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METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA AULA 5 Prof. Maurício Paz 2 CONVERSA INICIAL Esta aula vai discutir a constituição da área de educação histórica como um campo do conhecimento específico do ensino de história. Isso porque é com base na constituição da educação histórica como um campo de exploração de pesquisas dentro da história que as metodologias do ensino de história foram refinadas. Assim, levando-se em conta as tradições inglesa e alemã no debate entre os pensadores e pesquisadores, serão apresentados e trabalhados textos de Paul Lee, como representante da tradição inglesa, e Jörn Rüsen, como representante da escola alemã. Esses pesquisadores acabam por despertar toda uma reflexão sobre as metodologias de ensino de história e de como a história ocupa um lugar inerente à condição humana. Entre os conceitos apresentados, vamos entender de forma mais específica o que é a consciência histórica e como o seu estudo se relaciona com as metodologias de ensino Por fim, vamos entender o que é a didática do ensino de história e trabalho com fontes históricas e de que formas podemos construir atividades e instrumentos de avaliação utilizando as fontes históricas. De que forma esse tipo de metodologia pode ser benéfica ao ensino de História A história como um fenômeno humano é algo absolutamente global e atemporal. Ela é inerente à condição humana, isso significa que todos os povos do planeta em todos os tempos históricos produziram alguma forma de registrar e transmitir a sua própria história. Seja por meio de lendas e mitos, ou de canções e narrativas, cada povo tem a sua história, a sua própria narrativa histórica e seus meios de transmiti-la ao longo das gerações. Seja entre o reino de Gana no Sahel africano com os Griots cancioneiros e guardiões da memória ou na China Oriental e os escritos e histórias do Império do Meio. A história sempre encontrou um caminho e foi significada pela humanidade. Hoje, a História ocupa um lugar na escola e na universidade, sendo, portanto, uma história instituída, que virou uma instituição. A sua condução é feita por meio de pesquisas científicas, ou seja, que seguem uma metodologia. 3 O século XX foi marcado por conflitos mundiais, centrados na Europa, mas que ecoaram pelos outros continentes. As grandes guerras trouxeram uma mudança de paradigma para a humanidade. Sobretudo o Holocausto, na Segunda Guerra Mundial, demonstrou pelo horror, que o progresso e a civilidade da humanidade não eram patamares sólidos. Como poderia a humanidade sucumbir, gerando campos de concentração, genocídios e torturas? Como explicar a história desses eventos? Toda essa reflexão levou a um questionamento da própria História como ciência e seu lugar na escola. Como veremos, é com base nas reflexões geradas com os horrores da Segunda Guerra que surgem pensadores dispostos a consolidar um novo campo de conhecimento, o ensino da história, e a desenvolver uma metodologia própria. Não é mais a metodologia da história ou as metodologias da pedagogia; é uma metodologia própria para o ensino de história. TEMA 1 – O INÍCIO DAS REFLEXÕES DE EDUCAÇÃO HISTÓRICA NA INGLATERRA As primeiras reflexões sobre a educação histórica como um campo do conhecimento histórico data dos anos 1960 na Inglaterra. Nesse período, os historiadores registram um crescente desinteresse dos estudantes pela disciplina, e alguns deles culpavam a televisão (há pouco popularizada) pelo desprezo ao passado. Nesse sentido, surgiu a primeira conceituação do que é educação histórica: trata-se de um diálogo entre a ciência da História e suas demandas e práticas relativas ao seu ensino. Isso significa que a educação histórica é um exercício epistemológico. A epistemologia é a parte da filosofia que trata do conhecimento científico: como se estão discutindo as formas como o conhecimento científico aferido pela história e pelos historiadores torna-se um conhecimento apropriado no ensino, parece adequada essa abordagem. 4 Essas reflexões iniciais culminaram com os estudos dos historiadores Peter Lee, Rosalyn Ashby e Alary Dickinson que, na década de 1980, conduziram pesquisas voltadas a entender como o pensamento histórico se forma no ensino de história. Suas conclusões indicam que a ideia de aprender história está relacionada a uma forma de pensamento específico: o pensamento histórico, isto é, pensar o passado historicamente. Dessa forma, pensar em metodologias de ensino histórico seria desenvolver exercícios próprios da reflexão dos historiadores e da sua prática. Não um campo de exploração para a psicologia e a pedagogia. A principal conquista desses estudos foi o de transferir as pesquisas sobre ensino de história para dentro de uma área específica da história: a educação histórica. TEMA 2 – AS REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA ALEMANHA Na mesma época em que a educação histórica surgia na Inglaterra, os pesquisadores Klaus Bergmann e Jörn Rüsen iniciaram as suas reflexões filosóficas sobre a história como manifestação mental humana. O período pós- guerra foi marcado por uma série de reflexões acerca do papel da História frente aos horrores do Holocausto. Essas reflexões repercutiram em diversos países, inclusive no Brasil. Jörn Rüsen desenvolveu a teoria da consciência história, inicialmente descrita na sua obra Razão Histórica (1983) e publicada no Brasil em 2001, mas depois amplamente explorada em outras obras e pesquisas. Segundo Rüsen (2001), a consciência história é “um conjunto coerente de operações mentais que definem a peculiaridade do pensamento histórico e a função que ele exerce na cultura humana). Ou seja, todo ser humano possui uma consciência histórica que é responsável pela orientação temporal de cada um. Essa teoria responde em parte à questão da inerência da história na humanidade. O pensamento alemão foi o fundamento para que a área de educação histórica surgisse com autonomia para pesquisar e explorar o campo do ensino de história. 5 TEMA 3 – A DIDÁTICA DA HISTÓRIA A didática da história é a área do conhecimento que estuda os processos do aprendizado histórico. Em um primeiro momento, nos referimos à didática, ao conjunto de técnicas formalizadas com o objetivo de ensinar a história nos bancos escolares. Assim, a didática seria uma ferramenta de transposição do conhecimento histórico desenvolvido pelos historiadores para um conhecimento acessível a crianças e adolescentes. Essa primeira concepção está ainda muito presente no cotidiano dos professores de história no Brasil. No entanto, dentro da concepção rüseniana, essa ideia de didática é um equívoco, uma vez que ela está fundada numa concepção historicista que determina um lugar que garante a história como disciplina escolar e legitimada pela sua simples existência. A ideia de transpor os conhecimentos acadêmicos a um nível “mais baixo” dos estudantes consistiu no princípio da didática da história. A segunda concepção, definida por Rüsen (2001), coloca a didática da história em um cenário atual, cujo papel é compreender como se dá o conhecimento histórico dos estudantes e legitimar a educação histórica. Mas não se restringe ao aprendizado histórico exclusivamente confinado às aulas de história. Nessa ideia, a didática da história reúne reflexões sobre a metodologia de ensino, as orientações de temporalidade e o aprendizado histórico possível de ser realizado também fora da escola. Quando vamos a um museu, quando assistimos a um seriado ou quando caminhamos pelas ruas da cidade, nos deparamos com processos de conhecimento histórico e de narrativa histórica nos monumentos que exaltam vultos e momentos, nas histórias contadas de forma ficcional, mas que se baseiam na história oficial, ou diante de objetos do passado recolhidos como amostrade um outro tempo. O ensino de história não está, portanto, na exclusividade do ofício do professor. TEMA 4 – A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA O pensamento alemão acabou, como já dito, investigando a produzindo o conceito de consciência histórica. Mas o que exatamente é a consciência histórica e por que ela importa ao processo de ensino de história? 6 A consciência histórica é inicialmente definida como uma “operação mental”, isto é, algo que se manifesta no pensamento individual dos sujeitos. Sua função é de orientação do passado na vida de cada um. Isso significa que uma pessoa ou um grupo de pessoas têm a sua localização no espaço tempo com base na história manifestada na sua consciência histórica, uma vez que ela dá estrutura ao conhecimento histórico como meio de significar o presente e o passado. Há também nela uma expectativa de futuro. É por meio de uma consciência histórica formada que as pessoas se localizam e se orientam no tempo histórico. Segundo Rüsen (2001), a forma mais comum de alimentação da consciência histórica é pela narrativa da história. Assim, ao tomar contato com a narrativa da história em livros, revistas, nos bancos escolares, em visitas a locais históricos, ao assistir filmes e debates, cada pessoa se coloca diante de um processo de estímulo e desenvolvimento da sua própria consciência histórica. A sua consciência histórica, por sua vez, produz novas narrativas advindas de processos dialéticos entre diferentes narrativas históricas observadas. A fim de compreender esses processos, Rüsen (2001) desenvolveu uma matriz disciplinar. TEMA 5 – A MATRIZ DISCIPLINAR DE JÖRN RÜSEN Desde sua primeira obra, Razão histórica, as investigações conduzidas por Rüsen (2001) o levaram a desenvolver a sua primeira matriz disciplinar da história. 7 Figura 1 – Esquema da matriz disciplinar da ciência da história Fonte: Rüsen, 2001, p. 35. Segundo Rüsen (2001), a História pode ser dividida em duas áreas de existência: na vida prática das pessoas e como uma ciência produtora de conhecimento. Baseando-se na vida prática, ou seja, na vida ordinária das pessoas, a história surge como carência de orientação no tempo, dúvida sobre o passado e interpretações do passado. Esse interesse conduziria as pessoas a se aproximarem da história como ciência, desenvolvendo ideias como perspectivas orientadoras do passado. O próximo passo seria o método de pesquisa da História que produziria uma narrativa da história como a forma de apresentação. Essa narrativa retorna a vida prática das pessoas, alimentando e desenvolvendo a consciência histórica, mas também fomentando novas carências e buscas por verdade. E o ciclo recomeça. 8 NA PRÁTICA A fim de trabalharmos os conceitos desenvolvidos nesta aula, é necessário que você crie uma atividade que envolva outros espaços além da sala de aula. Como já dito, podemos aprender história no cinema, nas ruas da cidade e em museus. Pense em uma atividade fora da sala de aula com estudantes ou pessoas ordinárias, que de alguma forma estimule o ensino de história. FINALIZANDO Nesta aula, entendemos a formação do campo da educação histórica e compreendemos a teoria da história proposta por Jörn Rüsen com base nas reflexões do pensamento alemão sobre o ensino de história. A contribuição do pensamento inglês e alemão acabou por produzir uma área específica que pesquisa, debate e procura entender como funciona o processo de aprendizado histórico feito por nossos alunos na sala de aula, mas também por meio de outros momentos, não necessariamente conectados com a aula. A história se apresenta para cada um de nós por meio de narrativas produzidas pelos historiadores, as quais, por sua vez, são fruto de um processo de geração de conhecimento científico baseado num rol de métodos, que são, por sua vez, respostas a ideias orientadoras de passado que surgem da consciência histórica. Esse esquema de explicação da história é chamada de matriz disciplinar e está na base das investigações do campo da educação histórica. 9 REFERÊNCIAS RÜSEN, J. Razão histórica: teoria da história – os fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed. da UNB, 2001.
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