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Júlia Figueirêdo – APARECIMENTO E MANIFESTAÇÕES EXTERNAS DAS DOENÇAS E IATROGENIAS PSORÍASE: A psoríase é uma dermatose crônica marcada pela presença de placas eritematosas com escamas branco- prateadas. Pode surgir em qualquer idade, sendo mais comum entre os 30-40 anos, sem predileção por sexo. Quanto ao perfil étnico, observa-se menor frequência em negros, ao passo que a população indígena não é afetada. A etiologia desse quadro é desconhecida, mas é sabido que há predisposição genética poligênica associada. Como fatores desencadeantes ou agravantes para a psoríase destacam-se o trauma à pele, estresse emocional, infecções por estreptococo beta- hemolítico ou HIV, e o uso de AINES, antimaláricos, lítio e betabloqueadores. A administração e interrupção de corticoides sistêmicos pode levar ao desenvolvimento de formas graves da doença. PATOGENIA: O desenvolvimento da psoríase é caracterizado pela presença de ciclos evolutivos acelerados das células da epiderme, que acabam por produzir escamas em excesso (paraqueratose). Além da própria epiderme, estão envolvidos no processo de desenvolvimento e manutenção das placas psoriáticas as células dendríticas, linfócitos T, queratinócitos e neutrófilos. Sugere-se que as células imunes seriam ativadas por múltiplos intermediários, induzindo a liberação de IL-12, que estimula a proliferação clonal e a resposta imune Th1, e IL- 23, que ativa linfócitos tipo Th17. Fluxograma da síntese e secreção de mediadores imunes em pacientes com psoríase QUADRO CLÍNICO: As lesões típicas da psoríase são descritas como placas eritematoescamosas simétricas com limites precisos, mas tamanho e formato variáveis. Ocasionalmente podem ser vistos halos claros na periferia das lesões (halo de Woronoff). Placas margeadas por halos de Woronoff Existem, no entanto, múltiplas formas clínicas para essa doença, variando em sítio e intensidade de acometimento. PSORÍASE VULGAR (EM PLACAS): É a apresentação mais comum da psoríase, identificada em 90% dos pacientes. As escamas são secas e aderentes, com tom branco-acizentado, distribuídas pela face Júlia Figueirêdo – APARECIMENTO E MANIFESTAÇÕES EXTERNAS DAS DOENÇAS E IATROGENIAS extensora dos membros, além de joelhos, cotovelos, região dorsal e couro cabeludo. Ainda que o quadro oscile entre períodos com predominância de eritema e descamação, há uniformidade no aspecto das lesões por todo o corpo. Lesões psoriáticas confluentes com escamas prateadas em dorso Sintomas subjetivos, como prurido e queimação, são eventualmente relatados, com intensidade variável de acordo com o estado emocional do paciente. Em caso de formação de fissuras, pode haver dor associada. Durante a curetagem metódica de Brocq, dois importantes sinais clínicos são identificados: Sinal da vela: a raspagem das placas causa o destacamento de escamas brancas, semelhantes a cera de vela; Sinal do orvalho sangrento (de Auspitz): depois de remover as escamas, surge uma superfície vermelho- brilhante, com pontos hemorrágicos. Sinal de Auspitz após curetagem em lesão por psoríase O fenômeno de Koebner, comum na psoríase vulgar, corresponde ao deenvolvimento da dermatose em áreas sãs afetadas por traumas (reação inflamatória wa queratinócitos danificados) Pode haver também o fenômeno de Renbok (Koebner reverso), no qual o traumatismo numa placa psoriáticas causa desaparecimento da lesão. Lesões psoriáticas seguindo padrão de arranhões em pele íntegra PSORÍASE EM GOTAS (GUTATA): A forma gutata é a principal apresentação da psoríase em crianças, adolescentes e O quadro evolui de forma crônica e, nos momentos de acalmia, lesões anulares são bastante evidentes. Pacientes com pele negra ou infectados por HIV podem apresentar “psoríase invertida”, que afeta dobras flexoras, com descamação menos intensa devido à maior sudorese nessas áreas Assume-se que esses eventos são mutuamente exclusivos, ou seja, indivíduos Kobner-positivos não têm fenômeno de Renbok Júlia Figueirêdo – APARECIMENTO E MANIFESTAÇÕES EXTERNAS DAS DOENÇAS E IATROGENIAS jovens adultos, manifestando-se com aparecimento súbito de pápulas (até 1 cm) eritematodescamativas em tronco e membros proximais. Essa condição é precedida por infecções estreptocócicas, mais frequentemente em vias aéreas superiores. Lesões eritematodescamativas gotadas de pequeno tamanho em tronco As lesões podem regredir espontaneamente em cerca de 2 a 3 meses, mas também é possível haver persistência do quadro, assumindo as características da psoríase vulgar. PSORÍASE ERITRODÉRMICA: Cursa com eritema intenso e universal, acompanhado por descamação discreta, podendo ocorrer também eritrodermia em sua evolução, geralmente causada pela administração e interrupção de corticoides sistêmicos. Graças à vasodilatação generalizada, há perda excessiva de calor e, consequentemente, hipotermia. Outra “complicação” é a bacteremia, resultado do comprometimento da barreira de proteção da pele. Psoríase eritrodérmica em dorso, com predomínio do eritema sobre a descamação PSORÍASE PUSTULOSA: Quando generalizado, esse quadro é conhecido como psoríase de Von Zumbusch, marcado por lesões eritematoescamosas e pustulosas, que podem ser desencadeadas, em pacientes com a apresentação vulgar, pela interrupção de corticoides, infecções, hipocalcemia ou irritação local. Há queda do estado geral, com febre e leucocitose, persistindo por poucas semanas até regredir ou se transformar em psoríase eritrodérmica. Lesões pustulosas em base eritematosa, necessitando de intervenção imediata Sua forma localizada, no entanto, conta com três subdivisões: presença de lesão única Júlia Figueirêdo – APARECIMENTO E MANIFESTAÇÕES EXTERNAS DAS DOENÇAS E IATROGENIAS (ou em pequeno número) sem evolução disseminada; acometimento nas extremidades digitais; e a pustulose palmoplantar abacteriana. Psoríase pustulosa palmoplantar PSORÍASE UNGUEAL: Essa apresentação é marcada pela presença de “unha em dedal”, na qual de se desenvolvem pressões puntiformes no leito ungueal. Outras alterações comuns são estriações nas unhas e hiperqueratose subungueal. Lesões típicas na unha do portador de psoríase PSORÍASE ARTROPÁTICA: Manifestação que acomete 10 a 15% dos portadores de psoríase, especialmente aqueles com lesões de pele disseminadas. Se apresenta como mono ou oligoartrire assimétrica, com fácil controle e bom prognóstico clínico. As áreas mais afetadas são as articulações interfalangianas, tanto distais quanto proximais. Espessamento em articulação falangiana de polegar esquerdo DIAGNÓSTICO: A identificação da psoríase é clínica, baseada nas características e distribuição das lesões, sendo que geralmente não necessitam de complementação laboratorial. A curetagem metódica de Brocq, mencionada anteriormente, tem alto valor semiológico. O exame histopatológico de lesões iniciais costuma revelar, na derme, presença de vasodilatação e infiltrado perivascular, este último gradualmente invadindo a epiderme, onde se desenvolve paraqueratose e invasão neutrofílica. Pacientes afetados por essa forma de psoríase costumam apresentar VHS aumentado, porém a dosagem de fator reumatoide e fatores antinucleares é negativa Júlia Figueirêdo – APARECIMENTO E MANIFESTAÇÕES EXTERNAS DAS DOENÇAS E IATROGENIAS Achados histológicos em lesão psoriática As lesões estabelecidas, por sua vez, cursam com alongamento das cristas epiteliais, além da presença de microabcessos de Munro (neutrófilos) e do desaparecimento da camada granulosa da epiderme. Formas pustulosas também apresentam pústulas espongiformesde Kogoj, que permitem definir o diagnóstico. Marcos histológicos típicos na psoríase O diagnóstico diferencial deve ser feito com as seguintes patologias: Pitiríase rósea: apresenta diferentes tipos de lesões e se cura em 8 semanas; Sífilis: cursa com achados clínicos sistêmicos, como adenopatia, e sorologia positiva; Lúpus eritematoso cutâneo subagudo: compromete áreas expostas ao sol, e possui resultado positivo para fatores antinucleares; Dermatite seborreica: apresenta placas descamativas mal delimitadas; AVALIAÇÃO DE GRAVIDADE DA PSORÍASE: A determinação do estado de gravidade da psoríase varia entre o paciente, que a mensura conforme o impacto físico, psicológico e social, e o dermatologista, que busca por aspectos objetivos que dificultem o manejo da doença. Assim, de forma a sistematizar a avaliação dessa doença, diversos métodos de estratificação foram desenvolvidos, como: PASI (psoriasis área and severity index): se vale de critérios como extensão corporal das placas, eritema, infiltração e descamação. Apesar de a pontuação máxima ser de 72, consideram-se como quadros moderados a graves aqueles que tenham PASI > 10; Esquema para pontuação e cálculo do PASI BSA (body surface area): contempla somente a superfície corporal acometida pelas placas, considerando como referencial a palma da mão com dedos unidos como equivalente a 1% do corpo (ex.: BSA 10 = “10 palmas” comprometidas); As principais limitações dessa técnica são as lesões em face/couro cabeludo e a psoríase em gotas Júlia Figueirêdo – APARECIMENTO E MANIFESTAÇÕES EXTERNAS DAS DOENÇAS E IATROGENIAS DLQI (índice dermatológico de qualidade de vida): não específico, avalia as experiências do paciente com dermatoses, podendo ser autoaplicado tanto antes como após o tratamento. Quanto maior o valor obtido (máximo de 30), maior a repercussão da doença sobre o cotidiano; PDI (psoriasis disability index): pode ser considerado como o “DLQ feito para a psoríase”, investigando domínios associados a atividades diárias, trabalho, lazer e relacionamentos nos últimos 15 dias. TRATAMENTO: O manejo da psoríase será dependente da forma clínica apresentada pelo paciente, da extensão do quadro, e de fatores individuais como idade, comorbidades e condições socioeconômicas. Destaca-se como benéfica a exposição ao sol, que deve ser recomendada sempre que possível. Antes de se iniciarem medidas terapêuticas, é necessário orientar o paciente quanto ao caráter incurável e imprevisível da psoríase (ainda que possa ser controlada) e de sua condição não contagiosa. TRATAMENTO TÓPICO: Diversos medicamentos tópicos podem ser utilizados no manejo da psoríase, tais como: Emolientes: devem ser indicados a todos os pacientes, tendo como objetivo o controle do prurido e a recuperação das fissuras, preservando a função de barreira da pele; Corticoides (betametasona, clobetasol): empregados sob a forma de cremes (face e áreas intertriginosas), loções (couro cabeludo) e pomadas (tronco e membros) associadas a outros fármacos. Têm como principal desvantagem a taquifilaxia, que torna necessária a administração de doses cada vez maiores para manutenção dos efeitos; Ceratolíticos (ácido salicílico ou ureia): auxiliam na penetração de corticoides, além de melhorar a hidratação cutânea. Podem ser aplicados em áreas de pele espessa, porém é necessário evitar mucosas; Coaltar 2 a 5%: pomada ou solução derivada do alcatrão, é bastante segura e apresenta bons resultados após algumas aplicações, especialmente quando usada junto à radiação UVB (método de Goeckerman). Seu mecanismo de ação ainda é incerto, porém especula-se que possa diminuir a proliferação de queratinócitos. Antralina: é usada tanto em lesões localizadas quanto disseminadas. Sua aplicação pode se dar de forma prolongada (24h com 0,1 a 0,5%) ou breve (15 a 30min em preparações de 1 a 3%), com clareamento ocorrendo em 3 a 4 semanas. Pode ser combinada ao ultravioleta pelo método de Ingram O uso prolongado de corticoides de alta potência pode levar à atrofia da epiderme, dermatite de contato e ao surgimento de estrias no local de aplicação O salicismo (intoxicação marcada por vômitos, vertigem e hiperatividade) pode ocorrer em indivíduos com acometimento extenso por placas e naqueles que façam uso crônico de ácido salicílico em concentrações > 10% De modo geral, a definição de psoríase grave (indicação para tratamento sistêmico) segue a regra dos 10, ou seja, pontuação > 10 em qualquer um dos escores (PASI, BSA ou DLQI) Júlia Figueirêdo – APARECIMENTO E MANIFESTAÇÕES EXTERNAS DAS DOENÇAS E IATROGENIAS Por ser uma medicação irritante, deve ser evitado uso próximo aos olhos, mucosas ou em áreas intertriginosas. Análogos da vitamina D (calcipotriol 0,0005%): sua eficácia é semelhante à dos corticoides, estimulando a diferenciação dos queratinócitos, controlando a proliferação da epiderme e mediando a resposta imune. Pode levar à fotossensibilidade, especialmente da face, e irritação da pele; Imunomoduladores (tacrolimo 0,03 a 0,1% e pimecrolimo 1%): promovem o bloqueio da síntese de mediadores inflamatórios, apresentando uso off- label no tratamento da psoríase. TRATAMENTO SISTÊMICO: Como principais abordagens sistêmicas em quadros de psoríase, destacam-se: Metotrexato (comprimidos de 2,5 mg ou frasco-ampola de 50 mg): age sobre a hiperproliferação celular ao inibir a síntese do ácido fólico. É indicado em quadros resistentes e disseminados que afetem a vida diária do paciente, sendo particularmente recomendado na psoríase artropática e eritrodérmica. O método mais indicado é a administração via oral de 15 mg/semana, reduzindo a dose ou aumentando o intervalo com o controle da doença; Acitretina: esse derivado da vitamina A é administrado em dose 0,5 a 1 mg/kg/dia, particularmente em casos de psoríase pustulosa generalizada, nos quais apresenta rápido resultado. Também induz melhora significativa em formas resistentes quando associado à UVB ou PUVA. Deve ser contraindicada para gestantes devido à sua teratogenicidade. Esse medicamento permanece no organismo por 2 anos (evitar concepção nesse período) e pode elevar a lipidemia; Ciclosporina: realiza a inibição de linfócitos T CD4, o que cessa a produção de interleucinas inflamatórias. Sua dose inicial é de 3 a 5 mg/kg/dia, normalmente sendo altamente eficaz, com resultados após 6 semanas de uso. Pode, no entanto, comprometer a função renal; Imunobiológicos: são anticorpos monoclonais com ação antilinfocitária (alefacepte e efalizumabe) ou anti-TNFα (adalimumabe, etanercepte), sendo esses últimos associados ao controle da psoríase artropática e a maior comprometimento do sistema imune. São indicados especialmente para quadros refratários ou em pacientes com restrições aos outros tratamentos. O uso desses fármacos requer o monitoramento do paciente para tuberculose e neoplasias, dado o possível risco de reativação de infecções. Como mencionado anteriormente, a fototerapia, seja com PUVA ou radiação UVB, apresenta grande aplicabilidade no tratamento da psoríase. A associação de psoralênicos e UVA é recomendada para pacientes com fototipo elevado ou com placas espessas em extremidades, porém pode causar mais efeitos adversos à longo prazo. Esses pacientes devem ser submetidos a controle laboratorial com provas hematológicas, hepáticas e de função renal, monitorando também a ocorrência de intolerância medicamentosa (aftas indicando leucopenia) Júlia Figueirêdo – APARECIMENTO E MANIFESTAÇÕES EXTERNAS DAS DOENÇAS E IATROGENIASA realização da fototerapia atrasa em até um ano o início da terapia sistêmica, o que diminui o custo implicado ao sistema de saúde