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Fundação Centro de Ciências e Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro Universidade Federal Fluminense Curso de Licenciatura em Letras- UFF / CEDERJ Disciplina: Introdução à Semântica Coordenador: Prof. Dr. Monclar Guimarães Lopes Tutor: Prof. Dr. Dennis Castanheira AP1 – 2022.2 - Gabarito Aluno(a): _______________________________________________________ Polo: _______________________________ Matrícula: ___________________ Nota: _______________ Leia com atenção os textos e as questões da prova. Lembre-se do que estudou nas aulas 05 a 08. Nas questões discursivas, redija as respostas de maneira dissertativa e fique atento à coerência, à coesão e à correção gramatical da sua escrita. TEXTO 1 – Menino Pequeno (Rachel de Queiroz) Ele descia a ladeira e vinha só. De cor era branco, de tez era pálido – dessa brancura descorada de criança que não come vitamina, filho de emigrante pobre que não herdou as cores rosadas da gente da terra velha e não adquiriu ainda o moreno igualitário da terra nova. Num pé só, calçava um acalcanhado sapato de lona. No outro, uma tira negra encordoada, que há tempos fora uma atadura. Vestia uma jardineira azul, que na certa pertencera a um menino mais velho, pois a barra das calças arrastava atrás; os bracinhos nus, ao frio da manhã sem sol, de tão arrepiados eram ásperos, azulados. É de notar que o pequeno, ao descer assim a ladeira empedrada, não ia à toa, tinha um propósito, embora singular. Porque na mãozinha suja como ele todo, carregava – calculem! – carregava uma rosa. Uma grande rosa cor-de-rosa propriamente dita, tão bela, tão preciosa, dessas que só medram em jardim de governo ou em jardim de rico, pétalas de porcelana, mal desabrochada, formosa, frágil como uma bolha de sabão. E o pequeno, evidentemente, tinha consciência daquela beleza e daquela fragilidade. Pois caminhava de leve, a mão direita que segurava a rosa era mantida rígida, embora um pouco trêmula, e a mão esquerda de vez em quando se erguia à frente para afastar da flor uma rajada de ar, ou qualquer perigo invisível – assim como a gente levanta a mão a fim de proteger a luz de uma vela. Para onde iria aquele menino com tais cuidados, carregando aquela rosa? Para dar, para entregar, ou para ficar com ela, embriagado pela enamorada alegria de ser dono do que é belo? Eram oito da manhã. Ele teria no máximo uns seis anos, levando-se em conta a desnutrição, o seu possível raquitismo de garoto pobre. Pois, se não fosse a carinha viva, pelo tamanho a gente diria que não passava dos quatro. Cruzou comigo, que comprava os jornais na banca, e não levantou os olhos, embebido na flor. Virou a esquina. Depois se sumiu no meio dos transeuntes que iam em busca da feira da Glória. *** Quem seria mais frágil, o menino ou a rosa? Ah, quem pode dizer neste país quanto durará um menino? Aquele, aquele azulado pelo frio na sua velha jardineira sem mangas, será que escapa da pneumonia, será que escapa da septicemia com o pé infeccionado dentro da atadura negra, será que escapa do atropelamento, sozinho no meio da rua, absorto na sua rosa, sem ver o lotação matador que o aguarda no atravessar do asfalto, será que escapa da tuberculose assim tão mal comido e mal vestido, será que escapa da vida, menino sem dono, anão perdido na cidade grande? Vi uma vez uma fita americana chamada They were expendable. Tratava de soldados na guerra e o título quer dizer mais ou menos – “eles são para gastar” ou “eles são para jogar fora”. Assim também é menino neste país. Não nasce para nada – nasce para se perder, para morrer, para ser jogado fora. Tanto trabalho, tanta agonia custa um menino. E mesmo que não custe nada, mesmo que nasça de parto sem dor e se crie sozinho pelas estradas sertanejas, pelos pés de serra, pelas calçadas do Rio; quanto custa a ele viver, quanto vale aquele pequeno milagre de vida que um dia pode chegar a ser homem? Sim, sei que a gente nasce para morrer. Mas não tão cedo. Não tão depressa que não dê nem para sentir o gosto da vida. Quem se dá ao trabalho de vir ao mundo deveria ter pelo menos um direito garantido – o de sobreviver. Para que, afinal, a gente se organiza em sociedade, para que obedece às leis, para que aceitar essa porção de contratos com a civilização – casamento, serviço militar, impostos, moral, semana inglesa, ministério do trabalho, eleição, justiça, polícia – se em troca nem ao menos se garante a chance de viver a um menino que nasce debaixo dessas leis? Ele nasceu perfeito, tinha pernas e tinha braços, tinha coração e fígado, tinha alma e amor dentro do peito, e tinha ternura com a sua rosa. E então por que ninguém lhe assegura, como todos os bichos da natureza aos seus filhotes, o sustento e a proteção enquanto deles carece? *** “Rose, elle a vécu ce que vivent les roses...” Ah, a eterna verdade cantada pela boca inocente dos poetas. Quem teria vivido mais, meu Nosso Senhor, aquele menino ou aquela rosa? Questão 1 – 2,0 pts No dicionário Priberam (on-line), assim se define o termo sinônimo: 1. Palavra que tem o mesmo significado que outra ou outras, ou significado semelhante ou aproximado (ex.: acabar, concluir e terminar são sinônimos). 2. Que tem o mesmo significado que outro (ex.: palavras sinônimas). À luz dos estudos linguísticos, podemos afirmar que as definições supracitadas não são totalmente corretas, uma vez que a sinonímia é dependente do contexto (cf. LYONS, 1979; LOPES e PIETROFORTE, 2004). Explique essa afirmação e, em sua resposta, faça uso de exemplos extraídos do texto. Antigamente, era comum que a sinonímia fosse tratada a partir da semelhança de significado entre palavras em estado de dicionário. Nesse sentido, poderíamos dizer que “nova” e “jovem”, por exemplo, são palavras sinônimas. No entanto, para a linguística moderna, só podemos dizer que dois termos são sinônimos quando conseguimos substituí-los um pelo outro dentro de um contexto determinado. Sendo assim, “nova” e “jovem”, por exemplo, não são substituíveis em contextos como: “temos uma nova secretária”, “temos uma secretária jovem”, já que a secretária pode ser nova na função, mas velha na idade. No texto 1, podemos evidenciar essa relação de sinonímia entre os termos flor e rosa, que apresentam o mesmo sentido, e inclusive, a mesma referência. Questão 2 – 1,0 pt Os sinônimos têm um papel bastante relevante na coesão textual. Auxiliam na construção do texto e evitam repetições desnecessárias. Nas alternativas abaixo, as substituições propostas entre parênteses para os elementos destacados são exemplos de sinônimo, EXCETO na opção: a) Quem se dá o trabalho de vir ao mundo deveria ter pelo menos um direito garantido (planeta) b) Depois se saiu no meio dos transeuntes que iam em busca da feira da Glória (pedestres) c) E então por que ninguém lhe assegura, como todos os bichos da natureza aos seus filhotes... (seres) d) Para que, afinal, a gente se organiza em sociedade... (o povo) Justificativa: Embora “bicho” seja um “ser”, nem todo “ser” é um “bicho”, já que os seres da natureza se dividem em animados e inanimados. Portanto, há mudança de significado na substituição. Além da alternativa C, também julguei correta a alternativa A, em virtude de uma justificativa apresentada por uma aluna (sobre a qual não havia pensado no momento da formulação). Embora seja possível alterar “mundo” por “planeta”, mantendo- se o mesmo significado, a palavra “planeta” também pode indicar uma mudança de referência, dando a ideia que se trata de um ser extraterrestre. Em B, a semelhança de sentido entre as palavras é bastante transparente e evidente, já que pedestres e transeuntes são intercambiáveis (provavelmente) em todos os contextos. Em D, o termo “a gente” tem função pronominal, com sentido análogoa “nós”. O “povo” tem função substantiva. Apesar da diferença funcional, no plano significativo se assemelham, pois o falante que substitui “a gente” por “povo” o faz incluindo a si mesmo no grupo. Questão 3 – 1,0 pt Segundo Lyons (1979), na língua, há três tipos de oposição de sentido: a complementaridade, a antonímia e a reciprocidade. Assinale a alternativa cujos elementos destacados NÃO estão em relação de antonímia: a) ... filho de emigrante pobre... (rico) b) .... não herdou as cores rosadas da gente da terra velha (nova) c) Não tão depressa que não dê nem para sentir o gosto da vida (devagar) d) ... embriagado pela enamorada alegria de ser dono do que é belo (empregado) Dono e empregado estão em uma relação de reciprocidade, isto é, se A é dono de B, B é empregado de A. Todos os outros casos são antonímicos, porque são adjetivos graduáveis, em relação de posição. (veja a página 119 do livro). Leia as definições abaixo para responder à próxima questão Por homonímia entende a tradição: “propriedade de duas ou mais formas, inteiramente distintas pela significação ou função, terem a mesma estrutura fonológica, os mesmos fonemas, dispostos na mesma ordem e subordinados ao mesmo tipo de acentuação [...]” (BECHARA, 1999). Segundo Ullmann (1987), a polissemia ocorre em três situações: a) Mudança de aplicação: quando alguma nuança de sentido de uma palavra distancia- se das demais de modo permanente, consideramos aquela nuança como um sentido diferente dessa mesma palavra. b) Especialização em um meio social –quando uma palavra ganha um sentido restrito. c) Linguagem figurada: quando uma palavra adquire um sentido metafórico. Questão 4 – 2,5 pts Abaixo, destacam-se os elementos “ásperos” e “áspera”. Trata-se de um caso de homonímia ou de polissemia? Justifique sua resposta com base nas definições apresentadas. “os bracinhos nus, ao frio da manhã sem sol, de tão arrepiados eram ásperos, azulados.” “Em cada caso, explique ao bebê que o animal grande tem uma voz áspera e, portanto, baixa, e uma pequena tem uma fina, isto é, uma alta”. Temos um caso de polissemia, já que há uma única palavra que passou a ser empregada em outro contexto, com sentido mais metaforizado. No primeiro caso, “áspero” apresenta seu sentido básico, relativo à textura de uma superfície física. No segundo caso, áspera, metaforicamente, se refere à impressão que um som causa aos ouvidos. A voz não é uma superfície nem pode ser percebida por meio do tato. Há mudança de domínio de uso, em que um elemento relativo ao meio físico, tátil, passa a referir-se a um elemento do meio sonoro. Questão 5 – 2,0 pts Nos trechos abaixo, destaca-se o elemento “cor”. Podemos dizer que as palavras grifadas estão em relação de homonímia ou paronímia? Justifique. “Ele descia a ladeira e vinha só. De cor era branco, de tez era pálido – dessa brancura descorada de criança que não come vitamina, filho de emigrante pobre que não herdou as cores rosadas da gente da terra velha e não adquiriu ainda o moreno igualitário da terra nova” “E, já tá ficando chato, né? A encheção de saco, pois é Prepara que eu já tô me preparando Enquanto cê tá indo eu tô valtando E todo esse caminho eu sei de cor (Marília Mendonça) Há duas possibilidades de resposta. A correção está associada à justificativa apresentada. 1. Temos um caso de homonímia imperfeita (homónimos homógrafos), em que há duas palavras distintas com a mesma grafia, mas com uma diferença sonora relativa ao timbre (metafonia). No primeiro caso, lê-se côr; no segundo, cór. 2. As duas palavras estão em relação de paronímia, pois apresentam entre si diferenças no plano sonoro. Como vimos nas aulas, os autores discordam entre si quanto à classificação desses fenômenos. Enquanto alguns consideram que só existem homônimos homófonos – como Mattoso Câmara -, outros assumem a existência de homônimos nos casos em que a diferença sonora se dá por metafonia. Por esse motivo, a correção da resposta está associada à justificativa apresentada pelo estudante, já que o fenômeno em análise pode ser interpretado tanto como homônimo quanto como parônimo, a depender da perspectiva adotada. Questão 6 – 1,5 pt Observe os seguintes trechos: “Vi uma vez uma fita americana chamada They were expendable. Tratava de soldados na guerra e o título quer dizer mais ou menos – “eles são para gastar” ou “eles são para jogar fora”. “Rose, elle a vécu ce que vivent les roses...” Ah, a eterna verdade cantada pela boca inocente dos poetas”. Podemos dizer que as expressões destacadas ilustram, respectivamente, os seguintes fenômenos: a) Paráfrase e paródia b) Paródia e paráfrase c) Paráfrase e intertexto d) Paródia e intertexto e) Intertexto e paráfrase Nas frases “eles são para gastar” ou “eles são para jogar fora” temos uma relação parafrásica, isto é, utiliza-se uma frase como uma versão da outra, com manutenção do sentido pretendido. Em “Rose, elle a vécu ce que vivente les roses”, há um intertexto, já que o trecho em sequência revela que essa é uma frase cantada pelos poetas. Ou seja, é a citação literal de um texto previamente existente. Boa prova!
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