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Geografia Agrária Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Vivian Fiori Revisão Textual: Profa. Ms. Natalia Conti A Revolução Verde e a Modernização no Campo • Introdução • Revolução Verde e Complexos Agroindustriais • Fronteira Agrícola no Brasil · Tratar da Revolução Verde e das transformações no campo; · Evidenciar as modernizações no campo brasileiro; · Discutir as características dos complexos agroindustriais. OBJETIVO DE APRENDIZADO A Revolução Verde e a Modernização no Campo Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE A Revolução Verde e a Modernização no Campo Introdução Nesta unidade, vamos abordar o primeiro período de modernização da agricul- tura brasileira, ocorrido entre as décadas de 1960 e 1980. Revolução Verde e Complexos Agroindustriais A pesquisa e a inovação foram fundamentais no desenvolvimento histórico da agricultura mundial. O aumento da produtividade e o combate às pragas no campo, por exemplo, estão diretamente relacionados às iniciativas empreendidas por entidades de pesquisa públicas e privadas. No Brasil, a pesquisa agronômica começa a se desenvolver ainda no século XIX, com a criação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1808, e do Instituto Fluminense de Agricultura, em 1860. De acordo com Szmrecsányi (1990), essas instituições produziam mudas e sementes, promoviam o melhoramento de espécies animais e testavam novas máquinas e equipamentos, entre outras atividades. No estado de São Paulo, com o intuito de sustentar a ampliação do complexo cafeeiro em meados do século XIX, foram criados o atual Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em 1887, e a Escola Superior de Agricultura “Luis de Queiroz” de Piracicaba, em 1899. As duas instituições são, até hoje, centros de referência da pesquisa agronômica no país e, além da experimentação de novas variedades agrícolas e um conjunto de outras atividades de pesquisa e desenvolvimento agro- nômicos, foram responsáveis pela assistência técnica aos fazendeiros e trabalhado- res rurais, difundindo novas técnicas de produção e práticas de cultivo e criação. Com exceção do cultivo das principais commodities agrícolas voltadas à exportação (como o café), que receberam mais atenção e incorporaram pouco a pouco inovações em seus métodos produtivos, o panorama geral da agricultura brasileira no início do século XX era marcado pelo uso de técnicas de produção bastante rudimentares e pela baixa incorporação de tecnologias modernas. Esse quadro começa a se alterar a partir dos anos 1930, com o início do processo de industrialização do país. Esse impulso inicial da industrialização, apesar de começar a alterar o centro de gravidade da economia brasileira (do setor primário exportador para o setor industrial), não foi suficiente para modernizar amplamente a agricultura brasileira. Uma alteração ampla da base técnica da produção agrícola brasileira começa a acontecer somente a partir de meados dos anos 1960 e, mais aceleradamente na década de 1970, com a difusão da revolução verde no país. 8 9 Institui-se, assim, um novo paradigma produtivo, formulado e aplicado original- mente nos Estados Unidos, que combinava alta intensidade de tecnologia e capital no campo, com o intuito de ampliar consideravelmente a produtividade agrícola e, em consequência, as quantidades produzidas. A revolução verde propunha que as antigas práticas da agricultura tradicional fossem superadas por meio da adoção de pacotes tecnológicos, que englobavam novas variedades de sementes, correção prévia dos solos, maquinário agrícola (tratores, colheitadeiras, entre outros), irrigação mecanizada, fertilizantes e defensivos agrícolas, entre outras técnicas com um caráter industrial. Como explica Samuel Frederico (2013, p. 71): O paradigma da Revolução Verde se caracterizou pelo desenvolvimento - pelo menos para alguns produtores, culturas e regiões - de cultivares mais produtivos, sensíveis ao uso do pacote tecnológico difundido pelas grandes empresas em parceria com o Estado (máquinas, ferramentas, fertilizantes, agrotóxicos e irrigação. Entre as questões presentes na base da formulação e da difusão internacional da revolução verde está o receio, por parte dos Estados Unidos e de outros países centrais, de que a urbanização acelerada que ocorria da periferia do mundo capitalista não fosse acompanhada pelo aumento da produção agrícola na mesma proporção, processo que poderia ampliar a fome e a desnutrição que são traços históricos desses países periféricos. No período subsequente à Segunda Guerra Mundial, o mundo subdesenvolvido passa por uma inédita revolução demográfica: a diminuição brusca das taxas de mortalidade, associada à manutenção de altas taxas de natalidade, trouxe uma verdadeira explosão populacional em todos esses países. Além desse crescimento acelerado, o êxodo rural e as migrações inter-regionais alteraram por completo as dinâmicas demográficas até então existentes. Mattelart (1994, p. 185) comenta este processo: Contra a solução dita política, ela [revolução verde] oferecia a solução técnica a um problema social perigoso. Essas novas variedades de sementes acompanhadas por uma injeção de novas técnicas agrícolas, novos adubos químicos e novos modos de irrigação se apresentavam como o meio mais competitivo para fazer desaparecer o subdesenvolvimento e a fome no mundo. O crescimento demográfico acelerado e a crise agrícola poderiam acirrar as tensões sociais e colocar em risco os fluxos de investimento estrangeiro e capitais transnacionais que se ampliavam com a instalação das corporações multinacionais nos países periféricos. A revolução verde, nesse contexto, buscava ampliar a produção de alimentos e outros gêneros agrícolas no mundo subdesenvolvido, marginalizando os camponeses e pequenos agricultores e contendo possíveis processos revolucionários. 9 UNIDADE A Revolução Verde e a Modernização no Campo Os pacotes tecnológicos e o aparato institucional associado (instituições de pesquisa e assistência técnica, entre outros) foram difundidos internacionalmente a partir de pressões externas do governo dos Estados Unidos e de um conjunto de agências multilaterais, que forneciamdiversas modalidades de apoio financeiro (empréstimos e aplicações diretas de recursos) com o intuito de disseminar essas técnicas e práticas produtivas. Podemos situar a revolução verde no conjunto de modelos voltados à manutenção dos mecanismos de dominação dos países subdesenvolvidos no pós-guerra, ao lado do controle de natalidade, de programas de alfabetização à distância e da difusão dos meios de comunicação com o intuito de difundir “atitudes modernas” e novas práticas de consumo (MATTELART, 1994). Milton Santos (2003, p. 30-31) aborda sobre esta situação da modernização: Sob o novo projeto, a modernização das áreas rurais aparece como imperativa. Ele contribuirá para a especialização regional e para a introdução de novos modelos de consumo que possibilitarão a difusão ou a expansão de uma economia monetária. A necessidade de capital será aprofundada juntamente com uma tendência para o assalariamento e com uma diminuição da mão-de-obra rural. A “Revolução Verde” ainda é recomendada, apesar do fato, geralmente reconhecido, de que ela implicou a formação ou consolidação de uma burguesia agrária e na proletarização de camponeses. A criação de demanda para os setores industriais voltados à agricultura também teve importância crucial nessa discussão. Como tratamos na última unidade, há um conjunto de produtos industrializados que são consumidos pela agricultura moderna, como fertilizantes químicos, agrotóxicos ou maquinário agrícola. A modernização da agricultura poderia, portanto, criar mercado consumidor para as indústrias químicas, por exemplo. Em um primeiro momento, os tratores e outros insumos eram importados. A produção de commodities em escala industrial no Brasil permitiu, acompanhando a estratégia do governo brasileiro, de substituir essas importações com a criação dessas indústrias no país. Por um lado, a criação de indústrias nacionais diminuiu a dependência externa brasileira em alguns setores, como o de fertilizantes (tanto de tecnologia quanto de produtos importados) – um dos objetivos do Estado nacional no pós-guerra. Por outro lado, a adoção do paradigma da revolução verde trouxe muito endivi- damento externo. 10 11 Os pacotes tecnológicos e a infraestrutura necessária para a modernização agrícola foram introduzidos nos países periféricos, de maneira geral, por meio de empréstimos internacionais. Para pagar as dívidas contraídas, começou a haver um esforço de exportação das commodities agrícolas e minerais e as preocu- pações com o mercado interno passaram a ser constantemente colocadas em segundo plano: “quanto à intensificação da agricultura para exportação, ela se torna imperativa para a modernização; o equipamento comprado no exterior deve ser pago”. (SANTOS, 2003, p. 31) Figura 1 Fonte: iStock/Getty Images Em síntese, é possível afirmar que a receita da revolução verde propunha que a crise agrícola dos países subdesenvolvidos fosse resolvida pela intensificação de capitais e tecnologias, e não pela distribuição de terras e o possível equacionamento da crise agrária. Ao lado do paradigma da revolução verde, os anos 1970 marcam o surgimento dos complexos agroindustriais (CAIs) no Brasil. Os CAIs são formados pela associação técnica e econômica da produção agropecuária aos setores industriais, tanto a montante quanto à jusante. Isso quer dizer que a produção agropecuária consome bens de capital (tratores, por exemplo) e insumos (fertilizantes, por exemplo) de firmas industriais – a integração a montante. 11 UNIDADE A Revolução Verde e a Modernização no Campo Além disso, os produtos agropecuários são destinados a indústrias de transfor- mação, as agroindústrias – a integração a jusante. Muitas vezes, essas agroindús- trias fazem parte de conglomerados que controlam a distribuição e a comerciali- zação dos produtos finais, fechando o circuito. Para dar um exemplo, podemos pensar no caso da laranja: apenas uma pequena parte da produção nacional é vendida em feiras e supermercados sem processamento; a maior parte é destinada a agroindústrias que, a partir da fruta, produzem o suco e o colocam no mercado. Figura 2 Fonte: iStock/Getty Images Os complexos agroindustriais, portanto, pressupõem a existência de uma “indústria para a agricultura”, fornecedora de insumos, e de uma “indústria da agricultura”, processadora dos produtos agrícolas (SZMRECSÁNYI, 1990; SILVA, 1982). Uma interpretação muito recorrente na literatura especializada sobre os CAIs é que as atividades agrícolas perdem definitivamente sua autonomia, já que ficam subordinadas à hegemonia da indústria. Há diversos estudos que comprovam a dependência cada vez maior dos produto- res agrícolas em relação ao capital industrial e financeiro, instalado nas metrópoles. Isnard (1982, p. 189) comenta este processo: Tornada científica, a agricultura se encontra colocada na dupla dependência da indústria: primeiro, para a aquisição da energia, máquinas e produtos, depois para o escoamento de uma parte das suas colheitas. Muitos agricultores trabalham, com efeito, sob o regime de contratos subscritos com indústrias alimentares. 12 13 Na síntese de Szmrecsányi (1990, p. 61), os CAIs são “[...] conjuntos de estabelecimentos agropecuários e industriais funcionalmente inter-relacionados e organizadamente subordinados a um determinado centro de decisão, capaz de coordenar as atividades de todos os demais componentes do sistema”. Portanto, como vimos na unidade I, a industrialização da agricultura e o surgimento dos CAIs como paradigma produtivo retira do campo o poder de decisão sobre a produção agropecuária regional e local. Esse comando passa a ser realizado cada vez mais pelas cidades, quer sejam as cidades médias ou as metrópoles nacionais. Para Denise Elias (2007, p. 50), as dinâmicas criadas pelos CAIs são depen- dentes de novas funções exercidas pelas cidades, que “fornecem parte da mão- -de-obra, dos recursos financeiros, dos insumos químicos, das máquinas agrícolas, da assistência técnica agropecuária, etc.”. No caso brasileiro, a ascensão dos CAIs como modelo produtivo desloca o centro de decisão das atividades agrícolas – que anteriormente eram locais e regionais, de maneira geral – para as cidades médias e, sobretudo, São Paulo, que se torna a metrópole que regula praticamente todo o território nacional. Figura 3 Fonte: iStock/Getty Images Atualmente, São Paulo sedia as sedes da maior parte dos bancos privados (nacionais e estrangeiros) existentes no país, a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BMF, recentemente fundida com a Bolsa de Valores do país, a BOVESPA) e o CEAGESP (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo), o principal entreposto agrícola do Brasil. Esse conjunto de instituições tem o poder de determinar o financiamento à produção agropecuária, a formação dos preços futuros e a comercialização de boa parte dos produtos agrícolas nacionais. 13 UNIDADE A Revolução Verde e a Modernização no Campo Figura 4 Fonte: Wikimedia Commons Para entender a ruptura criada com os CAIs em relação à situação anterior, podemos voltar ao exemplo da laranja. Esse circuito teve, durante muito tempo, uma feição regional. Com a ascensão dos CAIs, a maior parte da produção é destinada às agroindústrias que, depois de processar a fruta, vendem o suco em todo o país. O mercado, portanto, se amplia consideravelmente e a produção ultrapassa os limites regionais que existiam anteriormente. Ao mesmo tempo, o controle dessa produção deixa de ser regional, e os produtores agrícolas passam a ter um papel de decisão muito pequeno nesse circuito. A formação dos preços da laranja passa a obedecer às oscilações do mercado nacional, em um primeiro momento, e mesmo internacional, quando o suco de laranja brasileiro começa a ser preferencialmente exportado. Figura 5 – Laranjal, em Avaré, SP Fonte: Wikimedia Commons 14 15 Os produtores, dessa forma, se tornam cada vez mais dependentes das indús- trias que fornecemos insumos para a produção e da agroindústria que compra as frutas para transformar em suco. O controle da produção deixa de ser local e regio- nal: as decisões que influenciam no crédito à produção, na formação do preço da laranja ou na comercialização dos produtos finais se concentram em São Paulo e no exterior do país. Os complexos agroindustriais inauguram, portanto, uma nova forma de regulação da produção agrícola, em que o campo e as regiões têm seu poder de decisão drasticamente diminuído. Como comenta Oliveira (2008, p. 470): A rápida expansão [da citricultura] nas décadas de 70 e 80 deveu-se, fundamentalmente, à introdução no mercado norte-americano e europeu do suco de laranja nacional”. Como consequência, o preço da laranja in natura no mercado interno tem-se nivelado ao preço do mercado internacional. Além disso, os fabricantes de suco procuram ampliar o mercado interno com suco industrializado, transformando o hábito do consumo da fruta ou do suco natural da laranja. Os complexos agroindustriais, uma das expressões do paradigma produtivo da revolução verde, foram implantados no Brasil a partir de uma ação deliberada do Estado. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi criada em 1973 para dar suporte à modernização da agricultura brasileira, desenvolvendo tecnologias adaptadas às condições do país. Hoje, a Embrapa é um dos principais centros de pesquisa e desenvolvimento agrícola do mundo. Ao mesmo tempo, o governo militar investiu pesadamente na criação de empresas públicas que passaram a produzir boa parte dos fertilizantes consumidos no país. “Por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que englobou o I Plano Nacional de Fertilizantes, o Estado procurou reduzir a dependência externa, elevando a participação da produção nacional na oferta total de produtos finais. Investiu-se, principalmente, na produção de matérias-primas nitrogenadas e fosfatadas.” (FERNANDES, GUIMARÃES, MATHEUS, 2009, p. 205). Houve, também, a criação de incentivos fiscais para a compra de tratores e outros maquinários agrícolas, com o intuito de acelerar a mecanização da produção agrícola. É possível concluir, portanto, que o primeiro período de modernização da agricultura brasileira foi marcado pela adoção do paradigma da revolução verde e pela formação dos complexos agroindustriais no Brasil. Esses processos tiveram como agente principal o Estado brasileiro que, além de regular diretamente o financiamento, a produção e a comercialização desses produtos, também se tornou produtor de insumos para a agricultura. Essa modernização trouxe uma primeira onda de perda de autonomia dos produtores rurais e das regiões agrícolas, impulsionando a especialização produtiva, sobretudo de commodities para exportação, e a concentração do comando nas metrópoles. Associado a esses processos, a expansão da fronteira agrícola foi um processo fundamental desse período. 15 UNIDADE A Revolução Verde e a Modernização no Campo Figura 6 Fonte: iStock/Getty Images Fronteira Agrícola no Brasil O conceito de fronteira é fundamental para compreender a constituição do território brasileiro e de outros países com passado colonial. No Brasil, o estudo clássico a empregar o conceito é do geógrafo francês Pierre Monbeig (1984). O autor analisou o povoamento dos estados de São Paulo e do Paraná durante a primeira metade do século XX, permitido pela consolidação da rede ferroviária, da criação de cidades e da instalação de atividades agropecuárias. O conceito de fronteira, portanto, trata do contato dinâmico entre um novo meio geográfico em expansão, marcado por conteúdos técnicos modernos, e áreas com conteúdos naturais mais pronunciados, geralmente de baixa densidade populacional. Isso não significa, porém, que as áreas assimiladas pela expansão das fronteiras são vazias e que o processo ocorre sem conflitos. É preciso, certamente, reconhecer que as regiões ainda não incorporadas pela fronteira abrigam um conjunto de grupos sociais, como populações indígenas e tradicionais. Estas, historicamente, vêm sendo perseguidas e expropriadas de suas terras para dar lugar ao avanço das fronteiras agrícolas. O caso dos Estados Unidos é bastante emblemático. A ideia de fronteira é fundadora do imaginário territorial do país, já que os EUA se constituem a partir da “marcha para o oeste”. A fronteira aparece, nesse sistema de valores, como um processo que sobrepôs a civilização de origem europeia à pretensa barbárie dos grupos indígenas originais. 16 17 Esse discurso, na verdade, inviabiliza o extermínio indígena que ocorreu na mar- cha para o este. De forma geral, a expansão das fronteiras significa, na raciona- lidade do Estado e do mercado, a conquista de novos territórios que podem ser incorporados às lógicas de reprodução do capital. É um processo que permite o prolongamento das relações capitalistas de produção sobre um território mais vas- to, subjugando formas tradicionais de produção ou sociabilidade. Fronteira agrícola no Brasil: https://goo.gl/X3B9C9 Ex pl or A expansão das fronteiras agrícolas, que é anterior à modernização agrícola, ganha um impulso forte com esse processo nas décadas de 1960 e 1980. Para tratar desse assunto, é preciso lembrar rapidamente do processo de integração territorial do país. A herança colonial deixou como marca a existência de diversas regiões agrário-exportadoras, que funcionavam como ilhas, conectadas ao exterior, mas muito pouco articuladas às demais regiões do país. Por isso, o país se organizava como um arquipélago de regiões funcionalmente independentes, com o agravante de que o governo central tinha pouco poder de controle sobre o conjunto do território nacional. Esse quadro começa a se alterar na década de 1930, com a revolução que colocou Getúlio Vargas no poder. A unifica- ção do território nacional e a constituição de um mercado único se tornam os gran- des objetivos geopolíticos do Estado brasileiro, entre as décadas de 1930 e 1970. Uma série de medidas políticas, fiscais e monetárias é colocada em prática para quebrar a antiga organização em arquipélago e permitir que as economias deixem de ser regionalmente fechadas e cedam espaço a um mercado nacional. Um traço distintivo do Brasil é a existência histórica de amplos “fundos territoriais” (MORAES, 2000): áreas não povoadas ou pouco aproveitadas do ponto de vista produtivo. Nesse período, boa parte do Centro-Oeste e da região amazônica não era den- samente ocupada e o Estado brasileiro passa a considerar o povoamento dessas regiões como uma necessidade fundamental para garantir a integração do terri- tório nacional. A interiorização demográfica e econômica brasileira é vista como uma medida urgente para equilibrar a ocupação concentrada no litoral do país: a construção de Brasília, durante a década de 1950, se insere deliberadamente nessa estratégia. Nesse contexto de integração territorial, a expansão das fronteiras agrícolas nas áreas de cerrado e na região amazônica passa a ser incentivada pelo governo federal, por meio de incentivos fiscais e projetos de colonização agrária, atraindo o interesse de proprietários de terras e trabalhadores rurais já estabelecidos em outras áreas do país. 17 UNIDADE A Revolução Verde e a Modernização no Campo Nas áreas já consolidadas, a tendência à formação de latifúndios pressiona os pequenos trabalhadores rurais, que veem nas áreas de expansão da fronteira agrícola uma possibilidade de se tornar proprietários de terras e recriar a produção rural. Esse é um processo descrito pela literatura sobre o tema no Brasil e vêm ocorrendo há muitas décadas. Durante a ditadura militar, boa parte dos trabalhadores rurais que não encontravam possibilidade ou tinham dificuldade de sobreviver economicamente nas áreas de produção consolidada migraram para o cerrado e para a Amazônia buscando melhores condições de vida. O avanço das fronteiras agrícolas, portanto, gerou enormes fluxos migratóriose uma reorganização produtiva do território nacional. Esse processo, como vimos, foi fortemente impulsionado pelo Estado: uma das principais políticas foi a construção da malha rodoviária que integrou as regiões brasileiras e permitiu, dessa forma, a expansão das áreas de produção agrícola moderna. Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001, p. 120) comentam este processo no Brasil: Hoje, tanto os cinturões quanto as frentes pioneiras revelam que o território brasileiro tem incorporado muitas das características da chamada revolução agrícola, mas especialmente nas culturas de exportação, aquelas que consolidam a divisão territorial do trabalho mundial. Assim, esses produtos acabam por invadir, com velocidade cada vez maior, áreas antes destinadas às produções domésticas. Houve uma desvalorização das agriculturas alimentares básicas e de tradição nacional (como arroz, feijão e mandioca), e isto se dá com a colaboração do crédito público, da informação, da propaganda e dos novos consumos. Parte das áreas de fronteira foi ocupada por assentamentos rurais, de pequenos proprietários. A maior parte, contudo, foi apropriada por grandes latifúndios – muitos deles improdutivos. Dessa forma, a expansão das fronteiras agrícolas não equacionou a questão agrária brasileira. Pelo contrário, houve um aprofundamento da concentração fundiária por parte de um número pequeno de latifundiários. O padrão da produção agrícola – historicamente marcado pela produção de commodities para exportação – se tornou ainda mais presente nas áreas das fronteiras modernas, como é o caso dos cerrados do Centro-Oeste, ocupado sobretudo pela produção de soja. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros O Novo Tempo do Cerrado: Expansão dos Fronts Arícolas e Controle do Sistema de Armazenamento de Grãos FREDERICO, Samuel. O novo tempo do cerrado: expansão dos fronts agrícolas e controle do sistema de armazenamento de grãos. Campinas: Annablume, 2010. As Estratégias do Capital no Complexo da Soja BERNARDES, Júlia Adão. As estratégias do capital no complexo da soja. In: CASTRO, Iná Elias de et alii (orgs.). Brasil: Questões atuais da reorganização do território. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, p.325-366. Da Fachada Atlântica à imensidão Amazônica: Fronteira Agrícola e Integração Territorial HUERTAS, Daniel Monteiro. Da fachada atlântica à imensidão amazônica: fronteira agrícola e integração territorial. São Paulo: Annablume, 2009. Filmes Xingu 1h42min, mostra a criação do Parque Nacional do Xingu. Filme de Cao Hamburguer, 2002, conta a história dos irmãos Villas-Boas. 19 UNIDADE A Revolução Verde e a Modernização no Campo Referências ELIAS, Denise. O meio técnico-científico-informacional e a reorganização do espaço agrário nacional. In: MARAFON, Glaucio; RUA, João; RIBEIRO, Miguel. Abordagens teórico-metodológicas em Geografia Agrária. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. FERNANDES, Eduardo; GUIMARÃES, Bruna; MATHEUS, Romulo. Principais empresas e grupos brasileiros do setor de fertilizantes. BNDES Setorial, Rio de Janeiro n. 29, p. 203-228, mar. 2009. FREDERICO, Samuel. Agricultura científica globalizada e fronteira agrícola moderna no Brasil. Confins, n. 17, 2013. Disponível em: http://confins.revues. org/8153?lang=pt ISNARD, Hildebert. O espaço geográfico. Coimbra: Almedina, 1982. MATTELART, Armand. A “revolução das esperanças crescentes”. In: ______. Comunicação-mundo: história das teorias e das estratégias. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 170-194. MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1984. MORAES, Antonio Carlos Robert. Bases da formação territorial do Brasil: o território colonial brasileiro no “longo” século XVI. São Paulo: Hucitec, 2000. OLIVEIRA, Ariovaldo. Agricultura brasileira: transformações recentes. In: ROSS, Jurandyr (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 2008. SANTOS, Milton. Planejando o subdesenvolvimento e a pobreza. In: ______. Economia espacial: críticas e alternativas. São Paulo: Edusp, 2003. SANTOS, Milton & SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. SILVA, José Graziano. A modernização dolorosa. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. SZMRECSÁNYI, Tamás. Pequena história da agricultura no Brasil. São Paulo: Contexto, 1990. 20
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