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O conhecimento na história da filosofia Márcio Tadeu Girotti Introdução A filosofia possui uma divisão de pensamento em, pelo menos, duas grandes vertentes: o racionalismo, calcado no conhecimento de cunho racional; e o empirismo, conhecimento oriundo da experiência sensível. A partir dessas vertentes desdobram-se formas de conhecer, como o conhecimento indutivo, dedutivo, intuitivo, bem como metafísico, dogmático etc. O conhecimento, na história da filosofia, se desenvolve a partir dessa divisão, que escala o pensamento movido pela razão ou pela experiência. Cada pensador, cada época atribui ao conhe- cimento o seu método, seguindo uma ou outra corrente ou ambas. Vamos estudá-las nesta aula? Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • conhecer e identificar a teoria do conhecimento na história da filosofia; • compreender as correntes de pensamento: racionalista e empirista. 1 Filosofia racionalista A filosofia racionalista distingue duas modalidades racionais operadas pelo sujeito do conhe- cimento: a intuição e o raciocínio. O raciocínio é responsável por uma razão discursiva, que realiza diversos atos de conhecimento até poder captá-lo. Passa por etapas progressivas para se aproximar daquilo que deseja conhecer. A intuição, por sua vez, é um ato do espírito que capta de uma só vez o objeto que deseja conhecer. Ou seja, é uma visão direta e imediata do objeto do conhecimento, sem provas ou razões para explicar o que se conhece (CHAUI, 2005). EXEMPLO Quando um médico transmite um diagnóstico de forma imediata, diretamente por conta dos conhecimentos que possui, apreendendo de uma só vez a causa de uma doença, temos aqui um exemplo de intuição. A razão discursiva divide-se em dedução, indução e abdução, três modalidades ligadas ao conhecimento racional. Dedução e indução são processos racionais que partem do conhecido ao desconhecido, a partir do que já sabemos podemos conhecer o que ainda não conhecemos. Figura 1 – Ideia Fonte: Adamovich/Shutterstock.com A dedução parte de uma verdade já conhecida funcionando como princípio geral de onde par- tem todos os casos que serão derivados dela. “Parte-se de uma verdade já conhecida para demos- trar que ela se aplica a todos os casos particulares iguais” (CHAUI, 2005, p. 67). Isso significa que, na dedução, parte-se do geral para o particular. O exemplo clássico da dedução é considerar: A é B, B é C, portanto, A é C. Fazendo um racio- cínio sobre isso, podemos dizer: todo Ser Humano é mortal, Marcos é um ser humano, portanto, Marcos é mortal. A indução, ao contrário da dedução, parte do particular ao geral. Parte-se de casos particula- res, semelhantes, iguais até o caminho que nos leva à lei geral, à definição, à teoria. Observamos por diversas vezes um mesmo fenômeno acontecendo a partir de uma mesma ação ou mesma causa e, com isso, somos levados a acreditar que sempre irá ocorrer da mesma maneira, quando estiver na mesma situação. Figura 2 – Indução: ponto de ebulição Fonte: George Dolgikh/Shuterstock.com A água que ferve em uma panela ao ser coloca sobre o fogo, evapora. Isso sempre ocorre, o que significa que toda vez que fizer esse procedimento, a água, ou os líquidos em geral, sofrerão o mesmo processo: evaporar. Nesse caso, posso induzir que o fogo tem a propriedade do calor, que faz com que líquidos evaporem. Ou ainda, ser induzido a acreditar que sempre que o líquido estiver em contato com o fogo, ele irá evaporar. Tanto a dedução quanto a indução são inferências, ou seja, concluir alguma coisa a partir do que já é conhecido. Além dessas duas possibilidades, o filósofo inglês Charles Sanders Peirce (1839-1914) considera mais uma: a abdução. A abdução é uma intuição que não é imediata, con- siste em alguns passos para se obter a conclusão, como a intuição de um artista ou de um dete- tive. Por exemplo: o detetive parte de indícios, sinais, para explicar o caso investigado (ARANHA; MARTINS, 2003). Figura 3 – Abdução Fonte: Ollyy/Shutterstock.com Vê-se, portanto, que a forma do conhecimento racional pode se desdobrar em procedimentos distintos, mas que possuem uma mesma raiz, a razão: De modo geral, diz-se que a indução e a abdução são procedimentos racionais que empre- gamos para a aquisição de conhecimentos, enquanto a dedução é o procedimento racional que empregamos para verificar ou comprovar a verdade de um conhecimento já adquirido (CHAUI, 2005, p. 68, grifo do autor). FIQUE ATENTO! Dedução é um procedimento racional que parte do geral para o particular, por meio de inferências lógicas; enquanto a indução parte do particular para o geral, forman- do uma lei geral, uma teoria, criando um conceito para o objeto. 2 Filosofia dogmática Na teoria do conhecimento há duas vertentes que se opõem na possibilidade de adquirirmos uma certeza: o dogmatismo e o ceticismo. O dogmatismo é uma doutrina a partir da qual obtenho uma certeza, são verdades inquestionáveis, indubitáveis, concretas, das quais não tenho dúvida e sigo com elas mesmo que tudo se coloque contra elas. Ao contrário do dogmatismo, o ceticismo busca conhecimento e nessa procura, de tanto observar, conclui a impossibilidade do conhecimento, suspende o juízo, ou admite-se uma forma relativa de conhecimento. Na história da filosofia, o dogmatismo, em especial o dogmatismo metafísico, foi consi- derado toda a metafísica ou conhecimento racional anterior a Immanuel Kant (1724-1804). Ele mesmo afirma que os filósofos não perceberam os limites da razão no processo de conhecimento, chamando-os de dogmáticos. Com a sua obra “Crítica da razão pura”, Kant procura expurgar todo o conhecimento que não passou pelo crivo da razão, pelo tribunal da razão, ou seja, ele faz uma crítica da própria razão (GIROTTI, 2008). O dogmatismo é, portanto, uma forma de conhecimento que emprega uma verdade como absoluta, sem precisar de validação ou comprovação, discordando de qualquer verdade que não seja a já estabelecida. Ao passo que o ceticismo discorda de toda e qualquer verdade absoluta, pre- valecendo sempre a procura pela verdade, pelo conhecimento, duvidando do próprio conhecimento. FIQUE ATENTO! Dogmatismo e ceticismo são duas formas de pensar que se contrapõe pela certeza do conhecimento. Enquanto dogmatismo emprega o dogma como conhecimento que não precisa de comprovação, o ceticismo prefere o caminho da dúvida, ques- tionando o conhecimento sem reflexão. 3 Filosofia empirista Enquanto a filosofia racional parte de raciocínios e processos racionais, o empirismo defende que a razão, a verdade e as ideias (conceitos) são adquiridos pelo sujeito por meio da experiência. De acordo com o empirismo, a razão é uma forma de conhecer e a adquirimos ao longo de nossa vida, por meio da experiência sensível (sentidos). Nesse ponto, nossa alma seria como uma folha em branco, sem nenhum conhecimento, que aos poucos vai ganhando conceitos e conhecimen- tos. O empirismo melhor se desenvolveu entre os séculos XVI e XVIII com os filósofos ingleses, como Francis Bacon, Thomas Hobbes, John Locke, George Berkeley e David Hume. Para os empiristas, nosso conhecimento deriva da experiência, por meio das sensações dos objetos exteriores a nós, que excitam nossos sentidos, nos possibilitando enxergar cores, ouvir sons, sentir texturas. A reunião de várias sensações forma uma percepção, e com várias percep- ções formulamos uma ideia, um conceito do objeto. Adquirimos assim o conhecimento do objeto; e essas ideias, trazidas da experiência, são abarcadas pela razão, formando assim os pensamentos. A experiência escreve em nossa alma as ideias e com a razão podemos associá-las, obter novos conhecimentos. Ou seja, com o empirismo o conhecimento é obtido a partir dos objetos que são externos ao sujeito. Enquanto o conhecimento racional parte de conceitoscriados pela razão, a partir de verdades já existentes. SAIBA MAIS! A filosofia empirista surgiu com a filosofia grega, com seu representante maior, Aristóteles. Porém, foi com os ingleses que essa forma de pensamento recebeu sua melhor formulação, sendo então chamado empirismo inglês. EXEMPLO Posso conceber uma sereia racionalmente, em pensamento, juntando duas ideias obtidas a partir de conhecimentos da experiência: peixe e mulher. Juntando essas duas ideias, tenho a sereia (peixe + mulher). 4 A virada no conhecimento filosófico Na história da filosofia vemos uma mudança de pensamento no que diz respeito ao conhe- cimento. Ocorreu uma virada no campo do conhecimento, passando de uma ontologia para uma epistemologia. Isto é, deixamos de nos preocupar com o objeto no sentido do ser do objeto, o que é o objeto, para verificar como conhecemos os objetos. Essa virada ocorreu com a filosofia kantiana, no século XVIII, com a conhecida Revolução Copernicana. Isto se deu quando Kant afirmou que era preciso colocar no centro do conhecimento o sujeito, e não o objeto; pois é o sujeito que representa o mundo à sua maneira, construindo a sua representação de mundo. Figura 4 – Immanuel Kant Fonte: Nicku/Shutterstock.com Antes de Kant, a filosofia permanecia na ontologia, procurando compreender e conhecer o objeto em sua essência, sendo o objeto o centro do conhecimento. Ao passo que, com a pro- posta da mudança de eixo, a preocupação passou a ser como podemos conhecer as coisas: a epistemologia. Vemos que no século XVIII a teoria do conhecimento ganhou uma nova forma de ver o mundo e adquirir novos saberes. Podemos considerar que há uma filosofia antes e depois de Kant com sua crítica à razão e seus limites, com sua crítica ao dogmatismo e a inauguração de uma nova forma de pensar: o sujeito construindo sua representação de mundo. FIQUE ATENTO! A partir da filosofia kantiana ocorreu uma mudança de eixo no conhecimento filo- sófico. Vimos o sujeito ocupar o centro do conhecimento, mostrando que o mundo é conhecido por meio de sua representação. SAIBA MAIS! Leia o artigo “Kant e o criticismo da década de 1760” e veja como o filósofo articula a crítica à razão, dentro do próprio âmbito do racionalismo, sendo ele mesmo um ra- cionalista e, por vezes, um dogmático, mas que inaugura o criticismo. <http://www. marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/Marcio%20Tadeu%20 Girotti%20-%2013%20_113-125_.pdf>. Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer a diferença entre racionalismo e empirismo; • distinguir dogmatismo de ceticismo; • entender a virada no campo do conhecimento filosófico. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução a filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. CHAUI, Marilena de Souza. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. COSTA, Paulo; SILVA, Mariluze. O método pragmático de Charles S. Peirce. Revista Eletrônica Print, São João del-Rei/MG, n.13, 2011. Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/ revistalable/2_BICALHO_O_METODO_PRAGMATICO_DE_CHARLES_S__PEIRCE__revista_met. pdf>. Acesso em: 13 fev. 2017. GIROTTI, Marcio Tadeu. Kant e o criticismo da década de 1760. Filogênese, Marília, v. 1, n. 1, p. 113- 125, 2008. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/ Marcio%20Tadeu%20Girotti%20-%2013%20_113-125_.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2017. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.
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