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NOÇÕES GERAIS DE DIREITO E FORMAÇÃO HUMANÍSTICA JULIANO VIEIRA ALVES 2 SUMÁRIO COMENTÁRIO INTRODUTÓRIO ........................................................................................ 5 A) SOCIOLOGIA DO DIREITO ............................................................................................. 6 SOCIOLOGIA DO DIREITO .......................................................................................... 6 Introdução à sociologia da administração judiciária ........................................................ 6 ÉMILE DURKHEIM ....................................................................................................... 9 KARL MARX .................................................................................................................. 9 EUGEN EHRLICH ........................................................................................................ 11 MAX WEBER ................................................................................................................ 14 2. RELAÇÕES SOCIAIS E RELAÇÕES JURÍDICAS. CONTROLE SOCIAL E O DIREITO: .................................................................................................................................. 30 CONTROLE SOCIAL E O DIREITO ........................................................................... 30 PRESSUPOSTO ............................................................................................................. 30 3. DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA: ................................ 43 SOCIOLOGIA DO DIREITO ........................................................................................ 43 DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA.................................. 43 4. CONFLITOS SOCIAIS E MECANISMOS DE RESOLUÇÃO. SISTEMAS NÃO JUDICIAIS DE COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS: ................................................................ 76 B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA ............................................................................................ 81 3. TEORIA DO CONFLITO E OS MECANISMOS AUTOCOMPOSITIVOS. TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO E MEDIAÇÃO. PROCEDIMENTOS, POSTURAS, CONDUTAS E MECANISMOS APTOS A OBTER A SOLUÇÃO CONCILIADA DOS CONFLITOS: ............................................................................................................................ 99 4. O PROCESSO PSICOLÓGICO E A OBTENÇÃO DA VERDADE JUDICIAL. O COMPORTAMENTO DE PARTES E TESTEMUNHAS: ............................................. 107 C) ÉTICA E ESTATUTO JURÍDICO DA MAGISTRATURA NACIONAL ............. 122 3. CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL: ..................................... 122 CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA .................................................................. 122 D) FILOSOFIA DO DIREITO ............................................................................................. 131 JUSTIÇA COMO RETRIBUIÇÃO ............................................................................. 131 I. SOBRE OS DIFERENTES ENFOQUES ................................................................. 132 NOÇÃO DE JUSTIÇA EM PLATÃO ......................................................................... 133 NOÇÃO DE JUSTIÇA EM PLATÃO ......................................................................... 134 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA EM ARISTÓTELES ....................................................... 134 I. Observações gerais .................................................................................................... 134 3 JUSTIÇA DOS MODERNOS ...................................................................................... 137 I. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 137 II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS (CONTEXTO) ...................................................... 138 III. Observação sobre Hobbes e Rousseau ................................................................... 140 IV. Thomas Hobbes ...................................................................................................... 140 V. John Locke ............................................................................................................... 143 VI. David Hume ........................................................................................................... 144 VII. Jean-Jacques Rousseau ......................................................................................... 145 VIII. EXPLICAÇÃO .................................................................................................... 147 IX. Immanuel Kant ....................................................................................................... 147 O PARADIGMA DA JUSTIÇA SOCIAL ................................................................... 150 I. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 150 II. Jeremy Bentham....................................................................................................... 151 III. John Stuart Mill ...................................................................................................... 151 IV. Karl Marx ............................................................................................................... 152 AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS ........................................................................ 152 I. HENRY SIDGWICK ............................................................................................... 152 II. HERBERT HART .................................................................................................. 153 III. ERMINIO JUVALTA ............................................................................................ 154 IV. FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK ................................................................. 154 V. HANS KELSEN ...................................................................................................... 155 VI. NIKLAS LUHMANN ............................................................................................ 155 IV. JOHN RAWLS ....................................................................................................... 157 Importância do pensador: ............................................................................................. 157 2. O CONCEITO DE DIREITO. EQUIDADE. DIREITO E MORAL: ......................... 167 2 O conceito de Direito. Equidade. Direito e moral. .................................................... 167 VISÃO GERAL ............................................................................................................ 171 TESES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE DIREITO MORAL ...................................... 171 MORAL COMO MÍNIMO ÉTICO ............................................................................. 172 IDENTIDADE .............................................................................................................. 174 TEORIA DOS CÍRCULOS SECANTES..................................................................... 174 A MORAL COMO MÍNÍMO JURÍDICO ................................................................... 174 O DEBATE ATUAL .................................................................................................... 175 TESE DA CONEXÃO ................................................................................................. 175 4 TESE DA SEPARAÇÃO ............................................................................................. 176 3. A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO: ...........................................................................199 E) TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 209 1. Direito objetivo e direito subjetivo: ................................................................................. 209 2. FONTES DO DIREITO OBJETIVO: ............................................................................. 241 CONCEITUAÇÃO ....................................................................................................... 241 DIÁLOGO CF X NOVO CPC ...................................................................................... 259 DISTINÇÃO VALOR X PRINCÍPIO ........................................................................... 261 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 263 REFLEXOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ........................................ 310 NOVO CPC .................................................................................................................. 315 VALORES QUE JUSTIFICAM ................................................................................... 316 NATUREZA JURÍDICA DA SÚMULA VINCULANTE ........................................... 318 REQUISITOS E PROCESSAMENTO ........................................................................ 320 EFEITOS DA SÚMULA .............................................................................................. 324 CRÍTICAS GERAIS ..................................................................................................... 325 CRÍTICAS ESPECÍFICAS .......................................................................................... 332 MAIOR ABRANGÊNCIA DA LEI 11.417/2006 ........................................................ 338 PROCEDIMENTO ....................................................................................................... 342 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 343 3. EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO. CONFLITO DE NORMAS JURÍDICAS NO TEMPO E O DIREITO BRASILEIRO: .............................................................................. 344 ATO JURÍDICO PREFEITO ....................................................................................... 402 COISA JULGADA ....................................................................................................... 404 4. O CONCEITO DE POLÍTICA. POLÍTICA E DIREITO: ........................................... 426 TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA ......................................................... 426 5. IDEOLOGIAS: ................................................................................................................... 489 TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 489 Pressuposto básico ........................................................................................................ 490 Conceituação inicial e a transformação ........................................................................ 490 IDEOLOGIA MARXISTA: ......................................................................................... 491 ANEXO ........................................................................................................................ 507 6. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (ONU): ............ 511 TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA .................................................... 511 5 A Declaração Universal dos Direitos do Homem ONU ............................................... 511 Declaração Universal dos Direitos Humanos ............................................................... 526 COMENTÁRIO INTRODUTÓRIO Uma introdução necessária. O intuito do presente material consiste na tentativa de fornecer subsídio para o estudante tomar conhecimento de temas periféricos a quem estuda para a magistratura. Nesse contexto, estarão de fora do presente material temas como: assédio sexual; Regime jurídico da magistratura nacional: carreiras, ingresso, promoções, remoções; Direitos e deveres funcionais da magistratura; Código de Ética da Magistratura Nacional (mas o código é de leitura obrigatória); Sistemas de controle interno do Poder Judiciário: Corregedorias, Ouvidorias, Conselhos Superiores e Conselho Nacional de Justiça; Responsabilidade administrativa, civil e criminal dos magistrados (tema muito acessível no direito administrativo ou mesmo no constitucional). Em relação ao restante, busquei sempre basear os textos na literatura especializada e mais atual. Espero que seja útil a leitura. Boa prova a todos! Juliano Vieira Alves Junho de 2017 6 A) SOCIOLOGIA DO DIREITO 1. Introdução à sociologia da administração judiciária SOCIOLOGIA DO DIREITO Introdução à sociologia da administração judiciária Texto base da aula: SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. Revista Crítica de Ciências sociais, nº 21. Nov. 1986, pp. 11- 37. [online] Estrutura da aula: PARTE I Os precursores da sociologia do direito Contribuições da sociologia do direito para a compreensão da relação existente entre administração da justiça/direito processual/realidade social CONDIÇÕES TEÓRICAS 1. sociologia das organizações 2. ciência política 3. antropologia do direito CONDIÇÕES SOCIAIS 1. lutas sociais 2. crise na administração da justiça PARTE II Contribuição da sociologia para a administração da justiça 7 Temas 1. acesso à justiça 2. concepção da administração da justiça como instância política 3. mecanismos de resolução de conflitos sociais PARTE III Linhas de pesquisa com possíveis impactos na nova política judiciária RESUMO: O texto analisa “os antecedentes e as condições da contribuição da sociologia do direito para o aprofundamento das complexas interacções entre o direito processual e a administração da justiça, por um lado, e a realidade social e econômica em que operam” (SANTOS, 1986, p. 17). Na segunda parte do trabalho, com base nas contribuições noticiadas, ele aponta: - as linhas de investigação mais promissoras e - o perfil de uma nova política judiciária PARTE I PRECURSORES DA SOCIOLOGIA DO DIREITO A sociologia do direito somente se constituiu enquanto ciência após a 2ª Guerra Mundial A partir desse marco Passou a usar técnicas e métodos de investigação empírica Teorizou sobre esses dados Construiu sobre o direito um objeto teórico específico Ganhou autonomia em relação à Dogmática política 8 Filosofia do direito Antes disso, houve grande produção científica orientada pela perspectiva sociológica do direito: “...a sociologia do direito é, sem dúvida, de todos os ramos dos sociólogos aquele em que o peso dos precursores, das suas orientações teóricas, das suas preferências de investigação, das suas criações conceituais, mais fortemente se tem feito sentir” (SANTOS, 1986, p. 11) “O direito será sempre uma área de interesse da sociologia. Por isso, faz parte da análise já dos fundadores da sociologia”. (FREITAS; COSTA, 2013, p. 649). OBJETO DA SOCIOLOGIA DO DIREITO: “...uma perspectiva que explicitamente tematiza as articulações do direito com as condições e as estruturas sociais em que opera...” (SANTOS, 1986, p. 12) Primeiro debate Um dos debates polarizadores consiste no debate acerca da visão do direito enquanto VARIÁVEL DEPENDENTE VARIÁVEL INDEPENDENTE “...o direito se deve limitar a acompanhar e a incorporar os valoressociais e os padrões de conduta espontânea e paulatinamente constituídos na sociedade” (SANTOS, 1986, p. 12) “...o direito deve ser um activo promotor de mudança sociais tanto no domínio material como no da cultura e das mentalidades” (SANTOS, 1986, p. 12) De um lado, Savigny (1840) e Bentham (1823) Segundo debate: Há consenso de que o direito reflete as condições prevalecentes e também atua conformadoramente sobre elas A polaridade se dá nos seguintes termos 9 ÉMILE DURKHEIM “...o direito como o indicador privilegiado dos padrões de solidariedade social, garante da composição harmoniosa dos conflitos por via da qual se maximiza a integração social e realiza o bem comum” (SANTOS, 1986, p. 12). ...Émile Durkheim definia o objeto da sociologia de maneira mais voltada para a coletividade do que Weber. Assim, definiu a sociologia como a ciência "das instituições, da sua gênese e do seu funcionamento", ou seja, "de toda crença, todo o comportamento instituído pela coletividade". Seu objeto próprio, para ele, são os fatos sociais - "[...] toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral no âmbito de uma dada sociedade, tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais". O direito seria, portanto, uma das expressões desses fatos sociais. Segundo ele, "[...] além dos atos individuais que suscitam, os hábitos coletivos exprimem-se sob formas definidas, regras jurídicas, morais, ditados populares, fatos de estrutura social, etc.". E prossegue afirmando que "[...] uma regra do direito é o que é, e não há duas maneiras de percebê-la. [...] estas práticas não são senão vida social consolidada [...]". A conexão entre vida social e direito, para Durkheim, é inequívoca, como se o direito germinasse espontaneamente da vida social. A centralidade do direito, em sua obra, está presente na sua teoria da consciência coletiva e das solidariedades sociais. Assim, para Durkheim, o tipo de direito que rege uma sociedade varia conforme o tipo de solidariedade (mecânica ou orgânica) que constitui a organização social. Em sociedades nas quais a solidariedade é mecânica, o tipo de direito praticado é o repressivo. E, naquelas em que a solidariedade é orgânica, característica do direito moderno, o tipo de direito é o restitutivo (FREITAS; COSTA, 2013, p. 643). KARL MARX “...o direito como expressão última de interesses de classe, um instrumento de dominação econômica e política que por via de sua forma enunciativa (geral e abstracta) 10 opera a transformação ideológica dos interesses particularísticos da classe dominante em interesse coletivo universal” (SANTOS, 1986, p. 12/13) A ideologia tem um papel fundamental na análise filosófica e científica de Marx e Engels. O conceito de ideologia como maneira enviesada ou enganosa de observar o mundo, é central na construção do materialismo histórico; "[...] assim como o Estado é o Estado da classe dominante, as ideias da classe dominante são ideias dominantes em cada época". Na nossa sociedade, devido à ordem jurídica, a sensação que temos é de que os cidadãos são iguais perante a lei, com a ideia de que o pressuposto jurídico do contrato social beneficia a todas as partes livres. Nesse sentido, o direito cria ilusões de que há uma igualdade jurídica entre todos os cidadãos. Não se trata de má-fé, assinalaram Marx e Engels, uma vez que a má-fé pressupõe uma distorção consciente e voluntária; a ideologia é cegueira parcial da inteligência entorpecida pela propaganda dos que a forjaram. O "discurso competente", em que a ciência se corrompe a fim de servir à dominação, mantém ligação inextricável com o discurso conveniente, mediante o qual as classes privilegiadas substituem a realidade pela imagem que lhes é mais favorável, e tratam de impô-la aos demais, com todos os recursos de que dispõem (órgãos de comunicação de massa, ensino, instrumentos especiais de controle social de que participam e, claro, como forma destacada, as próprias leis). Sendo assim, o Estado, para Marx, é uma instituição de poder que tem por função assegurar os conflitos entres as classes sociais no âmbito de uma ordem convencionada. O direito, por sua vez, é fruto das relações sociais na sociedade capitalista e institucionalizada na esfera político-jurídica, e é sempre conduzido, na análise marxiana, como um paralogismo que designa apenas as normas da classe dominante: "[...] o Estado se impõe na condição de comunidade dos homens. Mas é uma comunidade ilusória, pois o Estado, por baixo das aparências ideológicas de que, necessariamente, se reveste está sempre vinculado à classe dominante e constitui seu órgão de dominação". 11 Para Marx, mesmo quando o Estado consegue se desvencilhar de certos aspectos da ideologia dominante, essa desvinculação não é senão ilusória. Assim, o Estado elimina, à sua maneira, as distinções estabelecidas por nascimento, posição social, educação e profissão, ao decretar que o nascimento, a posição social, a educação e a profissão são distinções não políticas; ao proclamar, sem olhar tais distinções, que todo o membro do povo é igual parceiro na soberania popular e ao tratar do ponto de vista do Estado todos os elementos que compõem a vida real da nação. No entanto, o Estado permite que a propriedade privada, a educação e a profissão atuem à sua maneira, isto é, como propriedade privada, como educação e profissão, e manifestem a sua natureza particular. (FREITAS; COSTA, 2013, pp. 647-8). Ainda no ótica normativista substantivista do direito – 1º quartel do século XX EUGEN EHRLICH “para alguns o fundador da sociologia do direito” (SANTOS, 2000, p. 163) “Durante uma conferência que ele fez em Viena, em 1903, cujo título era Freie Rechtsfindung und freie Rechtwissenschaft, Ehrlich afirmava que o direito era uma ‘realidade sociológica que o jurista deve pesquisar’. Ele definiu, por conseguinte, a existência de um ‘direito social’, ‘vivo ou real’, ‘fora do estado’, que vive completamente à margem do direito do estado” (ARNAUD, DULCE, 2000, pp. 72/73). "Em 1913, o jurista Eugen Ehrlich (1862-1922) apresenta na Alemanha a sua obra Fundamentos da sociologia do direito, que terá grande repercussão entre os estudiosos do direito. Ehrlich sustenta que existem vários ordenamentos jurídicos na mesma sociedade (direito da comunidade, direito do Estado, direito dos juristas) e apresenta os métodos de pesquisa que a sociologia jurídica deve empregar para analisar tais ordenamentos" (SABADELL, 2013, p. 48). O DIREITO VIVO direito oficialmente instituído e formalmente vigente contraposto à normatividade emergente das relações sociais pelas quais se regem os comportamentos e se previne e resolve a esmagadora maioria dos conflitos 12 CRIAÇÃO JUDICIÁRIA DO DIREITO normatividade abstrata da lei contraposta à normatividade concreta e conformadora da decisão do juiz “A discussão entre Sociologia Jurídica e Dogmática Jurídica trazida por Weber no seio de Economia e sociedade remonta, em realidade, à celeuma engendrada por dois antecessores seus, Herman Kantorowicz e Eugen Erlich, precursores da chamada "Escola do Direito Livre" e do "Movimento Sociológico do Direito", até então com relativa influência nas academias jurídicas alemãs. Pregavam estes dois autores, em suma e basicamente, a idéia de que a lei não poderia criar efetivamente o Direito, visto que tal tarefa era destinada ao órgão vivo, ao elemento subjetivo do Direito, o juiz (giurisprudenzia). Deste modo,qualquer ciência que fosse válida deveria pautar-se nos acontecimentos da realidade, nos elementos empiricamente constatáveis. Com tais formulações, criticavam severamente a ciência jurídica dos juristas que somente se atinham às leis formalmente criadas pelo legislador. Além do mais, tais pensadores reivindicavam a função judicial como a verdadeira fonte de Direito, visto que se tratava de efetivamente aplicar uma norma abstrata ao mundo fático, função esta materializadora do Direito e que alcançava, portanto, fins práticos. Propunham, assim, a livre criação do Direito por parte do magistrado, além de defenderem a idéia de que a Sociologia do Direito seria a única e verdadeira ciência de estudo do Direito, por ser a única que se voltava a atingir ao escopo do próprio Direito, que é a transformação do mundo fático” (SILVEIRA, Daniel Barile da. Max Weber e Hans Kelsen: a sociologia e a dogmática jurídicas. Revista de Sociologia e Política. Curitiba. n. 27, pp. 171-179, nov. 2006, p. 172). Para Ehrlich, a primeira e mais importante tarefa da Sociologia do Direito é "estabelecer uma distinção entre as componentes do direito que regulam, ordenam e determinam a sociedade, demonstrando a sua natureza organizatória, e aquelas que são puras normas de decisão". Pois, o Direito "é a ordem da vida estatal, social, espiritual e econômica, mas não é sua ordem exclusiva; além do direito há outras ordens de importância equivalente e possivelmente mais eficientes". 13 Considera que a principal questão que a Sociologia do Direito deve resolver é "com que fenômenos o sociólogo deve preocupar-se e de que modo ele deve coletar os fatos para conhecê-los e interpretá-los". Pois os fenômenos sociais que "interessam ao conhecimento científico do Direito são, sobretudo, os próprios fatos do Direito: o hábito que dentro das associações humanas determina a cada um sua posição e suas tarefas, as relações de dominação e de posse, os contratos, estatutos, declarações de última vontade e outras disposições além do processo hereditário". Para Ehrlich, se existe uma regularidade nos fenômenos da vida jurídica, que a sociologia deveria descobrir e apresentar, ela só pode ser encontrada no condicionamento determinado pela realidade social e econômica; se existe uma "evolução do direito que obedece a uma regularidade ela só pode ser conhecida e apresentada no contexto de toda a evolução social e econômica". Desse modo, "a Sociologia do Direito buscará seu material não no antiquário jurídico, mas na história social e econômica". Para Ehrlich, a Sociologia do Direito deve prescrever o que de fato acontece e não o que a lei prescreve. E ao descrever como de fato se processa a vida jurídica, a sociologia descreve o direito vivo, diferente do direito vigente. Para ele, ‘Este, portanto, é o direito vivo em contraposição ao apenas vigente diante de tribunais e órgãos estatais. O direito vivo é aquele que, apesar de não fixado em prescrições jurídicas, domina a vida. As fontes para conhecê-lo são sobretudo os documentos modernos, mas também a observação direta do dia-a-dia do comércio, dos costumes e usos e também das associações, tanto as legalmente reconhecidas quanto as ignoradas e até ilegais’. No entanto, a análise sociológica do Direito, afirma Ehrlich, "terá de comparar com a realidade não só as prescrições jurídicas, mas também os documentos, ela também neste particular terá de distinguir entre direito vigente e direito vivo". Deve- se observar, no entanto, que o "Direito vigente (norma de decisão) parece ser o conteúdo decisivo do documento, pois em caso de processo é que ele conta; mas ele só é direito vivo na medida em que as partes o observam, mesmo que não pensem em processo". 14 Considerava Ehrlich que, como o Direito é um fenómeno social, a Sociologia do Direito é a doutrina científica do Direito (DIAS, 2009, pp.40-41) Esses deslocamentos criaram as condições teóricas para uma nova visão sociológica O direito passou a ser estudado nas suas dimensões Processuais Institucionais Organizacionais MAX WEBER Preocupa-se na definição da especificidade e o lugar privilegiado do direito diante das demais fontes de normatividade em circulação nas relações sociais Centrou sua análise na burocracia especializada encarregada da aplicação das normas jurídicas O que distingue o direito moderno do anterior é o tipo ideal de burocracia: “monopólio estatal administrado por funcionários especializados segundo critérios dotados de racionalidade formal, assente em normas gerais e abstratas aplicadas a casos concretos por via de processos lógicos controláveis, uma administração em tudo integrável no tipo ideal de burocracia por ele elaborado” (SANTOS, 2000, p. 163). “O sociólogo alemão Max Weber contribui decisivamente para a formação de uma sociologia jurídica ou do direito. Segundo Weber, ‘A lei existe quando há uma probabilidade de que uma ordem seja mantida por um quadro específico de homens que se utilizarão de compulsão física ou psíquica com a intenção de obter conformidade em relação à ordem ou de aplicar sanções à sua violação’. Para ele, a assertiva vale para todas as ordens legais, não se restringindo somente às do Estado. Além disso, a estrutura da 15 ordem legal tem influência direta na distribuição de poder dentro de uma comunidade…” (FREITAS; COSTA, 2013, p. 640). “A abordagem weberiana utiliza-se do processo de racionalização em todas as esferas da vida social do Estado moderno. O Estado moderno, o direito e os fenômenos sociais oriundos dessa relação - ordem, processo de mudança social, burocracia, racionalidade e o princípio da ação social - são ligados aos aspectos subjetivos e objetivos da realidade social. (...) , vale lembrar que ele atribui ao direito uma importância fundamental para o Estado moderno, pois define as regras que serão preestabelecidas no campo judiciário. Talvez a maior contribuição da sociologia jurídica de Weber seja a questão da profissionalização do direito. Segundo ele, o direito precisa ser uma instituição que analise as contradições internas da sociedade e crie leis que contemplem os cidadãos, e também que seja capaz de reduzir os conflitos sociais” (FREITAS; COSTA, 2013, p. 649-650). Essa tradição intelectual influenciou decisivamente na constituição do objeto da sociologia do pós-guerra GRANDES TEMAS 1 – discrepância entre o direito formalmente vigente e o socialmente eficaz – Law in books/Law in action 2 – relação entre o direito e o desenvolvimento – papel do direito na transformação modernizadora das sociedades tradicionais Ainda assim negligenciam-se questões Processuais Institucionais Organizacionais A partir do final da década de 50 o quadro se modifica RAZÕES TEÓRICAS DA MUDANÇA PRIMEIRA RAZÃO TEÓRICA 16 Surge a sociologia das organizações Inspirada em Weber Estrutura/forma das organizações SEGUNDA RAZÃO A ciência política volta seu interesse para os tribunais O juiz passa a ser objeto de estudo enquanto instância de decisão e poder político Estuda o juiz pela sua orientação política TERCEIRA CONDIÇÃO TEÓRICA Desenvolve-se a antropologia jurídica A antropologia sai das “sociedades simples” Centra-se no litígio e nos mecanismos de prevenção e resolução Desvia a atenção das normas para os processos e instituições CONDIÇÕES SOCIAIS DA MUDANÇA PRIMEIRA CONDIÇÃO Lutas sociais protagonizadas por Negros Estudantes Buscam novos direitos Segurança social Habitação Educação Transportes Meio ambiente Qualidade de vida Queriam aprofundara conteúdo democrático dos regimes pós-guerra 17 “Foi neste contexto que as desigualdades sociais foram sendo recodificadas no imaginário social e político e passaram a constituir uma ameaça à legitimidade dos regimes políticos assentes na igualdade de direitos. A igualdade dos cidadãos perante a lei passou a ser confrontada com a desigualdade da lei perante os cidadãos, uma confrontação que em breve se transformou num vasto campo de análise sociológica e de inovação social centrado na questão do acesso diferencial ao direito e à justiça por parte das diferentes classes e estratos sociais” (SANTOS, 1986, p. 16 – grifei) SEGUNDA CONDIÇÃO A crise da administração da justiça, na década de 60 As lutas sociais (noticiadas na primeira condição) aceleraram uma modificação estatal – saiu-se do Estado Liberal para o Estado providência: “um Estado activamente envolvido na gestão dos conflitos e consertação entre classes e grupos sociais, e apostado na minimização possível das desigualdades sociais no âmbito do modo de produção capitalista dominante nas relações econômicas” (SANTOS, 1986, p. 16) Conflitos emergentes Relação de trabalho Segurança social Habitação Bens de consumo doradouros A integração da mulher no mercado de trabalho Essas condições geraram uma explosão de litigiosidade Com o fim da expansão econômica (década de 70) e o início da recessão (provavelmente, ele está falando da Europa), o problema ganha um caráter estrutural. • - redução de recursos financeiros do Estado • - crescente incapacidade do Estado em cumprir os compromissos assistenciais e providenciais assumidos com a sociedade na década anterior “A preocupação em reinserir a mão-de-obra deixada para trás nunca foi um empreendimento do capital. A novidade agora é que os contribuintes não mais se interessam por isso. Não se trata simplesmente de uma desconsideração do outro ou em 18 razão da crescente perda dos sentimentos sociais de solidariedade. A capacidade de financiamento do Estado está esgotada, segundo Habermas, em razão do seguinte círculo vicioso: ‘...desemprego crescente, sistema de segurança social saturado e contribuições se reduzindo’ (HABERMAS, 2001, p. 100)” (ALVES, 2010, p. 21). Essa crise financeira impediu o Estado de adequar a oferta da justiça à demanda. Tais fatores inspiraram estudos sociológicos sobre: • Administração da justiça • Organização de tribunais • Formação e recrutamento dos magistrados • Motivação das sentenças • Ideologias políticas e profissionais – tese sobre a escola da USP • Custo da justiça - A esse respeito: “147 dias e R$ 947,34. Estes são o prazo e o custo médios de um processo judicial que tramita na 2ª Instância do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Os valores foram calculados a partir da conclusão do Projeto de Definição do Tempo e Custo Médios de Tramitação dos Processos no Segundo Grau - PROTEC. O projeto, de continuidade administrativa da gestão 2008-2010, foi recepcionado pelo Plano de Gestão do Biênio 2010-2012.[...] Foram desenvolvidas as fórmulas de cálculo do tempo e custo médio de duração de dez tipos de processos: mandado de segurança, habeas corpus, apelação criminal, apelação cível, ação rescisória, embargos infringentes cíveis e criminais, recurso em sentido estrito, agravo de instrumento, medidas cautelares. Os cálculos revelaram que o processo com tramitação mais cara é o Mandado de Segurança (R$ 2103,80), e o de menor custo é o Habeas Corpus (R$ 267,90)”1. • Bloqueamento de processos • Ritmo e andamento nas mais diversas fases 1 Assessoria de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios: “TJDFT conclui projeto que mede tempo e custo médios de tramitação de processos da 2ª Instância”. Notícias ACS - 15/7/2011 online 19 PARTE II Contribuição da sociologia para a administração da justiça Análise, de modo sistemático, o âmbito diversificado das contribuições da sociologia do direito para a administração da justiça Acesso à justiça É o tema que demonstra mais claramente as relações entre Processo civil/justiça social Igualdade jurídico- formal/desigualdade sócio-econômica A justiça cível é o lugar para tratar do tema, pois a esfera “penal há, por assim dizer, uma procura forçada da justiça, nomeadamente por parte do réu” – e o caso da ação penal privada? A esse respeito: “...o extraordinário número de processos pode estar concentrado em uma fatia específica da população, enquanto a maior parte desconhece por completo a existência do Judiciário, a não ser quando é compelida a usá-lo, como acontece em questões criminais. Desta forma, a instituição seria muito procurada exatamente por aqueles que sabem tirar vantagens de sua utilização” (SADEK, LIMA e ARAÚJO, 2001, p. 40). Nada obstante a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais, o Estado ficou destituído de mecanismos para implementar essas previsões normativas: “passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores” (SANTOS, 1986, p. 18). Partindo dessas constatações, a tramitação dos processos deixou de ser analisado como tecnicamente/socialmente neutro A organização da justiça passou a ser investigada de outro modo: Qual a sua função social? 20 Com essa opção, aparentemente técnica, pode veicular: “opções a favor ou contra interesses sociais divergentes/antagônicos”: patrões/empregados, proprietários de imóveis/inquilinos, instituições financeiras/consumidores, etc A sociologia passou a investigar os entraves que impediam as classes populares de acessar o judiciário Em outros termos, passou a estudar a discriminação social no acesso à justiça Estudos demonstram que a justiça civil é mais cara para os pobres, proporcionalmente: As pesquisas apresentadas por Boaventura demonstraram que os cidadãos de baixa renda são “os protagonistas e os interessados nas acções de menor valor e é nessas acções que a Justiça é proporcionalmente mais cara” (SANTOS, 1986, p. 19). Custo do processo no Distrito Federal Ao lado da reforma do processo, deve-se analisar “a organização judiciária e a racionalidade ou irracionalidade dos critérios de distribuição territorial dos magistrados” (SANTOS, 1986, p. 20) – JUIZADO ITINERANTE A distância do cidadão à administração da justiça é maior para os pobres Essa distância também é devida a fatores sociais e culturais 1º (tese de Boaventura) – pobres não conhecem seus direitos, portanto têm “mais dificuldade em reconhecer um problema que os afeta como sendo um problema jurídico” (SANTOS, 1986, p.21) 2º após reconhecer o problema como jurídico, é necessário ter disposição para propor uma ação judicial: “Os dados mostram que os indivíduos das classes baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo quando reconhecem estar perante um problema legal” (SANTOS, 1986, p. 21) Fatores que explicam a desconfiança • experiência anterior • medo de represálias (justiça do trabalho) 21 A esse respeito: “...sabe-se que cresce a probabilidade de se buscar direitos quando aumentam os graus de escolaridade e de renda; e, inversamente, baixos níveis de renda e de escolaridade tendem a operar como fatores que inibem a realização de direitos e, em decorrência, o uso de tribunais” (Desasso, 2001, p. 77). Não existem dados disponíveis a esse respeito: “Essa hipótese que contempla o alto uso dos serviços do Judiciário por uma parcela restrita da população mereceria ser melhor trabalhada.Faltam, entretanto, dados mais específicos para a sua discussão. Seria imprescindível qualificar os autores e os réus dos processos, sobretudo na área cível. Somente assim seria possível saber se, de fato, a utilização do judiciário está estreitamente correlacionada a um grupo específico da sociedade, exatamente aquele que dispõe de mais recursos econômicos, sociais e intelectuais” (SADEK, LIMA e ARAÚJO, 2001, p. 40). A JUSTIÇA EM NÚMEROS NÃO SUPRE ESSE DÉFICT 3º quanto mais baixo o estrato social do cidadão: • é menos provável que conheça um advogado • operadores do mundo do direito não fazem parte do seu círculo de conhecidos • maior é a distância geográfica entre seu local de trabalho/residência e os serviços advocatícios gratuitos Em razão dessas conclusões, os tribunais se mobilizaram e desenvolveram inovações institucionais oraganizacionais para tentar minimizar essa discriminação social no acesso à justiça - Justiça itinerante – 125, §7º, CF/88 – EC 45 - Justiça Federal – 108, §3º, CF/88 - Câmaras Regionais – 125, §6º, CF/88 22 Administração da justiça como instituição política Esse segundo passo é um tema amplo que contém diversos objetos e formas de análise Os cientistas políticos passaram a enxergar os tribunais como um sub-sistema do sistema político global Logo, processam inputs externos Estímulos Pressões Exigências sociais Exigências políticas Pelos mecanismos de conversão, produzem outputs – decisões Essas decisões produzem impacto social e político nos demais subsistemas DUAS CONSEQÜÊNCIAS IMPORTANTES DESSA ÓTICA A) o juiz foi colocado no centro do campo analítico Que relação existe entre a decisão judicial e Origem de classe do juiz Formação profissional Idade Ideologia política e social B) desmentiu-se a concepção de que a justiça é “uma função neutra e protagonizada por um juiz apostando apenas em fazer justiça acima e eqüidistante dos interesses das partes” (SANTOS, 1986, p. 24). Estudos sobre ideologia da magistratura – Itália 1- tendência “estrutural funcionalista” 23 ênfase nos valores da ordem, equilíbrio, segurança social e certeza do direito agrupa juízes conservadores ou moderados defendem a divisão de poderes são adeptos de soluções tradicionais 2 - tendência “conflitivismo pluralista” prevalecem ideias de mudança social defende o reformismo da organização judiciária e da sociedade têm como objetivo o aprofundamento da democracia dentro do marco jurídico- constitucional do Estado de direito 3 - tendência do “conflitismo dicotômico de tipo marxista” os juízes apostam no uso alternativo do direito acreditam na função criadora da magistratura contribuem, pelo direito, na construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária “Todos estes estudos têm vindo a chamar a atenção para um ponto tradicionalmente neglicenciado: a importância crucial dos sistemas de formação e de recrutamento dos magistrados e a necessidade urgente de os dotar de conhecimentos culturais, sociológicos e econômicos que os esclareçam sobre as suas próprias opções pessoais e sobre o significado político do corpo profissional a que pertencem, com vista a possibilitar-lhes um certo distanciamento crítico e uma atitude de prudente vigilância pessoal no exercício das suas funções numa sociedade cada vez mais complexa e dinâmica” (SANTOS, 1986, p. 26). 24 Conflitos sociais e os mecanismos da sua resolução Essa é a terceira contribuição da sociologia para a administração da justiça: os litígios sociais e mecanismos da sua resolução. As contribuições da antropologia são decisivas A antropologia, ao investigar as sociedades simples, mostrar formas de direito e padrões de vida jurídica totalmente diferentes dos existentes nas sociedades complexas exemplos: a. direitos com baixo grau de abstração e apenas discerníveis na solução concreta de litígios; b. direitos com pouca especialização em relação às restantes atividades sociais; c. mecanismos de resolução de litígios caracterizados pela informalidade, rapidez, participação da comunidade, conciliação ou mediação entre as partes por meio de discurso jurídico retórico e persuasivo, assente na linguagem comum; e d. existência, na mesma sociedade, de uma pluralidade de direitos convivendo e interagindo de diferentes formas. Partindo-se da abordagem inaugurada pelas pesquisas etnográficas, seguiram-se abordagens sociológicas, tendo por unidade de análise os litígios e não a norma orientação teórica: pluralismo jurídico. Foram analisados mecanismos de resolução jurídica informal de conflitos existentes nas sociedades contemporâneas e operando à margem do Direito estatal e dos Tribunais oficiais. Segundo Boaventura, os estudos sociológicos sobre conflitos sociais e mecanismos de solução permitiram concluir: a. o Estado moderno ou contemporâneo não tem o monopólio da produção e distribuição do Direito, posto que o Direito estatal coexiste com outros Direitos que com ele se articulam de modos diversos; 25 b. o relativo declínio da litigiosidade civil não significa a diminuição dos conflitos sociais e jurídicos, mas resulta do desvio desses conflitos para outros mecanismos de resolução, informais e mais baratos, existentes na sociedade. Algumas reformas de administração da Justiça que se seguiram influenciadas por estas pesquisas sociológicas: A. Reformas no interior da Justiça civil tradicional: essas reformas atuaram no seguinte sentido: a) reforço dos poderes do Juiz na apreciação da prova e na condução do processo segundo os princípios da oralidade, da concentração e da imediação; b) criação de um novo tipo de relacionamento entre os participantes do processo, mais informal, mais horizontal, visando ao processamento mais inteligível e à participação mais ativa das partes e testemunhas; e c) ampliação e incentivo do uso de conciliação entre as partes sob o controle do Juiz. B. Reformas para a criação de mecanismos informais de resolução de litígios: a) os centros de justiça de bairros nos EUA; b) os conciliadores na França; c) a arbitragem; e d) os mecanismos conhecidos como “Alternative Dispute Resolution” (ADR). PARTE III PARA UMA NOVA POLÍTICA JUDICIÁRIA Em que consiste essa nova política judiciária? 1 – democratização da justiça 26 Um compromisso do judiciário, em sua forma de administrar a justiça com os valores de democratização da vida social, econômica e política. A democratização tem duas vertentes: A. Constituição interna do processo – essa vertente inclui as seguintes orientações: a) maior envolvimento e participação dos cidadãos na administração da Justiça; b) simplificação dos atos processuais e o incentivo à conciliação das partes; c) aumento dos poderes do Juiz; e d) ampliação dos conceitos de legitimidade das partes e do interesse de agir. B. Democratização do acesso à Justiça - orientações: a) criação de um sistema de serviços jurídico-sociais, gerido pelo Estado, com a colaboração das organizações profissionais e sociais e que garanta a igualdade do acesso à Justiça a todos os cidadãos; e b) esse serviço deve eliminar não apenas os obstáculos econômicos, mas, também, os sociais e culturais: esclarecer os cidadãos sobre os seus direitos, sobretudo os de recente aquisição, através de consultas individuais e coletivas e das ações educativas nos meios de comunicação, nos locais de trabalho, nas escolas etc. A democratização possui limites, pois “a desigualdade da protecção dos interesses sociaisdos diferentes grupos sociais está cristalizada no próprio direito substantivo, pelo que a democratização da administração da justiça, mesmo se plenamente realizada, não conseguirá mais do que igualizar os mecanismos de reprodução da desigualdade” (SANTOS, 1986, p. 29). Portanto, além da democratização da administração da Justiça, são necessárias reformas no Direito substantivo Lembrar da ideia de antinomia de avaliação - incriminação da pobreza, crimes tributários, etc 27 Exemplos: 1 - Damásio de Jesus diz que, no plano da tipicidade, o art. 216-A do Código Penal - assédio sexual - é “confuso”, “peca pela limitação da incriminação (parágrafo único vetado) e exagero punitivo (em quantidade, a pena mínima é a mesma do aborto consentido)” (JESUS, Damásio. Código Penal anotado. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 756). 2 - “...é mais fácil sonegar tributos que furtar botijões de gás; do mesmo modo, tipos penais como casa de prostituição, dano, furto qualificado – cuja pena é semelhante à lavagem de dinheiro e superior à sonegação de tributos” (STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2ª ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 133, nota 117). A esse respeito: “Convém [...] apresentar a tese do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1998) explanada em uma conferência proferida em maio de 1995. Para ele, na ordem mundial já existem provas inequívocas da existência de uma vinculação muito próxima ‘...da tendência universal para uma radical liberdade do mercado ao progressivo desmantelamento do estado de bem-estar’. Além disso, essa íntima vinculação, estaria presente também ‘...entre a desintegração do estado do bem-estar social e a tendência a incriminar a pobreza’” (ALVES, 2010, p. 19). RESUMO DAS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA Reforma de direito material ou processual não têm muito significado se também não forem reformados: 1. a organização judiciária para uma justiça democrática internamente: a esse respeito, ver o texto “O Judiciário e a prestação de justiça”, citado nas referências. 2. racionalização da divisão de trabalho: idem 3. nova gestão dos recursos de tempo e de capacidade técnica 4. reforma da formação e dos processos de recrutamento dos juízes – sobre esse aspecto: “As novas gerações de juízes e magistrados deverão ser equipadas com conhecimentos vastos e diversificados (econômicos, sociológicos, políticos) sobre a 28 sociedade em geral e sobre a administração da justiça em particular. Esses conhecimentos têm de ser tornados disponíveis e, sobretudo no que respeita aos conhecimentos sobre administração da justiça...” (SANTOS, 1986, p. 32) – Outro autor José Eduardo Faria, “...em matéria de ensino jurídico e de formação dos operadores do direito, não há mais como se confinar sua cultura técnico-profissional aos rígidos limites formalistas de uma estrutura curricular excessivamente dogmática, na qual a autoridade do professor representa simbolicamente a autoridade da lei e o tom da aula magistral permite ao aluno adaptar-se à linguagem da autoridade”2 REFERÊNCIAS ALVES, Juliano Vieira. Por uma jurisdição republicana: o ideal da soberania popular no processo judicial. Monografia de Pós-graduação Lato Sensu, em Processo Civil. UniCEUB/ICPD, Brasília, 2010. ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Fariñas Introdução à análise sociológica dos sistemas jurídicos; tradução feita por Eduardo Pellew Wilson. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. DESASSO, Alcir. Juizado especial cível: um estudo de caso. In: Maria Tereza Sadek (org.) Acesso à justiça. Série pesquisas n. 23. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 2001. FREITAS, Amílcar Cardoso Vilaça de; COSTA, Elizardo Scarpati. O direito moderno sob a ótica dos clássicos da sociologia: análises e questionamentos. Caderno CRH. Salvador. vol.26, n.69, pp. 639-653. Set. dez., 2013. DIAS, Reinaldo. Sociologia do Direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato social. São Paulo: Atlas, 2009. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 6ª ed. rev. atu. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. SADEK, Maria Tereza; LIMA, Fernão Dias de; ARAÚJO, José Renato de Campos. O judiciário e a prestação de justiça. In: Maria Tereza Sadek (org.) Acesso à justiça. Série pesquisas n. 23. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 2001. SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. Revista Crítica de Ciências sociais, nº 21. Nov. 1986, PP. 11-37. 2 FARIA, José Eduardo. “Introdução: o judiciário e o desenvolvimento sócio-econômico”. In: Jose Eduardo Faria (org.). Direitos Humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 26. 29 30 2. RELAÇÕES SOCIAIS E RELAÇÕES JURÍDICAS. CONTROLE SOCIAL E O DIREITO: CONTROLE SOCIAL E O DIREITO PRESSUPOSTO "Todas as sociedades, sem exceção, são governadas por normas" (SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições jurídicas, evolução e controle social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 245). CONCEITO DE CONTROLE SOCIAL “'conjunto dos recursos materiais e simbólicos de que uma sociedade dispõe para assegurar a conformidade do comportamento de seus membros a um conjunto de regras e princípios prescritos e sancionados' (Boudon; Bourricaud, 1993:101)" (ALVAREZ, Marcos César. Controle social: notas em torno de uma noção polêmica. São Paulo em Perspectiva. 2004, vol.18, n.1. São Paulo, jan./mar. pp. 168-176, 2004, p. 169) "Outra definição: 'esse conceito descreve a capacidade da sociedade de se auto-regular, bem como os meios que ela utiliza para induzir a submissão a seus próprios padrões' (Zedner, 1996:138)" (ALVAREZ, Marcos César. Controle social: notas em torno de uma noção polêmica. São Paulo em Perspectiva. 2004, vol.18, n.1. São Paulo, jan./mar. pp. 168-176, 2004, p. 175, nota nº 3). "...um conjunto de sanções positivas e negativas, especificadas durante o processo de socialização e seus mecanismos, que agem desde cedo para incutir na personalidade valores, normas e modelos normativos, conformando a capacidade individual de estabelecer juízos morais" (SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições jurídicas, evolução e controle social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 244). "...mecanismo utilizado pela sociedade e pelos grupos sociais para que seus membros adotem comportamentos previsíveis e aceitos pela maioria de seus integrantes, evitando-se as condutas desviantes e que podem prejudicar a convivência coletiva" 31 (DIAS, Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato social. São Paulo : Atlas, 2009, p. 172) Georges Gurvitch "conjunto de modelos culturais, símbolos sociais, significados espirituais coletivos, valores, ideias e ideais, assim como também as ações e os processos diretamente relacionados com eles, mediante os quais toda sociedade, todo grupo particular e todo membro individual componente vencem as tensões e os conflitos interiores próprios e restabelecem um equilíbrio interno temporário, o que lhes dá a possibilidade de seguir adiante com novos esforços de criação coletiva" (apud DIAS, Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato social. São Paulo: Atlas, 2009, p. 172). Um mecanismo de controle social pode ser considerado "um processo motivacional em um ou maisatores individuais que tende a neutralizar uma tendência para o desvio do cumprimento das expectativas do papel no próprio ator ou em um ou mais alters. E um mecanismo de reequilíbrio"- NOTA: (Parsons (1970), p. 206 [da coletânea de textos organizada por Castro e Dias, 1992, à p. 231-232].) _________________________ INSTITUIÇÃO ATUANTES Família e outras formadas por laços de parentesco e afetividade. Organizações formais (escola, igreja etc.), por intermédio de seus agentes, profissionais especializados na criação, aplicação e transmissão de padrões sociais. Estado: A ele compete (de acordo com o preâmbulo da Constituição Federal brasileira, por exemplo) garantir aos sujeitos o "exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça". Para sustentar a ordem normativa o Estado regulamenta os atos que dela desviam ou possam colocar em risco a sua estabilidade. Faz isso tendo por base o conceito de justiça e os conflitos sociais, selecionando determinados valores e interesses em detrimento de outros. Para minimizar os atritos que inevitavelmente resultam dessa seleção criteriosa em termos, o Estado (isto é, a ordem jurídica nacional) propõe soluções de compromisso cuja expectativa de existência tem de ser duradoura" (SCURO NETO, 32 Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições jurídicas, evolução e controle social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 245). _________________________ SOCIEDADES SIMPLES "Nas simples ou primitivas, costumes, moralidade e Direito articulavam-se em uma unidade objetiva, formavam um só contexto homogêneo. Impregnado de moralidade e costumes, o Direito era aplicado como se fosse uma vontade grupal — era um "estado da consciência coletiva", em quase nada divergindo do conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade. Nesse contexto tradicional a conduta humana era coagida por normas que "no geral e por definição" correspondiam à "maneira de pensar e de sentir" de cada um, às regras a que todos estavam “acostumados a obedecer" e com as quais "não sofriam", praticamente do mesmo modo que "não sofremos com certas coerções físicas , como as da lei da gravidade (LÉVY-BRUHL, 1988:20). SOCIEDADES COMPLEXAS Por sua vez, em sociedades como a nossa, o Direito passou a ser codificado visando a autonomia individual que, no entanto, se move dentro de limites estreitos, precisamente para dar ênfase à liberdade individual, integridade física, igualdade jurídica e garantia patrimonial. Dessa maneira, no mundo moderno a noção tradicional de codificação adquiriu o caráter de reação contra multiplicidade, obscuridade e dubiedade. A intenção é facilitar o conhecimento e a aplicação prática do sistema normativo, garantindo as tão desejadas convicção do Direito e a segurança da justiça: um Direito que se estende relativamente impermeável a movimentos e mudanças pêlos diversos recantos da vida social é tão importante quanto uma moeda forte, uma vez que aumenta a coesão social e torna os indivíduos e as instituições mais interdependentes. Contudo, malgrado seu dinamismo e foco no indivíduo os quadros sociais do mundo moderno parecem opor-se "a qualquer solução original, a qualquer inovação importante", delimitando a autonomia individual (LEVY-BRUHL, 1988: 21). Com efeito, quanto mais o Direito e o sistema de justiça se transformam em órgãos de 33 integração social, gerando subordinação recíproca e opondo-se à alteração das regras, mais grave e generalizado tende a ser o impacto das perturbações e dos deslocamentos de interesses que as mudanças costumam trazer em seu âmago. Seu objetivo primordial é a preservação da ordem num contexto tão amplo e variado que não pode ser inteiramente controlado (nem mesmo pela ditadura mais sistemática e violenta) ou subvertido (nem mesmo pela revolução mais radical). Razões de ordem prática e metodológica, porém, impõem restrição (ou condicionamento) da perspectiva estrita (jurídica) e referência direta ao sistema de governo. O controle social assume, portanto, a fisionomia de um subsistema de normas (o Direito) sustentado pela autoridade de outro (o Estado), cujos agentes e equipamentos aplicam a lei, e, ao fazê-lo, criam Direito. As funções de investigar e acusar, por exemplo, ficam a cargo de pessoas especializadas, funcionários públicos dotados de recursos e autoridade para tanto. Dependendo das circunstâncias, a tradição jurídica pode admitir — e a legislação confirmar — o privilégio do cidadão ou corpo privado de segurança de dar voz de prisão, investigar uma infração e apresentar o caso diante de um tribunal, tendo por base suas próprias evidências. Personagens famosas, como o detetive Sherlock Holmes, surgiram graças a tal ordem jurídica" (SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica: introdução ao estudo do Direito, instituições jurídicas, evolução e controle social. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 246-247). CONTROLE SOCIAL: CLASSIFICAÇÃO Pedro Scuro Neto descreve os mecanismos de controle social A) IDENTIFICAÇÃO ARTIFICIAL DOS INTERESSES Para compensar problemas de socialização, de personalidade, de valores ou de apatia, a tendência usual é as instituições manipularem facilidades e dificuldades, alocando papéis e recompensas para fins específicos. Quando querem motivar os sujeitos as instituições são descaradamente "behavioristas, empiristas e realistas — ou seja, tentam controlar estímulos e reações, oferecendo ou ameaçando remover objetos e oportunidades com significado físico e emocional para o indivíduo (processo que os psicanalistas chamam de "investimento", ou catexe). Essa identificação artificial de 34 interesses depende de consenso entre diversos tipos de afores e abrange diferentes situações e áreas de um sistema social. Por exemplo, professores e estudantes universitários podem ser motivados por objetos catécticos (salário/ diploma) cujo significado físico e emocional pode inibir, por exemplo, a disposição individual de lutar por melhores e mais dispendiosas condições de ensino. Mesmo se o consenso em relação a esses objetos diminui, a orientação original é mantida com a ameaça ou o receio de desemprego, possibilidade de dificuldades ainda maiores para obter um diploma se o ensino ficar mais rigoroso etc. B) INSULAMENTO Outro mecanismo de controle social é insulamento — isolar o comportamento desviante, interromper o contato do indivíduo com a instituição e com isso restringir suas atividades transgressoras. No exemplo acima, aos professores descontentes restam a demissão e a Justiça do Trabalho, ao passo que aos estudantes insatisfeitos sobram a renúncia à condição acadêmica e o rebaixamento ao papel de simples "consumidor de serviços educacionais"— e ir reclamar ao Procon, ao Ministério Público, aos Juizados Especiais etc. O mesmo tipo de mecanismo é aplicado também a sujeitos submetidos a internação (encarceramento e/ou hospitalização), e no processo de segregação de minorias raciais, étnicas ou religiosas. Isolado, o indivíduo deve vivenciar a própria impotência diante da férrea objetividade dos mecanismos de controle aplicados — é compelido a experimentar uma sensação física e moral, profunda e "peculiar, uma dualidade, um sentimento de estar sempre olhando para si mesmo através dos olhos dos outros e medindo a própria alma com a fita métrica do mundo que o encara atemorizado, com desprezo ou piedade" (SCURO, 2004: 284; DuBOIS, 1903). C) REINTEGRAÇÃO ...intimamente relacionado com o insulamento, focalizado na puniçãoproporcional à seriedade da falta cometida pelo infrator, ou seja, à gravidade da conduta passada. A reintegração, por sua vez, orienta-se ao futuro, tem como objetivo a prevenção do crime, não apenas a incapacitação, mas a sua reabilitação" — que, do ponto de vista jurídico-penal, quer dizer: (l) colocação no status anterior à condenação; (2) suspensão da pena devido a "bom comportamento" durante o período de cumprimento da pena; e (3) extinção total ou parcial da incapacitação e interdição decorrentes da sentença. 35 OUTRA CLASSIFICAÇÃO PERSUASÃO: "...é realizada ao longo do tempo, através do processo de socialização, no qual o indivíduo internaliza as normas e as aceita, gerando, portanto, uma conduta coerente e esperada. Desse modo, obtém-se o consenso social como resultado da persuasão". COERÇÃO: "...é um recurso utilizado quando ocorre um desvio de conduta prejudicial à estabilidade social. Nesse caso, o controle social coercitivo tem como objetivo corrigir o comportamento daqueles membros da sociedade que divergem da normatividade vigente. Pode ser adotada a violência moral, e às vezes o recurso à violência física, para enquadrar o comportamento dentro dos padrões socialmente aceitos, utilizando-se para tanto, métodos e recursos de intensidade variável, como, por exemplo, a sanção penal" (DIAS, Reinaldo. Sociologia do direito: a abordagem do fenômeno jurídico como fato social. São Paulo: Atlas, 2009, p. 171). Três características da modalidade de controle social nas sociedades complexas - direito. As normas de conduta são: a) explícitas, indicando à população de forma exata e clara aquilo que não deve fazer; b) protegidas pelo uso de sanções; c) interpretadas e aplicadas por agentes oficiais Sabadell, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 139. "Quando David Garland (2008) conceituou o fenômeno do encarceramento em massa, chamou a atenção para a focalização sobre grupos sociais específicos, tal como ocorre em São Paulo com a população jovem, negra e residente nos bairros de periferia" (SINHORETTO, Jacqueline; SILVESTRE, Giane; MELO, Felipe Athayde Lins de. O encarceramento em massa em São Paulo. Tempo Social. Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. v. 25, n. 1, jun. 2013). 36 37 TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E DIREITO: TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E DIREITO Na análise da relação entre o direito e mudança social, a pergunta que se faz é a seguinte: "O contexto social (sistema de produção, cultura, interesses, ideologias, forças políticas) determina o direito ou é o direito que determina a evolução social?" "Uma parte dos estudiosos entende que o direito, como manifestação social, é determinado pelo contexto sociocultural: a sociedade produz o direito que lhe convém. Dentro desta perspectiva, os autores mais críticos sustentam que existe apenas uma imposição de interesses por parte dos grupos que exercem o poder. Estes conseguem impor aos sujeitos mais fracos as regras de conduta que permitem reproduzir, em nível normativo, a dominação social. Em uma posição contrária, situam-se os autores que entendem que o direito é um fator determinante dos processos sociais. Os autores que adotam esta perspectiva entendem que o direito possui a capacidade de determinar o contexto social, de atuar sobre a realidade e de mudá-la. Por exemplo, uma lei sobre um novo problema social, ou uma mudança nas normas promovida por um novo governo, poderá conseguir impor aos membros de uma comunidade novos tipos de comportamento. A primeira posição é considerada como realista; a segunda posição tem um caráter idealista, porque se fundamenta na hipótese de que uma vontade exprimida por meio de um mandamento ("dever ser", norma jurídica) pode mudar a realidade. Porém, com relação a este tema entendemos ser possível sustentar uma terceira posição que nos permite conciliar as duas supracitadas. O direito é, em geral, configurado por interesses e necessidades sociais, ou seja, é produto de um contexto sociocultural. Isto não impede que o mesmo possa influir sobre a situação social, assumindo um papel dinâmico. Em outras palavras, o direito exerce um duplo papel dentro da sociedade: ativo e passivo. Ele atua como um fator determinante da realidade social e, ao mesmo 38 tempo como um elemento determinado por esta realidade. Dentro deste contexto, identificam-se as pressões dos grupos de Poder que Podem induzir tanto para que se de a elaboração de determinadas regras bem como para que as regras em vigor não sejam cumpridas, levando a um processo de anomia generalizado. Esta análise permite superar "os modelos de relação causal simples" entre direito e sociedade" (SABADELL, 2013, p. 88) "Soriano (1997 pp. 311-312) afirma que a relação entre direito e mudança social se concretiza da seguinte forma: a) O direito é uma variável dependente, ou seja, um fenómeno social que muda historicamente em função de outros fenómenos. A relação entre os grupos e as classes sociais, definida principalmente pelo fator económico, determina as estruturas jurídicas. O direito pode ser, então, considerado como um produto de interesses sociais, que dependem das relações de dominação em cada sociedade. Porém, a determinação social do direito não significa que este seja produto de um único fator social ou da vontade de uma classe. Além dos interesses económicos, o direito é influenciado por elementos de ordem física, tais como as invenções e as tecnologias, e também por valores éticos-culturais assumidos pelos povos de várias regiões do mundo (pensem na diferença do direito entre países de tradição cristã e de tradição muçulmana). Um peso particular possui, finalmente, a tradição jurídica de cada País' que não muda de um dia para o outro com base nas mudanças sociais. Assim se explica a defasagem entre a evolução da moral social e a imobilidade do sistema jurídico que já constatamos no caso dos delitos sexuais. A importância da tradição jurídica explica também o fato de que países com semelhantes estruturas política e econômica possuem sistemas jurídicos totalmente diferentes, como mostra o exemplo do direito francês (fundamentado na lei escrita) confrontado com o direito inglês (fundamentado no caráter vinculante da jurisprudência)" (SABADELL, 2013, pp. 91-92). "De conformidade com a tendência predominante em sociologia, Parsons toma como ponto de partida a hipótese de que todas as sociedades existem normalmente em um estado de equilíbrio imutável, que é homeostaticamente preservado. Elas mudam, supõe ele, quando esse estado normal de equilíbrio social é perturbado, por exemplo, pela violação de normas sociais. Pela quebra da conformidade. A mudança social surge, assim, 39 como um fenómeno resultante da disfunção acidental, externamente motivada, de um sistema social normalmente bem equilibrado. Além do mais, a sociedade assim perturbada se esforça, na opinião de Parsons, para voltar ao estado de repouso. Mais cedo ou mais tarde, segundo ele, um "sistema" diferente, com um equilíbrio diferente, é estabelecido, que mais uma vez se mantém mais ou menos automaticamente, a despeito de oscilações, no estado dado. Em uma palavra, o conceito de mudança social refere-se aqui a um estado transitório entre dois estados normais de imutabilidade, provocado por uma disfunção" (ELIAS, 2004, pp. 221-222). VERSÃO TEÓRICA Igor Suzano Machado: Professor da Universidade Federal de Viçosa, MinasGerais, Brasil MACHADO, Igor Suzano. Jurisdição, hegemonia e integridade: uma Visão pós-estruturalista sobre o direito e sua relação com a sociedade e a política no Brasil. Dados. 2013, vol.56, n.4, pp. 943-974. DIREITO E SOCIEDADE EM TRANSIÇÃO NO NÍVEL MACRO: REFLEXÕES SOBRE AS INSTITUIÇÕES JUDICIAIS Em 1978, Philippe Nonet e Philip Selznick escreveram um profícuo livro chamado Law and Society in Transition: Toward Responsive Law (2010). Neste livro os autores desenvolvem uma interessante reflexão sociológica sobre a situação do direito e das instituições jurídicas dos Estados Unidos naquele momento. Como os Estados Unidos têm espalhado a sua influência política em todo o mundo, as questões tratadas no livro se tornaram referências importantes para um grande número de países que organizaram suas instituições políticas e jurídicas influenciados de alguma maneira pelo sistema norte- americano, de que é exemplo, inclusive, o Brasil. Fundamentalmente, Nonet e Selznick argumentam em seu livro que podemos classificar as instituições judiciais como instituições de um direito repressivo, autônomo ou responsivo. Estas definições do direito correspondem a três tipos ideais que poderiam ser usados para classificar sistemas judiciais específicos, na medida em que suas características sejam identificadas em maior medida com o modelo repressivo, autônomo ou responsivo23. Estas características seriam reações ao ambiente sociopolítico em que as instituições judiciais estariam inseridas. No caso do Direito repressivo, o Judiciário 40 estaria inserido em um contexto de consolidação da instância política. Portanto, suas instituições procurariam impor e manter uma ordem desejada pelas elites políticas e não por toda a comunidade (Nonet e Selznick, 2010:75). Como a coerção e a manutenção da ordem são características de qualquer sistema judicial, o direito repressivo guarda semelhanças com qualquer sistema jurídico. Apesar disto, deve-se ter em mente que o Direito não se limita ao uso da coerção, mas, sim, combina este uso com uma reivindicação de legitimidade do poder político. E no que diz respeito à dimensão de ser uma instância de legitimação do poder político, o direito repressivo é, em grande medida, deficiente. É por isto que Nonet e Selznick apresentam, como uma evolução do direito repressivo, o direito autônomo, que tem como objetivo fornecer uma base mais sólida para a legitimidade do poder político em uma sociedade dotada de maior complexidade e diversidade (Nonet e Selznick, 2010:100). O objetivo do direito autônomo, como uma evolução do modelo repressivo, seria estabelecer um governo das leis, em vez de um governo dos homens. No modelo autônomo, todos, governantes e governados, estão sujeitos à mesma ordem jurídica e sistema judicial. Esta natureza universal do seu "modelo de regras" proporciona ao direito autônomo os recursos necessários para a manutenção da legitimidade política em uma sociedade complexa. Ainda assim, a sua justiça estritamente for mal e processual se mostrou incapaz de enfrentar algumas injustiças substantivas já fortemente sedimentadas. Focando seus procedimentos e estando vinculado à obediência estrita às regras prescritas pelo legislador, um sistema judicial autônomo torna- se insensível às demandas sociais por justiça substantiva e sua autonomia degenera em isolamento. E se, por um lado, o direito repressivo, no seu desejo de manter a ordem, foi insensível à dimensão exigida pelo Direito de promover a legitimidade, por outro lado, o direito autônomo, com o objetivo de superar os problemas do direito repressivo, acabou negligenciando uma outra dimensão essencial para o Direito: a promoção da justiça. Neste contexto, há uma demanda por um novo tipo de direito. Nonet e Selznick chamam este novo tipo de direito de direito responsivo. A transição do direito autônomo ao direito responsivo implica uma abertura das instituições judiciais ao seu meio ambiente, entendido como uma fonte de auto correção. O modelo de regras é enfraquecido, a equidade não é mais cega para as desigualdades sociais e a desobediência nem sempre é considerada uma ofensa ao sistema jurídico (Nonet e Selznick, 2010:127). 41 A transformação e evolução sociológica do Direito, descrita por Nonet e Selznick como a transição do direito repressivo para o direito autônomo e do direito autônomo para o direito responsivo - lembrando que os três modelos são tipos ideais que não refletem as realidades empíricas com exatidão - possui consequências nas reflexões da teoria jurídica. Por exemplo, a transição entre o direito autônomo e o direito responsivo resultou na passagem de uma teoria jurídica positivista - focada no aspecto formal para a compreensão da identidade da norma jurídica - a uma teoria jurídica que tenta ir além do positivismo - seja num positivismo inclusivo, que busca ascrescentar às regras de reconhecimento da norma jurídica uma dimensão moral, seja numa versão mais abertamente antipositivista, como na teoria de Dworkin. Assim como argumentei que esta transformação da teoria jurídica pode ser entendida no âmbito de uma teoria do discurso, defendo que a transformação das instituições judiciais também pode. E o trabalho de Nonet e Selznick se apresenta como uma reflexão na qual isto pode ser observado. Tendo isto em vista, acredito que as transições entre o direito repressivo, o direito autônomo e o direito responsivo podem ser descritas como uma rearticulação de elementos discursivos em novas cadeias de significado. Conforme foi dito, para Nonet e Selznick as noções de direito repressivo, autônomo e responsivo seriam reações do Direito ao ambiente sociopolítico em que as instituições judiciais estariam inseridas. Desta forma, a mudança e transição entre os modelos podem ser consideradas repostas a momentos de deslocamento, que, assim, são tentativas de reconstrução hegemônica, dotando o sistema de unidade por meio da elevação do que seria apenas um de seus elementos particulares como sendo a característica determinante da estrutura como um todo. Isto é visto claramente na cadeia discursiva unificada sob o significante vazio "ordem" (no direito repressivo), que é subvertida por uma cadeia discursiva unificada sob o significante vazio "legitimidade" (no direito autônomo), destacando que o caminho reverso também pode ser feito, como é subentendido na noção de hegemonia de Laclau e Mouffe, e posto em destaque também por Nonet e Selznick, quando, apesar de sua postura abertamente evolucionista, no epílogo do seu livro destacam as formas como o "direito pode morrer" (Nonet e Selznick, 2010). É menos claro, no entanto, na transição entre o direito autônomo e o responsivo - talvez pelo sistema judicial responsivo ser mais do que o sistema judicial contemporâneo, sendo uma promessa ainda a ser alcançada. Mesmo assim, penso que isto se deve mais à abertura típica do direito responsivo que, em vez de 42 dar ao Direito um novo princípio de fechamento, destaca a contingência deste princípio. De acordo com o pensamento de Claude Lefort, posto em destaque no início do artigo, assim como a política democrática, o direito responsivo explicitaria, em alguma medida, o caráter hegemônico - e contingente - da articulação de seu conteúdo. 43 3. DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA: SOCIOLOGIA DO DIREITO DIREITO, COMUNICAÇÃO SOCIAL E OPINIÃO PÚBLICA TEXTO BASE DA AULA: SANTOS, Boaventura de Sousa, “Os tribunais e as novas tecnologias de comunicação e de informação”, Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 13, jan/jun 2005, p. 82-109. Ver depois: Apenas
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