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CORPO E MOVIMENTO E-book 3 José Mauricio Conrado Neste E-book: Introdução ���������������������������������������������������� 3 Desenvolvimento ���������������������������������������4 A intertextualidade como peça chave dos processos de expressão do corpo na educação ����������������������������20 Usar uma referência seria imitar? ���������������������24 Considerações finais�������������������������������28 Síntese ���������������������������������������������������������29 CORPO E EDUCAÇÃO ASPECTOS PEDAGÓGICOS 2 E-book 3 INTRODUÇÃO Olá, estudante! Neste terceiro módulo você poderá aprender sobre a ideia de que o corpo participa ativamente dos pro- cessos e do contexto da educação. Para além da educação física, o corpo e suas linguagens são fun- damentais para os processos educacionais. Depois de estudarmos que o corpo existe nas linguagens que produz, vamos entender os contextos educacionais possíveis em que o corpo e seus movimentos podem ser inseridos. A educação é uma área fundamental da sociedade e entender as relações que o corpo pode produzir aí é importante para que se entenda como a educação pode se valer dos conhecimentos sobre o corpo e seus movimentos. 3 DESENVOLVIMENTO Como estudamos anteriormente, a comunicação é um processo que enfatiza as trocas entre o interior e o exterior do corpo. Da mesma forma, é importante entender a educação como um processo de trocas. Assim, é importante considerar que a educação tem papel preponderante no contexto – como tem argu- mentado os teóricos da educação, quando dizem que as próprias vidas das pessoas deveriam ser orienta- das para a ideia de aprender o tempo todo. É evidente que hoje as relações estão mediadas e ampliadas por diversas máquinas: os celulares ampliam nossa capacidade de produzir linguagens. Nesse processo de criação de informações de inúme- ras naturezas é fundamental perceber que há o envol- vimento do corpo. E, nesta sociedade tão complexa, seria possível dizer que, quando um corpo imita ou- tros corpos, está se enfatizando que a transmissão de ideias é uma questão que passa pela forma como o corpo comunica. A educação depende, portanto, do entendimento da comunicação e vice-versa. Assim, partindo de um ponto de vista social, pode- mos afirmar que a educação depende, em grande parte, do entendimento de como os corpos se re- lacionam com outros corpos, como refletimos nos módulos anteriores. Dentro dessas ideias, não há como negar que o pro- cesso de corpo e seus movimentos seja uma ques- 4 tão fundamental da educação e da comunicação. Em uma sala de aula, há muitos e diferentes corpos produzindo e atuando naquele espaço. Corpos com inúmeras histórias diferentes entre si e que parti- cipam do permanente processo de construção da sociedade. A elaboração desse processo tem a ver com a pró- pria característica da educação que se pauta pelo contexto da alteridade: uma pessoa depende da existência da outra. Alteridade quer dizer a relação entre duas pessoas. Alter vem do latim e significa “outro”. Quando uma pessoa tem consciência de que produz linguagens, ela percebe que também há um processo de troca de pensamentos que começa em seu próprio corpo, microscopicamente dizendo, e chega ao corpo do outro. A educação depende do entendimento dessa relação entre as pessoas, entre os corpos e suas linguagens. Esta noção de relação é o que permeia os processos educacionais. Em cada indivíduo há uma memória pessoal singular que dialoga com outros contextos. Este diálogo passa a dar vida às informações, ou seja, nas relações entre os indivíduos a sociedade se modifica e pode discutir os temas que são importan- tes. Mas, como o corpo e seus movimentos poderiam entrar nesta discussão? As diferentes expressões corporais podem ser um veículo de entendimento de si mesmo, assim como de entendimento do outro. Pensar que uma linguagem que está sendo usada por alguém – a linguagem da dança, por exemplo – é 5 uma possibilidade de expressão de uma ideia dessa pessoa, ao mesmo tempo em que o uso de tal lingua- gem signifique uma possibilidade de conexão com o outro, é um processo fundamental para a educação. Dessa forma, se argumenta que, em se tratando da educação, o corpo processa as próprias linguagens que ele mesmo constrói para se expressar. Isso nos sugere que, para o contexto educacional, o corpo seja um elo na sociedade. Ter consciência das capacida- des do próprio corpo é uma questão fundamental para o progresso social. Isso se deve ao fato de que o corpo está se modificando o tempo todo, como sugerem Katz e Greiner: Quando essa informação habita redes distribu- tivas poderosas como meios de divulgação de massa (televisão, rádio, jornal, internet etc.), a primeira consequência é sua proliferação rápida. Sendo o corpo ele mesmo uma espé- cie de mídia, a informação que passa por ele colabora com seu design, pois desenha simul- taneamente as famílias de suas interfaces. (KATZ; GREINER, 1999, p. 95). Não será isso o que acontece em uma sala de aula? A informação de um corpo pode ser expressa por alguma linguagem e tal ideia pode passar a habitar redes de divulgação de massa e, portanto, se rela- cionar com outros corpos. Imagine que uma peça de teatro desenvolvida por alunos é apresentada e alguém grava a peça com um celular e posta nas 6 redes sociais: percebe o quanto a educação está ligada à comunicação? Nos dias atuais, se estamos inseridos na “Sociedade do Espetáculo” – como sugere o autor francês Guy Debord –, a questão do “dentro e fora” de uma sala de aula e das trocas que este ambiente faz com cor- pos situados em outros lugares é fundamental. Ou seja, isso fica evidente em relação às imagens de um lugar específico que passam a dialogar com redes de comunicação. Assim, é possível entender que, no atual processo de conexão de culturas – conhecido como globalização –, é importante entender que a sala de aula está conectada a outros lugares. E que o corpo e suas expressões fazem parte desse processo. A relação do corpo com diferentes linguagens é um exemplo que mostra o papel do diálogo entre sala de aula e sociedade. Entender como o corpo pode atuar nos processos educacionais nos faz refletir sobre processos de criação de vínculos entre diferentes indivíduos e que tais vínculos passam a ser um ponto importante do processo educacional, fazendo parte, portanto, de uma noção complexa de comunicação. Pensar que os processos de expressão do corpo que envolvem níveis microscópicos (como as sinapses neuronais) e macroscópicos (como um vídeo de uma peça de teatro) ajuda a repensar as criações das fronteiras de nossa sociedade como algo em que estão envolvidos os entrelaçamentos entre corpo e mundo, que dependem da consciência da capacidade 7 de expressão de cada indivíduo. Nesse processo, o professor é fundamental. É ele quem pode conscien- tizar o aluno sobre tais questões. Em conexão com essas ideias, podemos citar Rubens Kignel (2005), que discute o corpo e os limites da comunicação. Para o autor, de forma geral, enfatiza- -se que, nos processos de comunicação, não exis- tem apenas trocas de informações verbais. Sendo assim, o corpo produz outras informações que fazem parte tanto dos processos de educação quanto da comunicação. Assim, discutir a capacidade de desenvolvimento de diferentes formas de expressão no mundo contempo- râneo é importante para que possamos situar tanto a educação quanto a comunicação como processos de desenvolvimento pessoal. Nesse sentido, a noção de um corpo que troca inces- santemente suas próprias informações (a subjetivi- dade das histórias pessoais) com os locais em que vive, quer sejam culturais e/ou materiais: uma sala de aula, independentemente de possuir um espaço físico, é também um ambiente cultural com “frontei- ras” que o separam de outros ambientes. Sabemos que uma sala de aula é um ambiente e que um palco de teatro é outro, por exemplo.No entanto, é possível trazer aspectos do palco de teatro para a criação de atividades lúdicas na sala de aula. Entender este processo é uma ideia capital para a discussão de como as próprias transformações sociais passam pela educação e pela comunicação. 8 Assim, apesar de estarmos começando a esboçar uma ideia de que haja uma possibilidade de relação entre educação e comunicação – e que estamos enfatizando o corpo neste processo –, está se dis- cutindo que a educação é lugar para se pensar so- bre a pergunta: Como possibilitar a conscientização do corpo para os alunos? Como atividades lúdicas podem ajudar a entender o processo de expressão corporal? Podcast 1 Saiba mais O QUE É CULTURA? Você já parou para pensar sobre o conceito de cultura? Como os especialistas da área defi- nem o que é cultura? Este entendimento pode ser útil para o debate sobre corpo, movimento e educação. Para o filósofo, professor e crítico literário britânico Terry Eagleton, cultura é derivada da ideia de traba- lho, cultivo e colheita, constatando que a raiz latina da palavra “cultura” é colere, que significa cultivar, e que encontra parentesco ainda na palavra colonus, o agricultor que, muitas vezes, precisava se distanciar de sua casa para cultivar a produção agrícola que vai dar origem a colonialismo. 9 https://famonline.instructure.com/files/43011/download?download_frd=1 Dessa forma, posteriormente à ideia de suas relações com o mundo material agrícola, a palavra cultura, no decorrer de seu desenvolvimento semântico, foi adquirindo contornos que a identificavam com o con- texto espiritual do homem, passando a conectar-se à criação artística, sobretudo, porque esta participaria dos processos de “cultivo” do espírito, em oposição a outras atividades materiais “menos nobres”. Assim, esta conexão entre a ideia de cultura com as artes vai privilegiar a oposição “urbano versus rural”, sendo um parente próximo da oposição “cul- tura erudita versus cultura popular”, ideia vigente no Renascimento. Esta oposição semântica é, no entanto, sob os olhos da investigação contempo- rânea sobre cultura, um objeto paradoxal e inapro- priado, uma vez que, antigamente, se a noção de cultura como produção artística assegurava que os habitantes urbanos seriam “cultos” – ao contrário daqueles que se situavam nos contextos rurais, que não seriam capazes de cultivar a si mesmos, pois a agricultura não permitia espaço para o “cultivo” do espírito, como o que seria proposto pelas artes –, hoje a separação parece inadequada, até mesmo porque tem sido observada uma convergência entre os universos da arte e da própria comunicação social. Hoje, a ideia de cultura parte do pressuposto da com- plexidade e diz respeito tanto às produções materiais quanto imateriais do homem, e também se sabe que a ideia de cultura é algo que incorpora a capacidade cognitiva e de representação e construção de sím- bolos do homem, qualquer homem, seja aquele que 10 pratica atividades rurais ou urbanas, artísticas ou esportivas ou comunicativas. Mesmo assim, alguns traços da divisão renascentista entre arte – como cultura –, de outros setores da produção humana continuam ainda sendo utilizados em alguns con- textos contemporâneos para separar o universo das artes de outras atividades, por exemplo, na ideia de “Marketing Cultural”, que seria uma atividade das estratégias mercadológicas ligadas exclusivamente ao mercado artístico. Na visão da antropologia, cultura diz respeito a toda e qualquer produção humana, de balanços contá- beis a exposições de uma bienal de artes plásticas. É dessa forma que o sentido de destacar uma de- terminada “cultura” particular não pode excluir as relações universais que esta cultura constrói, seja com o universo artístico, socioeconômico, cultural ou mesmo biológico. Essas relações – que hoje começam a ser privilegia- das por uma parcela do pensamento intelectual – di- zem respeito às tecnologias e signos presentes em sua própria época, que, por sua vez, carregam traços dos signos anteriores que também foram construí- dos na relação particular-universal. Nesse sentido, é possível dizer que existem marcas e traços pelos quais quaisquer contextos são (re)configurados, as- sim como o “cultivo” de sentidos que são formados em torno destes contextos culturais. Hoje, os contextos culturais particulares são marca- dos por visibilidades e invisibilidades sociais. Este 11 fato pode ser visto, por exemplo, na presença com- parativamente microscópica de um vídeo amador com alguma performance imitativa da popstar Lady Gaga, postado na rede social Youtube, e que revele um número restrito de acessos, não tendo, portan- to, a mesma visibilidade de um videoclipe oficial da popstar que ostenta números gigantescos de visu- alizações de seus trabalhos na internet, mas que não seria menos ou mais importante do que aquela. Do ponto de vista das relações contemporâneas entre indivíduos e cultura, estes seriam casos que parti- lhariam singularmente de complexidades distintas, apesar de partilharem alguns pontos comuns. Imitar um artista e mostrar esta performance em algum espaço – como uma rede social – é uma das marcas contemporâneas que reconfiguram os intercruzamen- tos entre visibilidade e invisibilidade social. No contexto em que passa a prevalecer uma ideia de cultura como espaço interpenetrado por eixos diversos – sendo também um sistema aberto e que, por isso mesmo, apresenta inúmeras complexidades –, é possível perceber a existência de uma cultura cinematográfica ou uma cultura televisiva, que estão intercruzadas tanto entre si como a outros contextos culturais em níveis complexos e marcados por visibili- dades e invisibilidades. E, dentro da cultura televisiva, por exemplo, ainda é possível perceber a cultura da telenovela – também marcada por intercruzamentos complexos – e assim por diante, conferindo uma realidade em constante movimento a esta relação cultura particular versus cultura universal. 12 Nesse sentido é que se torna possível afirmar o cará- ter sistêmico da cultura – de formal geral e também da cultura em suas vertentes particulares – e discutir que, dentro das especificidades de seus processos de existência, essas culturas particulares, estando conectadas a características universais da cultura, podem, ainda, do ponto de vista cognitivo-cultural, serem passadas adiante, reconstruindo e transfor- mando a memória social, que não pode ser disso- ciada das relações subjetivas e objetivas de seus participantes e, muito menos, das relações que estes constroem com os espaços, tanto em sentido mate- rial quanto imaterial, uma vez que essas categorias, materialidade e imaterialidade também não podem ser separadas radicalmente. Já verificamos ante- riormente que René Descartes, ao dualizar corpo e alma, razão e emoção, empreendeu um entendimento considerado errado por alguns cientistas sobre aquilo que pode caracterizar a espécie humana. A educação (e toda sua complexidade) depende de um entendimento do conceito de cultura e de uma posição que privilegie a interdisciplinaridade. Saiba mais Leia na reportagem da revista Nova Escola sobre como o Teatro pode ser uma atividade importan- te para as questões corporais em sala de aula. Disponível em: https://novaescola.org.br/ conteudo/392/o-teatro-ensina-a-viver. 13 Reflita Algumas linguagens artísticas extintas podem ser uma boa fonte de pesquisa Você já pensou que uma pesquisa sobre lingua- gem cênica já não tão usada nos dias atuais pode render uma boa discussão sobre corpo, mo- vimento e expressão? Teatro de revista O teatro de revista foi um gênero bastante comum no fim do século 19 e primeiras décadas do século 20, extinguindo-se na década de 1960. As surpresas do Sr� José da Piedade foi primeira peça, que estreou em 9 de janeiro de 1859, quando o Brasil estava em seu Segundo Reinado. Inspiradas nos vaudevilles e nos music hall (espetáculos de variedadesfranceses e ingleses, respectivamente), seus enredos eram uma revisão (daí o nome revista) dos acontecimentos e fatos sociais do cotidiano. A estrutura das “revistas” era um conjunto de esquetes falados, cantados e/ ou dançados. A revista de ano é uma criação francesa, ou antes, parisiense. O gênero [...] nada tem de extravagante, pois que se limita a transportar para as tábuas do palco, fazendo-os passar em revista, presos por um tênue fio de enredo (eu acrescentaria: ou apenas pela identifica- ção temática em quadros estanques), os prin- cipais acontecimentos do ano. Para colimar 14 esse fim, claro está que são precisos muitos personagens, uns episódicos, outros alegó- ricos, que vêm à cena, cantam suas coplas, dançam os seus bailados característicos e se vão depois de entreterem leve diálogo com o personagem principal, que não sai nunca de cena, pois é diante dele que todos desfilam e ao qual se convencionou chamar de compadre (PAIXÃO apud CAVALCANTI, 1991, p. 53). A produção das peças envolvia basicamente um dra- maturgo, responsável pelo “libreto”; e um cenógrafo, responsável pela concepção visual do espetáculo, além dos atores e atrizes. Os enredos, ligados ao cotidiano, despertavam forte ligação com a plateia. Esta era seduzida pelo charme das vedetes, a beleza dos cenários, e o humor retratado pelos enredos. Seu universo criou uma memória cultural bastante rica para o universo da cultura popular brasileira. As revistas funcionavam também como um espaço para a pré-divulgação de músicas carnavalescas, revelando nomes de compositores como Lamartine Babo e Sinhô. A peça O Ano que passa, de Artur de Azevedo (1860- 1924), considerado um dos grandes escritores do gê- nero, antes de “subir ao parnaso” (CAVALCANTI, 1991, p. 150), inventa algo bastante peculiar. Sem encontrar empresários interessados em montá-la, esta revista acaba encontrando uma nova solução proposta por Artur de Azevedo: montá-la literariamente. 15 Do mesmo modo como fazia com os saine- tes que publicava em jornais, iria, mês a mês, comentar o anterior, fazendo um folhetim teatralizado. Os diálogos curtos, na falta de atores, teriam ilustrações de Julião Machado, um caricaturista extraordinário. O tema é a dificuldade de os revistógrafos qualificados como o autor encontrarem apoio de empre- sários e donos de teatro para encenar suas peças. A revista O ANO QUE PASSA assim imaginada saiu, em 10 quadros, de 4 de feve- reiro a 25 de novembro de 1907, no jornal O País (CAVALCANTI, 1991, p. 149). Figura 1: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Teatro_de_re- vista.JPG 16 Chanchadas As chanchadas são outro ponto. Eram exclusivas de outro habitat: as salas de cinema. Mas em relação às revistas, tinham também a sátira e o deboche como características marcantes. Oscarito, Grande Otelo e Dercy Gonçalves – nomes clássicos ligados ao tea- tro de revista – contribuíram ainda mais para que a chanchada tivesse a característica de uma “revista filmada”. As chanchadas tinham uma forte influên- cia de Hollywood: grande parte de seus títulos eram paródias de sucessos norte-americanos. Da revista também herdaram as denúncias e críticas sociais e o “casamento” com a música. A parceria com artistas do rádio garantiu o sucesso de músicas como “Alô, alô, Brasil” (1935) e “Alô, alô, carnaval!” (1936). O sucesso industrial da chanchada foi inegável. Nada de dramas atravessando o ritmo. Na passarela cinematográfica, só a alegria co- mandava o espetáculo. Atraindo filas e mais filas de espectadores religiosamente fiéis ao seu humor quase sempre ingênuo, às vezes malicioso e até picante, o filmusical carna- valesco impôs-se como um entretenimento de massa de singular expressividade. Nem sempre o chamaram de chanchada e, em sua forma larvar, ele se ressentiu das limitações formais do filme-revista (AUGUSTO, 2001, pp. 13-14). 17 Figura 2: https://pt.wikipedia.org/wiki/Al%C3%B4_Al%C3%B4_ Carnaval Ópera A ópera é uma linguagem que surgiu na Europa dos séculos 18 e 19, ocupando um papel na construção do imaginário social muito semelhante ao que o ci- nema fez nas primeiras décadas do século 20, nos Estados Unidos. Sua potência expressiva é percebida na forma como refletia os sonhos e desejos do pú- blico: a realidade simbólica dos enredos se enredava à realidade do cotidiano das pessoas. Jorge Coli (2003), analisando a paixão pela ópera, sugere que neste gênero os dilemas enfrentados pela oposição entre razão e emoção são um dos motivos de seu sucesso. 18 Figura 3: https://pixabay.com/photos/ballerina-ballet-performan- ce-534356/ 19 https://pixabay.com/photos/ballerina-ballet-performance-534356/ https://pixabay.com/photos/ballerina-ballet-performance-534356/ A INTERTEXTUALIDADE COMO PEÇA CHAVE DOS PROCESSOS DE EXPRESSÃO DO CORPO NA EDUCAÇÃO Para falar de expressão corporal é necessário falar de intertextualidade. Ao ligarmos a questão ao con- texto da intertextualidade, o cenário da discussão sobre corpo e expressão ganha mais complexidade. Intertextualidade é um conceito discutido pela autora Julia Kristeva; a intertextualidade diz respeito ao fato de que é impossível se comunicar sem a citação de outros textos. E consideramos que texto não é apenas aquilo que escrevemos; tudo pode ser uma referência: uma imagem, um som, uma palavra, um gesto, etc. A intertextualidade pode ser compreendida com a tese de que nenhum texto existe fora de sua contínua interpretação e reinterpreta- ção. Nunca pode haver leitura definitiva para um texto, pois cada leitura gera um novo tex- to, e ela própria torna-se parte da moldura dentro da qual o texto original é interpretado (EDGARD & SEDGWICK, 2003, p.185). 20 Assim, a grande disponibilidade de fluxos de infor- mação no mundo atual – sobretudo se conside- rarmos que estamos incorporados ao contexto da Cibercultura, cenário da comunicação móvel – nos coloca inevitavelmente à frente de operações de co- nexão de referências diversas, o tempo todo. Essas referências, por sua vez, criam infinitas possibilidades de conexões entre tais informações – se pensarmos que, inclusive, seja da natureza e dos apetites ima- ginativos do corpo inventar conexões o tempo todo, tanto em suas redes cognitivas internas quanto em seus desdobramentos externos como as linguagens visuais, sonoras, etc. Como temos discutido desde o início de nossos es- tudos, esta questão ganha outros contornos dentro de uma “rede social” cujos membros partilham de um tipo de “memória comum”, como é o caso de uma língua que torna mais fluida essas trocas, mes- mo que saibamos que a língua não é uma barreira intransponível, quando se deseja comunicar ou es- boçar algum tipo de comunicação, pois, como está sendo discutido, o corpo se expressa de diversas formas pelos diversos ambientes. Nesse processo, as relações do corpo com aparatos de comunicação podem ser descritas como conexões do tipo on-line e off-line. Nesse sentido, explica Johnson que: Sob todos os aspectos, a mídia contemporâ- nea como um todo é um sistema densamen- te interconectado, mesmo se não levarmos em conta as redes de links do mundo online. 21 Conectado não só por causa do grande núme- ro de residências ligadas à TV a cabo e dos telhados coroados com antenas para satélites, mas também no sentido mais sutil de que a informação se liga em si mesma em modos ainda mais barrocos (JOHNSON, 2003, p. 99). Ou seja, o contexto On-line seriam as conexões entre corpo e tecnologia, como a World Wide Web, que está o tempo todo em conexão dentro do mundo. Já o Off- line seriam conexões do corpo em comunicação face a face, por exemplo, de uma peça de teatro em que atores e público podem comunicar-se entre si. Ou, ainda, de algum indivíduo que esteja lendo um livro, por exemplo, ou situações que dispõem de outro tipo de conexão, distinto da natureza conectiva da web. Sem hierarquias de juízos de valor entre a relação On-line e Off-line, virtual e real,as informações de um livro podem ser “carregadas” para a World Wide Web, e vice versa, pois, entre o analógico e o digital não há barreiras de relações. A própria discussão, bastante presente no senso comum, de que o contexto digital vai substituir o corpo presente precisa ser feita com cuidado, uma vez que o corpo físico é fundamental mesmo para se operar as redes sociais, por exemplo. Dessa forma, sugerimos que o corpo seja uma “inter- face cognitiva” para uma informação nas relações on e off-line. Do ponto de vista da criação, as linguagens são como mapas. Mas, segundo Damásio, o corpo também cria mapas internos para se localizar: 22 Mapeamento e gestão da vida andam de mãos dadas. Quando o cérebro cria mapas, informa-se a si próprio. A informação conti- da nos mapas pode ser usada de forma não- -consciente para orientar de modo eficaz o comportamento motor, uma consequência bastante desejável, tendo em conta que a sobrevivência depende da ação correta. No entanto, quando o corpo produz mapas, está também a criar imagens, a principal moeda corrente de nossa mente (DAMÁSIO, 2010, pp. 89-90). Este é o argumento de Steven Johnson para enten- der, descrever e analisar a pergunta “de onde nas- cem as ideias?”. Para Johnson, as ideias nascem de processos colaborativos e a imagem do “gênio criativo” é desconstruída ao percebermos que os diversos ambientes – assim como os diversos cor- pos – colaboram para essas operações de trocas de informações. Isso acaba por enfatizar a noção de inteligência como processo de colaboração. Ou seja, a natureza do corpo, segundo Helena Katz e Christine Greiner, é um contexto que demonstra que o corpo constantemente faz operações de tro- cas entre os ambientes, sejam físicos ou virtuais. E, nesse sentido, então, destacamos ser impossível pensar em como discutir os processos de expressão do corpo na educação sem a relação com a comuni- cação social. A sociedade é um cenário que envolve essas redes da cultura, sem pensar o corpo: um voraz 23 consumidor de referências culturais diversas, ou seja, um produtor de intertextualidades. Nesse cenário, qual seria a melhor abordagem educacional? Figura 4: https://www.todoestudo.com.br/portugues/intertextua- lidade Usar uma referência seria imitar? Não sabemos exatamente por que imitamos ou por que escolhemos imitar alguma coisa em detrimento de outras, mas sabemos que a imitação é um modo da cultura construir sua permanência para comuni- dades futuras. Sobre essa questão, há vários estudos. Vamos pen- sar a imitação no contexto cognitivo. Katz e Greiner 24 https://www.todoestudo.com.br/portugues/intertextualidade https://www.todoestudo.com.br/portugues/intertextualidade (1999, p. 87) conceituam que a imitação tem sido apontada como uma habilidade importante, no que se refere aos estudos da cultura, e vem sendo tratada como um aspecto fundamental para a compreensão do trânsito entre as informações que estão no mundo e a sua possibilidade de internalização. A imitação envolve: 1� Decisão sobre o que imitar. O que conta como sendo o mesmo ou similar; 2� Transformações complexas de um ponto de vista para outro; 3� A produção de ações corporais. Quando copiamos uns aos outros, algo aparente- mente intangível é passado. Essa seria uma chave importante para a organização cultural e esse ‘algo’ a ser transmitido, um aspecto importante da questão. Assim, o ato de imitar um movimento de uma peça de teatro de revista, por exemplo, é uma memória em ação, em movimento. E toda vez que há transferência de informação por imitação, irrigam-se cadeias de informações diferentes. No corpo de cada indivíduo, há memórias de suas linguagens que estão em per- manente transformação. Essas memórias se corre- lacionam com a memória coletiva em que este está inserido. Como corpo e cultura estão entrelaçados, a memória da arte e da própria sociedade está sujeita a essas mudanças presentes nas próprias memórias do corpo. É impossível não perceber que há uma relação entre os diferentes caminhos da memória 25 corporal de um indivíduo e os diferentes caminhos da memória de uma sociedade. Sobre a questão da memória, o neurologista america- no Gerald Edelman tem uma importante teoria sobre o cruzamento de diferentes mapas neuronais. “A memória é imprescindível. Para Edelman, a memória não é apenas um processo passivo de armazena- mento, mas um processo ativo de recategorização alicerçado em categorizações prévias.” (SEARLE, 1998, p. 69). Assim, fica claro que imitar não é reproduzir, mas conectar o já adquirido ao “estranho” e, dessa forma, imitar um gesto qualquer cria cadeias que conec- tam informações diferentes naquilo que foi imitado. Diferenças inseridas em contextos singulares. Nesse contexto, um gesto expressivo como desenhar a Monalisa em um computador é conectar diferentes processos de habilidades cognitivas que vão alte- rando o design gestual do corpo: as informações tradicionais, como lidar com desenho manual, lápis e papel são uma referência, mas, no caso de desenhar no computador, tais ações corporais também lidam com o teclado, ao invés de se usar exclusivamente lápis e papel, o que ocasiona o uso de softwares para modelagem. Toda uma cadeia de acordos e conhecimentos “já instalados” e possibilidades cog- nitivas em devir vêm pela seleção dessas imitações. Percebemos como, por imitação, o corpo e suas lin- guagens têm mantido suas memórias. E as memó- rias culturais têm se mantido vivas – e também se 26 transformado –, possibilitando que novas memórias nasçam. É como se possuíssemos mapas internos que são constantemente redesenhados, assinalando as mu- danças do lado de fora (dos ambientes), em cone- xão com as redes de informação internas do corpo. Os mapas de linguagens que o corpo já adquiriu se conectando a outros mapas, que, sem estarem de- terminados, podem ainda ser organizados. Podcast 2 Reflita Leia o artigo da revista Super Interessante e re- flita sobre o papel da educação na sociedade atual. Pense, com a ajuda do artigo, em como a questão do corpo, seus movimentos e sua capa- cidade expressiva é fundamental para se discutir a educação. Disponível em: https://super.abril.com.br/ cultura/a-escola-ideal. 27 https://famonline.instructure.com/files/43012/download?download_frd=1 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste módulo, estudamos que a educação depende do entendimento dos avanços da área da comunica- ção. Também estudamos que a discussão sobre o corpo e suas capacidades expressivas, nesse con- texto, depende do entendimento de alguns conceitos da área das artes. Por exemplo, utilizar o teatro ou a dança como atividade em sala de aula é perce- ber que estas áreas também podem ser entendidas como linguagens que comunicam sentidos e traços de épocas diferentes. 28 Síntese Referências Bibliográficas & Consultadas AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. CAVALCANTI, Salvyano. Viva o Rebolado! Vida e Morte do Teatro de Revista Brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. COLI, Jorge. A paixão segundo a ópera. São Paulo: Perspectiva, 2003. DAMÁSIO, António. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Unesp, 2005. EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter. Teoria cultural de A a Z: conceitos-chave para entender o mundo contemporâneo. 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Considerações finais Síntese bt_foward 15: Page 1: bt_foward 18: bt_foward 17: Page 30: Page 31: Page 32: Page 33:
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