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Sofrimento Psíquico e Contemporaneidade

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Sofrimento Psíquico e Contemporaneidade 
@psicomleilacastro 
 
 O sofrimento psíquico diz respeito a 
questões do foro físico e do foro 
emocional, que podem ser geradoras de 
psicopatologia. 
De acordo com os dados recolhidos nos 
estudos de Cambuí e Neme (2014) o 
sofrimento psíquico está associado a várias 
causas relacionadas com a própria sociedade 
tais como a repressão, o excesso e a liberdade 
que levam a conflitos intrapsíquicos, os quais 
são, posteriormente, despoletados pelo corpo. 
Dependendo do cenário, existem diferentes 
formas de viver este tipo de sofrimento, sendo 
que, em contexto hospitalar, por exemplo, 
temos ainda situações em que o doente passa 
pela dor física e psíquica, as quais, juntas, 
aumentam exponencialmente o sofrimento 
psíquico, dentro do processo de adoecimento 
(Kupermann, 2016). 
O sofrimento psíquico leva a que o indivíduo 
sofra uma fragmentação do seu ser, a que se 
torne frágil e a ter experiências de vida 
precárias (Cambuí, & Neme, 2014). Este tipo 
de sofrimento, à luz da teoria de Winnicott é 
compreendido de forma singular, existencial e 
essencialmente humano, sendo, no âmbito 
da psicopatologia, constituído por ideias e 
concepções geradoras de sofrimento (Cambuí, 
& Neme, 2014). 
Entende-se, então, o sofrimento psíquico 
como emocional e potenciador de 
consequências psicopatológicas (Camuí, & 
Neme, 2014). 
Algumas das formas mais comuns de viver o 
sofrimento psíquico dizem respeito à solidão, 
aos sentimentos de desamparo, à angústia, à 
impotência, à futilidade, à irrealidade, a 
inautenticidade e mesmo ao vazio existencial 
(Cambuí, & Neme, 2014). 
 Do ponto de vista freudiano encontramos 
ainda situações de abandono, de 
indiferença, de trauma sexual, entre outros 
contornos de trauma altamente 
potenciadores de sofrimento psíquico 
(Kupermann, 2016). 
Diagnósticos e Tratamentos do 
Sofrimento Psíquico 
Vivemos em uma época marcada pela 
mercantilização e homogeneização da 
subjetividade, que acabam por produzir 
tipificação do sofrimento psíquico. 
Entendem-se por tipo clínico formas regulares 
de apresentação do sofrimento psíquico que 
se apoiam, em sua expressão, em diferentes 
estratégias discursivas. A tipificação opera 
gerando formas particulares de subjetivação 
onde sua tensão com o universal, que as 
determina, não aparece dialetizada. Exclui-se 
neste processo a singularidade como aspecto 
constitutivo do sujeito, aparecendo apenas o 
que é determinado pelo contexto sociocultural. 
Aqui, torna-se válido uma ressalva para a 
identificação de duas formas diagnósticas mais 
comuns do sofrimento psíquico na 
contemporaneidade, que são: 
 Diagnóstico do sofrimento como “pratical 
kind” (tipo prático) - O diagnóstico do 
https://knoow.net/ciencsociaishuman/psicologia/psicopatologia/
https://knoow.net/ciencsociaishuman/psicologia/solidao-na-terceira-idade/
https://knoow.net/ciencsociaishuman/psicologia/angustia/
sofrimento psíquico do tipo “pratical kind”, 
considera a classificação nosológica dos 
sinais e sintomas manifestados pelo 
sujeito, sendo valorizado os critérios e 
parâmetros diagnósticos das 
classificações oficiais das desordens 
como da CID (Classificação Internacional 
dos Transtornos Mentais e 
Comportamentais) e do DSM (Manual 
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos 
Mentais). 
 Diagnóstico entendido como “natural 
kind” (tipo natural) - Já o diagnóstico feito 
como "natural kind” corresponde as 
formas diagnósticas que entende o 
sofrimento psíquico enquanto causa 
somente biológica, resultante de um 
déficit neurofisiológico. Nesse sentido, o 
diagnóstico aqui organiza-se na direção da 
identificação do déficit e no tratamento da 
normalização do funcionamento 
neurofisiológico. 
Esses dois modos de pensar o sofrimento 
psíquico na contemporaneidade vem 
resultando em um discurso hegemônico na 
saúde mental que acaba por realizar um 
investimento exagerado na identificação e 
classificação de sinais e sintomas objetivos, 
condição que acaba por reverberar no 
apagamento da análise do sofrimento do 
sujeito em sua dimensão psíquica, histórica e 
social. 
Contudo, embora os critérios de classificação 
dos transtornos psicopatológicos, como o da 
CID e do DSM e os avanços tecnológicos para 
identificação neurológica dos sofrimentos 
psíquicos ofereçam uma vantagem na análise 
compreensiva dos adoecimentos mentais, 
auxiliando na diferenciação entre o normal e o 
patológico a partir da descrição de sinais e 
sintomas, ainda são insuficientes para 
determinar quais sujeitos se comportam 
normalmente e quais têm dificuldades 
importantes - em grande medida porque essa 
definição é tanto uma questão de julgamento 
social e de valor quanto uma questão de fato. 
 A esse respeito, Dunker traz a reflexão de 
que a cultura no Brasil contemporâneo 
está sob o impacto desta tensão 
ideológica, e que tal tensão traz consigo 
uma narrativa básica de expressão do mal-
estar, e que essa narrativa reverbera em 
tipos clínicos padronizados que chegam 
até os sérvios de saúde mental. 
Nesse contexto, ele cita três tipos clínicos mais 
comuns na contemporaneidade: 
Paciente profissional – refere-se aquele sujeito 
que acredita que para dar conta do seu 
sofrimento, ele precisa se aprimorar por meio 
de técnicas e outros mecanismos voltados a 
autoajuda e orientações autodirecionadas. 
Consumidor unicista – é aquele que adere a 
uma forma precisa e única de vivência, que 
não se define pelo saber que a envolve, mas 
pelo objeto. Nessa condição clínica, o 
indivíduo fica preso aos prazeres corporais, 
acreditando que o bem-estar só pode ser 
produzido em vivências únicas, por isso 
tendem a querer repeti-las. Em casos de 
grande sofrimento, esse tipo clínico é 
facilmente captado pelo uso abusivo de 
substâncias psicoativas. 
Corporalista - diz respeito aos mais pós-
modernos dos sujeitos, segundo Dunker. São 
os indivíduos que supervalorizam sua imagem 
corporal, que ao investir importância no olhar 
universal dos outros, acabam por recair num 
vazio existencial, pois sentem que nunca 
conseguem atingir os padrões sociais mais 
desejados pela cultura pós-moderna. 
Realidade que, para o autor, é uma produção 
da lógica capitalista ou ultracapitalista que 
regula a modernidade líquida. Essa produção 
traz ao discurso social que para todo 
sofrimento existe um dispositivo de bem-estar 
específico. Nessa conjuntura, é feliz quem 
consome, e consumindo permanece preso nas 
idealizações do processo hegemônico de 
saúde, beleza e bem-estar pregados na 
atualidade. 
Nesse sentido, o sofrimento psíquico não é 
algo novo, mas suas configurações atuais são. 
A passagem da modernidade para a 
contemporaneidade ocasionou uma série de 
transformações no estilo de vida, na formação 
dos laços sociais, na cultura, que resultaram 
em modificações não só na forma de 
apresentação do sofrimento psíquico, mas 
também de mudança nas instituições 
fundantes da sociedade. 
Qual é o lugar e o papel das instituições de 
saúde mental dentro dessa nova configuração 
social. Especificamente, como a “clínica” 
praticada no CAPS é afetada por essa crise de 
civilização? 
A psiquiatria, atualmente, é marcada pelas 
características de heterogeneidade discursiva 
próprias da contemporaneidade. Tomada não 
apenas como disciplina, ou especialidade 
médica, mas como um campo de tecnologias 
e práticas sociais voltadas para o 
enfrentamento dos diferentes sofrimentos 
mentais, a neuropsiquiatria se ancora em uma 
proposta de uma psiquiatria baseada em 
evidências. Essa psiquiatria biológica, 
obcecada pela questão da evidência, 
desconhece o paciente enquanto sujeito e 
reconhece apenas amostras e populações de 
pacientes. 
O efeito desse discurso, no entanto, é o 
mesmo da psiquiatria contestada pela reforma 
brasileira, ou seja, uma tentativa de dissociar a 
loucura dosaspectos subjetivos que a 
compõe. Esse discurso psiquiátrico tem se 
presentificado cada vez mais na montagem 
desses serviços substitutivos. 
 Dessa forma, a adoção dessa postura 
pelos profissionais em saúde mental, não 
apenas médicos, tem produzido um 
silenciamento desse sujeito em 
sofrimento psíquico grave. O CAPS, lugar 
privilegiado de recepção do sofrimento 
psíquico, no momento político atual se 
deixa capturar por esse silenciamento 
(condição que foge das amarras 
normativas). 
 Toda clínica há de ser sempre clínica de 
um sujeito singular. Esse é um dos 
alicerces defendidos pela reforma 
antimanicomial brasileira, porém, tomada 
enquanto dever cego, essa prática se torna 
efetivamente anticlínica. Deve-se refletir 
sobre o sujeito em questão, com suas 
novas formas de subjetivação, 
recuperando aquilo que marcadamente 
caracteriza a função-CAPS. 
A modernidade líquida - Bauman 
 O mal-estar atravessa a subjetividade 
humana, ou melhor, a relação do sujeito 
com seu próprio desejo, e com os objetos 
que podem preenchê-lo a partir de uma 
forma moderna de liquidez; 
 A associação com o líquido vem do fato de 
que a sociedade atual seria, segundo 
Bauman, marcada pela liquidez, 
volatilidade e fluidez; 
 As relações e acontecimentos não são 
feitos para durar, são rápidos, estão em 
constante mudança e não conservam sua 
forma por muito tempo; 
 Época de incertezas, sinais confusos, 
mudanças rápidas e imprevisíveis. Essa 
nova configuração social aflora o 
individualismo, a volatilidade e fluidez das 
relações; 
 A busca pelo sucesso e felicidade torna-
se individual e muitas vezes solitária, 
porque os indivíduos passam a crer que 
depende exclusivamente de suas ações 
individuais. E, essa condição de 
insegurança, liquidez, acaba por gerar 
sentimentos de solidão e angústia 
intensas, levando os sujeitos a produzirem 
sintomas psíquicos, muitas vezes graves e 
persistentes; 
 O efeito desse estado psíquico ocasionado 
por essas novas formas de configuração 
das relações sociais, pode ser produzida 
pela nova “cultura terapêutica” 
contemporânea, fazendo o sujeito 
entender que para esse novo contexto 
social a única coisa que se pode fazer é 
evitar o sofrimento emocional. Para tanto, 
o indivíduo é encorajado, pelos diversos 
discursos disciplinadores (médico-
psiquiátrico, indústria farmacêutica, 
capitalismo etc.) a se perceber estando 
com uma espécie de “déficit” de 
autoestima; 
 Dessa forma, à construção da ideia de um 
déficit de autoestima impossibilita que o 
indivíduo lide emocionalmente bem com 
experiências e relacionamentos, é a de 
que nossa cultura reduz a complexidade 
dos comportamentos humanos e dos 
problemas sociais a um único fator: o 
quão bem ou mal a pessoa se sente em 
relação a si mesma. Até porque, como 
mesmo apontou Bauman, estamos em um 
momento que defendemos as vivências 
isoladas, de forma individual. Nesse 
contexto, como o sujeito se vê com 
poucos recursos emocionais para lidar 
com as configurações relacionais, o que 
cabe ao mesmo é buscar a qualquer custo 
seu bem-estar e felicidade; 
 Saúde mental hoje pressupõe a ausência 
de todo tipo de sofrimento, já que a 
definição de saúde mental deixa de ser 
negativa. Daí inclusive a criação do termo 
“saúde mental positiva”, que engloba 
inteligência emocional e social, boas 
relações pessoais, sexuais, familiares e no 
trabalho. É importante ressaltar que essa 
“normalidade” na forma da saúde mental 
positiva se configurou em nossa 
sociedade como um ideal que todos 
aspiram alcançar. Desse modo, o ideal de 
saúde mental na atualidade parece remeter 
hoje a uma “mais que normalidade”; 
 Por essa razão, a separação entre normal 
e patológico estabelecida pela psiquiatria 
moderna da qual nos fala Canguilhem 
perde sua nitidez e critérios de 
mensurabilidade na contemporaneidade. 
O ideal de normalidade a ser buscado não 
se ancora mais na ausência de loucura ou 
de anormalidade. Não é mais necessário 
nem suficiente reprimir desejos, fugir do 
estigma, como nas sociedades 
disciplinares. É preciso, porém, atingir o 
estado de bem-estar sugerido pela OMS, 
a felicidade atuada por personagens de 
novela, a sociabilidade das celebridades 
retratada nas revistas; 
 Como uma quantidade cada vez maior de 
eventos e dificuldades é tida como 
desencadeadora de sofrimento e como 
todo sofrimento impede que cheguemos a 
esse estado ideal de saúde mental, a 
separação normal-anormal, saudável-
doente parece não fazer mais sentido. A 
normalidade se torna praticamente 
inalcançável e nos transformamos todos 
em doentes mentais em potencial – haverá 
sempre um sofrimento que merece 
cuidado. 
 Atualmente, potencialmente todo mundo 
pode se tornar objeto de atenção médica, 
e a última pessoa saudável, 
possivelmente, vai desaparecer; 
 A consequência desse fato é que cresce a 
quantidade de indivíduos passíveis de 
preencherem os novos critérios 
diagnósticos e, com isso excede-se a 
quantidade de classificações nosológicas 
e de tratamentos desnecessários e até 
iatrogênicos aos seres humanos. 
 Uma boa ilustração dessa “cultura 
terapêutica” é a forma diagnóstica e de 
tratamento da depressão na atualidade; 
 A tristeza sentida aparentemente sem 
motivo, a dificuldade de concentração, o 
desinteresse ou a falta de energia para 
atividades cotidianas, a inibição para 
participar de eventos sociais; tudo o que 
incomoda pode ser descrito como 
sofrimento e está previsto nos critérios 
diagnósticos de alguma doença mental. 
Isto é, tudo que é social, da vida cotidiana 
passa, na contemporaneidade, a ser alvo 
do diagnóstico psicopatológico. 
 A mudança nos valores morais afetou não 
só a maneira como a psiquiatria produz os 
diagnósticos da subjetividade e o 
sofrimento, mas também o tratamento que 
propõe aos novos sofredores. A 
supervalorização da felicidade, da 
autenticidade e do prazer parece ter 
implicado na desvalorização do sofrimento 
enquanto ocasião de reflexão ou de 
aprendizado. Nesse sentido, a psiquiatria, 
além de participar da medicalização da 
vida social, contribuindo para que mais 
emoções e comportamentos sejam 
pensados como patológicos, legitima uma 
atitude técnica, instrumental, para lidar 
com o sofrimento 
Por sua vez, as psicoterapias com seus 
instrumentos de intervenção centrados na 
palavra, na singularidade da experiência do 
paciente em estar doente e a sua história vêm 
perdendo importância no contexto atual no 
qual o indivíduo que sofre deve ser relançado 
rapidamente à ação, à performance e ao 
exercício da autonomia. A leitura do mal-estar 
toma uma direção funcional, e a etiologia 
passa a ter aí valor secundário.

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