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A1 Negocios e contratos jurídicos

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A1 - Prova on-line - Negócios E Contratos Jurídicos -978214
Questão 1
TEXTO-BASE:
O ponto de toque entre o direito civil e o direito do consumidor é a seara contratual, ou melhor dizendo, as relações negociais. O fato que traz em si uma relação negocial deve ser apreciado pelo intérprete da lei a partir da identificação da relação existente entre as partes a fim de que possa definir o regime jurídico ao qual se sujeita. Longe de ser tarefa simples, no momento de examinar qual regime jurídico incidirá em determinada relação negocial, cabe ao operador do direito atentar-se ao tipo de relação existente, aos princípios gerais do direito civil e do direito do consumidor, aos princípios contratuais e à modulação dos efeitos de sua incidência e dos deveres que criam.
 
(PIERONI, Aline. Princípios Gerais e Princípios Contratuais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. IBDCivil, 2021. Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/480/459. Acesso em: 11 set 2021).
 
 
Considerando a aplicabilidade da legislação civil e da legislação consumerista ao direito contratual, responda de maneira fundamentada aos seguintes questionamentos:
 
a) Na etapa de formação dos contratos já é possível aplicar o princípio da boa-fé objetiva? Explique e fundamente. (5 pontos)
É possível aplicar o princípio da boa fé objetiva nas negociações preliminares, durante as tratativas de formação do vínculo contratual, ainda que o art. 422 do Código Civil somente mencione de forma expressa a obrigatoriedade de se guardar o princípio da boa-fé na conclusão e execução do contrato. Tal princípio deve estar presente em todas as etapas das relações contratuais e é basilar no direito civil, devendo ser entendido como cláusula geral e seguido por todos indistintamente. A respeito desse tema, destacam-se os Enunciados do Conselho da Justiça Federal (CJF), sobretudo os Enunciados 25 e 170, abaixo transcritos:
“Enunciado 25 (I Jornada CJF): O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.
Enunciado 170 (III Jornada CJF): A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.
Flávio Tartuce (2020, p. 121) ensina que “a aplicação da boa-fé objetiva em tal fase remonta a ideia de culpa in contrahendo ou de culpa ao contratar, desenvolvida no Direito Alemão por Ihering”.
Ainda sobre o que consiste o princípio em tela, a ementa do Acórdão nº 1168030, da Terceira Turma Recursal do TJDFT (30-4-2019) dispõe o seguinte:
 “(...) IV. O princípio da boa-fé objetiva impõe às partes de uma relação de consumo a adoção de postura que guarde conformidade com os padrões sociais de ética, correção e transparência, a respeitar a legítima expectativa depositada nessa relação. Nesse contexto, o princípio da boa-fé objetiva cria deveres anexos à obrigação principal, os quais devem ser também respeitados por ambas as partes contratantes. Dentre tais deveres, há o dever de cooperação, que pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual, que, uma vez descumprido, implicará inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa (violação positiva do contrato).
Portanto, o princípio da boa-fé objetiva pode ser considerado um dever de conduta que envolve o agir de maneira íntegra e ética em uma relação negocial, sendo plenamente aplicável à fase pré-contratual, sobretudo em razão de que é comum não haver equilíbrio entre as partes que pactuam o acordo.
b) Na hipótese de defeito ou vício no produto adquirido, de que forma as legislações supracitadas regulamentam os direitos dos compradores? Explique e fundamente. (5 pontos)
Os vícios ou defeitos em bens adquiridos são tratados pela Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), aplicável aos contratos de consumo e, ainda, pelo Código Civil de 2002. Segundo Flávio Tartuce (2020, p. 248), para as relações entre desiguais (relações de consumo), aplica-se o CDC. Para as relações entre iguais (relações civis), terá aplicação o Código Civil. 
O Código Civil trata da matéria entre os arts. 441 a 446 e, de acordo com a doutrina majoritária, cuida apenas dos vícios redibitórios, entendidos como aqueles defeitos ocultos em coisa alienada, que se recebeu mediante pactuação de contrato comutativo (sendo aplicável às doações onerosas); defeitos estes que possam desvalorizar a coisa ou inviabilizar a sua utilização. Os vícios ocultos são aqueles que já existem no tempo da alienação, porém não podem ser detectados no ato da compra. É necessário também o desconhecimento do adquirente e, nos termos do art. 443 do CC, “se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato”. Cabe ressaltar, ainda, que a responsabilidade subsiste ainda que ocorra o perecimento da coisa.
Para tais vícios, o CC/02 prevê como alternativas as ações edílicas, quais sejam: (i) ação redibitória – visando rejeitar a coisa, extinguir o contrato e reivindicar a devolução do preço pago; e (ii) ação quanti minoris ou estimatória – propõe conservar a coisa e reclamar o abatimento do preço. O prazo para ajuizamento das ações edílicas é de 30 dias para bens móveis e de um ano para bens imóveis, ambos contados da tradição (entrega do bem). Caso já estivesse na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. Se o vício só puder ser conhecido mais tarde, conta-se o prazo da ciência até o máximo de 180 dias para bens móveis e de um ano para bens imóveis. Há, ainda, a previsão de prazos diferenciados para venda de animais e máquinas sujeitas à experimentação.
O CDC, por sua vez, é mais abrangente que o Código Civil, pois engloba tanto os vícios aparentes quanto os ocultos, ainda que de forma diferenciada. O consumidor prejudicado com os vícios do produto, caso estes não sejam sanados em até 30 dias, poderá pleitear (art. 18 do CDC): (i) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; (ii) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; (iii) o abatimento proporcional do preço. No CDC, os prazos para reclamar dos vícios aparentes ou de fácil constatação caducam em 30 dias (serviços e produtos não duráveis) e 90 dias (serviços e produtos duráveis).
c) Apresente e conceitue os princípios contratuais aplicáveis ao direito civil e ao direito do consumidor indicando pelo menos uma decisão judicial para o tema. (5 pontos)
Há diversos princípios contratuais aplicáveis ao direito civil e ao direito do consumidor, entre os quais destacam-se, divididos entre clássicos e modernos:
PRINCÍPIOS CLÁSSICOS:
I – princípio do consensualismo: em regra, basta o consenso para gerar o contrato. A forma é livre, salvo disposição legal. Isto significa que os contratos se formam com o simples acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa. “A compra e venda, por exemplo, quando pura, torna-se perfeita e obrigatória, desde que as partes acordem no objeto e no preço (CC, art. 482)” (GONÇALVES, 2012, p. 46).
II – princípio da autonomia da vontade: conceitua-se pela liberdade e o poder dos contratantes de disciplinar seus interesses por acordos de vontades, isto é, “no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica” (GONÇALVES, 2012, P. 41). Em outras palavras, é a faculdade que têm as partes de se vincularem a um contrato, adquirindo direitos e obrigações. É relativizado, entre outros princípios, pelo princípio da função social do contrato.
III – princípio da liberdade de contratar: pode ser desdobrado em duas vertentes, quais sejam, a liberdade de contratar, ou seja, a pessoa é livre para escolher o parceiro contratual, e é livre a escolha de contratar ou não contratar; e, numa visão contemporânea, a liberdadecontratual, relacionada à liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato, confirmado pelo ordenamento jurídico – incluindo a liberdade para que, se o contrato não for cumprido, é possível acionar o judiciário para fazer cumprir. Tal princípio sofre limitação pelo princípio da supremacia do interesse público – dirigismo Estatal.
IV – princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda): determina que o contrato deverá ser cumprido entre as partes que o celebraram, materializado na expressão “pacta sunt servanda”. Este principio significa, “em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada” (PEREIRA, 2006, p. 14). Orienta, ainda, que o contrato deve, como regra geral, gerar efeitos apenas entre as próprias partes. Há exceções, elencadas pela doutrina, que geram efeitos para terceiros. É relativizado pela teoria da imprevisão, que opõe-se ao princípio da obrigatoriedade dos contratos, pois permite aos contratantes recorrerem ao judiciário para obterem alteração da convenção e condições mais humanas em determinadas situações. Está previsto no art. 6º do CDC, que permite a revisão contratual, ao referir-se à onerosidade excessiva do contrato, em razão de fato superveniente.
PRINCÍPIOS MODERNOS:
I – princípio da boa-fé objetiva: presente tanto no CC/02, quanto no CDC, conceitua-se como um princípio geral do direito caracterizado pela honestidade de propósito, falta de intenção de ser injusto ou de fraudar, que consagra uma exigência geral de lealdade nas relações contratuais, fazendo presumir que o contrato está conforme a justiça. 
II – princípio da função social do contrato: é uma inovação do CC/02. Conforme disposto no art. 421, “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Trata o artigo em questão de uma norma de ordem pública, segundo a qual “o contrato visa atingir objetivos que, além de individuais, são também sociais. O poder negocial é, assim, funcionalizado, submetido a interesses coletivos ou sociais” (GOMES, 2008, p. 48).
III – princípio da equivalência ou equilíbrio contratual - é manifestação da busca da efetiva igualdade entre as partes na relação contratual.
Como exemplo de decisão judicial mencionando os princípios contratuais (nesse caso, boa-fé objetiva e liberdade contratual), cita-se o Acórdão nº 2012/0170676-9 do STJ, disponível em
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/863703656/recurso-especial-resp-1339097-sp-2012-0170676-9/inteiro-teor-863703660?ref=juris-tabs, cuja ementa segue transcrita abaixo:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA. CUSTOS DE COBRANÇA. INFORMAÇÃO. LIBERDADE CONTRATUAL. LEGALIDADE. ART. 51, XII, DO CDC. RECIPROCIDADE. LIVRE PACTUAÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA. PROPORCIONALIDADE. 1. Cuida-se de ação coletiva proposta pela ANADEC contra a Editora Abril S.A., na qual aponta a ilegalidade da cobrança de R$ 1,13 (um real e treze centavos) por boletos bancários emitidos em virtude da assinatura de revistas, custo que alega pertencer exclusivamente à empresa. 2. O Código de Defesa do Consumidor assegura a possibilidade de ressarcimento dos custos de cobrança de determinada obrigação tanto ao fornecedor quanto ao consumidor (art. 51, XII, do CDC). 3. No caso, o consumidor, antes de formalizar o negócio jurídico com a Editora Abril (fornecedora), na fase pré-contratual, foi informado da faculdade de optar por uma das três formas de pagamento oferecidas pela empresa: boleto bancário, débito em conta e débito no cartão de crédito. 4. Inexiste vantagem exagerada em decorrência da cobrança por carnê, em especial porque o boleto bancário não é imposto pelo fornecedor, mas, ao contrário, propicia ao consumidor uma comodidade, realizando a liberdade contratual e o dever de informação. 5. Ausente a onerosidade excessiva, porquanto mantidos o equilíbrio contratual, a proporcionalidade do acréscimo cobrado do consumidor e a boa-fé objetiva do fornecedor. 6. Recurso especial não provido.
d) De acordo com a escada ponteana, quais os pressupostos do negócio jurídico existente e válido? Cite-os, apenas.
Para a escada ponteana, composta pelos planos da existência, validade e eficácia, o plano da existência engloba agentes, objeto, forma e vontade. Para o plano da validade pressupõe-se a necessidade de agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei e vontade livre, consciente e voluntária.
e) Os defeitos do negócio jurídico afetam qual pressuposto de validade dos negócios jurídicos? Explique e fundamente.
Os defeitos do negócio jurídico afetam a licitude e a manifestação de vontade do contrato, podendo tornar o negócio nulo ou anulável e, consequentemente prejudicar a validade do negócio. A doutrina divide os vícios em dois grupos: vícios do consentimento - o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão – que impedem que a vontade seja livre, espontânea e de boa fé, e vícios sociais – contém a vontade manifestada que não tem realidade, não corresponde com a intenção pura e de boa-fé que enuncia, como a simulação e fraude contra credores. (Gisele Leite, 2009, disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/93550/defeitos-dos-negocios-juridicos-em-face-do-codigo-civil-de-2002).
f) Levando em consideração o princípio da preservação dos contratos, existem defeitos do negócio jurídico que, mesmo que demonstrados, podem não levar à invalidação? Explique e fundamente.
Sim, em consonância com o princípio da conservação dos contratos, decorrente do princípio da função social do contrato, diante de algum defeito sanável ou imprevisibilidade na execução do contrato prefere-se o saneamento à resolução do contrato. O art. 144 do CC/02 estabelece que:
“Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”.
Assim sendo, quando uma das partes alega erro para anular o negócio jurídico, mas a outra parte se prontifica a corrigir o erro e executar o negócio conforme a vontade real da primeira parte, o negócio jurídico deve ser mantido.
Stolze (2012) diz que esse princípio também se faz presente no artigo 142 do CC, possibilitando o convalescimento do ato se o erro na indicação da pessoa ou da coisa for suprido pelas circunstâncias, não havendo prejuízo e respeitadas as prescrições legais.

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