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MICROBIOLOGIA Lisiane da Luz Rocha Balzan Biotecnologia e DNA recombinante Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar biotecnologia de tecnologia de DNA recombinante. Determinar os critérios de escolha de um vetor. Demonstrar a importância clínica de tais técnicas. Introdução O ácido desoxirribonucleico (DNA) é a molécula que contém toda a informação genética, sendo organizado nos cromossomos. Sua estrutura e composição é estudada em diversos modelos moleculares. Cinquenta anos após sua descoberta, o DNA ainda é extremamente estudado por pesquisadores do mundo inteiro. Atualmente, é possível analisar toda a sequência de nucleotídeos do genoma de um determinado agente, como bactérias ou fungos, bem como o genoma humano em um curto período de tempo. Além disso, possuímos diversas ferramentas para análise molecular do conteúdo das fitas de DNA, seja de dupla-hélice (genoma humano) ou circular (células procarióticas). Neste capítulo, você vai aprender ferramentas de biologia molecular utilizadas na manipulação do DNA e vai ver como diferenciar biotecno- logia de tecnologia de DNA recombinante. Além disso, vai ver como determinar os critérios de escolha de um vetor e demonstrar a impor- tância clínica de tais técnicas, que são utilizadas em diversas áreas e são marcadas por avanços na ciência. Biotecnologia e tecnologia de DNA recombinante A molécula de DNA armazena todas as informações do indivíduo e se trata de uma estrutura molecular com informações que compreendem no material genético. A molécula de DNA é composta por duas cadeias deno- minadas longas fi tas, dispostas em dupla-hélice ou circular. Suas cadeias são compostas por quatro nucleotídeos: citosina (C), timina (T), adenina (A) e guanina (G), conforme demonstrado na Figura 1. Sequências específi cas desses quatro nucleotídeos codifi cam a informação presente nos genes. Nos cromossomos, estruturas genéticas carregam o DNA compactado e várias proteínas, que auxiliam o processo de armazenamento da extensa dupla- -hélice, estão presentes milhares de genes (REECE et al., 2015). Diversas ferramentas de biologia molecular têm contribuído para avanços na área da saúde e também na agricultura. Para que você compreenda essas áreas de aplicação, é preciso diferenciar o conceito de biotecnologia e tecnologia de DNA recombinante. A biotecnologia consiste na aplicação da ciência e tecnologia em diversas áreas. Utiliza conceitos aplicados de biologia molecular para uso de microrga- nismos modificados ou seus produtos com finalidade de melhoria de processos ou aplicação de novas tecnologias. Podemos citar os seguintes processos envolvendo a biotecnologia (KLUG et al., 2010), como: modificações genéticas de plantas, com o objetivo do melhoramento de plantações agrícolas; aumento de valor nutricional dos alimentos; clonagem de rebanhos, impacto positivo na agropecuária; realização de testes de doenças genéticas na medicina; sintetização de moléculas na indústria farmacêutica. Com o passar dos anos, cientistas desenvolveram técnicas moleculares capazes de analisar os genes, separando moléculas de DNA — dessa forma, a informação codificada na fita pode ser analisada e estudada. Foram desenvol- vidas, assim, técnicas para sequenciamento e clonagem do material genético (WATSON et al., 2015). Biotecnologia e DNA recombinante2 A tecnologia do DNA recombinante consiste em experimentos de biologia molecular na avaliação da expressão de determinados genes. O desenvolvimento dessa tecnologia permitiu aos pesquisadores a habilidade de isolar, sequenciar e manipular genes oriundos de qualquer tipo celular. Sua aplicação tem possi- bilitado estudos moleculares detalhados na estrutura e função dos genes, revo- lucionando o entendimento da biologia celular (COOPER; HAUSMAN, 2007). As técnicas de manipulação do DNA em experimentos laboratoriais tiveram um impacto imenso na ciência, pois permitiram estudos celulares e técnicas moleculares jamais imagináveis há 20 anos. A aplicação da tecnologia do DNA recombinante está sendo aplicada em diversas áreas, seja na avaliação de um gene ou na produção de novas moléculas sintéticas, como a insulina (ALBERTS et al., 2017). Figura 1. Estrutura do DNA. Fonte: Adaptada de Ody_Stocker/Shutterstock.com. 3Biotecnologia e DNA recombinante A descoberta do DNA foi anunciada na revista inglesa Nature, de 25 de abril de 1953, considerada uma das mais importantes contribuições no campo da biologia. A dupla-hélice, estrutura tridimensional da molécula de DNA, foi descoberta pelos pesquisadores Francis Crick, James Watson e Maurice Wilkins, quando trabalhavam em Cambridge, no Reino Unido. Escolha de um vetor Na aplicação das tecnologias de DNA recombinante, necessitamos de uma grande quantidade de moléculas para estudos detalhados de avaliação da estrutura e função de um gene. Para a obtenção de uma quantidade maior de DNA, utilizamos técnicas de clonagem do material genético (LODISH et al., 2014). Pesquisadores selecionam as sequências de DNA para estudo, mas necessitam de números extremamente grandes de cópias idênticas (clones). O vasto aumento no número de cópias resultante (amplifi cação) signifi ca que a clonagem do DNA é, efetivamente, uma maneira de purifi car uma sequência de DNA desejada de maneira que ela possa ser amplamente estudada (STRA- CHAN; READ, 2013). A metodologia da clonagem de um fragmento de DNA consiste na escolha de um vetor, capaz de ligá-lo a molécula de material genético. “Depois que uma única molécula de DNA recombinante, composta por um vetor mais um fragmento de DNA inserido, é introduzida em uma célula hospedeira, o DNA inserido é replicado juntamente com o vetor, gerando um grande número de moléculas de DNA idênticas” (LODISH et al., 2014, p. 182) (Figura 2). Biotecnologia e DNA recombinante4 Figura 2. Processo de duplicação do DNA. Fonte: adaptada de Watson et al. (2015). O processo de clonagem de DNA envolve a escolha do vetor, que fornece a informação necessária para propagar o DNA clonado na célula hospedeira em divisão. No entanto, enzimas que clivam DNA em sequências especí- ficas, chamadas enzimas de restrição, são fundamentais para a construção de moléculas de DNA recombinantes (WATSON et al., 2015). Enzimas de restrição são endonucleases de origem bacteriana. Cada uma consiste em uma sequência específica de quatro a oito pares de bases que clivam o DNA em mais de uma centena de sítios distintos de reconhecimento. Um exemplo é a cepa de Escherichia coli RY13, que possui a endonuclease de restrição EcoRI reconhecendo a sequência de seis pares de bases GAATTC. 5Biotecnologia e DNA recombinante A escolha do vetor dependerá do fragmento do DNA-alvo a ser usado para a construção da molécula de DNA recombinante e da finalidade do expe- rimento. Contamos com os seguintes vetores para escolha: bacteriófagos, plasmidiais, cromossômicos, virais, cosmídeos e cromossômicos (COOPER; HAUSMAN, 2007). Na Figura 3, você pode acompanhar a ilustração do processo de clivagem do DNA. A seguir, vamos avaliar os tipos de vetores que podem auxiliar na escolha do seu experimento (ALBERTS et al., 2017, COOPER; HAUSMAN, 2007, KLUG et al., 2010). Vetores de bacteriófagos: são utilizados para clonagem de DNA de células eucarióticas. A molécula-alvo de DNA deve possuir em torno de 20 quilobases (kb). Vetores plasmidiais: mais simples de manipular em relação aos bacteri- ófagos, são pequenas moléculas circulares de DNA de origem bacteriana (Figura 3). A molécula-alvo de DNA deve possuir no máximo 10 kb. Vetores virais: utilizados em ampla escala, retrovírus são vírus enve- lopados com cerca de 7 a 11 kb. São utilizados devido à sua integração estável com o DNA e podem ser utilizados em células eucarióticas e procarióticas. Vetores cosmídeos: união de partes do cromossomo com partes de plasmídeos. São utilizadospara clonagem de grandes fragmentos de DNA e possuem aproximadamente 50 kb. Vetores cromossômicos: utilizados para mapeamento e análise de grandes fragmentos de DNA, aproximadamente 200 kb. Na escolha da célula hospedeira, normalmente, a maioria das clonagens utilizam bactérias, que se multiplicam rapidamente, pois, geralmente, pos- suem um único cromossomo circular dupla-fita com uma única origem de replicação (STRACHAN; READ, 2013). Existem cromossomos artificias de levedura, como, por exemplo, YACs, que utilizam a célula hospedeira de levedura, e o fragmento-alvo de DNA varia de 250 a 400 kb (ALBERTS et al., 2017). Biotecnologia e DNA recombinante6 Figura 3. Representação do plasmídeo e DNA recombinante. Fonte: Designua/Shutterstock.com. No Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Instrução Normativa 08/97, regulamenta os experimentos de clonagem. Ficam vedadas as atividades com humanos de manipulação genética de células germinais ou totipotentes e experimentos de clonagem radical a partir de qualquer técnica de clonagem. A importância clínica das técnicas O bacilo gram-negativo Haemophilus infl uenzae foi o primeiro organismo de vida livre a ter sua sequência genômica determinada de forma completa. Foi clonado a partir da utilização de um vetor plasmidial, uma vez que possui um genoma compacto formado apenas por 1,8 milhão de pares de bases (Mb) de DNA (menos de 1:1.000º do tamanho do genoma humano). O material genético foi digerido em fragmentos aleatórios e, então, analisado (WATSON et al., 2015). Diversos estudos utilizam vetores virais em doenças causadas por genes defeituosos e acredita-se que introduzindo uma cópia normal do gene defeituoso pode-se induzir as células a trabalharem de maneira correta no momento certo. Essa área de estudo chama-se terapia gênica e está avançando com o passar dos anos (LODISH et al., 2014). 7Biotecnologia e DNA recombinante Os sequenciadores, máquinas de sequenciamentos automatizados, possibili- tam a análise do material genético em curto período de tempo. Os equipamentos podem gerar mais de 200.000 nucleotídeos (200 kb) de sequências brutas de DNA em poucas horas, contribuindo para os avanços na tecnologia de DNA recombinante, bem como para estudos genéticos moleculares (WATSON et al., 2015). A produção de transgênicos desde 2009 atingiu 14 milhões de agricultores em 25 países, que cultivaram plantas melhoradas geneticamente — mais de 90% eram de pequenos produtores rurais de países em desenvolvimento. O maior benefício da biotecnologia vegetal foram as plantas transgênicas resistentes a insetos e tolerantes a herbicidas (JAMES, 2010). A tecnologia de DNA recombinante trouxe grandes avanços para o estudo de doenças genéticas. Os genes de doenças hereditárias, como anemia falciforme, hemofilia e outros distúrbios metabólicos, foram clonados e avaliados, contri- buindo para avaliação de um pré-natal adequado bem como para a condução da doença. Estudos de avaliação do câncer também vêm sendo realizados, e pesquisadores descobriram que o processo de genes defeituosos no câncer colorretal em humanos é o mesmo processo detectado na Escherichia coli, já que o gene envolvido é o mesmo encontrado na bactéria e em humanos. Diversos estudos experimentais vêm sendo realizados a fim de compreender como esse gene funciona e pode levar ao dano de células (KLUG et al., 2010). Cientistas também descobriram uma região do genoma das bactérias caracte- rizada pela presença de sequências de DNA curtas e repetidas, que atuam como sistema de defesa de bactérias. Muito similar à proteção imune gerada pela vacina, pedaços de DNA de vírus invasores são inseridos entre essas repetições, como se fosse uma “memória” desses patógenos. As curtas sequências repetidas de DNA estão presentes em uma determinada região do genoma das bactérias e são deno- minadas CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), que se transformaram em uma ferramenta da engenharia genética utilizada para editar genomas de várias espécies (ALBERTS et al., 2017; MADIGAN et al., 2016). A tecnologia de DNA recombinante acelerou as pesquisas e trouxe maior compreensão das doenças genéticas. O uso de modelos experimentais pode gerar contribuições na área da alimentação, ciência e saúde, sendo, certamente, uma grande contribuição para humanidade (KLUG et al., 2010). Biotecnologia e DNA recombinante8 Diversas tecnologias de milho geneticamente modificado foram liberadas comer- cialmente desde 2007 buscando, principalmente, o controle da lagarta-do-cartu- cho, Spodoptera frugiperda (Lepidoptera: Noctuidae). No estudo do link a seguir, você pode observar a eficácia de milho transgênico tratado com inseticida no controle da lagarta-do-cartucho no milho safrinha no estado de São Paulo, Brasil. https://qrgo.page.link/HWkro ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. COOPER, G. M.; HAUSMAN, R. E. A célula: uma abordagem molecular. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. JAMES, C. Global Status of Commercialized Biotech/GM Crops. The First Fourteen Years, 1996 to 2009. International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications, n. 42, 2010. KLUG, W. et al. Conceitos de genética. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. LODISH, H. et al. Biologia celular e molecular. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. MADIGAN, M. T. et al. Microbiologia de Brock. 14. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. REECE, J. B. et al. Biologia de Campbell. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015 STRACHAN, T.; READ, A. Genética molecular humana. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. WATSON, J. D. et al. Biologia molecular do gene. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. 9Biotecnologia e DNA recombinante