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Indaial – 2021 Diagnóstico e MeDiação FaMília/ escola Profª Marlene Beckhauser de Souza 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2021 Elaboração: Profª Marlene Beckhauser de Souza Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: S729d Souza, Marlene Beckhauser de Diagnóstico e mediação família/escola. / Marlene Beckhauser de Souza – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 187 p.; il. ISBN 978-65-5663-903-1 ISBN Digital 978-65-5663-900-0 1. Dificuldade na aprendizagem. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 370 apresentação Prezado acadêmico, seja bem-vindo ao Livro Didático Diagnóstico e Mediação Família/Escola! A disciplina tem, como objetivo, sistematizar os conhecimentos relativos a diferentes áreas e as relações com o diagnóstico e a intervenção psicopedagógica institucional, voltados à família e à escola. Ainda, promover o aprofundamento teórico a respeito das dificuldades de aprendizagem e das implicações nesses ambientes. O conteúdo que será abordado neste material se refere à visão dos psicopedagogos institucionais no âmbito escolar, os quais, por sua vez, vêm ganhando espaço e se fortalecendo cada vez mais, por auxiliar na busca da minimização das dificuldades de aprendizagem que surgem na educação. A psicopedagogia se constitui em um campo de conhecimento que se ocupa das questões da aprendizagem, e, por conseguinte, da não aprendi- zagem. Assim, adota uma postura interdisciplinar, utilizando a articulação de vários campos do conhecimento, dentre eles, a pedagogia, a psicologia, a neurologia e a linguística, para pensar nas dificuldades de aprendizagem a luz desses conhecimentos científicos. No espaço escolar, a atuação psicopedagógica se dá com enfoque preventivo, e deve considerar a aprendizagem um processo dinâmico, que envolve os aspectos afetivos, cognitivos e sociais, implícitos no ato do apren- der. Nesse sentido, a psicopedagogia investiga o sujeito da aprendizagem, incluso em um contexto biopsicossocial, ou seja, analisa a aprendizagem e o desenvolvimento humanos a partir das relações sociais estabelecidas entre sujeito-objeto do conhecimento-meio. Na Unidade 1, abordaremos as transformações ocorridas na família enquanto instituição, e enquanto sistema-núcleo de formação e de desenvol- vimento do indivíduo, considerando os vínculos afetivos como fortalecedores e propulsores da aprendizagem. Em seguida, traçaremos um paralelo entre as principais concepções pedagógicas que abarcam os aspectos relacionados à aprendizagem nos âmbitos familiar e escolar. Para finalizar esta unidade, ana- lisaremos os conceitos de aprendizagem e de ensino, incluindo as instâncias. Em seguida, na Unidade 2, estudaremos as dimensões do diagnósti- co psicopedagógico institucional e familiar, atentando-se ao olhar e à escu- ta psicopedagógicas frente aos sintomas da não aprendizagem que o aluno apresenta na instituição de ensino. Esses sintomas têm as causas ligadas, diretamente, ao ambiente familiar, no qual as modalidades de aprendizagem se constituem, mas se manifestam como fracasso escolar. Por fim, na Unidade 3, analisaremos a mediação e a intervenção psi- copedagógicas na escola e com os membros da família do aluno, apresentan- do algumas possibilidades e estratégias interventivas que podem contribuir para a minimização dos problemas de aprendizagem, e no processo do res- gate do desejo de aprender do sujeito aprendente. Portanto, o conteúdo deste livro didático nos remeterá a reflexões de conceitos básicos sob a ótica da psicopedagogia institucional, no que se refere à identificação das possíveis fraturas existentes nos ambientes familiar e escolar, que estejam, diretamente, ligadas ao processo de ensino e aprendi- zagem formal da criança, com alternativas interventivas. Desejamos que você aproveite ao máximo este material, e que ele lhe proporcione bons momentos de aprendizagem e de aprofundamento teórico. Bons estudos! Profª Marlene Beckhauser de Souza Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE suMário UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA ......................................................................................................................1 TÓPICO 1 — AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS ..................................................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 FUNÇÃO DA FAMÍLIA ..................................................................................................................... 3 2.1 VISÃO AFETIVA ENTRE ESCOLA E FAMÍLIA ........................................................................ 6 2.2 PROBLEMAS FAMILIARES E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM .............................. 9 2.3 PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA ............................................. 14 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 17 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 19 TÓPICO 2 — AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ................................................................................................ 23 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 23 2 ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA APRENDIZAGEM EM DIFERENTES ABORDAGENS .........23 2.1 FUNÇÃO DO APRENDER E APRENDER COMO FUNÇÃO .............................................. 31 2.2 FRACASSO ESCOLAR E PAPEL DA ESCOLA .......................................................................33 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 35 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 37 TÓPICO 3 — CONCEITUANDO A APRENDIZAGEM E O ENSINO ..................................... 41 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 41 2 PROCESSO DE APRENDIZAGEM E DIMENSÕES ................................................................. 41 2.1 PAPEL DO ENSINANTE PARA A APRENDIZAGEM .......................................................... 47 2.2 APRENDIZAGEM ESCOLAR NO CONTEXTO FAMILIAR ................................................ 50 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 54 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 57 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 59 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 61 UNIDADE 2 — DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO FAMILIAR ...................................... 63 TÓPICO 1 — O OLHAR E A ESCUTA DA PSICOPEDAGOGIA ESCOLAR .......................... 65 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 65 2 O QUE SE APRESENTA NAS ENTRELINHAS ......................................................................... 65 2.1 AS CAUSAS E OS SINTOMAS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM.................. 70 2.2 O POSICIONAMENTO PSICOPEDAGÓGICO ...................................................................... 72 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 77 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 79 TÓPICO 2 — A FAMÍLIA E A APRENDIZAGEM ESCOLAR .................................................... 83 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 83 2 MODALIDADE DE APRENDIZAGEM: UMA CONSTITUIÇÃO FAMILIAR .................... 83 2.1 O LUGAR DO CORPO NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM ............................... 89 2.2 A INTELIGÊNCIA E A BUSCA PELO DESEJO DE APRENDER ........................................ 94 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 98 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 100 TÓPICO 3 — O FRACASSO ESCOLAR E OS IMPACTOS NO AMBIENTE FAMILIAR ..... 103 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 103 2 O SINTOMA DOS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM DO FUNCIONAMENTO FAMILIAR ......................................................................................................................................... 103 2.1 OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA DOS VÍNCULOS FAMILIARES COM A APRENDIZAGEM ................................................................................................................. 106 2.2 A AÇÃO PEDAGÓGICA NA IDENTIFICAÇÃO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ..................................................................................................................... 110 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 116 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 121 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 123 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 126 UNIDADE 3 — MEDIAÇÃO E INTERVENÇÃO ESCOLAR .................................................... 129 TÓPICO 1 — A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO AMBIENTE ESCOLAR ....... 131 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 131 2 A RELAÇÃO ENTRE ENSINANTE E APRENDENTE ........................................................... 132 2.1 POSSIBILIDADES DO FRACASSO ESCOLAR ...................................................................... 137 2.2 AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E A ORIENTAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA AO PROFESSOR ......................................................................................................................... 139 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 144 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 145 TÓPICO 2 — A MEDIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA FAMILIAR NA VISÃO DA TEORIA SISTÊMICA ............................................................................................... 149 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 149 2 ORIENTAÇÃO FAMILIAR E OS DIFERENTES OLHARES .................................................. 150 2.1 LIMITES E POSSIBILIDADES DA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA ................... 153 2.2 A PARTICIPAÇÃO DE OUTROS PROFISSIONAIS NA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA ............................................................................................................... 155 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 158 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 159 TÓPICO 3 — ESTRATÉGIAS PSICOPEDAGÓGICAS DE ENSINO ..................................... 163 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 163 2 CONTRIBUIÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS .............................................................................. 163 2.1 INTERVENÇÃO NA FAMÍLIA ............................................................................................... 167 2.2 SUGESTÕES DE ATIVIDADES PSICOPEDAGÓGICAS PARA PROFESSORES ............. 169 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 177 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 181 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 182 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 185 1 UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • perceber as diferentes formas de constituições familiares; • reconhecer de que maneira as relações e os problemas familiares contribuem para o aparecimento dos sintomas das dificuldades de aprendizagem; •explicar a importância da participação da família no processo de apren- dizagem escolar; • conhecer as principais concepções pedagógicas e as contribuições delas no processo ensino-aprendizagem escolar; • entender como se desenvolvem os processos de aprendizagem escolar e familiar; • analisar a função da aprendizagem na vida do aprendiz; • compreender a função de quem ensina para aquele que aprende; • internalizar que família e escola devem ser aliadas no processo de ensi- no-aprendizagem. 2 PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS TÓPICO 2 – AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM TÓPICO 3 – CONCEITUANDO A APRENDIZAGEM E O ENSINO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS 1 INTRODUÇÃO Você já parou para pensar na influência da sua família na construção do seu “EU”? Quem são as suas referências no processo de ensino-aprendizagem? Qual foi a contribuição da escola para os conhecimentos que você adquiriu ao longa da sua vida? Ao longo dos anos, o significado do conceito família vem sendo alterado. A família tradicional, ou família nuclear, composta por pai, provedor da casa; e por mãe, cuidadora das responsabilidades domésticas e dos filhos, foi sendo substituída por novas estruturas de relações sociais e emocionais. No decorrer deste tópico de estudos, estaremos analisando de que manei- ra as relações sociais vivenciadas no ambiente familiar interferem nos processos de ensino-aprendizagem formal e não formal, a partir da tentativa de compreen- der que a ação psicopedagógica escolar se configura em uma prática preventiva, com o objetivo de evitar a possível instalação dos problemas de não aprendiza- gem, em parceria com a família. 2 Função Da FaMília A partir da segunda metade do século XX, a estrutura e o funcionamento familiares vêm se modificando. As mudanças ocorridas nos campos da economia, da política e da cultura, sofridas pela sociedade moderna, afetaram, diretamente, os aspectos pessoais e sociais da instituição família. Tais mudanças atingiram, diretamente, a vida familiar, desde a consti- tuição dela como modelo de formação até os provedores do sustento dos mem- bros. As relações familiares, além dos tipos de formação das famílias atuais, são diferentes e mais diversificadas daquele modelo tradicional. Vale ressaltar que, com relação a esses modelos, não se pode afirmar se são melhores ou piores, apenas considerados diferentes do padrão estabelecido antigamente. Por conta das transformações sociais, principalmente, da econômica, percebemos uma grande mudança nos papéis familiares. É comum termos a figura paterna na sala de espera, aguardando os filhos ter- minarem o atendimento psicopedagógico, além de relatos de crianças informando que a mãe está viajando a trabalho (KÜSTER, 2020, p. 52). UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA 4 A clássica divisão de papéis, entre homens e mulheres, é quase inexistente, ou seja, pai/provedor e mãe/rainha do lar. A educação formal, no que se refere a gênero, não se diferencia, garantindo, a todos, a oportunidade de ocuparem as diferentes posições sociais e profissionais. O conceito de família mudou porque mudaram as práticas sociais. Como não é mais o casamento que define a família, mas, sim, os com- promissos de laço afetivo e duradouro, de cuidados para com as crian- ças e os idosos, o respeito e a responsabilidade entre as pessoas que vivem juntas, alguns aspectos jurídicos e crenças sociais, também, mu- daram (PAROLIN, 2014 apud KÜSTER, 2020, p. 53). Esse processo de transformação da estrutura familiar tem iniciado com a Revolução Industrial. Somente depois da II Guerra Mundial, as configurações familiares sofreram essas interferências, com o aumento da mão de obra feminina para suprir a ausência masculina no mercado de trabalho. FONTE: <https://shutr.bz/30a5RM3>. Acesso em: 24 abr. 2021. FIGURA 1 – GERAÇÃO FAMILIAR TRADICIONAL Os modelos de constituições familiares, nos dias atuais, têm, como pre- missas principais, o afeto e o respeito à dignidade do ser humano, o que se so- bressai ao modelo constituído pelos laços do matrimônio e das heranças genéti- cas. O conceito de família pós-moderna é mais amplo, apesar de ter semelhanças ao modelo anterior, pois são os laços afetivos que determinam as relações dos membros. Dessa maneira, Rosenvald e Faria (2012, p. 63) afirmam: Com o passar dos tempos, porém, o conceito de família mudou sig- nificativamente, até que, nos dias de hoje, assume uma concepção múltipla de família, plural, podendo dizer respeito a um ou a mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sociopsicoafetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personali- dade de cada um. TÓPICO 1 — AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS 5 Nesse aspecto, ressalta-se a importância das rela- ções afetivas como princípio primordial da dignidade humana, no sentido de que a família se estrutura em função dos membros, e não vice-versa. A Constituição Federal de 1988, no Art. 226, conceitua família como sendo base da sociedade, tendo proteção especial do Estado. FONTE: <https://bit.ly/3bKce9w>. Acesso em: 24 abr. 2021. NOTA Assim, a família sempre foi, e continuará sendo o núcleo básico e essen- cial de toda e qualquer estrutura social, sendo, ela, estruturante e estruturadora do sujeito que a constitui, sem nos remeter à hierarquização, à padronização ou como o núcleo de reprodução humana. A família matrimonializada, patriarcal, biológica, institucional, vista como unidade de produção, cedeu lugar para uma família pluraliza- da, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou so- cioafetiva construída com base na afetividade e de caráter instrumen- tal (MADALENO, 2015 apud KÜSTER, 2020, p. 54). Küster (2020), aponta algumas mudanças sociais ocorridas que contribuí- ram para que o novo conceito de família se constituísse. Há algumas décadas, por exemplo, casamentos eram mantidos por aparência, ou por interesse, para não ex- por a fragilidade ou a harmonia da vida familiar. Entretanto, atualmente, os casais se separam com mais facilidade e constituem novas famílias, por meio de novos casamentos ou relacionamentos. Além disso, a própria constituição dos membros que integram essas famílias sofreu alterações. Segundo Küster (2020, p. 52-53): Além da questão operacional das famílias na atualidade, ocorreram grandes mudanças na constituição familiar. Existem famílias com dois pais ou duas mães; famílias, somente, com uma mãe ou um pai; famílias com agregados; famílias com filhos biológicos; e aquelas que têm “filhos do coração”. Enfim, há várias constituições de famílias. UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA 6 FONTE: <https://shutr.bz/3Bofqoo>. Acesso em: 24 abr. 2021. FIGURA 1 – GERAÇÃO FAMILIAR TRADICIONAL Mesmo que o sistema familiar tenha passado, e continuará passando, por transformações constantes, no intuito de continuar evoluindo e buscando as estabilidades social e cultural sob novas bases, os deveres dele, em relação ao provimento do sustento, ou seja, as condições dignas de viver em sociedade e o respeito diante daquele que o acolhe e instrui, continuam os mesmos. Nesse sentido, além de garantir a sobrevivência e a proteção integral dos filhos, a família tem o dever de oferecer um ambiente no qual seja possível se cons- truírem vínculos afetivos que permitam, ao sujeito, o desenvolvimento de autono- mia, para que seja capaz de viver em sociedade. Isso se dá porque, na instituição familiar,a criança adquire o conhecimento do mundo ao qual ela pertence, além das bases dos princípios éticos e morais estabelecidos, social e culturalmente. 2.1 VISÃO AFETIVA ENTRE ESCOLA E FAMÍLIA A criança, ao nascer, para se sustentar como sujeito, deve ser acolhida pelo desejo historicizado dos pais (ou substitutos). Desde que nasce, a criança necessita de cuidados de um “outro”, e não apenas de cuidados físicos, mas, principalmente, de “[...] cuidados que assegurem uma sustentação subjetiva para que aquele peque- no corpo aceda à posição de sujeito” (ESCOTT; ARGENTI, 2001, p. 97). Um dos pilares fundamentais para a constituição do ser humano são as relações afetivas que recebe na atmosfera familiar, até mesmo, antes do nascimen- to. A educação recebida pelo sujeito, nos contextos familiar e social, influencia no desenvolvimento da autoconfiança e da autonomia, formando-o e o constituindo em sua integralidade, com os aspectos físico, psíquico, social e emocional. TÓPICO 1 — AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS 7 De acordo com Sisto (2002), os estados afetivos interferem no desenvol- vimento dos aspectos cognitivos, mesmo que as funções afetivas e intelectuais sejam distintas, embora indissociáveis, uma vez que não existe comportamento afetivo sem a interferência de elementos cognitivos, nem elementos cognitivos desvinculados do afeto. Não podemos deixar de mencionar as valiosas contribuições de Wallon, Vygotsky e Piaget, a respeito da influência da afetividade no processo de ensino- -aprendizagem, isto é, considerando que o indivíduo, em especial, a criança, age, pensa e sente de modo integral, não se pode mencionar atitudes comportamen- tais ou cognitivas sem pensar nos sentimentos afetivos. A teoria psicogenética walloniana considerava que o indivíduo deveria ser compreendido a partir dos aspectos biológico, intelectual, social e afetivo dele. Para Wallon (1879-1962), a afetividade desempenha um papel fundamental para o de- senvolvimento e a aprendizagem humanas, pois, desde o nascimento, o ser huma- no é envolvido por laços afetivos nas relações sociais (NOVA ESCOLA, 2021). Wallon foi o primeiro teórico a levar não só o corpo da criança, mas, tam- bém, as emoções dela para dentro da sala de aula. Fundamentou muitas ideias em quatro elementos básicos que se comunicam o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inte- ligência e a formação do eu. FONTE: <https://bit.ly/2YwhufU>. Acesso em: 24 abr. 2021. NOTA Piaget (1896-1980) acreditava que a afetividade era o elemento que motivava a atividade cognitiva. Para ele, no processo de ensino-aprendizagem, é preciso levar em consideração as diferentes fases do desenvolvimento infantil, para poder com- preender as reações cognitivas e afetivas apresentadas pelas crianças (PIAGET, 2007). O desenvolvimento infantil, de acordo com a teria de Piaget (2007), passa por quatro estágios, ou períodos: os estágios sensório-motor (0 a 2 anos), pré-operatório (2 a 7 anos), operatório concreto (7 a 11 anos) e operatório formal (12 em diante). NOTA UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA 8 Já para Vygotsky (1896-1934), a afetividade está, diretamente, ligada ao desenvolvimento real, e se refere às capacidades já alcançadas. Já o desenvolvi- mento potencial, ou proximal, está relacionado às capacidades a serem adquiri- das. Nesse sentido, a inserção da criança em um ambiente acolhedor e estimula- dor, que ofereça segurança, proteção e desperte a curiosidade dela, influencia, positivamente, nos desenvolvimentos afetivo e cognitivo (VYGOTSKY, 1991). O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), criado por Vygotsky, para explicar a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, destacou-se no campo educacional, por se tornar um dos eixos mais importantes da teoria dele (VYGOTSKY, 1991). IMPORTANT E As relações vivenciadas pela criança, nos âmbitos familiar e escolar, fazem parte da constituição dela. Para isso, é extremamente importante que família e es- cola estabeleçam uma relação de comprometimento mútuo, possibilitando, com isso, aprendizagens significativas que contribuam para o desenvolvimento e o cres- cimento de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que a aprendizagem não se limita, apenas, a conteúdos escolares. Com isso, surge a psicopedagogia, que tem, como objeto de estudo, o processo da aprendizagem humana, fundamentada em diferentes campos teóricos, levando em consideração a relação da subjetividade do aprendente com a modalidade de aprendizagem dele. Tal modalidade de aprendizagem se constrói desde o nascimento, e, através dela, deparamo-nos com a angústia inerente ao conhecer-des- conhecer. A modalidade de aprendizagem é como uma matriz, um molde, um esquema de operar que vamos utilizando nas diferentes situações de aprendizagem. [...] Tal modalidade tem uma história que vai sendo construída desde o sujeito e desde o grupo familiar, de acor- do com a real experiência de aprendizagem e como foi interpretada por ele e pelos pais (FERNÁNDEZ, 1991, p. 107). Em outras palavras, a autora menciona que aprender é um processo no qual o sujeito se apropria do mundo, convergindo-o para si, criando e recriando a realidade em que se encontra a partir de uma modalidade de aprendizagem, desenvolvida através do encontro do mundo subjetivo com a experiência de vida, em um movimento de contínua expansão. A atuação do psicopedagogo, na mediação escolar, requer o estabeleci- mento de vínculos com a equipe pedagógica e com as famílias dos alunos, para a construção de um trabalho de parceria entre elas. TÓPICO 1 — AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS 9 2.2 PROBLEMAS FAMILIARES E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM As dificuldades de aprendizagem são conceituadas e caracterizadas de diferentes formas e por diversos estudiosos, ao se referirem ao tema em questão, como problema de aprendizagem, déficit, distúrbio, transtorno etc. Em virtude da amplitude do assunto, faremos alguns recortes teóricos para abordar essa temática. Iniciaremos com o documento elaborado pelo Ministério da Educação, de 2008, intitulado Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Edu- cação Inclusiva. Nele, consta que a terminologia adotada deve ser Transtornos Funcionais Específicos. De acordo com esse documento (BRASIL, 2008, p. 6), A escola, historicamente, caracterizou-se pela visão da educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de democratização da educação, evidencia-se o paradoxo inclusão/exclusão, quando os sistemas de en- sino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola. Assim, sob formas distintas, a exclusão tem apresentado características comuns nos processos de segregação e integração, o que pressupõe a seleção, naturalizando o fracasso escolar. A partir da visão dos direitos humanos e do conceito de cidadania, fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos, decorre uma identificação dos mecanismos e dos processos de hierarquização, os quais operam na regulação e na produção das desigualdades. Essa problematização explicita os processos normativos de distinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, dentre outras, estruturantes do modelo tradicional de educação escolar. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva foi um documento construído a partir do acompanhamento dos avanços do conhecimen- to e das lutas sociais, visando constituir políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos. IMPORTANT E O referido documento, ainda, traz o seguinte: Consideram-se alunos com deficiência aqueles que têm impedimen- tos a longoprazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida a participação plena e efetiva na escola e na sociedade. [...] Dentre os transtornos funcionais específicos, estão: dislexia, disortografia, dis- grafia, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, dentre ou- tros. As definições do público-alvo devem ser contextualizadas e não UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA 10 se esgotam na mera categorização e nas especificações atribuídas a um quadro de deficiência, transtornos, distúrbios e aptidões. Considera-se que as pessoas se modificam continuamente, transformando o contex- to no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, enfatizando a importância de ambientes heterogêneos que promovam a aprendizagem de todos os alunos (BRASIL, 2008, p. 15). A respeito desse assunto, Nunes e Silveira (2008 apud NOGUEIRA, 2012, p. 51) afirmam que o conceito de fracasso escolar é algo mutável e está profundamente conectado com os conhecimentos demandados pela sociedade, em um período histórico específico. Uma criança que fracassa é alguém que, em determinado momento, e na avaliação da escola, não consegue aprender o que a instituição espera que aprendam os alunos da ida- de dela, necessitando de medidas concretas para corrigir a situação. Isso demonstra que o fracasso escolar não se limita, apenas, ao não aprender por parte do aluno. É, também, o reconhecimento oficial, a legitimação desse não aprender, é o que diz a escola a esse respeito. O fracasso escolar pode ter, como causas-sintoma, a distração, a desaten- ção, a ansiedade, a disritmia, a impulsividade, e que, muitas vezes, desencadeiam os problemas de aprendizagem manifestados no ambiente escolar pelos alunos. Com relação aos problemas de aprendizagem, Nunes e Silveira (2008 apud NO- GUEIRA, 2012, p. 52) apontam os sete tipos mais comuns nos dias atuais: Dislexia – déficit no reconhecimento e na compreensão de textos escri- tos; Dislalia – dificuldades na articulação, omissões ou trocas de um ou vários fonemas; Disfagia – atraso no início da fala; Disgrafia - dificul- dades no grafismo; Disortografia – dificuldades com a estrutura escri- ta, sintaxe, pontuação, posição das letras, organização dos parágrafos etc.; Discalculia – dificuldades com o raciocínio lógico-matemático; Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) – dificul- dades em manter a atenção, controlar impulsos e inquietação motora. As dificuldades de aprendizagem se caracterizam por uma desordem do desenvolvimento neuropsicomotor, de origem biológica, as quais influenciam as capacidades cognitivas para perceber e processar, com eficiência, as informações verbais ou não verbais recebidas. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatís- tico de Transtornos Mentais, o transtorno específico da aprendizagem é um transtorno do neurodesen- volvimento com uma origem biológica que é a base das anormalidades no nível cognitivo, as quais são associadas com as manifestações compor- tamentais. A origem biológica inclui uma interação de fatores genéticos, epigenéticos e ambientais que influenciam a capacidade do cérebro para perceber ou para processar informações verbais ou não verbais com efi- ciência e exatidão. Uma característica essencial do transtorno específico da aprendizagem são dificuldades persistentes para aprender habilida- des acadêmicas fundamentais (Critério A), com início durante os anos de escolarização formal (i.e., o período do desenvolvimento). Habilidades acadêmicas básicas incluem leitura exata e fluente de palavras isoladas, compreensão da leitura, expressão escrita e ortografia, cálculos aritméti- cos e raciocínio matemático (solução de problemas matemáticos) (AME- RICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 68). TÓPICO 1 — AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS 11 O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edi- ção, ou DSM-5, é um manual feito pela Associação Americana de Psiquiatria, para definir como é feito o diagnóstico de transtornos mentais. Esse documento é utilizado por mé- dicos, psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos e terapeutas ocupacionais. A versão atualizada foi publicada em maio de 2013, substituindo o DSM-IV, criado em 1994, e revi- sado em 2000. Desde o DSM-I, criado em 1952, esse manual tem sido uma das bases de diagnósticos de saúde mental mais usadas no mundo. NOTA Os Transtornos Específicos da Aprendizagem deixaram de ser subdividi- dos em transtornos de leitura, de cálculo, de escrita e outros, especialmente, pelo fato de que os indivíduos com esses transtornos, frequentemente, apresentam déficits em mais de uma esfera de aprendizagem. Vale ressaltar, aqui, que o pro- cesso de aprendizagem formal deve ser visto como algo amplo, que implica na compreensão dos aspectos afetivos, cognitivos, psicomotores e sociais. FIGURA 3 – DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESCOLAR FONTE: < https://shutr.bz/3ApAd9M>. Acesso em: 24 abr. 2021. Dessa forma, é preciso que seja feita uma investigação cuidadosa em relação às dificuldades de aprendizagem da criança, passando por to- dos os níveis de aprendizagem e buscando averiguar as possibilidades e obstáculos prováveis, não só as consequências vislumbradas em sala de aula: leitura, escrita, compreensão e interpretação de textos, proble- mas em relação à matemática, à atenção e ao comportamento, pois tais dificuldades podem ser agravadas, ou, mesmo, geradas por questões sociais mais complexas, advindas da história particular de desenvolvi- mento de cada um (NOGUEIRA, 2012, p. 57). UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA 12 O trabalho da psicopedagogia escolar tem caráter preventivo, e, por sua vez, caracteriza-se pela mediação e pela intervenção de situações e de projetos que auxiliem a prática pedagógica, a dinâmica da estrutura familiar e o desejo do aprendiz, no que se refere aos problemas desencadeados pelos processos da aprendizagem formal. A ação psicopedagógica, na escola, destaca-se por possibilitar reflexões, observações e transformações em relação aos processos de construção e de pro- dução de conhecimento, permitindo, assim, que todos os envolvidos nesse pro- cesso (escola, família e aprendiz) contribuam, de alguma forma, para o resgate do desejo de aprender do sujeito aprendente. É essencial que a intervenção psicopedagógica escolar concentre esforços para ultrapassar a visão fragmentada dos problemas educacionais, compreen- dendo o fenômeno educativo como um processo dinâmico resultante da intera- ção, e não, apenas, relacionado às capacidades intelectuais individuais do apren- dente, mas, também, do ensinante. Segundo Nogueira (2012), as dificuldades de aprendizagem se apresen- tam relacionadas a conteúdos específicos e em diferentes fases do desenvolvi- mento escolar da criança. Contudo, faz-se necessário entender que essas manifes- tações se referem aos “sintomas”, e não às “causas” dessas dificuldades. Os sintomas das causas das dificuldades de aprendizagem não podem ser negligenciados, mas, sim, observados e analisados. Para Fernández (1991, p. 91), é preciso “[...] ver com olhar-conhecer a criança através da família”. Na Unidade 2, aprofundaremos os nossos conhecimentos a respeito dos “sin- tomas” e das “causas” das dificuldades de aprendizagem no âmbito familiar. ESTUDOS FU TUROS De acordo com Nogueira (2012, p. 57-58), [...] veremos, a seguir, alguns apontamentos a respeito das dificuldades da leitura e da escrita e da matemática, destacando a necessidade de não negligenciar questões mais abrangentes, como condições socioeconômi- cas, culturais, familiares etc., as quais não são sinônimos de dificuldades de aprendizagem, mas nunca devem ser descartadas quando se trata de investigar o problema com profundidade. [...] O educador pode ajudar muito, mediando o encaminhamentoda criança para a avaliação clíni- ca, conversando e orientando os pais e ajudando os profissionais com informações relevantes a respeito dela, as quais somente ele, através do TÓPICO 1 — AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS 13 convívio diário que tem com os estudantes, será capaz de perceber e apontar, porém, o professor, ainda que conheça a fundo o aluno, não está capacitado para avaliar, clinicamente, a situação. Muitas vezes, as dificuldades de aprendizagem, apresentadas pela crian- ça, não estão relacionadas com fatores patológicos, neurológicos, neurolinguísti- cos, pedagógicos, dentre outros, mas, sim, a questões sociais, culturais e econômi- cas que refletem no ambiente familiar. FIGURA 4 – ASPECTOS ENVOLVIDOS NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM FONTE: Weiss (2012, p. 30) A figura anterior sintetizou a forma através da qual a aprendizagem é construída pela interação do sujeito com o meio que o cerca. Esse meio é iniciado na instituição familiar, e, depois, acrescido pela escola, ambas permeadas pelo meio social no qual estão inseridos. Assim, podemos afirmar que a aprendizagem da criança inicia muito antes da entrada dela na escola, momento em que algu- mas dificuldades de aprendizagem se manifestam. Quando as hipóteses de dificuldades de aprendizagem surgem, o psicopeda- gogo escolar deve, com a equipe pedagógica, chamar a família e encaminhar o aluno para uma avaliação multidisciplinar. De acordo com Fernández (1991, p. 92), a família, [...] à medida que ajuda a observar, mais rapidamente, a existência de significações sintomáticas localizadas em vínculos em relação ao aprender, permite realizar diagnósticos diferenciais entre sintomas (problema de aprendizagem-sintoma) e problemas de aprendizagem reativos. Nosso “olhar através da família” leva em conta, simultane- amente, três níveis: individual, vincular e dinâmico. Entrecruzam-se, UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA 14 por sua vez, com dois olhares: o que considera, principalmente, as imagens, as sensações e as ideias de cada um dos membros do grupo familiar, e o que a equipe terapêutica percebe. Portanto, nesse cenário, a modalidade de aprendizagem da criança se forma e se relaciona com o conhecimento, isto é, a maneira através da qual o aluno se integra e se entrega ao processo de aprender está ligada, diretamente, ao modelo desenvolvido e ensinado na família. Você já assistiu ao filme Como Estrelas na Terra? O filme conta a história de uma criança que sofre com dislexia e não é compreendida pelos professores e pelos pais. Ishaan, de 9 anos, já repetiu uma vez o terceiro período (no sistema educacional indiano), e corre o risco de reprovar novamente. As letras dançam na sua frente, como diz, e não consegue acompanhar as aulas, nem focar a atenção. Inesperadamente, um professor substituto de artes percebe que há algo de errado com Ishaan. Ao descobrir que o garoto é disléxico, esse professor coloca em prática um plano para resgatar aquele garoto. DICAS FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=zzDt97-UvE0>. Acesso em: 24 abr. 2021. 2.3 PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA A importância do papel desempenhado pela família, no processo de aprendizagem humana, é inegável, pois, no seio familiar, as aprendizagens bási- cas são aprendidas pela criança, e, depois, reproduzidas, por ela, no meio social. Nesse contexto, inclui-se o ambiente escolar. No entanto, surgem as necessidades de orientar e de instrumentalizar essa família, de acordo com as necessidades par- ticulares de cada aluno que apresente dificuldades em relação à aprendizagem, pois é percebido que, em muitos casos, os pais e/ou responsáveis manifestam sen- timentos de angústia, de ansiedade, de insegurança ou de falta de conhecimento, impossibilitando-os de agirem de maneira acertada em determinadas situações. TÓPICO 1 — AS TRANSFORMAÇÕES DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO LONGO DOS ANOS 15 Para que o processo de aprendizagem escolar se efetive de modo a pro- porcionar um melhor desenvolvimento da criança, é necessário que a família par- ticipe e acompanhe a vida, na escola, do filho, para que possa cumprir o papel de facilitadora do processo de ensino-aprendizagem formal. “O problema de aprendizagem-sintoma não é uma resposta a um estímu- lo externo, como o lugar destinado pela família, entretanto, a atribuição do “lugar do que não sabe”, se é articulada com uma particular organização-organismo- -corpo-inteligência-desejo, vai provocá-lo” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 99). FIGURA 5 – PARCERIA ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA FONTE: <https://shutr.bz/3BoZYYR>. Acesso em: 24 abr. 2021. A figura anterior representa um momento histórico vivenciado, mundialmente, pelas famílias e pelas escolas, durante a pandemia da COVID-19, nos anos de 2020 e de 2021. NOTA Küster (2020) afirma que as mudanças sociais sofridas com a globalização mundial, a velocidade acelerada através da qual o conhecimento se propaga, e a rápida inserção das tecnologias nas relações humanas incidiram, também, na participação da família no espaço educacional escolar. Em razão desses avanços, hoje em dia, é comum obtermos informa- ções das crianças que atendemos por aplicativos de comunicação, como pelo WhatsApp, sem as necessidades de agendarmos uma reu- UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA 16 nião e nos deslocarmos até a escola. Entretanto, a velocidade através da qual as informações circulam, também, pode representar aspectos negativos, uma vez que os “conflitos escolares” são resolvidos com imediatismo, não permitindo que os envolvidos tenham um tempo maior para metabolizar os fatos (KÜSTER, 2020, p. 168). Desse modo, em face dessas novas configurações social e tecnológica, é essencial que a equipe escolar estabeleça uma relação de parceria, ainda mais próxima, com as famílias, a partir da tentativa de mediar as situações conflituosas existentes entre as pessoas que convivem com a criança. O envolvimento familiar e a maneira através da qual os pais se interes- sam pela vida escolar dos filhos, estimulando e incentivando o fazer pedagógi- co, fazem a criança se sentir segura, valorizada e assistida. Assim, essa postura contribui para o desenvolvimento das capacidades e das potencialidades, pro- porcionando-lhes motivação e interesse necessários para obter sucesso durante a aprendizagem. De acordo com Fernández (1991, p. 30-31), a escola precisa [...] devolver, à família, as possibilidades de pensar, de se fazer per- guntas, de se questionar, e de refletir. Proporcionamos, aos pais, um espaço e um tempo para se sentirem e pensarem, para que possam ver a si mesmos individualmente, como casal e como grupo familiar. Não nos centramos no que outros (professor, médico etc.) opinam e repe- tem a respeito do filho. Tratamos de devolver, a eles, a possibilidade de se encontrarem com os próprios aspectos sadios, para que, dali, eles mesmos possam descobrir os caminhos para mudar. A origem do problema de aprendizagem não se encontra na estrutura individual. O sintoma se ancora em uma rede particular de vínculos familiares, os quais se entrecruzam com uma, também, particular estrutura indi- vidual. A criança suporta a dificuldade, porém, necessária e dialetica- mente, os outros dão o sentido. A autora deixa claro a necessidade de interação entre família e escola, pois toda criança carrega, consigo, a própria história de vida, a qual deve ser conheci- da pelos profissionais que atuam, diretamente, com ela. Com isso, os educadores podem criar estratégias de ensino mais eficientes para a superação dos possíveis problemas de aprendizagem que, por vezes, aparecem. Percebe-se que a parceria entre família e escola não se reduz a meras reu- niões formais, as quais se pautam em reclamações ou contatos rápidos, nas quais a escola sugere que os pais resolvam os problemas apresentados pelos filhos. Ao contrário, esses contatos devem ocorrer regularmente, emsituações positivas e negativas, permitindo, assim, uma participação efetiva da família no dia a dia es- colar das crianças, o que promove as estabilidades emocional e significativa para todos os envolvidos, em especial, ao jovem. 17 Neste tópico, você aprendeu que: RESUMO DO TÓPICO 1 • Os modelos e as estruturas familiares se modificaram no decorrer dos tempos. • A divisão de papéis, entre homens e mulheres, não mais se diferencia, pois ambos têm garantidos os mesmos direitos e oportunidades. • As mudanças sociais que afetaram as configurações familiares iniciaram com a Revolução Industrial. • Os modelos de constituições familiares, nos dias atuais, consideram as rela- ções afetivas e o respeito aos direitos humanos em função dos membros. • A família sempre foi e sempre será o núcleo-base da estrutura social. • A primeira instituição a que o ser humano pertence é a familiar. • Na família, a criança adquire as primeiras aprendizagens e o conhecimento de mundo. • As bases dos princípios éticos e morais, também, são aprendidas no seio familiar. • As relações afetivas fazem parte da constituição do ser humano. • Embora sejam distintas as funções afetivas e intelectuais, são indissociáveis. • Para Wallon, a afetividade desempenha um papel fundamental para o desen- volvimento e a aprendizagem. • Piaget acreditava que a aprendizagem é motivada pela afetividade. • Para Vygotsky, a relação entre afetividade e desenvolvimento/aprendizagem é simultânea. • Na abordagem psicopedagógica, o aprender está, diretamente, ligado ao vín- culo (afetividade) e ao desejo (vontade). • A atuação da psicopedagogia institucional, ou escolar, tem caráter preventivo. • As dificuldades de aprendizagem são conceituadas e caracterizadas, de modo diferente, em diferentes perspectivas. 18 • As dificuldades de aprendizagem estão relacionadas ao ambiente familiar. • Nossa modalidade de aprendizagem contribui para o aparecimento dos sin- tomas das dificuldades do aprender. • As manifestações dos sintomas das dificuldades da aprendizagem escolar não se referem às causas, necessariamente. • Os problemas de aprendizagem escolar podem não estar relacionados a fato- res orgânicos. • A participação da família na vida escolar dos filhos contribui, significativa- mente, para o processo de ensino-aprendizagem da criança. • A participação da família, na vida escolar do jovem, pode evitar o apareci- mento dos problemas de aprendizagem. • Família e escola, em ação conjunta, proporcionam um melhor desempenho dos estudantes. • A parceria entre família e escola promove a estabilidade emocional do aprendiz. 19 1 Mesmo que o sistema familiar tenha passado, e continuará passando, por transformações constantes, no intuito de continuar evoluindo e buscando as estabilidade social e cultural, sob novas bases, os deveres, em relação ao provimento do sustento, às condições dignas de viver em sociedade e ao respeito diante daquele que o acolhe e instrui, continuam os mesmos. Sobre qual o dever da família, além de garantir a sobrevivência e a proteção inte- gral dos filhos, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Oferecer uma educação pautada nos princípios éticos e morais, deter- minados pelos sistemas educacionais formais. b) ( ) Oferecer um ambiente no qual a criança tenha liberdade para fazer o que deseja, sem a supervisão ou a intervenção de um adulto. c) ( ) Oferecer um ambiente no qual seja possível se construírem vínculos afetivos que permitam, ao sujeito, o desenvolvimento da autonomia, para que ele seja capaz de viver em sociedade. d) ( ) Oferecer um ambiente que promova o desenvolvimento intelectual, sem a interferência das relações afetivas, nele, existentes. 2 Um dos pilares fundamentais para a constituição do ser humano são as rela- ções afetivas que ele recebe na atmosfera familiar, até mesmo, antes do nasci- mento. A educação absorvida pelo sujeito, nos contextos familiar e social, in- fluencia no desenvolvimento da autoconfiança e da autonomia, formando-o e o constituindo em sua integralidade, com os aspectos físico, psíquico, social e emocional. Com base no excerto, analise as assertivas a seguir: I- Para Wallon (1879-1962), a afetividade desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento e a aprendizagem humanas, pois, desde o nascimen- to, o ser humano é envolvido por laços afetivos através das relações sociais. II- Piaget (1896-1980) não acreditava que a afetividade era o elemento que motivava a atividade cognitiva. Para ele, no processo de ensino-aprendi- zagem, não se deve levar em consideração as diferentes fases do desenvol- vimento infantil. III- Para Vygotsky (1896-1934), a afetividade está, diretamente, ligada ao de- senvolvimento real, referindo-se às capacidades já alcançadas, e ao desen- volvimento potencial, ou proximal, que está relacionado as capacidades a serem adquiridas. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I e III estão corretas. b) ( ) Apenas a sentença II está correta. c) ( ) As sentenças II e III estão corretas. d) ( ) Todas as sentenças estão corretas. AUTOATIVIDADE 20 3 Os Transtornos Específicos da Aprendizagem deixaram de ser subdividi- dos em transtornos de leitura, de cálculo, de escrita e outros, especialmente, pelo fato de que indivíduos com esses transtornos, frequentemente, apre- sentam déficits em mais de uma esfera de aprendizagem. De acordo com isso, coloque V para as sentenças verdadeiras e F para as sentenças falsas: ( ) O trabalho da psicopedagogia escolar tem caráter preventivo, e, por sua vez, caracteriza-se pela mediação e pela intervenção em situações e em projetos que auxiliem a prática pedagógica, a dinâmica da estrutura fa- miliar e o desejo do aprendiz, no que se refere aos problemas desencade- ados pelos processos da aprendizagem formal. ( ) Muitas vezes, as dificuldades de aprendizagem, apresentadas pela crian- ça, não estão relacionadas com fatores patológicos, neurológicos, neu- rolinguísticos, pedagógicos, dentre outros, mas, sim, a questões sociais, culturais e econômicas que refletem no ambiente familiar. ( ) Quando as hipóteses de dificuldades de aprendizagem surgem, o psi- copedagogo escolar deve, com a equipe pedagógica, chamar a família e encaminhar o aluno para uma avaliação multidisciplinar. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – F. b) ( ) V – F – V. c) ( ) F – V – F. d) ( ) V – V – V. 4 A teoria do desenvolvimento cognitivo, de Jean Piaget, sugere que as crian- ças passam por quatro estágios diferentes de desenvolvimento. A teoria se concentra não apenas no entendimento de como as crianças constroem o co- nhecimento, mas, também, no desenvolvimento da inteligência na infância. Assim, faça uma pesquisa e descreva os quatro estágios do desenvolvimento da inteligência infantil, apontados por Piaget, caracterizando cada um deles. 5 O transtorno específico da aprendizagem é um transtorno do neurodesen- volvimento, com origem biológica, base das anormalidades a nível cog- nitivo, as quais são associadas com as manifestações comportamentais. A origem biológica inclui uma interação de fatores genéticos, epigenéticos e ambientais que influenciam a capacidade do cérebro para perceber ou para processar informações verbais ou não verbais com eficiência e exatidão. Uma característica essencial do transtorno específico da aprendizagem são as dificuldades persistentes para aprender habilidades acadêmicas funda- mentais (Critério A), com início durante os anos de escolarização formal (i.e., período do desenvolvimento). Habilidades acadêmicas básicas in- 21 cluem leitura exata e fluente de palavras isoladas, compreensão da leitura, expressão escrita e ortografia, cálculos aritméticos e raciocínio matemático (solução de problemas matemáticos) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSO- CIATION, 2014). Nesse contexto, aponte os sete problemas de aprendiza- gem mais comuns que se manifestam, atualmente, no ambiente escolar,pe- los alunos, além das características. FONTE: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de trans- tornos mentais (DSM-5). Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento et al. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3p1cbga. Acesso em: 24 abr. 2021. 22 23 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 1 INTRODUÇÃO Prezado acadêmico, pensando na maneira através da qual o processo de ensino-aprendizagem formal aconteceu ao longo da história da humanidade, neste tópico de estudo, faremos um breve resgate teórico das principais concep- ções pedagógicas, analisando as perspectivas ao processo de aprendizagem e ao desenvolvimento escolar da criança. A temática que engloba as dificuldades de aprendizagem vem sendo mui- to discutida e estudada por especialistas nos últimos anos, com o objetivo de se encontrarem alternativas para diminuir os sintomas e controlar as causas desses problemas na vida dos alunos, das famílias e nas salas de aula. O fracasso escolar, caracterizado pelo “não aprender”, não deve ser visto de maneira isolada, sem se considerarem as condições sociais, as quais, por sua vez, determinam as condições da qualidade do ensino oferecido ao aprendiz, pois o ato de ensinar está, diretamente, ligado com a construção do ato de aprender. 2 aspectos peDagógicos Da aprenDiZageM eM DiFerentes aBorDagens O contexto educacional brasileiro apresenta uma diversidade de problemas no que se refere à aprendizagem, bem como os aspectos que conduzem o estudante ao fracasso escolar. Para isso, é necessário analisar o contexto da queixa pedagógica por diferentes perspectivas, entre elas: a social, a escolar e a individual (do aluno). Considera-se “fracasso escolar” uma resposta insuficiente do aluno a uma exi- gência ou demanda da escola. IMPORTANT E 24 UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA Na perspectiva social, a identificação do fracasso na aprendizagem está re- lacionada as relações que existem entre as oportunidades oferecidas nas diferentes classes sociais e o que se produz na instituição de ensino formal. Isso significa que os tipos de culturas, as relações socioeconômicas vigentes, assim como “[...] a estru- tura social, as ideologias dominantes e as relações explícitas e implícitas desses as- pectos com a educação escolar”, estão diretamente articuladas (WEISS, 2012, p. 19). Sobre o sistema de ensino escolar, podemos dizer que reflete o sistema socioeconômico da sociedade a qual está inserido. Dessa forma, o ato de ensinar, que está comprometido ao ato de aprender, sofre influência direta das condições sociais externas, e essas por sua vez irão desencadear uma condição interna no aluno. De acordo com Weiss (2012, p. 24), [...] quando os conteúdos do programa escolar, ou seja, as informações trazidas para a sala de aula, são apresentadas ao aluno de forma inade- quada, tornam-se objetos de difícil discriminação; eles se confundem com outros conhecimentos já adquiridos e não se integram aos novos, gerando grande “confusão” e tornando a elaboração do conhecimento mais demorada e difícil [...]. Essas são situações que devem ser consi- deradas na ação didática do professor. Portanto, é preciso analisar todo o processo de ensino-aprendizagem a fim de evitar que o aluno seja culpabilizado pelos procedimentos didático-peda- gógicos inadequados, pois eles podem levar a instalação de possíveis dificulda- des de aprendizagem apresentadas pelo aprendiz. Outra perspectiva ligada ao fracasso escolar, se refere às condições inter- nas que o aluno apresenta e que se refere à intrasubjetividade, oriundas de sua história de vida pessoal e familiar. Para a escola, essa seria a principal causa dos casos de fracasso escolar, pois: “o fracasso escolar é causado por uma conjunção de fatores interligados que impedem o bom desempenho do aluno em sala de aula” (WEISS, 2012, p. 26). Dito isso, percebemos que os aspectos pedagógicos contribuem para o aparecimento ou instalação das dificuldades de aprendizagem escolar, e elas por sua vez podem ter origem na história de vida pessoal e familiar do aluno. A esse conjunto de fatores externos pode-se incluir as metodologias de ensino, que são determinadas pelas concepções pedagógicas adotadas pelas insti- tuições escolares para fundamentar a prática pedagógica e melhorar a qualidade do processo ensino-aprendizagem. Para compreendermos melhor a influência dessas tendências junto à prá- tica pedagógica exercida nas escolas brasileiras, a seguir, apresentaremos dois quadros que explicam de modo resumido como essas tendências pedagógicas surgiram e de que modo sofreram influência do momento histórico, político, cul- tural e também dos movimentos sociais vividos em nosso país. TÓPICO 2 — AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 25 As principais tendências pedagógicas usadas na educação brasileira se divi- dem em duas grandes linhas de pensamento pedagógico. Elas são: Tendências Liberais e Tendências Progressistas. Os professores devem estudar e se apropriar dessas tendências, que servem de apoio para a sua prática pedagógica. NOTA FIGURA 6 – TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS I 26 UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/3Avu0t2>. Acesso em: 24 abr. 2021. QUADRO 1 – TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS II 1.1) Tradicional – Foi a primeira a ser instituída no Brasil por motivos históri- cos. Nessa tendência o professor é a figura central e o aluno é um receptor passi- vo dos conhecimentos considerados como verdades absolutas. Há repetição de exercícios com exigência de memorização. 1.2) Renovadora Progressiva – Por razões de recomposição da hegemonia da burguesia, essa foi a próxima tendência a aparecer no cenário da educação bra- sileira. Caracteriza-se por centralizar no aluno, considerado como ser ativo e curioso. Dispõe da ideia que ele “só irá aprender fazendo”, valorizam-se as ten- tativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e so- cial. Aprender se torna uma atividade de descoberta, é uma autoaprendizagem. O professor é um facilitador. 1.3) Renovadora não diretiva (Escola Nova) – Anísio Teixeira foi o grande pio- neiro da Escola Nova no Brasil. É um método centrado no aluno. A escola tem o papel de formadora de atitudes, preocupando-se mais com a parte psicológica do que com a social ou pedagógica. E para aprender tem que estar significativa- mente ligado com suas percepções, modificando-as. 1.4) Tecnicista – Skinner foi o expoente principal dessa corrente psicológica, também conhecida como behaviorista. Nesse método de ensino o aluno é visto como depositário passivo dos conhecimentos, que devem ser acumulados na mente através de associações. O professor é quem deposita os conhecimentos, pois ele é visto como um especialista na aplicação de manuais; sendo sua práti- ca extremamente controlada. Articula-se diretamente com o sistema produtivo, com o objetivo de aperfeiçoar a ordem social vigente, que é o capitalismo, for- mando mão de obra especializada para o mercado de trabalho. 2) Tendências Progressistas – Partem de uma análise crítica das realidades so- ciais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação e é uma tendência que não condiz com as ideias implantadas pelo capitalismo. O desenvolvimento e popularização da análise marxista da sociedade possibilitou o desenvolvimento da tendência progressista, que se ramifica em três correntes: TÓPICO 2 — AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 27 2.1) Libertadora – Também conhecida como a pedagogia de Paulo Freire, essa tendência vincula a educação à luta e organização de classe do oprimido. Onde, para esse, o saber mais importante é o de que ele é oprimido, ou seja, ter uma consciência da realidade em que vive. Além da busca pela transformação social, a condição de se libertar atravésda elaboração da consciência crítica passo a pas- so com sua organização de classe. Centraliza-se na discussão de temas sociais e políticos; o professor coordena atividades e atua juntamente com os alunos. 2.2) Libertária – Procura a transformação da personalidade num sentido libertário e autogestionário. Parte do pressuposto de que somente o vivido pelo educando é incorporado e utilizado em situações novas, por isso o saber sistematizado só terá relevância se for possível seu uso prático. Enfoca a livre expressão, o contexto cultu- ral, a educação estética. Os conteúdos, apesar de disponibilizados, não são exigidos pelos alunos e o professor é tido como um conselheiro à disposição do aluno. 2.3) "Crítico-social dos conteúdos” ou "Histórico-Crítica" – Tendência que apa- receu no Brasil nos fins dos anos 1970, acentua a prioridade de focar os conte- údos no seu confronto com as realidades sociais, é necessário enfatizar o co- nhecimento histórico. Prepara o aluno para o mundo adulto, com participação organizada e ativa na democratização da sociedade; por meio da aquisição de conteúdos e da socialização. É o mediador entre conteúdos e alunos. O ensino- -aprendizagem tem como centro o aluno. Os conhecimentos são construídos pela experiência pessoal e subjetiva. FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/3Avu0t2>. Acesso em: 24 abr. 2021. Dessa maneira, não podemos falar em processo educativo sem integrá-lo à realidade social. Para isso, é necessário pensar no desenvolvimento da edu- cação sem esquecermos do desenvolvimento humano e da sociedade, pois são categorias interdependentes. Somente assim, será possível superar os problemas causados pelo processo ensino-aprendizagem que por sua vez, são determinados pelos fatores externos e internos já abordados anteriormente. Destacaremos a seguir algumas contribuições e influências teóricas deixadas por alguns autores renomados, para que o processo de desenvolvimento e aprendi- zagem humana sejam compreendidos no contexto educacional escolar e social. Freud foi o criador da teoria psicanalítica que explica de que maneira o pensamento inconsciente influencia as atitudes e comportamentos do sujeito. Para ele a mente humana é composta por três elementos: o id, o ego e o superego, e acreditava que o homem é comandado pelos pensamentos reprimidos, não pre- sentes na ação consciente, bem como por suas forças instintivas. 28 UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA O Id é um elemento psicológico de nossa mente. Nele, ficam armazenadas nossas pulsões, nossa energia psíquica, nossos impulsos mais primitivos. Guiado pelo prin- cípio de prazer, não há para o Id nenhuma regra a ser seguida: tudo o que interessa é a vazão do desejo, a ação, a expressão, a satisfação. O Ego é o elemento principal entre Id, Ego e Superego. Ele é a nossa instância psíquica e evolui a partir do Id, por isso, possui elementos do Inconsciente. Apesar disso, funciona principalmente a nível Consciente. O Ego representa a mediação entre as exigências do Id, as limitações do Superego e a sociedade. O Superego, por sua vez, é Consciente e Inconsciente. Ele é o aspecto social do trio Id, Ego e Superego. Resulta, em grande parte, das imposições e castigos sofridos na infância. O Superego é a censura, a culpa e o medo da punição. Pode ser visto como uma instância reguladora. A moral, a ética, a noção de certo e errado e todas as imposições sociais se internalizam no Superego. FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/3uW6qnZ>. Acesso em: 24 abr. 2021. NOTA Segundo Nogueira (2012, p. 31): Para Freud (1974), todo comportamento humano é superdeterminado, ou seja, nossos atos (mesmo os que parecem ocorrer ao acaso) estão re- lacionados a uma série de causas, das quais frequentemente não temos consciência. O psiquiatra também defende a tese de que a frustração é necessária ao desenvolvimento saudável dos sujeitos, que necessi- tam se “conformar” com a realidade, aceitando leis e regras necessá- rias para se viver em sociedade. Isso não significa que a criança deva “aprender pela coerção”, mas sim que a educação deve ser prazerosa, porém com limites. O desenvolvimento e aprendizagem da criança necessitam ser estimulados afetivamente, levando em conta o desejo dela, porém não se deve confundir afetividade com permissividade, ou por outro lado a repressão, a violência e o castigo não educarão a criança adequadamente, é necessária uma relação de respeito e amiza- de para ensinar significativamente. Com isso, podemos concluir que as três principais contribuições de Freud à educação são: a construção do conhecimento por meio do inconsciente; a rela- ção professor-aluno como modo de ver e entender a prática pedagógica de acor- do com as relações humanas existentes; e, por fim, a ação educativa como auxiliar da sublimação sexual, uma vez que Freud afirma que a curiosidade intelectual é derivada da curiosidade sexual. As pesquisas de Skinner também apresentaram contribuições importan- tes ao campo educacional. Ele foi um dos principais representantes do behavio- rismo, abordagem da psicologia que explica que o comportamento sofre influên- cia dos estímulos oferecidos pelo meio, e tinha como princípio a comprovação do método científico por meio da observação. TÓPICO 2 — AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 29 Skinner analisava o comportamento como resposta dos estímulos (exter- nos) recebidos pelo meio, sem se preocupar com os fatores internos (fisiológicos e psíquicos). Sua teoria baseia-se na ideia de que a aprendizagem ocorre quando há mudança de comportamento. O pesquisador, em todas as suas obras relativas à educação, reforçava a importância do planejamento pedagógico voltado às con- dições de aprendizagem que o professor deveria oferecer aos alunos. Nogueira (2012, p. 32-33) sintetiza a teoria de Skinner em quatro pontos essenciais: 1.Para usar adequadamente “os instrumentos” do ensino independente- mente de quais sejam eles e quais deles estejam disponíveis no momento do ensino, o professor deve torná-los como referência para instalar mu- danças no aluno, possibilitando-o, assim, se comportar de maneira mais eficiente da que acontecia antes do processo de ensino. 2. O professor deve conhecer as possibilidades do estudante, em termos comportamen- tais (sob quais contingências seu comportamento está sendo mantido), tomando-as como condição prévia para planejar um ensino eficiente, que elimine dificuldades desnecessárias para o aluno. 3. O professor necessita conhecer e estabelecer os objetivos do processo de ensino, de modo que eles interfiram relevantemente no comportamento do aluno. 4. O profes- sor precisa dominar o conteúdo a ser utilizado no processo de ensino. Nesse sentido, percebemos que o behaviorismo se baseia no ensino tecni- cista, que propõem o planejamento e organização das atividades escolares para que os objetivos propostos sejam alcançados por meio da técnica reproduzida e repetida, sem permitir que o aluno reflita sobre sua ação, impedindo-o assim de exercer autonomia de pensamento sobre tais atividades. Já a epistemologia genética de Piaget, ao se reportar sobre o processo de de- senvolvimento e aprendizagem humana, apresenta como foco o sujeito que constrói conhecimento por meio de sua relação com o objeto. Para Piaget, a aprendizagem acontece por constantes processos de equilibração. Diante de uma nova aprendiza- gem, ocorre o desequilíbrio (ou desadaptação), o qual mobiliza uma necessidade, uma ação do sujeito. A partir disso, entram em ação dois mecanismos que contri- buirão para que as estruturas do sujeito se desenvolvam e voltem a se equilibrar, que são a assimilação e a acomodação à nova aprendizagem (NOGUEIRA, 2012). Piaget (1986) define assimilação como uma estrutura que internaliza a realidade externa, pode-se dizer que é uma tentativa do sujeito em resolver as situações-problemas pelos esquemas mentais construídos até aquele momento. A acomodação se refereà modificação desses esquemas mentais para resolver as situações-problemas criando um novo esquema ou transformando os atuais pelas experiências novas causadas pela interação com o objeto. Nogueira (2012), diz que a teoria piagetina traz o conceito de adaptação como o momento em que o sujeito faz a equilibração das trocas com o meio físico e social, ou seja, diante de um novo desafio, o sujeito entra em uma situação de desequilíbrio para depois recuperá-lo. Sendo assim, precisará mobilizar os dois mecanismos anteriores: assimilação e acomodação. 30 UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA Dessa maneira, a adaptação é resultante do equilíbrio entre assimilação e acomodação, pois esses dois mecanismos não ocorrem um sem o outro, e a intera- ção entre eles será responsável pela modificação e/ou criação de novos esquemas mentais, permitindo com isso a construção de novos conhecimentos. Outra valiosa contribuição deixada sobre essa temática foi a teoria de Vy- gotsky, que se dedicou aos estudos das funções psicológicas superiores, consti- tuídas pela maneira como o pensamento humano surge, na interação dos fatores biológicos com os fatores históricos e culturais. Segundo Nogueira (2012, p. 37): Vygotsky buscava a compreensão do desenvolvimento dos processos psicológicos, os quais se dividem em elementares (reações automáti- cas, ações reflexas e associações simples – origem biológica) e funções psicológicas superiores (capacidade de planejamento, memória e ima- ginação. [...] Os processos psicológicos superiores não são inatos, eles se originam nas relações entre indivíduos humanos e se desenvolvem ao longo do processo de internalização de formas culturais de compor- tamento. Diferem, portanto, dos processos psicológicos elementares (presentes na criança pequena e nos animais). Dessa forma, Vygotsky se dedicou ao estudo das chamadas funções psicológicas superiores, que consistem no modo de funcionamento tipicamente humano. Tais funções constituem o homem ao longo de sua história, enquanto espé- cie humana e como história individual. A teoria histórico-cultural considera que o homem se constitui na interação com o outro, ou seja, quando ele interage com o meio físico e social. Para isso, é preci- so haver mediação ou instrumentos para que ocorra, por meio do trabalho humano, a modificação da natureza. Esses instrumentos são denominados por Vygotsky como signos e simbolizam tudo o que possui significado. Com isso, cada sujeito aprende diferente, se apropriando dos conhecimentos, sendo eles escolares ou não, na inte- ração social estabelecida com o outro, com o objeto e com o meio ao qual pertence. As contribuições aqui consideradas e destacadas sobre o desenvolvimento hu- mano para o processo de ensino-aprendizagem, enfatizam a interação do indivíduo com o meio em que ele vive, e é pela aprendizagem que o mesmo indivíduo se apro- pria do novo, apreendendo esse conhecimento de modo que passe a fazer parte de si. FONTE: <https://shutr.bz/3iI4hY2>. Acesso em: 24 abr. 2021. FIGURA 7 – APROPRIAR-SE TÓPICO 2 — AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 31 2.1 FUNÇÃO DO APRENDER E APRENDER COMO FUNÇÃO De acordo com o que vimos até aqui, podemos afirmar que a aprendizagem é o alicerce do processo educacional, e que por meio dela é que o sujeito incorpora sua cultura e se apropria da função social que o objeto do conhecimento tem em sua vida e na vida do seu grupo de pertencimento. Segundo Paín (1985, p. 17): Tal processo compreende todos os comportamentos dedicados à trans- missão da cultura, inclusive os objetivados como instituições que, es- pecífica (escola) ou secundariamente (família) promovem a educação. [...] Educar consiste, então, em ensinar no sentido de mostrar, estabe- lecer sinais, de marcar como se faz o que pode ser feito. Nessa perspectiva, o sujeito se constitui por diferentes dimensões: física, bio- lógica, afetiva, relacional, funcional e cultural, que interagem entre si. E são essas dimensões que tornam o indivíduo temporal e histórico, isto é, que carrega consigo o conhecimento produzido em outros tempos, projetando-o para o futuro ao mesmo tempo que produz novos conhecimentos a partir de sua experiência com o meio. Cabe, nesse momento, uma reflexão a respeito da função da aprendiza- gem e da aprendizagem como função. Sobre isso, Fernández (1991, p. 51) diz que encaramos a aprendizagem como um processo e uma função, que vai além da aprendizagem escolar e que não se circunscreve exclusiva- mente à criança. Fazendo uma simplificação, uma abstração do pro- cesso de aprendizagem, encontramo-nos ante a uma cena em que há dois lugares: um onde está o sujeito que apreende e o outro de onde colocamos o personagem que ensina. Um polo onde está o portador do conhecimento e o outro polo que é o lugar onde alguém vai tornar-se um sujeito. Quer dizer que não é sujeito antes da aprendizagem, mas que vai chegar a ser sujeito porque aprende. O homem como um ser histórico é capaz de acumular os conhecimen- tos de gerações anteriores e é por isso que se torna humano, justamente por ele aprender. Sendo assim, a aprendizagem pode ser definida como o processo que permite a transmissão do conhecimento de um outro que sabe, a um outro que vai chegar a ser sujeito através dessa aprendizagem. Para Fernández (1991, p. 51): A reprodução do ser humano não termina no suporte orgânico. No homem os comportamentos não vêm inscritos geneticamente, mas só a possibilidade de adquiri-los. O modo de criar um filho, de comer, de falar, não se herda, se aprende. As constantes da espécie estão garanti- das, então, pela presença de estruturas gerais de elaboração cognitiva e semiótica, preparadas para possibilitar a integração do sujeito à cultura. O processo de transmissão de conhecimento não acontece isoladamente, para que isso ocorra é necessário que o ensinante (professor, pais e outros) esco- lha uma determinada situação para transmitir esse conhecimento por meio do ensino. Além do que, não se pode transmitir esse conhecimento na sua íntegra, mas sinais dele para que o sujeito possa transformá-lo e reproduzi-lo. 32 UNIDADE 1 — FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA O conhecimento é conhecimento do outro, porque o outro o possui, mas também porque é preciso conhecer o outro, quer dizer, pô-lo no lugar do professor (que podem ser os pais ou outras instâncias que vão ensinar) e conhecê-lo como tal. Não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de ensi- nar (FERNÁNDEZ, 1991, p. 52). Diante do exposto, podemos dizer que o ser humano tem a capacidade de transformar o ensino em aprendizagem, que por sua vez, é construída pelo ensinante através de quatro níveis de elaboração: corpo, organismo, inteligência e desejo. Na Unidade 2 deste material, abordaremos cada um desses quatro níveis (corpo, organismo, inteligência e desejo) individualmente. ESTUDOS FU TUROS FIGURA 8 – RELAÇÃO DA APRENDIZAGEM FONTE: Fernández (1991, p. 53) Na figura anterior, apresenta-se que a estrutura vincular do aprendente intervém dos quatro níveis constitutivos desse sujeito que, se constrói por meio da inter-relação com o meio social e familiar. Nesse sentido, Fernández (1991, p. 52) conclui: “a aprendizagem é, então, uma das funções para a qual esses níveis podem inter-relacionar-se com o exterior e por sua vez conformar-se a si mesmos, em um processo dialético”. TÓPICO 2 — AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 33 2.2 FRACASSO ESCOLAR E PAPEL DA ESCOLA Embora o fracasso escolar sempre tenha existido, atualmente esse cenário vem exigindo dos órgãos governamentais e sistemas educacionais (escola, pais e comunida- de) um novo olhar, que vise a superação de tal problemática. Para Goulart (2014, p. 21): As dificuldades de aprendizagem dos alunos, a evasão escolar, os mé- todos de ensino superados na era da tecnologia, da informação
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