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Tabagismo: Prevalência e Tratamento

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TABAGISMO
O tabagismo, de acordo com a OMS, é a principal causa prevenível de morte e de doenças no mundo, afetando mais de 1 bilhão de pessoas.
É responsável por aproximadamente 6 milhões de mortes por ano no mundo, devendo alcançar mais de 10 milhões de mortes anuais em 2030.
Além disso, também se estima que o tabagismo passivo seja responsável por cerca de 600 mil mortes anuais entre os não fumantes.
Atualmente, existe evidência indicando que um em cada dois fumantes morrerá em decorrência direta de uma doença tabaco-relacionada.
PREVALÊNCIA
O Brasil tem apresentado redução significativa na prevalência do tabagismo nas últimas décadas.
Em 1989, conforme dados provenientes da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, a prevalência total de fumantes no Brasil atingiu a impressionante taxa de 34,8%.
Os dados mais recentes do ano de 2019, a partir da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) apontam o percentual total de adultos fumantes em 12,6 %
O QUE FAZER
Inicialmente, deve-se realizar uma entrevista junto à pessoa, com foco na sua história tabagística. Nesse momento, o profissional deve tentar estabelecer a maior empatia possível com a pessoa, de modo a deixá-la confortável durante a entrevista, aumentando, assim, o seu envolvimento.
As seguintes informações devem ser avaliadas:
- Níveis de escolaridade e socioeconômico.
- Antecedente atual ou prévio de transtorno de ansiedade, depressão ou história de abuso de drogas .
- Investigação do histórico de saúde.
- Avaliação do grau de dependência à nicotina .
- Avaliação do grau de motivação.
NÍVEIS DE ESCOLARIDADE E SOCIOECONÔMICO
Vários estudos demonstraram que pessoas com menor grau de instrução e menor nível socioeconômico apresentam menores taxas de sucesso de cessação do tabagismo, além de terem naturalmente maior dificuldade de acesso às medicações antitabagismo
ANTECEDENTE ATUAL OU PRÉVIO DE TRANSTORNO DE ANSIEDADE, DEPRESSÃO OU HISTÓRIA DE ABUSO DE DROGAS
Essas pessoas apresentam maior prevalência de tabagismo, em geral consumindo maior quantidade de cigarros diariamente.
De modo geral, recomenda-se que, antes de se iniciar o tratamento para cessação do tabagismo, a pessoa esteja o mais estável possível na parte psiquiátrica, seja com psicoterapia ou com medicações específicas: como ansiolíticos e antidepressivos, caso sejam necessários.
INVESTIGAÇÃO DO HISTÓRICO DE SAÚDE
É recomendado que se faça uma revisão da história pessoal, bem como uma avaliação detalhada dos medicamentos em uso.
Isso pode ser útil para a prevenção de efeitos colaterais pelo uso ou pela interação com determinadas medicações antitabagismo.
A bupropiona é contraindicada em pessoas com antecedentes de crises convulsivas. Esse mesmo medicamento, por também ser um antidepressivo, pode resultar em interações medicamentosas nas pessoas em uso de outros antidepressivos ou benzodiazepínicos
AVALIAÇÃO DO GRAU DE DEPENDÊNCIA À NICOTINA
A dependência ao tabaco está principalmente relacionada à ação da nicotina no sistema nervoso central, mais especificamente no núcleo accumbens, levando ao aumento dos níveis de dopamina.
Critérios para transtorno por uso de tabaco, conforme o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) (dependência leve,
moderada e grave)
AVALIAÇÃO DO GRAU DE DEPENDÊNCIA À NICOTINA
A avaliação do grau de dependência à nicotina é geralmente feita pela aplicação do teste de Fagerström – um questionário simples contendo seis perguntas, com pontuação variando de 0 a 10
AVALIAÇÃO DO GRAU DE MOTIVAÇÃO
Como a cessação do tabagismo envolve modificação dos hábitos e condutas do estilo de vida da pessoa, é essencial que ela esteja motivada para que se possa obter sucesso durante e após o tratamento.
A prescrição de medicações antitabagismo em pessoas pouco ou não motivadas dificilmente resultará em sucesso, evoluindo, com mais probabilidade, com uma redução, às vezes, pouco expressiva do número de cigarros fumados por dia.
Além disso, logo após a suspensão das medicações antitabagismo em uso, frequentemente essas pessoas tendem a retornar a consumir a mesma quantidade de cigarros que fumavam antes.
Uma das escalas mais utilizadas nesse sentido é o
modelo transteórico comportamental de Proschaska e cols., que classifica as pessoas em cinco estágios de mudança, conforme descrito a seguir
ESTÁGIOS DA MUDANÇA
1.Pré-contemplação. A pessoa não cogita a possibilidade de parar de fumar, mesmo sendo aconselhada sobre os benefícios de cessação do tabagismo. O profissional deve procurar realizar, sempre que possível, pelo menos uma abordagem mínima, frisando com a pessoa a importância da cessação do tabagismo e os benefícios associados, de modo que ela possa passar a contemplar a ideia de parar de fumar e, assim, evoluir para os estágios a seguir.
2.Contemplação. A pessoa começa a admitir que fumar é um problema, no entanto tem medo de dar os primeiros passos para parar de fumar. Em outras palavras, o fumante demonstra sentimento de ambivalência quanto à mudança de comportamento. Nesse momento, a pessoa encontra-se mais suscetível a essa mudança, uma vez que já está consciente da importância de parar de fumar, precisando de apoio, estímulo e orientação para passar para os estágios seguintes. Identificar barreiras para a realização de uma tentativa e esclarecer dúvidas são fundamentais.
3.Preparação. A pessoa passa a dar os primeiros passos para a cessação do tabagismo, começando a controlar o número de cigarros fumados por dia, estabelecendo horários para fumar ou mesmo procurando ajuda profissional.
4.Ação. A pessoa adota atitudes específicas, conseguindo efetivamente parar de fumar. O estímulo à mudança, o entendimento desse processo e a atenção aos riscos de recaída devem
ser abordados pelo profissional nessa fase. O indivíduo deve estar orientado a identificar e a evitar as situações relacionadas ao consumo de cigarros e a usar estratégias para lidar com os momentos de forte vontade de fumar. É importante parabenizar a pessoa por essa conquista, o que contribui para aumentar sua autoestima, também frisando todos os benefícios que ela vem sentindo desde a interrupção do tabagismo, o que contribui para o aumento da motivação.
5.Manutenção. Nessa fase, a pessoa deve estar consciente da necessidade de prevenir a ocorrência de lapsos/recaídas, devendo usar as estratégias aprendidas. Mais uma vez, é importante destacar os benefícios da cessação do tabagismo. Em outras palavras, esse estágio configura a finalização do processo de mudança ou se encerra no caso de ocorrência de recaídas
TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO
Em relação ao aconselhamento, é importante que se leve em conta os horários livres da pessoa antes de escolher a modalidade de tratamento, de
modo a otimizar o máximo possível a sua adesão ao tratamento.
PROGRAMAS DE ATENDIMENTO EM GRUPO PARA CESSAR O TABAGISMO
O primeiro passo consiste em explicar para o fumante o planejamento do tratamento, expondo as opções de tratamento medicamentoso e as
modalidades de aconselhamento disponíveis (consultas individuais ou em grupos).
Abordagem em grupo. Cada sessão possui duração, em média, de 60 minutos. Tem a grande vantagem da troca de experiências entre os fumantes, mostrando às pessoas que muitas das dificuldades que encontram para parar de fumar são mais comuns do que elas imaginam. Permite abordar simultaneamente vários indivíduos, sendo, em geral, até 12 por grupo, uma vez que um número maior de pessoas pode reduzir a eficácia do tratamento supervisionado nessa modalidade. Exige, naturalmente, uma sala maior, para que todas as pessoas possam ficar bem acomodadas;
de preferência, com uma disposição em círculo, na qual se torna mais fácil a comunicação.
Abordagem em grupo. Algumas pessoas, por problemas pessoais ou mesmo por timidez, não se sentem à vontade para compartilhar seus avanços ou recaídas, o que pode resultar em adesão insatisfatória ao tratamento ou mesmo desistência (procurar a aliar isso durante a entrevista inicial). Algumas pessoas, por questões de excentricidade, podem inibir ou afetaro comportamento dos outros, dificultando a dinâmica em grupo, bem como a eficácia do tratamento (incluir essas pessoas preferencialmente na abordagem individual). De acordo com o Consenso Abordagem e Tratamento do Fumante, elaborado pelo INCA, recomendam-se, a princípio, seis sessões, com as quatro primeiras sendo semanais, e as duas últimas com periodicidade quinzenal.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
De acordo com o Consenso Abordagem e Tratamento do Fumante, o uso de medicamentos antitabagismo está indicado nas seguintes situações:
●Fumantes moderados, ou seja, que fumam 20 ou mais cigarros por dia.
●Fumantes que fumam o primeiro cigarro até 30 minutos após acordar e fumam, no mínimo, 10 cigarros por dia.
●Fumantes com escore do teste de Fargerström igual ou maior do que 5, ou avaliação individual, a critério do profissional.
●Fumantes que já tentaram parar de fumar apenas com terapia comportamental.
●Fumantes que não possuem contraindicações clínicas.
●Decisão a critério do profissional.
De modo geral, deve-se recorrer inicialmente à monoterapia. A terapia combinada em geral é indicada em uma das seguintes situações: pessoas com elevado grau de dependência nicotínica, pessoas em uso de monoterapia com evolução insatisfatória durante o tratamento, pessoas que fizeram uso prévio de várias medicamentos antitabagismo com sucesso parcial.
A seleção entre medicamentos de primeira ou segunda escolha depende de vários fatores: condições financeiras do indivíduo, disponibilidade dos medicamentos, grau de dependência nicotínica, uso prévio de medicamentos, presença ou não de contraindicações aos medicamentos, etc
· TERAPIA DE REPOSIÇÃO DE NICOTINA
Também denominada terapia de reposição de nicotina (TRN), sendo considerado medicamento de primeira escolha para cessação do tabagismo. Seu mecanismo de ação está relacionado com a ligação aos receptores nicotínicos no SNC, impedindo, desse modo, a ligação da nicotina liberada pelo cigarro nos mesmos receptores.
Disponíveis em diversas apresentações, como adesivos transdérmicos, gomas de mascar, pastilhas e spray nasal (este último não comercializado no Brasil).
Adesivos transdérmicos: Estão disponíveis em dosagens de 7, 14 e 21 mg de nicotina ativa. Promovem liberação contínua de nicotina, promovendo absorção correspondente a 75% da dosagem total contida nos adesivos. Eles devem ser aplicados pela manhã, ao acordar, em área coberta sem pelos (entre o pescoço e a cintura), sendo trocados a cada 24 horas, com a orientação de se alternarem os locais de aplicação. Recomenda-se utilizar doses decrescentes de nicotina, começando-se geralmente com o adesivo de 21 mg e finalizando com o de 7 mg.
Costumam-se usar duas a quatro caixas de 21 mg e, em sequência, duas a quatro caixas de 14 mg e uma a duas caixas de 7 mg. Dependendo do grau de dependência e do progresso da pessoa, pode-se prolongar ou abreviar o uso desses medicamentos. A dose máxima é de 42 mg/dia (2 adesivos de 21 mg), e a data para parar de fumar deve coincidir com o início do tratamento.
Os efeitos adversos mais comuns são: irritação cutânea, que pode resultar em eritema, prurido, edema e bolhas (o que responde ao uso de corticoide tópico), além de insônia, hipersalivação, náuseas e vômitos.
· BUPROPIONA
Medicamento antitabagismo de primeira escolha, que corresponde a um antidepressivo atípico inibindo a recaptação da dopamina e da norepinefrina no SNC. O mecanismo pelo qual auxilia na cessação do tabagismo não está totalmente esclarecido, mas se acredita que promova aumento dos níveis dos neurotransmissores supracitados no núcleo accumbens, proporcionando redução da compulsão de fumar.
A dose inicial é de 150 mg/dia durante os 3 primeiros dias; a partir do 4 o dia até o final do tratamento, aumenta-se a dose para 300 mg/dia, divididos em duas tomadas diárias, com intervalo mínimo de 8 horas. Não ingerir a segunda dose após as 19 horas, devido ao risco de insônia.
Em pessoas idosas com insuficiência renal ou hepática, a dose plena pode ser reduzida para 150 mg/dia. O dia “D” deve ser programado entre 10 e 14 dias após o início da bupropiona, recomendando-se o seu uso por até 12 semanas.
· VARENICLINA
É também considerada terapia de primeira escolha para cessação do tabagismo. O mecanismo de ação envolve a ligação aos receptores nicotínicos α4β2, o que resulta na liberação de dopamina, porém em quantidades menores do que a nicotina, agindo, desse modo, como um agonista parcial. Como a ligação aos receptores nicotínicos impede a ação da nicotina no SNC, considera-se que esse medicamento também possui ação antagonista com relação à nicotina.
Disponível nas seguintes apresentações: kit início de tratamento (caixas com 11 cp. de 0,5 mg e 42 cp. de 1 mg); kit manutenção de tratamento (caixas com 112 cp. de 1 mg); kit reforço de tratamento (caixas com 168 cp. De 1 mg); kit tratamento completo (caixas com 11 cp. De 0,5 mg e 154 cp. de 1 mg).
Deve-se utilizar o seguinte esquema de tratamento: 1 cp, de 0,5 mg, 1 vez ao dia (do 1 o ao 3 o dia); 1 cp., de 0,5 mg, de 12/12 horas (do 4
o ao 7 o dia); por último, 1 cp. (1 mg) de 12/12 h (a partir do 8 o dia até o final do tratamento). A pessoa deve programar o dia “D” uma semana após o início da vareniclina. Recomenda-se o uso por 12 semanas.
· NORTRIPTILINA
Antidepressivo tricíclico que promove o bloqueio da recaptação de norepinefrina no SNC, aumentando, assim, os seus níveis na fenda sináptica. A sua ação como medicação antitabagismo ainda não está totalmente esclarecida, mas as evidências sugerem que é independente da sua ação antidepressiva. É considerado medicamento de segunda escolha para cessação do tabagismo.
Encontra-se disponível em caixas de 20 cápsulas de 25, 50 ou 75 mg. A dose recomendada é de 75 a 100 mg/dia, em geral por 8 a 12 semanas. A dose deve ser iniciada com 25 a 50 mg/dia, de preferência à noite, e aumentada, gradualmente, se necessário e conforme a tolerância do fumante.
· CLONIDINA
É um medicamento anti-hipertensivo devido ao seu efeito agonista sobre os receptores adrenérgicos α2. Acredita-se que seu efeito antitabagismo esteja relacionado ao alívio dos sintomas da síndrome de abstinência. É pouco utilizado atualmente como medicamento antitabagismo.
Encontra-se disponível em caixas de 30 cápsulas de 0,100; 0,150 ou 0,200 mg. A dose recomendada é de 0,1 mg/dia, com incremento gradual até 0,4 mg/dia. A pessoa deve ser orientada a parar de fumar 2 a 3 dias após o início da medicação, que deve ser prescrita por até 3 a 4 semanas.
OUTROS MÉTODOS
Vários outros métodos vêm sendo preconizados para a cessação do tabagismo, como hipnose, acupuntura, cigarros artificiais sem droga, aromaterapia, entre outros. Não existem, no entanto, evidências científicas suficientes para comprovar a eficácia desses métodos. Dessa forma, nenhum desses métodos é recomendado para a cessação do tabagismo
PROGNÓSTICO
A recaída é frequente, ocorrendo mais comumente nas duas primeiras semanas após a cessação do tabagismo. Isso é reforçado pelo fato de que a maioria dos fumantes necessita de diversas tentativas prévias até obter abstinência contínua e definitiva.
A ocorrência de uma recaída pode resultar no retorno completo à mesma quantidade de cigarros que a pessoa consumia anteriormente ou em uma
quantidade ainda maior; ao mesmo tempo, a recaída pode resultar no reinício do tratamento.
Existe também o lapso, que corresponde a um episódio isolado em que a pessoa volta a fumar, como se fosse um deslize, não traduzindo necessariamente uma recaída; por outro lado, uma sucessão de lapsos pode precipitar uma provável recaída.
COMPLICAÇÕES POSSÍVEIS
Muitos indivíduos que param de fumar sem acompanhamento adequado podem evoluir com piora da ansiedade e mesmo com a ocorrência de síndrome de abstinência, que se manifesta por agitação, nervosismo, insônia e dificuldade de concentração.
Outra complicação possível é o ganho de peso, de causa multifatorial (redução do metabolismo, piora da ansiedade, redução da atividade física, aumento da ingesta calórica, necessidade de manipularas mãos com alguma coisa, etc.).
A média de ganho de peso situa-se entre 2 a 4 kg, com o ganho ponderal ocorrendo em média nos primeiros 6 meses após a cessação, com tendência a se estabilizar após 1 ano da cessação do tabagismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tabagismo é uma doença crônica, prevalente, com tratamento eficaz disponível. Esta aula teve como foco principal a abordagem do fumante, mas deve-se salientar o papel importante do médico de família e comunidade no controle do tabagismo na população que assiste, atuando seja na prevenção, seja na identificação e tratamento de tabagistas, assim como na educação em relação ao tabagismo passivo.

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