectomia), secundários a estímulo hormonal (útero na gravidez, mama na lactação) ou ainda patológicos (estimulação hormonal – estrógeno com hiperplasia endometrial; TSH – hiperplasia tireoidiana). 31 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS Normal Hipoplasia Hiperplasia Figura 8 – Ilustração de tecidos normais, com hipoplasia e com hiperplasia 1.5.3 Alteração da diferenciação celular Metaplasia É uma alteração reversível na qual um tipo celular diferenciado (epitelial ou mesenquimal) é substituído por outro tipo celular de mesma linhagem (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016). A metaplasia é o resultado da reprogramação de células precursoras que se diferenciam por um outro mecanismo em geral mais resistente ao estímulo danoso. É sempre um processo patológico. O exemplo mais comum é a transformação do epitélio colunar para o epitélio escamoso. Essa alteração ocorre no trato respiratório em resposta a processos crônicos, por exemplo, metaplasia pulmonar causada pelo cigarro, metaplasia cervical causada pelo HPV. Membrana basalA) B) Epitélio colunar normal Metaplasia escamosa Figura 9 – Metaplasia do epitélio colunar normal para epitélio escamoso: A) diagrama esquemático; B) metaplasia do epitélio colunar (à esquerda) para epitélio escamoso (à direita) em um brônquio 32 Unidade I Figura 10 – A existência de “línguas” acastanhadas de epitélio formando interdigitações no epitélio escamoso mais proximal é típica do esôfago de Barrett Observação A associação entre a metaplasia e o desenvolvimento de adenocarcinoma no esôfago de Barrett tem estimulado o estudo das alterações moleculares que ocorrem no processo tardio da doença. Há um aumento do risco de adenocarcinoma de 30 a 125 vezes em pacientes diagnosticados com metaplasia de Barrett. Isso representa um risco de um em vinte durante a vida. A metaplasia de Barrett irá progredir para o câncer a uma taxa de 0,5% a 1% ao ano. Displasia É uma alteração caracterizada pela diferenciação celular acompanhada de redução ou perda da capacidade de diferenciação das células afetadas. É causada por uma alteração na expressão dos genes que regulam a proliferação e a diferenciação celular. Está comumente associada ou surge de tecidos metaplásicos. Pode ficar estacionada por anos ou progredir para uma neoplasia. As condições efetivamente consideradas pré-carcinogênicas são displasia mamária, de colo uterino, displasia gástrica etc. Todo processo de adaptação celular tem como finalidade a restauração do estado de morfostase e homeostase do organismo. Se os agentes agressores persistirem ou o processo adaptativo não for suficiente, poderá iniciar um processo lesivo, essas lesões podem ser reversíveis ou irreversíveis. 33 PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS Figura 11 – Neoplasia intraepitelial (NIC) da cérvix uterina. Note que parte do epitélio (lado esquerdo do campo) é do tipo colunar mucossecretor, normal para esse órgão. No restante, esse epitélio encontra-se substituído por células escamosas com atipias (núcleos grandes, hipercorados e figuras de mitoses presentes em pelo menos 2/3 do epitélio) A) B) C) Figura 12 – A) Displasia do colo uterino de baixo grau (discreta): hipercelularidade, perda da estratificação e pleomorfismo celular no terço basal do epitélio metaplásico (logo abaixo há glândulas endocervicais); comparar com o epitélio cervical normal (B), no qual são evidentes as camadas basal, intermediária e superficial. C) Displasia em pólipo do intestino grosso: as glândulas são revestidas por mais de uma camada de células, que mostram pleomorfismo e atipias Lembrete A displasia é caracterizada pelo crescimento celular desordenado de um tecido específico ao resultar em células que variam de tamanho, forma e organização. Graus menores de displasia estão associados à irritação ou inflamação crônica. O padrão é mais frequente em áreas do epitélio escamoso metaplásico do sistema respiratório e do colo do útero. 34 Unidade I 1.6 Lesões celulares Lesões celulares podem ser definidas como um conjunto de alterações morfológicas, moleculares e funcionais que acometem células e tecidos após uma agressão que excedeu a capacidade adaptativa da célula gerando assim uma lesão. Todo tipo de agressão gera estímulos químicos e respostas celulares adaptativas visando tornar os tecidos mais resistentes às contínuas agressões. Um dos
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