Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A Interpretação dos sonhos na ótica freudiana Antes de Sigmund Freud, os autores que estudavam os sonhos, preocupavam-se em responder principalmente as seguintes perguntas: Por que se sonha? O que provoca o sonho? De quais estímulos surgem as imagens oníricas? Quatro fontes de estímulos eram consideradas como produtoras de sonhos: 1. Excitação sensorial externa – estímulos externos que atingiam os órgãos dos sentidos durante o sono e provocariam os sonhos; 2. Excitação sensorial interna (subjetiva) – seriam os estímulos que agem sobre os órgãos dos sentidos a partir de dentro do corpo; 3. Estimulação orgânica – durante o sono existiria uma maior consciência sensorial do corpo, uma percepção aumentada dos órgãos internos. Os doentes de coração e pulmão têm sonhos de angústia; os tuberculosos têm sonhos de sufocamento; a excitação sexual provoca sonhos de conteúdo erótico; 4. Fontes de estímulo psíquico – os interesses, as preocupações da vida de vigília continuariam durante o sono, provocando sonhos, mas os produtos da atividade onírica perderiam todas as qualidades psíquicas, reduzindo-se a representações reproduzidas mecanicamente, reguladas somente pelas leias associativas. Os autores que davam importância a estas quatro fontes de estimulação nos sonhos sustentavam a idéia de que o sonho fosse uma perturbação do sono, não um processo psíquico com características definidas. Os autores médicos, afirmavam que o sonho era um fenômeno somático, de origem orgânica vegetativa. Freud questiona essas teorias, afirmando que nenhuma das fontes de estímulos observada isoladamente pode bastar para explicar o conteúdo onírico. Nenhum estudioso conseguiu esclarecer a fundamental relação entre o estímulo e a imagem onírica. A grande lacuna entre as teorias era a origem do material imaginativo-representativo que é típico do sonho. Freud acredita na necessidade de partir do enigma do sonho para se compreender as perturbações mentais. Assim, para encontrar o significado do sonho, para chegar a sua origem, as suas motivações, é necessário utilizar os pensamentos que surgem espontaneamente na mente de quem sonhou, depois de acordar. Através deste método, o sonho será decomposto nos seus elementos. Para cada fragmento, o paciente fornecerá preciosas associações de idéias pelas quais será possível o sentido do sonho em sua totalidade. O conceito de associação livre passa a ser central para a Psicanálise, transformando-se em sua regra fundamental. Sem este modelo técnica não é possível descobrir os verdadeiros significados inconscientes de um sonho, nem dos sintomas neuróticos dos pacientes. Terminado o trabalho de interpretação, o resultado é que o sonho é um ato psíquico que tem por movente um desejo e por objetivo a realização alucinatória desse desejo. O sonho é a Realização de um Desejo e o Guardião do Sono A mais famosa teoria freudiana sobre os sonhos é a hipótese sobre eles serem a realização de um desejo inconsciente. Este desejo encontra-se em todos os sonhos, inclusive nos pesadelos. Nos sonhos de conveniência, eles são provocados por necessidades orgânicas. O estímulo da sede, por exemplo, pode fazer com que sonhemos de beber água. Neste caso o sonho tem duas funções: a de matar a sede e de fazer com que continuemos a dormir, protegendo o sono. Temos então a segunda característica dos sonhos: eles são guardiões do sono. Outro exemplo simples de realização de desejos: uma jovem mulher tinha sonhado de estar menstruada. Se sonhou isso – pensou Freud – as menstruações não chegaram, mas ela gostaria que tivesse acontecido, sabendo estar grávida. Os sonhos das crianças pequenas são, muitas vezes, simples realizações de desejos, de fácil compreensão. Os sonhos de estar despido são encarados como sonhos de exibição. Reproduz-se uma situação infantil: a criança não conhece vergonha até a proibição do adulto. Com o sonho de estar nú, quer-se voltar ao “paraíso” da infância, quando não existia ainda a vergonha e a angústia e ainda não havia começado a vida sexual e civil. O sonho sobre a morte de pessoas queridas pode ser interpretado como um real desejo de morte, não sendo sempre um desejo atual, mas um “prolongamento” no tempo de um desejo infantil. No caso dos irmãos e irmãs, esse desejo deve-se ao egoísmo da criança que vê nos irmãos um rival do amor dos pais em relação a eles. No caso da mãe e do pai, Freud descobriu uma rivalidade sexual da criança em relação ao genitor do mesmo sexo e um desejo que ele morra. Chamou essa descoberta de Complexo de Édipo. Os sonhos das crianças mostram essa verdade e são testemunhos deste fenômeno os sonhos dos adultos e os desejos inconscientes dos pacientes. Tudo isso sem considerar a rivalidade e a hostilidade consciente dos filhos em relação aos pais. Nos sonhos sobre a morte de pessoas queridas, um desejo inconsciente passa diretamente para o conteúdo onírico manifesto, superando a censura (que é surpreendida, desarmada em relação à enormidade daquele desejo). Outros sonhos típicos, como voar com alegria, cair com angústia, de sentir vertigens, são interpretados como repetição de brincadeiras infantis. O sonho com exames é explicado como um desejo de consolação e autocrítica em relação a um teste sexual que nos espera e nos provoca angústia; por isso sonha-se que tudo dará certo (o exame já superado). Conteúdo Manifesto e Conteúdo Latente no sonho E nos sonhos de angústia (pesadelos), onde estaria a realização de desejos? É preciso distinguir o conteúdo manifesto e conteúdo latente de um sonho. O conteúdo manifesto é o sonho como nos lembramos ao acordar, assim como o reconstruímos quando nos esforçamos a usar a memória. O contéudo latente refere-se ao significado escondido, os pensamentos que o trabalho de interpretação reconhece por detrás do sonho. Seguindo esta linha de raciocínio, o conteúdo manifesto de muitos sonhos é penoso, mas o que existe no seu conteúdo latente? É possível provocar desprazer a uma estrutura da mente e realizar o desejo de outra. O ego do sujeito pode sofrer com o conteúdo aparente de um sonho, mas o superego pode encontrar satisfação com seu conteúdo latente. É o caso de realização de desejos autopunitivos, sadomasoquistas, humilhações, sofrimentos morais, onde a mente consciente não tolera a satisfação de certas pulsões, seguindo outras leis no inconsciente. Em 1920, Freud aponta os sonhos de uma neurose traumática como sendo exceções da teoria de realização dos desejos. Neles, a pessoa retornaria à situação do trauma, despertando com terror. A função do sonho seria abalada ou desviada de seus propósitos. Em 1933, ele retorna a refletir sobre o tema. Experimentar um choque psíquico como aconteceu na I Guerra Mundial, reconduzem os doentes à situação do trauma pelo sonho. A Distorção Onírica Por que os sonhos deformam os seus pensamentos a tal ponto que no conteúdo manifesto freqüentemente aparecem algumas coisas que é tão distante do seu verdadeiro significado? Onde existe uma defesa contra um desejo, este não pode exprimir-se senão em modo deformado. A função psíquica que impede o desejo de exprimir-se na sua forma genuína é chamada por Freud de censura. Pode-se agora supor que agem como causas da deformação do sonho duas forças: uma que satisfaz o desejo e outra que exercita a censura. A censura é aquela função na qual é permitido à consciência aceitar os pensamentos latentes dos sonho, onde se encontra o desejo. Portanto, a deformação onírica está a serviço da censura psíquica. A distorção serve para fazer com que não nos demos conta do fato que queremos satisfazer um desejo reprovável. O Material e a Fonte dos Sonhos Os acontecimentos relacionados com as impressões do dia são os que provocamo sonho. Nestes restos diurnos, os pensamentos oníricos podem escolher seu material de qualquer momento da vida do sujeito. É necessário, contudo, uma relação entre as experiências do dia anterior ao sonho com o passado mais distante da pessoa. A lembrança do passado é muito superior nos sonhos em relação a quando estamos acordados. Freud classifica esses sonhos de hipermnésicos. Neles, as pessoas falam línguas estrangeiras com uma fluência superior à quando estão despertas, tamanha a capacidade de lembrança. A memória onírica possui três características principais: preferência por impressões recentes, por aquelas indiferentes e por lembranças infantis. De onde provêm esta preferência pelas impressões recentes e indiferentes? Nesstas impressões existe sempre um elemento de outro valor psíquico que emerge da interpretação. O sonho se preocupa com os principais interesses do sonhados e não desperdiça atividade psíquica para material irrelevante. Por que no conteúdo manifesto aparecem impressões indiferentes, se o sonho foi provocado por uma impressão significativa? O elemento significativo é representado na consciência através de impressões indiferentes, pelo fato que a sua manifestação na forma verdadeira é inibida pela censura. Ocorre um deslocamento da acentuação psíquica, onde as representações inicialmente pouco intensas, assumem o lugar de outras originalmente mais intensas, chegando a uma força que permite o seu acesso à consciência. Se existem duas ou mais experiências do dia anterior idôneas a provocarem sonhos, o memso se refere a todas conjuntamente, como sendo uma só, unificando as fontes de estímulos existentes. A fonte do sonho pode ser uma experiência íntima – uma lembrança de um evento psiquicamente significativo ou uma sucessão de idéias, por exemplo. Este material transformou-se através do trabalho da lembrança ou reflexão sobre o mesmo durante o dia. Como se explicam as impressões indiferentes, pertencentes ao passado, que se encontram no sonho? Não são verdadeiramente indiferentes, pois neste caso o deslocamento aconteceu no passado e permaneceu fixado na memória a partir daquele momento. Não existem estímulos indiferentes e Freud demonstra com alguns exemplos que diversos sonhos aparentemente indiferentes revelam-se à interpretação como sonhos maliciosos. As referências à primeira infância aparecem em tantos sonhos, que Freud se pergunta se esta não é uma condição essencial do sonhar. Seguidamente os sonhos podem ter diversos significados; atrás de diversas realizações de desejos, encontra-se uma realização de um desejo da primeira infância. O Trabalho do Sonho Quatro são os fatores fundamentais do trabalho do sonho: a condensação, o deslocamento, a representabilidade (figurabilidade), a elaboração secundária. 1) A condensação consiste em substituir diversas representações contidas nos pensamentos dos sonhos por um símbolo possuidor de algum elemento comum a todas elas. Isto expressa-se no conteúdo manifesto, ou seja, no modo como o sonho é narrado. Na condensação, um símbolo possui muitos significados e um pensamento oculto pode estar presente em diversos símbolos oníricos; 2) Deslocamento da intensidade psíquica: um elemento psiquicamente importante pode ser representado diretamente no sonho por outro elemento do conteúdo manifesto, referindo-se a um pensamento latente diferente. A censura é a força psíquica pela qual o trabalho onírico é obrigado a efetuar o deslocamento. No sonho o Eu pode ser representado diretamente ou com a identificação com outras pessoas. Quando se está indeciso onde esteja escondido o Eu, é importante ater-se a uma regra: o Eu está escondido por detrás da pessoa que no sonho vai o nosso afeto. 3) Representabilidade (figurabilidade): nos pensamentos do sonho ocorre outro tipo de deslocamento, uma transformação da linguagem, do abstrato ao concreto, da idéia ao símbolo. O trabalho dos sonhos não faz cálculos e não faz discursos. Aquilo que encontramos nos sonhos são pensamentos oníricos, sem uma atividade de reflexão. O sonho não pensa, representando coisas já pensadas. Os afetos são desligados de suas representações correspondentes e perdem a intensidade nos sonhos. Podem ser eliminados ou – por causa da censura – serem invertidos no seu contrário. 4) Elaboração secundária: o trabalho do sonho insere sentimentos críticos e julgamentos, não pertencentes diretamente aos pensamentos oníricos, mas à atividade de reflexão sobre o sonho idêntica ao pensamento de vigília. O material onírico é submetido a uma elaboração secundária, que tende a fazer com que o sonho perca a aparência de absurdo e se aproxime a um modelo de experiência compreensível. O pensamento de vigília pré-consciente dá ordem, estabelece relações, deixa coerente e inteligível o material onírico encarado como absurdo e desordenado. Referências Bibliográficas FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos [1899]. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1988. ________________ [1920]. Além do princípio do prazer. In: História de uma neurose infantil ( “O homem dos lobos”), Além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920) – Obras completas, vol. 14. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p. 120 – 178. ________________ [1933]. Novas conferências introdutórias à Psicanálise. In: O mal-estar na civilização, Novas conferências introdutórias e outros textos (1930-1936) – Obras completas, vol. 18. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p. 90-188.
Compartilhar