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CAC IGOR PEREIRA PINHEIRO Promotor de Justiça do MPCE; Especialista, Mestre e Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela ULISBOA; Autor dos livros “Crimes Eleitorais e Conexos”, “Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral”, “Nova Lei de Improbidade Administrativa Comentada”, “Crimes Licitatórios” e Coordenador de outras obras jurídicas (destacando- se “Manual de Jurisprudência Comentada na Visão do STF, STJ e TSE” , “Leis Penais Especiais Comentadas” e “Nova Lei de Licitações Comentadas”, todas publicadas pela Editora Mizuno. Professor-Convidado de Diversas Escolas da Magistratura e do Ministério Público no Brasil; Foi Membro do Grupo de Atuação Especial de Defesa ao Patrimônio Público do Ministério Público do Estado do Ceará (GEDPP); Foi Coordenador do Grupo Auxiliar da Procuradoria Regional Eleitoral do Ceará (GAPEL). Coordenador Editorial de Direito Administrativo e Direito Eleitoral do Grupo Mizuno. Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral - 4ª Edição © Igor Pereira Pinheiro. Revisão: Igor Pereira Pinheiro EDITORA MIZUNO 2022 Catalogação na publicação Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos - CRB-8/9166 P654 Pinheiro, Igor Pereira Condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral / Igor Pereira Pinheiro. – 4. ed. – Leme-SP: Mizuno, 2022. 552 p.; 17 X 24 cm ISBN 978-65-5526-422-7 1. Direito eleitoral. I. Pinheiro, Igor Pereira. II. Título. CDD 342.8107 Índice para catálogo sistemático I. Direito eleitoral Nos termos da lei que resguarda os direitos autorais, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial destes textos, inclusive a produção de apostilas, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, reprográficos, de fotocópia ou gravação. Qualquer reprodução, mesmo que não idêntica a este material, mas que caracterize similaridade confirmada judicialmente, também sujeitará seu responsável às sanções da legislação em vigor. A violação dos direitos autorais caracteriza-se como crime incurso no art. 184 do Código Penal, assim como na Lei n. 9.610, de 19.02.1998. O conteúdo da obra é de responsabilidade dos autores. Desta forma, quaisquer medidas judiciais ou extrajudiciais concernentes ao conteúdo serão de inteira responsabilidade dos autores. Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA MIZUNO Rua Benedito Zacariotto, 172 - Parque Alto das Palmeiras, Leme - SP, 13614-460 Correspondência: Av. 29 de Agosto, nº 90, Caixa Postal 501 - Centro, Leme - SP, 13610- 210 Fone/Fax: (0XX19) 3571-0420 Visite nosso site: www.editoramizuno.com.br e-mail: atendimento@editoramizuno.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil SUMÁRIO PARTE I BREVES NOTAS SOBRE A CORRUPÇÃO NO BRASIL E AS MODALIDADES DE CONDUTAS VEDADAS COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA DA IGUALDADE NO ANO ELEITORAL 1 – O Instituto das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos Como Mecanismo de Prevenção e Repressão à Enraizada Corrupção no Ano Eleitoral. 2 – Dados Estatísticos que Demonstram a Continuidade da Prática (em Larga Escala) de Corrupção no Brasil, Tanto nas Eleições como nas Gestões que lhes Sucedem. PARTE II COMO CIDADÃOS, INSTITUIÇÕES E PARTIDOS POLÍTICOS PODEM CONTRIBUIR COM A PREVENÇÃO E REPRESSÃO À CORRUPÇÃO 3 – Breve Introdução. 3.1 – Quanto ao Poder Judiciário Eleitoral. 3.1.1 – Modificações Estruturais. 3.1.2 – A Necessária Revisão de Algumas Posições Jurisprudenciais que Impedem a Efetividade do Sistema Anticorrupção na Área Eleitoral. 3.1.3 – Alterações Recentes da Jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que Fortaleceram o Combate à Corrupção Eleitoral. 3.2 – Quanto ao Ministério Público Eleitoral. 3.2.1 - Modificações do Planejamento Institucional para o Ano Eleitoral. 3.2.2 – Mudanças de Paradigmas Fiscalizatórios. 3.3 – Quanto aos Advogados Eleitorais. 3.4 – Quanto aos Eleitores em Geral. 3.5 – Quanto ao Poder Público. PARTE III TEORIA GERAL DO DIREITO ANTICORRUPÇÃO E SEUS REFLEXOS NA ÁREA POLÍTICO-ELEITORAL 4 – O Direito Fundamental Anticorrupção, os Mandados Constitucionais Anticorrupção e seus Reflexos no Direito Eleitoral. 5 – A Supralegalidade dos Tratados e Convenções Internacionais Anticorrupção e a Proibição de Retrocesso (Tutela Mínima Anticorrupção). 5.1 - Retrocessos Legislativos Anticorrupção Aprovados em 2021 e seus Efeitos na Área Eleitoral. PARTE IV O MICROSSISTEMA ANTICORRUPÇÃO ELEITORAL E A TEORIA GERAL DAS CONDUTAS VEDADAS 6 - Microssistemas Anticorrupção no Brasil. 7 – Características das Condutas Vedadas Cíveis-Eleitorais (Estrito Senso). 7.1 – Legalidade Estrita. 7.2 – Especialidade normativa em relação ao abuso de poder político. 7.3 – Finalidade Eleitoral Presumida (Regra Geral). 7.4 – Ilícito de Mera Conduta (Potencialidade Presumida) e Não Cumulatividade Automática das Sanções. 7.5 – Responsabilidade Objetiva, Individual e Progressiva dos Infratores na Aplicação da Multa. 7.6 – Imprescindibilidade do Elemento Subjetivo da Conduta (culpa ou dolo) para a Condenação à Sanção de Cassação do Registro ou do Diploma. 7.7 – Incidência Temporal Variável e Prazo Decadencial Uniforme. 7.8 – Incidência em Todos os Níveis Federativos, salvo as Exceções Expressas em Lei. 7.9 – Necessidade da Participação de, pelo menos, um Agente Público (De Direito ou De Fato) e a Questão do Litisconsórcio Necessário. 7.10 – A Interdisciplinaridade das Condutas Vedadas Cíveis-Eleitorais. PARTE V TEORIA E PRÁTICA DAS CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM ANO ELEITORAL 8 – Análise Teórica E Prática Das Condutas Vedadas Cíveis-Eleitorais. 8.1 – Cessão e Uso de Bens Públicos. 8.1.1 – Análise Doutrinária 8.1.2 – O Uso dos Bens de Uso Comum do Povo (Conduta Vedada) x Captação de Imagens de Bens Públicos (Conduta Lícita) 8.1.3 – Incidência Temporal 8.1.4 – Exceções Legais 8.1.5 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, I 8.1.6 – Casos Práticos Julgados pelos Tribunais Eleitorais 8.2 – Uso dos Materiais ou Serviços Custeados pelos Governos e Casas Legislativas. 8.2.1 – Análise Doutrinária 8.2.2 – Incidência Temporal 8.2.3 – Exceções Legais 8.2.4 – Ilícitos Correlatos ao artigo 73, II. 8.2.5 – Casos Práticos Julgados pelos Tribunais Eleitorais. 8.3 – Cessão de Agentes Públicos para Campanha. 8.3.1 – Análise Doutrinária 8.4 – Distribuição de Bens (Aspectos Gerais). 8.4.1 – Uso Eleitoral de Programas Sociais de Distribuição Gratuita de Bens. 8.4.1.1 – Análise Doutrinária 8.4.1.2 – Inexistência de Exceção e o Direito do Gestor Divulgar as Ações Realizadas 8.4.1.3 – Incidência Temporal 8.4.1.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, IV 8.4.2 – Distribuição Gratuita de Bens, Valores ou Benefícios pela Administração Pública Durante o Ano Eleitoral. 8.4.3 – A Análise Doutrinária. 8.4.2.2 – Exceções Legais 8.4.2.3 – Incidência Temporal 8.4.2.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, §10 8.4.2.6 – Casos Práticos Julgados pelos Tribunais Eleitorais 8.5 – Admissão e Dispensa do Serviço Público. 8.5.1 – Análise Doutrinária 8.5.2 – Exceções Legais 8.5.3 – Incidência Temporal 8.5.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, V 8.5.5 – Casos Práticos Julgados pelos Tribunais Eleitorais 8.6 – Realização de Transferências Voluntárias de Recursos. 8.6.1 – Análise Doutrinária. 8.6.2 – Exceções. 8.6.3 – Incidência temporal. 8.6.4 Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, VI, “a”. 8.7 – Publicidade Institucional. 8.7.1 – Publicidade Institucional Durante o Ano Eleitoral. 8.7.1.1 – Análise Doutrinária 8.7.1.2 – Exceções 8.7.1.3 – A Polêmica do Uso dos Perfis Privados para a Divulgação de Atos Institucionais e a Incidência ou Não da Proibição de Promoção Pessoal dos Gestores Públicos ou Pré- Candidatos 8.7.1.3 – Incidência Temporal. 8.7.1.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 74. 8.7.1.5 – Casos Práticos Julgados pelos Tribunais Eleitorais. 8.7.2 – Publicidade Institucional Entre os Três Meses que Antecedem o Pleito Até o Fim das Eleições. 8.7.2.1 – Análise Doutrinária. 8.7.2.2 – Exceções e Necessidade de Prévia Autorização Judicial. 8.7.2.3 – Incidência Temporal 8.7.2.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, VI, “b”8.7.2.5 – Casos Práticos Julgados pelos Tribunais Eleitorais. 8.7.3 – Gastos com Publicidade Oficial. 8.7.3.1 – Análise Doutrinária 8.7.3.2 – Exceção 8.7.3.3 – Incidência Temporal. 8.7.3.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, VII. 8.7.3.5 – Casos Práticos Julgados pela Justiça Eleitoral. 8.8 – Pronunciamento em Cadeia de Rádio e Televisão. 8.8.1 – Análise Doutrinária. 8.8.2 – Exceção. 8.8.3 – Incidência Temporal. 8.8.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, VI, “c”. 8.9 – Revisão Geral da Remuneração dos Servidores Públicos. 8.9.1 – Análise Doutrinária. 8.9.2 – Exceção. 8.9.3 – Incidência Temporal. 8.9.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 73, VIII. 8.9.5 – Casos Práticos Julgados pelos Tribunais Eleitorais. 8.10 – Vedações Referentes a Inaugurações de Obras Públicas e ao Comparecimento de Candidatos em tais Eventos. 8.10.1 – Análise Doutrinária. 8.10.2 – Exceção. 8.10.3 – Incidência Temporal. 8.10.4 – Ilícitos Correlatos ao Artigo 75. 8.10.5 – Casos Práticos Julgados pelos Tribunais Eleitorais. PARTE VI ASPECTOS PROCESSUAIS 9 – Ações Eleitorais Cabíveis para Suspender e Reprimir as Condutas Vedadas Cíveis-Eleitorais. 10 – O Poder de Polícia dos Juízes Eleitorais para Determinar a Suspensão de Qualquer Conduta Vedada Durante todo o Ano Eleitoral. 11 – Da Ação pela Prática de Conduta Vedada. 11.1 – Rito Processual Aplicável e Nulidade pelo Descumprimento. 11.2 – Competência. 11.3 – Prazos (inicial e final) para Ajuizamento. 11.4 – Legitimidade Ativa. 11.5 – Legitimidade Passiva. 11.6 – Petição Inicial (requisitos, emenda e indeferimento). 11.7 – Desistência da Ação. 11.8 – Providências do juiz após a admissibilidade positivo sobre a petição inicial. 11.9 – Prazo para Julgamento. 11.10 – Quórum para Julgamento 11.11 – Efeitos da Decisão. 11.12 – Resolução n°23.608/2019. 11.13 – Resolução TSE n°23.478/2016. 12 – Aspectos Processuais das Ações Eleitorais Voltadas a Combater o Abuso de Poder. 12.1 – Tipos de Abuso de Poder no Direito Brasileiro. 13 – Da Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo (AIME) . 14 – Da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE). 14.1.3 – Legitimidade passiva. PARTE VII CONDUTAS VEDADAS CRIMINAIS ELEITORAIS 15 – Das Condutas Vedadas Criminais Eleitorais. 15.1 – Coação eleitoral moral praticada por servidor público. Breve introdução ao tipo. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do crime. Condutas. Tipicidade subjetiva. Consumação e tentativa. 15.2 Utilização de serviços e bens públicos a favor de partido ou organização de caráter político. Breve introdução ao tipo. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do crime. Condutas. Tipicidade subjetiva. Consumação e tentativa. 15.3 Uso de veículos ou embarcações oficiais em campanha eleitoral. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do crime. Conduta. Atipicidade prevista na legislação eleitoral. Tipicidade subjetiva Consumação e tentativa O processo eleitoral hígido tem como pressuposto a igualdade de oportunidades entre os (pre ́)-candidatos, partidos políticos, coligac ̧o ̃es e, mais recentemente, federac ̧o ̃es partida ́rias. Dentre os va ́rios fatores que podem desequilibrar essa meta do ordenamento jurídico, destaca-se o uso da “ma ́quina pu ́blica” pelos governantes de planta ̃o, o que, infelizmente, ainda é uma uma realidade institucional no Brasil. Ciente disso, o legislador instituiu as chamadas condutas vedadas aos agentes pu ́blicos em ano eleitoral, cuja previsão encontra-se entre os artigos 73 a 77 da Lei no9.504/97, tendo como sanc ̧o ̃es possíveis a multa, a cassac ̧a ̃o do registro ou mandato, sem prejuízo de outras previstas na Constituição Federal e na legislação extravagante (administrativa, cível e criminal). A presente obra nasceu - e continua - com o propo ́sito de analisar todos os aspectos materiais e processuais das condutas vedadas aos agentes pu ́blicos em ano eleitoral, tendo sido realizado também um estudo dos crimes eleitorais relacionados com a temática. A 4ª edic ̧a ̃o foi totalmente revista e ampliada, com novos comenta ́rios doutrina ́rios, casos práticos e, sobretudo, julgados do TSE e TRE's de todo o Brasil. Ale ́m disso, foram estudados os impactos da nova lei de improbidade administrativa (Lei n°14.230/2021) na seara eleitoral e, em especial, na caracterizac ̧a ̃o e punic ̧a ̃o das condutas vedadas. Agradecemos, mais uma vez, a carinhosa acolhida da comunidade jurídica e dos Tribunais Eleitorais, que nos honram com citac ̧o ̃es em julgados sobre o tema. Ressalto, por fim, que continuamos a ̀ disposic ̧a ̃o para críticas e sugesto ̃es pelo e-mail igorppinheiro83@hotmail.com ou Instagram @profigorpinheiro. Grande abraço a todos! Igor Pereira Pinheiro 1 – O Instituto das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos Como Mecanismo de Prevenção e Repressão à Enraizada Corrupção no Ano Eleitoral. Conta a historiografia nacional que o processo de descobrimento e colonização do Brasil foi marcado por uma cultura corrupta e personalista, tendo como marco referencial inicial a carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao Rei Dom Manuel, já em 01.05.1500, com o pedido explícito de que seu genro (Jorge de Osório) fosse enviado à terra recém-descoberta por mero desejo pessoal daquele capitão náutico.1 De lá para cá, houve uma institucionalização de condutas desviadas por parte dos detentores do poder, cuja característica marcante sempre foi - e continua sendo, infelizmente - a confusão entre o público e o privado, isto é, o uso e o abuso do poder em benefício particular, próprio ou de terceiros apaniguados. Merece destaque que desde os tempos imperais, a legislação sempre procurou combater práticas desse jaez, podendo-se citar que as Ordenações Filipinas (nos Títulos LXXI e LXXIV) já previam disposições normativas contra a corrupção praticada por agentes públicos, o que veio se aperfeiçoando a nível nacional e, até mesmo, internacional.2 Dentro desse contexto, ao longo do tempo, foram sendo aprovadas no Brasil3 diversas medidas que restringem a atuação dos agentes públicos em ano eleitoral, nos diversos níveis legislativos e administrativos de nossa federação, exatamente para prevenir - e punir, no caso de descumprimento - o uso da máquina administrativa com fins político-partidários, cujo título genérico é o das condutas vedadas lato senso. Ocorre que o mal a ser combatido (o uso da estrutura pública em prol de projetos políticos) foi facilitado - e muito, diga-se de passagem - com a promulgação da Emenda Constitucional nº 16/97, que permitiu a reeleição em nosso país para os ocupantes da Chefia do Poder Executivo, pois houve uma oficialização da antes informal diferença entre as candidaturas apoiadas pelo poder político de plantão, tornando mais difícil ainda (na verdade, quase impossibilitando) que a representação popular ocorra por intermédio de processo eleitoral marcado pela igualdade de oportunidades. Assim, com vistas a “reforçar” todas as disposições constitucionais, legais e administrativas já existentes na ordem jurídica nacional sobre o agir dos agentes públicos em ano eleitoral (o que chamamos de condutas vedadas lato senso), merece registro a aprovação da Lei das Eleições (em especial os artigos 73 a 77), que proibiu taxativamente a prática de determinadas condutas antirrepublicanas4 e antidemocráticas ainda comuns no dia a dia da gestão pública brasileira, cujo título legal foi exatamente o de “condutas vedadas”,5 mas que chamaremos nessa obra de condutas vedadas cível-eleitorais, para contrapô-las aos crimes eleitorais que também restringem a atuação dos agentes públicos. Pode-se dizer, portanto, que essas condutas vedadas cíveis-eleitorais integram o sistema brasileiro anticorrupção, sendo correto conceituá-las como as previsões normativas específicas (artigos 73 a 77, da Lei nº 9.504/97) voltadas a punir todo aquele que use a estrutura pública (material ou imaterial) em benefício próprio ou de terceiro (pré-candidato, candidato, partido político ou coligação), durante todo o ano eleitoral ou certo período dele (a depender da hipótese legal), e que traz como consequência (já presumidapela lei - vide caput do artigo 73, da Lei nº 9.504/97) o desequilíbrio do pleito pela violação da igualdade de oportunidades que deve ser assegurada aos players do jogo democrático de acesso aos cargos políticos, cuja prática enseja a suspensão imediata e a aplicação da cassação do registro ou do diploma, bem como aplicação de multa no valor de cinco a cem mil UFIR. Portanto, resumindo as diferenças entre as categorias de condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral, podemos apresentar o seguinte quadro- resumo: Condutas Vedadas Lato Senso Condutas Vedadas Cíveis- Eleitorais Condutas Vedadas Criminais Eleitorais São todos os princípios e regras, de natureza administrativa, cível ou criminal, que direcionam e limitam, no ano eleitoral, o comportamento dos agentes políticos e públicos da Administração Pública Direita ou Indireta (em todos os níveis federativos), bem como das pessoas jurídicas que com ela se relacionam, cuja finalidade é garantir que a sua atuação seja pautada sempre para a consecução do interesse público e evitar o desvirtuamento do agir administrativo para finalidades eleitoreiras. Abrange, portanto, uma plêiade normativa ampla (Constituição Federal, Código Penal, Código Eleitoral, Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei de Improbidade Administrativa, Crimes de Responsabilidade etc), cuja competência é concorrente e variável a partir da caracterização de cada ilícito. É o que ocorre, por exemplo, com um ato violador da moralidade administrativa (usemos o exemplo já citado da “compra de São todas as previsões normativas especificamente descritas pela lei eleitoral (artigos 73 a 77, da Lei nº 9.504/97) voltadas a punir todo aquele que use a estrutura pública (material ou imaterial) em benefício próprio ou de terceiro (pré- candidato, candidato, partido político ou coligação), durante todo o ano eleitoral ou certo período dele (a depender da hipótese legal), e que traz como consequência (já presumida pela lei - vide caput do artigo 73, da Lei nº 9.504/97) o desequilíbrio do pleito pela violação da igualdade de oportunidades que deve ser assegurada aos players do jogo democrático de acesso aos cargos políticos,6 cuja prática enseja a aplicação das sanções de suspensão imediata, cassação do registro ou do diploma, bem como aplicação de São todos os delitos previstos nas leis eleitorais que punem na perspectiva criminal a quebra do dever de imparcialidade estatal diante do pleito, ou o uso da estrutura público- privada em favor de partidos, coligações e candidaturas. Estão dispostos no apoio político), que poderá dar ensejo ao ajuizamento de uma ação popular por qualquer cidadão (artigo 5º, LXXIII, da CF/88), de uma ação de improbidade administrativa por parte do Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada (artigo 17, da Lei nº 8.429/92), ambas de competência da Justiça Comum (Estadual ou Federal, conforme as regras ordinárias da Constituição Federal e do Código de Processo Civil), o que não exclui a possibilidade de ajuizamento de uma ação penal eleitoral por corrupção eleitoral (artigo 299, do Código Eleitoral), se restar comprovado que o voto foi garantido como contrapartida do loteamento de cargos e empregos, ou da ação de investigação judicial eleitoral (artigo 22, da Lei Complementar nº 64/90) e da ação de impugnação ao mandato eletivo (artigo 14, §10, da Constituição Federal). Outro exemplo seria o disposto no artigo 36-B, da Lei n°9.504/97, segundo o qual “será considerada propaganda eleitoral antecipada a convocação, por parte do presidente da República, dos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições.” multa no valor de cinco a cem mil UFIR. São, portanto, ilícitos eleitorais de natureza cível e que podem representar atos de improbidade administrativa e outras infrações constitucionais, administrativas, políticas e penais, como se vê do disposto no artigo 78, da Lei nº 9.504/97, segundo o qual “a aplicação das sanções cominadas no art. 73, §§4º e 5º, dar-se-á sem prejuízo de outras de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes”. Sobre as consequências jurídicas das condutas vedadas cíveis-eleitorais ou estrito senso, ainda existe a possibilidade da inelegibilidade, desde que seja aplicada a pena capital da cassação do registro ou do diploma do candidato, conforme aponta a jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)7. Nesse caso (das condutas vedadas estrito senso), a competência para o julgamento será sempre da Justiça Eleitoral, ficando as outras infrações a cargo da respectiva seara responsável, que pode ser política ou judicial. Código Eleitoral (artigos 299, 300; 346 c/c 377; 354-A), na Lei das Eleições (artigo 40) e na Lei n° 6091/74 (artigo 11, V). Pois bem, dito isso, vejamos quais são as condutas vedadas cíveis-eleitorais que estudaremos na presente obra: MODALIDADE TIPIFICAÇÃO LEGAL PERÍODO DE INCIDÊNCIA ÂMBITO DE INCIDÊNCIA Uso de Bens Públicos 1 - Artigo 37, §3°, da Lei n °9.504/97: Nas dependências do Poder Legislativo, a veiculação de propaganda eleitoral fica a critério da Mesa Diretora. * Reputamos esse artigo inconstitucional por violação aos princípios da isonomia, impessoalidade e moralidade administrativa. Porém, considerando a presunção de constitucionalidade das leis, se houver ato normativo interno, só poderá ser usado Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. espaço da Casa Legislativa para a realização de propaganda eleitoral a partir do dia 16 de agosto, findando no dia 02 de outubro de 2022 (data extraída a partir do disposto no artigos 36 caput c/c artigo 57-A, da Lei nº 9.504/1997, bem como artigos 2° e 27, da Resolução/TSE nº 23.610/19. * Qualquer tipo de propaganda que não seja a eleitoral, está vedada na Casa Legislativa durante todo o ano eleitoral, configurando, inclusive, crime eleitoral o uso das dependências para fins político-partidários (artigos 346 e 377, do Código Eleitoral). Uso de Bens Públicos 1 - Artigo 73, I, da Lei nº 9.504/97: (“Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária”); Durante todo o ano eleitoral Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Uso de Materiais ou Serviços Custeados pelo Poder Público 2 - Artigo 73, II, da Lei nº 9.504/97: (“Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos Durante todo o ano eleitoral. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. eleitorais: II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram”. Cessão ou Uso de Servidores Públicos 3 - Artigo 73, III, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado”. Durante todo o ano eleitoral. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Uso Promocional da Distribuição Gratuita de Bens, Serviços ouBenefícios pela Administração Pública 4 - Artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”; Durante todo o ano eleitoral. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Distribuição Gratuita de Bens, Serviços ou Benefícios pela Administração 5 - Artigo 73, §10, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, Durante todo o ano eleitoral. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Pública as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: Distribuição Gratuita de Bens, Serviços ou Benefícios pela Administração Pública §10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa; 6 - Artigo 73, §11, da Lei nº 9.504/97: Nos anos eleitorais, os programas sociais de que trata o §10 não poderão ser executados por entidade nominalmente vinculada a candidato ou por esse mantida”. Durante todo o ano eleitoral. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Admissão e Dispensa do Serviço Público 7 - Artigo 73, V, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade Durante todo o ano eleitoral. - A partir dos 3 meses antes da eleição e até o dia da posse dos eleitos, isto é, começa em 02 de julho de 2022. - O fim dar-se-á em datas distintas: a) Para a União, será em 05/01/2023 (data da posse do Presidente e Vice- Presidente eleitos, como diz a nova redação do artigo 82, da CF/88, acrescido pela EC n°111/2021). b) Para os Estados, será em 06/01/2023 (data da posse dos Governadores e Vice-Governadores eleitos, como diz a nova redação do artigo 28, da CF/88, acrescido pela EC n Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Limitado ao âmbito da circunscrição eleitoral (Estado e União para as Eleições 2022). O TSE entende que isso não impede a incidência dessa proibição nos municípios, em caso de eleição geral, desde que se demonstre a conexão eleitoral. Vide Recurso de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários”. °111/2021). Ordinário nº 225028, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 06/04/2018. Realização de Transferência Voluntária de Recursos 8 - Artigo 73, VI, “a”, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: VI - nos três meses que antecedem o pleito: a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de A partir dos 3 meses antes da eleição, isto é, começa em 02 de julho de 2022 e finda no dia 02/10/2022. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. calamidade pública”. Publicidade Institucional 9 - Artigo 74, da Lei nº 9.504/97: “Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no §1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma”; 10 - Artigo 73, VI, “b”, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: VI - nos três meses que antecedem o pleito: b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral”. Durante todo o ano eleitoral. A partir dos 3 meses antes da eleição, isto é, começa em 02 de julho de 2022 e finda no dia 02/10/2022. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Limitado ao âmbito da circunscrição eleitoral (Estado e União para as Eleições 2022). O TSE entende que isso não impede a incidência dessa proibição nos municípios, em caso de eleição geral, desde que se demonstre a conexão eleitoral. Vide REspe nº 1563-88, Relator Min. Herman Benjamin, DJE de 17.10.2016. Pronunciamento em Cadeia de Rádio e Televisão 11 - Artigo 73, VI, “c”, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: - - VI - nos três meses que antecedem o pleito: A partir dos 3 meses antes da eleição, isto é, começa Limitado ao âmbito da antecedem o pleito: c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo”. da eleição, isto é, começa em 02 de julho de 2022 e finda no dia 02/10/2022. âmbito da circunscrição eleitoral (Estado e União para as Eleições 2022). Gastos com Publicidade Institucional 12 - Artigo 73, VII, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: VII - realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito”. A partir de 1° de janeiro de 2022 até o dia 30 de junho de 2022. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Revisão Geral da Remuneração dos Servidores Públicos 13 - Artigo 73, VIII, da Lei nº 9.504/97: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatosnos pleitos eleitorais: VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos”. - 180 dias antes da eleição e até o dia da posse dos eleitos, isto é,começa em 02 de julho de 2022. - O fim dar-se-á em datas distintas: a) Para a União, será em 05/01/2023 (data da posse do Presidente e Vice- Presidente eleitos, como diz a nova redação do artigo 82, da CF/88, acrescido pela EC n°111/2021). b) Para os Estados, será em 06/01/2023 (data da posse dos Governadores e Vice-Governadores eleitos, como diz a nova redação do artigo 28, da CF/88, acrescido pela EC n °111/2021). Limitado ao âmbito da circunscrição eleitoral (Estado e União para as Eleições 2022). Contratação de Shows para a Realização de Inaugurações Públicas 14 - Artigo 75, da Lei nº 9.504/97: “Art. 75. Nos três meses que antecederem as eleições, na realização de inaugurações é vedada a contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos”. A partir dos 3 meses antes da eleição, isto é, começa em 02 de julho de 2022 e finda no dia 02/10/2022. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. Comparecer a Inauguração de Obra Pública 15 - Artigo 77, da Lei nº 9.504/97: “Art. 77. É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas”. A partir dos 3 meses antes da eleição isto é, começa em 02 de julho de 2022 e finda no dia 02/10/2022. Todos os níveis federativos, independente do tipo de eleição. 2 – Dados Estatísticos que Demonstram a Continuidade da Prática (em Larga Escala) de Corrupção no Brasil, Tanto nas Eleições como nas Gestões que lhes Sucedem. Quem trabalha na fiscalização do processo eleitoral brasileiro, especialmente nas pequenas cidades, tem a impressão (para ser eufêmico) de que ele se trata de um verdadeiro vale-tudo, em que a única vergonha é a de perder. Compra de votos, transporte de eleitores, assédio moral ou coação a servidores públicos para aderirem aos atos de campanha do gestor de plantão, uso de bens e serviços públicos para projetos político-partidários, distribuição graciosa e excessiva de brindes e benesses estatais no ano eleitoral, programas assistenciais criados do dia para a noite com o discurso oficial de promover mais “igualdade social”, isenções ou anistias tributárias, uso da publicidade oficial para autopromoção ou de aliados políticos, inauguração de obras, trechos ou “pedras fundamentais” de obras públicas no ano eleitoral, aumento excessivo da verba pública com a propaganda institucional no primeiro semestre da eleição e reajustes graciosos da remuneração de servidores públicos no ano eleitoral ainda são comportamentos corriqueiros no processo político-eleitoral, que, no mais das vezes, são tratados como “normais” ou aceitáveis pela população e candidatos, sobretudo pela sua repetição em série e o quadro de impunidade ou punição extemporânea que se vê na prática. Combater o fenômeno da corrupção (seja ela pública, publico-privada ou eleitoral), antes de representar um mero anseio popular, é um imperativo constitucional, legal e internacional, de onde se extrai o substrato jurídico para o chamado direito fundamental anticorrupção. Ocorre que, desde o início da atual legislatura (2019-2022), mas principalmente • ano passado (2021), o que se viu da “nova política” (seja lá o que essa expressão criada no pleito de 2018 signifique - talvez só um estelionato eleitoral) foi uma coragem “nunca antes vista” para se associar aos integrantes da “velha política” (forças que se dizem antagônicas na arena eleitoral) com o fim claro e articulado de aprovar proposições legislativas que só enfraquecem o combate à corrupção, ou concretizem medidas imorais. A Nova Lei de Improbidade Administrativa personifica bem isso (e trataremos do tema a seguir) junto com o “Fundão (que será de 4,9 Bilhões de Reais), a “PEC da Vingança”, dentre outros. Porém, o ápice desse movimento será o Novo Código Eleitoral, se mantida pelo Senado Federal a versão antidemocrática (porque pouco discutida no período da pandemia) e benéfica aos corruptos aprovada pela Câmara dos Deputados. Tal contexto, além de ser ruim para a sensação de efetividade da Justiça, é pior ainda para a imagem do país perante a comunidade internacional, trazendo fuga de capital, aumento do “risco” e falta de credibilidade, o que levou, por exemplo, a OCDE criar um grupo permanente de monitoramento sobre os retrocessos anticorrupção no Brasil, medida inédita e, porque não vexatória, nesse contexto8. É importante destacar que os dados extraídos das mais recentes pesquisas internacionais sobre a percepção nacional e internacional desse fenômeno no Brasil revelam a urgência da adoção de uma efetiva política pública anticorrupção, sob pena de continuarmos em uma escalada progressiva de desacreditação internacional, com prejuízos econômicos, sociais e institucionais. Aliás, é bom deixar claro uma coisa: combater a corrupção pode até trazer prejuízos econômicos iniciais decorrentes do abalo que se causa nas estruturas viciadas existentes no poder constituído, mas esse argumento jamais pode ser usado para legitimar um “freio de arranjo” ou uma “operação abafa” (nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso - vide item “c” do capítulo 1 da parte I dessa obra), como o que se tem visto recentemente no Brasil. É hora, pois, de uma verdadeira mudança de rumo e não só de bravatas em “lives” ou no “cercadinho” dizendo que a corrupção acabou. Todos sabemos que os danos sociais da corrupção duram décadas ou séculos para serem revertidos. Nosso quadro de vícios, seja no processo eleitoral, seja na Administração Pública, é cultural e endêmico, como mostra a prática profissional e alguns estudos recentes. Cito alguns abaixo. A 10ª edição do Barômetro Global da Corrupção para a América Latina e Caribe, realizado entre janeiro e março de 2019 pela Transparência Internacional, trouxe estatísticas alarmantes da corrupção administrativa e eleitoral, tais como: Suborno foi oferecido a um em cada quatro cidadãos brasileiros em troca de votos nos últimos cinco anos. • • • • • • • • Mais da metade dos brasileiros (54%) acredita que o quadro de corrupção piorou; Somente 39% dos cidada ̃os avaliam que seu governo está fazendo um bom trabalho na luta contra a corrupça ̃o, enquanto mais da metade (57%) acha que ele na ̃o está fazendo um bom trabalho. Mais da metade das pessoas considera que a maior parte ou todos os políticos eleitos e seus funciona ́rios sa ̃o corruptos e favorecem questo ̃es particulares em vez do interesse pu ́blico. Mais de um em cada cinco cidada ̃os que usaram serviços pu ́blicos, tais como sau ́de e educaça ̃o, pagou suborno no ano anterior. Mais recentemente (em 2022), o Relatório de Percepção da Corrupção, organizado anualmente pela Transparência Internacional (IT), revela que o Brasil ocupou, em 2021, a 96ª (nonagésima sexta) posição, dentre 180 (cento e oitenta), no ranking internacional de percepção de corrupção no setor público, com 38 pontos dentre os 100 possíveis. Sobre tal levantamento destaco as seguintes constatações: É o mesmo resultado do ano de 2021 e representa a terceira pior média histórica do país nesse ranking. Está abaixo da média mundial (43 pontos) e da média aceitável (50 pontos). A pontuação está abaixo da média dos BRIC’s (39 pontos), da média regional para a América Latina e o Caribe (41 pontos) e bem longe da média do G20 (54 pontos), e mais ainda dos membros da OCDE (66 pontos). Demonstra que a renovação política (pelo menos nos nomes) ocorrida no pleito de 2018 sob a bandeira de combate à corrupção foi mero discurso de plataforma, pois, antes de ter-se verificado qualquer aperfeiçoamento do sistema anticorrupção, houve a tentativa e a posterior aprovação de leis que tentam minar a independência e autonomia dos órgãosde investigação e do próprio Poder Judiciário. É o caso, por exemplo, das leis do abuso de autoridade (Lei n°13.869/2019) e do “pacote anticrime” (Lei n°13.964/2019) e, agora, da nova lei de improbidade administrativa (Lei n°14.230/2021). Aliás, como diz a própria Transparência Internacional: “Os dados do IPC mostram que o país está estagnado, sem ter feito avanços significativos para enfrentar o problema no período. Por outro lado, o desmonte institucional e a inação do governo no combate à corrupção podem levar a notas ainda piores nos próximos anos.”9 Infelizmente, a corrupção é uma realidade nacional, que nem mesmo a situação da pandemia causada pela COVID-19 (que só no Brasil matou, por ora, mais de 651.000 pessoas10) foi capaz de frear a rotina “normal” da corrupção nas Administração Pública, em que o lema “salvar vidas” foi entoado para justificar a construção de hospitais de campanha com inequívoco sobrepreço, bem como para a compra de respiradores também com valores demasiadamente superiores aos praticados pelo mercado mesmo no período da pandemia, o que ocorreu, em vários casos, por meio de empresas de fachada, que, além de não entregarem o prometido, pagavam propina para muitos dos agentes públicos responsáveis pelas contratações. Não custa lembrar, nesse tocante, que o atual Governador do Rio de Janeiro (eleito sob os auspícios da bandeira anticorrupção entoada por vários candidatos em 2018) foi afastado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo pretenso envolvimento em atos de corrupção nas contratações realizadas durante a pandemia COVID-19. Mas, esse é apenas o caso mais emblemático, pois há notícias de diversas ações cíveis e criminais em todo o Brasil por conta do vírus da corrupção11, que se mostrou imune (na verdade dominante) ao vírus da COVD- 19. Pois bem, além da corrupção desviar recursos públicos essenciais para o cumprimento das metas constitucionais sociais, salienta-se que ela gera um desequilíbrio insanável no processo eleitoral como um todo, pois é fácil constatar, no mundo dos fatos, que a riqueza e a pujança das campanhas eleitorais dos aliados e dos “donos do poder” são incompatíveis com as informações oficiais prestadas à Justiça Eleitoral, podendo (devendo, diria eu) a lisura dos procedimentos licitatórios ser objeto de fiscalização pelo Ministério Público Eleitoral e pela Polícia Federal - para além dos tradicionais órgãos de controle -, ante o inequívoco reflexo dessas práticas na higidez do regime democrático12. Há, claramente, um círculo vicioso que macula a idoneidade de boa parte da gestão pública e que, ao mesmo tempo, compromete de forma grave e irremediável a lisura e higidez do processo eleitoral13, pois a conta dos benefícios concedidos aos empresários e empresas “parceiras” será paga exatamente na tentativa de reeleição ou na sucessão do gestor de plantão. Quem nunca ouviu que determinada licitação é um “compromisso de campanha”, ou mesmo que uma pessoa foi contratada, diretamente, ou indicada para uma empresa terceirizada, pelo voto ou fidelidade partidária14? O quadro abaixo bem resume a questão: Dizia assim a parte final da citada carta: “E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro -- o que d’Ela receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha”. Disponível em: <http://www.soliteratura.com.br/biblioteca_virtual/biblioteca02f.php>. Prova disso são os sucessivos instrumentos internacionais voltados para esse fim, tais como: a) Convenção Interamericana de Combate à Corrupção da Organização dos Estados Americanos - OEA -, firmada em 1996; b) Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE -, subscrita em 1997; c) Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, subscrita em 2003. É importante destacar que essa temática é objeto de preocupação em quase todos os ordenamentos jurídicos de países que vivem em regime democrático. Citamos como exemplo a Constituição da República Portuguesa, que elencou como princípios eleitorais expressos a “igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, bem como “a imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas” (artigo 113, nº 3, letras “b” e “c”). “O interesse público constitucionalmente referenciado como medida de vinculação da actividade administrativa encontra apoio no próprio princípio democrático republicano. Este exige que os titulares de órgãos, funcionários ou agentes da administração pública exerçam as suas competências e desempenhem as suas atribuições para a satisfação dos interesses da colectividade (‘do povo’, dos ‘cidadãos’) e não para a satisfação de interesses privados ou interesses das apócrifas máquinas burocráticas públicas” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. 4. ed. Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II. Lisboa: Coimbra Editora, 2010, p. 796). Assim, a par das disposições constitucionais e legais já existentes, passou a existir uma plêiade de condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral, cuja análise será o objeto desse livro. Trata-se de temática objeto de preocupação em quase todos os ordenamentos jurídicos de países que vivem em regime democrático. Citamos como exemplo a Constituição da República Portuguesa, que elencou como princípios eleitorais expressos a “igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, bem como “a imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas” (artigo 113, nº 3, letras “b” e “c”). “A causa restritiva do exercício do ius honorum prevista no art. 1º, I, j, da LC nº 64/90, demanda o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, (ii) a prática de delitos eleitorais específicos (e.g., corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha e conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais) e (iii) necessidade de o pronunciamento judicial aplicar a cassação do registro ou do diploma” (Agravo de Instrumento nº 268, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 237, Data 07.12.2017, Página 23-24). Esse fato ganhou, como era de se esperar, destaque na imprensa: “Diante do que tem sido visto como um recuo no combate à corrupção no Brasil, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tomou uma decisão inédita: criar um grupo permanente de monitoramento sobre o assunto no Brasil. A entidade, na qual o Brasil pleiteia entrada, está preocupada com o fim “surpreendente da Lava Jato”, o uso da lei contra abuso de autoridade e as dificuldades no compartilhamento de informações de órgãos financeiros para investigações. A medida, jamais adotada contra nenhum país antes, representa uma escalada — com tons de advertência — nas posições da OCDE, que desde 2019 tem divulgado alertas públicos ao governo e chegou a enviar ao país uma missão de alto nível para conversar com autoridades e tentar reverter ações de desmonte da capacidade investigativa contra práticas corruptas. ‘A missão aconteceu em novembro de 2019 e saímos do país bastante satisfeitos, apenas para descobrir logo depois que os problemas - com raras exceções - ainda existiam e que novos problemas que ameaçavam a capacidade do Brasil de combater o suborno internacional continuam a surgir ’, afirmou à BBC News Brasil Drago Kos, presidentedo grupo de trabalho antissuborno da OCDE e membro do Conselho Consultivo Internacional Anticorrupção.” (Conteúdo disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56406033) Acessível em https://transparenciainternacional.org.br/ipc/. Dado extraído do site https://covid.saude.gov.br e acessado em 04/03/2022, às 22:31 horas. Dados preliminares colhidos das Operações deflagradas pela Polícia Federal, Controladoria Geral da União e Ministérios Público Federal e Estadual apontam que, até novembro de 2020, R$2.054 Bilhões de reais teriam sido usados de forma irregular no enfrentamento ao coronavírus. Trata-se de um dado superficial e, com certeza, bem indicativo da voracidade corrupta nesse período, facilitada sobremaneira pela autorização legislativa dada pela Lei n°13.979/2020 para a realização de dispensas licitatórias e até mesmo contratação de empresas declaradas inidôneas. Seja na perspectiva criminal ou cível, o Ministério Público Eleitoral precisa analisar o histórico de contribuições formais de campanha ou qualquer vinculação político-partidária dos contratados e dos sócios das pessoas jurídicas contratadas em procedimentos com suspeitas de fraudes. Observe-se que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já se posicionou no sentido da legalidade desse tipo de linha investigativa, ao pontificar que “fatos ocorridos em período muito anterior à eleição podem ser apreciados sob ótica de abuso de poder quando o produto da conduta ilícita - no caso, recursos financeiros obtidos mediante fraude em licitações - vem a ser posteriormente empregado em campanha, etapa crítica do processo democrático de votação de candidatos.” (Ação Cautelar nº 2230, Acórdão, Relator(a) Min. Antônio Herman de Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE, Data 03.10.2016). O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem sido firme e cassado os eleitos, quando se comprova esse nexo entre fraudes licitatórias e abuso de poder econômico, in verbis: “(...) a manipulação de licitações para financiar campanha, ainda mais em se tratando de recurso da educação, desvirtuando-se a coisa pública em benefício próprio e em detrimento dos demais adversários, com desequilíbrio da disputa eleitoral e influência na legitimidade do pleito, além de improbidade administrativa e ilícito penal, é suficientemente grave para cassação de diplomas e imposição de inelegibilidade, não se podendo levar em conta de forma isolada o montante de recursos empregados. Requisito do art. 22, XVI, da LC 64/90 preenchido” (Recurso Especial Eleitoral nº 58738, Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Herman de Vasconcellos E Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 03.10.2016). A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n°14.133/2021) possui dispositivo expresso que veda esse tipo de expediente “ordinário” no âmbito da Administração Pública Brasileira: Art. 48, NLLCA: Poderão ser objeto de execução por terceiros as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituam área de competência legal do órgão ou da entidade, vedado à Administração ou a seus agentes, na contratação do serviço terceirizado: I - indicar pessoas expressamente nominadas para executar direta ou indiretamente o objeto contratado; 3 – Breve Introdução. Os elementos de informação extraídos das pesquisas anteriormente citadas dão ares de cientificidade do que se sente no dia a dia, pois são, por assim dizer, uma tradução estatística da “voz das ruas”, que precisa ser ouvida, ainda que boa parte dos atores da política nacional insista em delinquir sob a crença de que a punição nunca chegará. Vivemos novos tempos: a sociedade clama e exige integridade, transparência e idoneidade de seus representantes. De toda sorte, para além das tradicionais e enfadonhas campanhas publicitárias de que “voto não tem preço, mas consequência”, ainda há muito a ser feito pelos pelas instituições de controle, pelo Poder Judiciário, pelos advogados, partidos políticos e cidadãos em geral para termos uma maior eficiência no combate à corrupção. A seguir, apresentaremos algumas sugestões de providências a serem implementadas para que se alcance esse fim, mas sem qualquer pretensão de exaustão da matéria. 3.1 – Quanto ao Poder Judiciário Eleitoral. Muito se fala que o Poder Judiciário é moroso e leniente quando a questão é o combate à corrupção. No que diz respeito à demora judicial, é preciso uma mea-culpa da cúpula desse Poder, pois é comum candidatos processados por atos de corrupção conseguirem finalizar seus mandatos eletivos sem que haja julgamento definitivo dessas causas. A mesma situação se verifica nos casos envolvendo atos de improbidade administrativa e crimes contra a Administração Pública. Não a toa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do programa “Meta 4” de 2015, determinou que todos os Tribunais do Brasil identificassem e julgassem ate 31/12/2015 pelo menos 70% das aço ̃es de improbidade administrativa e das aço ̃es penais relacionadas a crimes contra a administraça ̃o pu ́blica distribuídas até 31/12/201215. No que diz respeito à suposta leniência, trata-se de uma generalização irresponsável e sem dados concretos. É bem verdade que têm sido revelados e punidos (ainda que brandamente, mas dentro dos parâmetros legais) diversos casos de envolvimento de membros da magistratura com malfeitos. Contudo, à luz de nossa experiência, tais casos representam exceções à regra de um CORPO de magistrados comprometidos com essa causa, embora algumas circunstâncias institucionais e posições jurisprudenciais precisem ser revistas para garantir a eficiência desejada. Senão, vejamos. 3.1.1 – Modificações Estruturais. O Poder Judiciário Eleitoral não conta com quadro próprio de magistrados para atuar em suas causas, sendo a função exercida por juízes e Desembargadores estaduais/federais, o que prejudica tanto a celeridade no julgamento dos casos de corrupção (como determina o artigo 97-A da Lei n°9.504/97, que fixa o prazo máximo de um ano para esse tipo de causa), quanto a eficiência, pois o rodízio e o pouco tempo em que os mesmos exercem a função (dois anos, no máximo, como regra geral) impedem a formação de um corpo especializado para o trato das peculiaridades dos processos eleitorais que se sucedem de dois em dois anos (a realidade de uma eleição municipal é bem diferente da presidencial, sendo, contudo, usada a mesma metodologia pelas Cortes para a preparação dos trabalhos). Aliás, é chocante perceber, por exemplo, que juízes eleitorais no Distrito Federal, a depender do período de seu biênio, não participam de eleições. Assim, entendo que a criação de um corpo próprio de juízes eleitorais, todos concursados ou quiçá mesclados com integrantes do “quinto constitucional”, é a melhor medida para suprir essa deficiência, ou, pelo menos, um aumento no tempo da função, cujo exercício deveria ser precedido por um curso de capacitação com avaliação de proficiência em provas. Não se pode permitir que a função eleitoral seja cobiçada apenas pela sua remuneração a mais no subsídio. É preciso se implementar um corpo especializado e vocacionado para a tutela do regime democrático. Igual providência deve ser adotada para o Ministério Público Eleitoral. Faz-se imperioso, também, que se mude a pontuação no julgamento de casos envolvendo atos de corrupção, pois, hoje, tanto faz um magistrado homologar pedido de divórcio consensual ou julgar uma ação de conduta vedada com diversos anexos e que leve, ao final, a cassação de mandatos. Além disso, é preciso estabelecer uma modificação na composição dos Tribunais Eleitorais, uma vez que nada justifica que apenas nessa área não exista vaga do quinto constitucional para o Ministério Público, sendo as duas vagas reservadas a agentes externos da magistratura reservadas para juristas advogados. Ou compõe-se as Cortes Eleitorais só com magistrados de carreira (o que entendo mais correto), ou mantém-se a aplicação de uma vaga alternada para a advocacia e para o Ministério Público, garantindo-se a paridadeentre as instituições e o equilíbrio na “oxigenação” que o instituto permite. No tocante à imparcialidade, entendo fundamental o estabelecimento de uma quarentena para advogados que deixam de exercer a função de jurista junto aos Tribunais Eleitorais, pois, sem qualquer acusação genérica, é extremamente delicada a situação de desigualdade que se verifica entre a classe de advogados e os causídicos que, do dia para a noite, deixam de ser juízes e voltam para a prática forense no dia seguinte ao fim do seu mandato perante aquela Corte que oficiavam, com todas as facilidades de acesso criadas. 3.1.2 – A Necessária Revisão de Algumas Posições Jurisprudenciais que Impedem a Efetividade do Sistema Anticorrupção na Área Eleitoral. O respeito às normas e, em última análise, o aspecto de prevenção geral das sanções decorre muito da certeza de punição antevista por todos que disputam as eleições. Um sistema cheio de flexibilizações e condicionantes quando da aplicação de punições expressamente previstas em lei contribui sobremaneira para a sensação de impunidade que reina na área eleitoral. Candidatos mal-intencionados, cabos eleitorais audaciosos e agentes públicos que insistem em confundir o público com o privado precisam ter a plena certeza de que serão punidos quando forem descobertos os seus malfeitos. Eleições não podem mais ser vistas como um vale-tudo, em que a única vergonha que existe é a de perder, custe o que custar a “vitória” nas urnas. Uma análise minudente das decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que é preciso uma revisão urgente de diversos entendimentos jurisprudenciais que flexibilizam sanções ou impedem uma efetiva disputa igualitária no pleito. Separamos esse tópico como forma de alerta e reflexão, mas também esperançosos e entusiasmados por termos visto, da edição passada dessa obra (3ª edição) para a atual (4ª edição), mudanças na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre pontos que até então pacificados, alguns com citação expressa à nossa respeitável divergência. Vejamos, portanto, alguns desses entendimentos que merecem uma melhor análise: 3.1.2.1 – Não-Cumulatividade Automática das Sanções no Julgamento dos Processos de Condutas Vedadas: Diz o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que as condutas vedadas são ilícitos cíveis de responsabilidade objetiva16 ou de mera conduta, de modo praticado o comportamento proibido haverá a sua consumação17. Ocorre que, por incrível que pareça, a mesma Corte insiste num critério hermenêutico calcado no princípio da proporcionalidade, a partir do qual não aplica todas as sanções imperativamente traçadas pela lei18 e mesmo diante da circunstância do caput do artigo 73 da Lei n°9.504/97 ter dito que esses comportamentos afetam a igualdade de oportunidades. Não se pode aceitar como válida a equivocada exigência de demonstração da “gravidade concreta” da conduta vedada praticada para a cassação dos mandatos quando a lei não o fez19, pois, assim agindo, está-se, em última análise, equiparando as condições de aplicação das condutas vedadas ao abuso de poder político, esse último sim dependente da comprovação de gravidade do comportamento (vide artigo 22, XVI, da Lei Complementar n°64/90). Nos exatos termos da mais recente jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “dispensam, por igual razão, a análise da potencialidade lesiva para influenciar no pleito”20, razão pela qual não se concebe como válida essa lógica hermenêutica, que desconsidera o efeito de proteção deficiente sob a igualdade de oportunidades que ocorre com decisões dessa natureza. Não pode o julgador misturar conceitos e pressupostos de institutos. A prevalecer essa tese, toda conduta vedada que gerasse cassação de mandatos seria um abuso de poder político e, certamente, não foi essa a intenção do legislador ao criar a Lei 9.504/97, logo após a aprovação da reeleição para os cargos do Poder Executivo, quando criou hipóteses taxativas de comportamentos proibidos exatamente para garantir maior isonomia e igualdade de oportunidades entre o gestor candidato à reeleição e o candidato de oposição. Não nos parece pertinente alegar que isso equivale a aplicação da insignificância na área cível, pois nos crimes eleitorais não se admite esse instituto21, em especial nos que digam respeito ao uso da máquina pública (correlatos das condutas vedadas), o que foi reforçado pela Súmula 599 do Superior Tribunal de Justiça (STJ)22. Se não existe conduta irrelevante do uso da máquina pública na seara penal, por qual motivo haverá no cível? O Judiciário não pode atuar como legislador positivo, criando ou estabelecendo condições não previstas em lei. Por fim, é inconcebível que o mesmo Tribunal que usa a proporcionalidade para não aplicar sanções imperativas pelo texto da lei (caso das condutas vedadas) ignore tal postulado quando da aplicação cumulativa das sanções da captação ilícita de sufrágio. Vejam a contradição da Corte em termos práticos: se um candidato der um - e somente um - bem pelo voto de um eleitor, esse comportamento vai gerar necessariamente a cassação do mandato, pois não se aplica proporcionalidade nessa hipótese23, mas se outro candidato, que seja gestor público, resolve fazer o uso promocional da distribuição de 02 (dois) bens custeados pelo erário público (artigo 73, IV, da Lei n°9.504/97) pode não ter o mandato cassado, pois será preciso analisar, à luz da proporcionalidade, se o fato foi grave para aplicar as sanções de multa e cassação, imperativamente previstas na lei. Para ficar mais claro: um fato menos grave (captação ilícita de sufrágio consistente no fato de um particular candidato que dar um bem privado em troca de UM voto) será punido mais rigorosamente (com a cassação do mandato sempre)24 do que um fato de maior reprovabilidade jurídica e social, como ocorre quando o agente público candidato disponibiliza bens da sociedade para realizar assistencialismo com foco em VÁRIOS ELEITORES, já que, nesse último, tudo dependerá da análise quanto à “gravidade da conduta”. É, portanto, hora de mudar essa equivocada jurisprudência, que ainda vem sendo aplicada nos primeiros julgados do ano de 2022, in verbis: “A consequência do reconhecimento da prática de conduta vedada, nos termos do disposto no § 4º do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, é a multa aos responsáveis e a eventual cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado, de acordo com o § 5º do mesmo dispositivo.” (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060009185, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 34, Data 04/03/2022). 3.1.2.2 – Interpretação Literal da Conduta Vedada Prevista no Artigo 73, III, da Lei N°9504/97: De acordo com o dispositivo mencionado, é proibido “ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado.” O grande problema nesse tocante diz respeito ao fato da jurisprudência, ainda prevalente no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dizer que “a conduta do inciso III do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 refere-se expressamente ao âmbito do ‘Poder Executivo’, não se aplicando ao Poder Legislativo”25, o que gera uma inexplicável situação de permissividade com o imoral uso de servidores dos demais Poderes, para fins eleitorais e em horário de expediente. A aplicação literal desse dispositivo é inconstitucional, de modo que se deve ter como vedado o uso de qualquer servidor público em atos político-partidários realizados no horário de expediente, sob pena de uma proteção deficiente à moralidade administrativa e à igualdade de oportunidades, que é o bem jurídico tutelado pelo instituto das condutas vedadas. Ressalto que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP) já segue essa linha há bastante tempo e condena quandocomprovado o uso dos servidores, seja qual for a sua vinculação26. Portanto, é preciso que os juízes façam uma interpretação conforme à Constituição desse dispositivo e não se contentem com o dogma automático de que as condutas vedadas devem ser analisadas restritivamente27: de fato, essa deve ser a regra quando não houver violação à Constituição Federal ou impedir a tutela da lisura eleitoral, bem jurídico que a Bíblia Política resguarda e que as condutas vedadas igualmente buscam tutelar. 3.1.2.2 – Interpretações Literais da Proibição de Distribuição Gratuita de Bens, Serviços e Benesses pela Administração Pública em Ano Eleitoral que Acabam Legitimando Possíveis Manobras e Fraudes à Lei por Simples Atos Formais: O artigo 73, §10, da Lei Eleitoral diz ser vedado, durante todo o ano eleitoral, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. Tem-se verificado, na prática, algumas situações que não podem continuar a ser legitimadas pelo beneplácito da jurisprudência. Vejamos algumas: 3.1.2.2.1 – Convênios entre o Poder Público e a Iniciativa Privada/Entidades Públicas para a Distribuição de Benesses: Um expediente muito “inteligente”, mas ilegal, por parte de determinados gestores tem sido a celebração de convênios/parcerias entre o Poder Público e uma pessoa jurídica organizadora de um evento (cultural ou não), transferindo-lhe valores sob a rubrica de apoio/patrocínio em troca da liberação de entradas francas a serem distribuídas. Argumenta-se, então, com o beneplácito de boa parte da jurisprudência28, que a exigência de condições no bojo do convênio desnaturaria o caráter gratuito da distribuição das benesses exigido pela lei, não havendo ilegalidade. Não há como prosperar essa tese! Primeiro, porque ela não faz qualquer análise se as condições são meramente formais, isto é, apenas uma burla procedimental à citada proibição legal. Em segundo, também não é realizada qualquer exigência de vinculação com o interesse público dessas “condições” existentes no convênio. Terceiro, ignora-se que a proibição existe para impedir o “espírito de caridade” que usualmente aflora nos candidatos no ano eleitoral e que o dinheiro público não pode ser usado para esse fim a partir de simples atos formais desvinculados do interesse público. É claro que distribuição com exigências meramente formais ou apenas simbólicas não são exceções ao fim que se destina a norma. 3.1.2.2.2 – Contrapartidas Simbólicas e Desproporcionais com Relação aos Benefícios Concedidos: Outra estratégia de que se tem notícia é a cobrança de contrapartidas meramente simbólicas e insignificantes à luz do benefício concedido só para fugir da literalidade da norma. Vejamos um exemplo: Determinado Município resolve fazer um sorteio no dia das mães/pais/crianças com premiação recorde de brindes (caros ou de difícil acesso) à sua população, mas faz uma cobrança módica de R$1,00 (um real) para quem tenha interesse em participar. Do ponto de vista meramente formal, pode-se argumentar que não houve gratuidade e, portanto, não houve violação à regra do artigo 73, §10. Porém, na perspectiva material do ilícito (isto é, de ofensividade ao bem jurídico tutelado) e diante do princípio da primazia da realidade sobre a forma, parece-me claro que há o ilícito. Atos que, apenas simbolicamente, representam uma exceção à regra legal não podem ser tolerados, sob pena proteção deficiente à igualdade de oportunidades, que é o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas em ano eleitoral. Assim, exigida qualquer contraprestação real, efetiva e que gere um ônus concreto ao beneficiário (e não só um “faz de conta” desproporcional ao benefício a ser gozado), excepciona a regra do artigo 73, §10. E mais: a “jurisprudência do TSE não restringe a concepção da gratuidade prevista no art. 73, IV, da Lei das Eleições, apenas ao aspecto financeiro da contrapartida29”, sendo lícita a inclusão de serviços ou qualquer prestação onerosa ao cidadão a ser beneficiado. Um exemplo extraído dos julgados da Corte Eleitoral é bem didático para entendermos o sentido de contrapartida no sentido efetivo e não só formal: “4. Na hipótese, discute-se se a concessão de benefício fiscal por meio das MPs 215/2013 e 226/2014, editadas pelo Governador da Paraíba, foram utilizadas de forma graciosa, subsumindo-se ao § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97, sem discussão da existência do caráter eleitoreiro. 5. A MP 215/2013, editada pelo Governador Paraibano, que dispôs sobre a remissão de créditos tributários, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, inclusive ajuizados, vencidos até 31 de dezembro de 2013, de responsabilidade dos proprietários de motocicletas e motonetas nacionais, foi publicada no DOE em 30 de dezembro de 2013, ano não eleitoral. 6. Ainda que se diga que a referida remissão tributária foi implementada somente no ano de 2014, ano este eleitoral, tal argumentação não se sustenta. Isso porque não se trata de benefício fiscal concedido gratuitamente, sem contrapartida. Basta simples leitura do teor do inciso I do art. 2º da MP 215/2013 e dos incisos I e III desse mesmo artigo para verificar que a concessão daquele benefício fiscal foi condicionada ao pagamento integral do IPVA e demais taxas devidas ao DETRAN/PB, relativos ao exercício financeiro de 2014, e ao pagamento de todas as multas de trânsito relacionadas às motocicletas e motonetas, ou seja, os benefícios fiscais em questão não foram concedidos por mera liberalidade do Governador aos eventuais contribuintes beneficiados. Em outras palavras, houve por parte do Gestor Público a estipulação de critérios objetivos à concessão do benefício fiscal, não atingindo a todos indistintamente, inclusive, condicionando a concessão do benefício à desistência de eventuais ações judiciais. Não há falar, portanto, em gratuidade da medida” (Recurso Ordinário nº 171821, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 126, Data 28/06/2018, Página 29- 32). 3.1.2.2.3 – Planos de Recuperação Fiscal e Anistias Tributárias: Esse item foi estudado com profundidade na análise do artigo 73, §10 (na parte sobre distribuição de bens). Não obstante isso, alguns comentários devem ser feitos. Em suma sobre os REFIS, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entende que “a validade ou não de lançamento de Programa de Recuperação Fiscal (Refis) em face do disposto no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 deve ser apreciada com base no quadro fático-jurídico extraído do caso concreto.” (Consulta nº 36815, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Relator(a) designado(a) Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 65, Data 08/04/2015, Página 146). Não bastasse isso (que já é muito), a mesma Corte, de forma não unânime, vem decidindo que “nos programas de benefícios fiscais que concedem descontos apenas sobre o valor dos juros e da multa, a cobrança do tributo consiste na contrapartida exigida do munícipe, não caracterizando oferecimento de benefício gratuito.” (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 2057, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 168, Data 13/09/2021). Assim, segundo ainda pensa a maioria do TSE, há dois condicionamentos para a configuração da conduta vedada em análise: I - Análise das particularidades do caso concreto, especialmente a finalidade eleitoreira; II - Concessão de descontos sobre o valor principal do tributo, sendo eles permitidos nos juros e nas multas. Com todas as vênias, trata-se de grande erro interpretativo, pois a norma em questão ostenta caráter objetivo e quer evitar simplesmente que o “perdão” fiscal ou tributário (seja sobre o principal, seja sobreo acessório - e lei não fez essa ressalva, sendo vedado ao intérprete fazê-lo em se tratando de direito sancionador) canalize para o gestor responsável a natural simpatia dos eleitores beneficiados. 3.1.2.3 – (Im)Possibilidade do Uso de Gravações Ambientais após a Rejeição dos Vetos ao Pacote Anticrime (Retrocesso Legislativo e Início de Viragem Jurisprudencial Pró-Corruptos): Os ilícios eleitorais em geral (cíveis ou criminais) são praticados, não raro, após ajustes prévios em reuniões secretas (algumas em repartições públicas mesmo), cujo conteúdo só se consegue descobrir quando há confissão por um dos participantes, ou mesmo o uso de meios invasivos de prova. Uma delas é exatamente a gravação ambiental, em que um dos participantes desses encontros nada republicanos faz a captação da conversa sem o conhecimento do(s) outro(s) envolvido(s). O uso desse tipo de prova já foi objeto de muita oscilação jurisprudencial no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), podendo-se resumir a questão da seguinte forma: 1 - Para as eleições de 2012, o TSE entendia que a gravação ambiental era ilícita, salvo no caso dela ser realizada em ambiente aberto30. Isso significa dizer que a Corte dava, na prática, o direito aos candidatos de praticarem corrupção eleitoral em ambientes privados, tudo à luz de uma esdrúxula interpretação absoluta do direito fundamental à intimidade. 2 - Essa visão perdurou até meados de abril de 2019, quando se fixou nova orientação geral no sentido de que “a gravação ambiental é, a princípio, admissível como prova lícita, visto que o ambiente em que efetivada não se afigura determinante para reconhecer a sua (i)licitude, devendo- se analisar as excepcionalidades de cada caso a fim de se aferir a existência de óbices à utilização do conteúdo da gravação, tal como induzimento para prática do ilícito. Precedentes.” (Recurso Especial Eleitoral nº 45283, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 07/02/2020, Página 48). Além disso, convém citar que existe tese de repercussão geral específica para as causas eleitorais e que ainda está pendente de julgamento (RE 1.040.515 - Tema 579), o que, porém, não impedia que o TSE mantivesse a posição de validade a priori das gravações, cuja nulidade estava condicionada à demonstração de alguma manipulação ou montagem, como se vê no precedente abaixo: - ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADOR. ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97. ART. 22 DA LC N° 64/90. PRELIMINAR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LICITUDE DA PROVA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. OFERTA DE BENESSES EM TROCA DE VOTO. CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. 1. A jurisprudência que vem sendo aplicada por este Tribunal Superior, nos feitos cíveis-eleitorais relativos a eleições anteriores a 2016, é no sentido da ilicitude da prova obtida mediante gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e desacompanhada de autorização judicial, considerando-se lícita a prova somente nas hipóteses em que captada em ambiente público ou desprovida de qualquer controle de acesso. 2. Não obstante esse posicionamento jurisprudencial, mantido mormente em deferência ao princípio da segurança jurídica, entendimentos divergentes já foram, por vezes, suscitados desde julgamentos referentes ao pleito de 2012, amadurecendo a compreensão acerca da licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial. 3. À luz dessas sinalizações sobre a licitude da gravação ambiental neste Tribunal e da inexistência de decisão sobre o tema em processos relativos às eleições de 2016, além da necessidade de harmonizar o entendimento desta Corte com a compreensão do STF firmada no RE n° 583.937/RJ (Tema 237), é admissível a evolução jurisprudencial desta Corte Superior, para as eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial, sem que isso acarrete prejuízo à segurança jurídica. 4. A despeito da repercussão geral reconhecida pelo STF no RE n° 1.040.515 (Tema 979) acerca da matéria relativa à (i)licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais nesta seara eleitoral, as decisões deste Tribunal Superior sobre a temática não ficam obstadas, dada a celeridade cogente aos feitos eleitorais. 5. Admite-se, para os feitos referentes às Eleições 2016 e seguintes, que sejam examinadas as circunstâncias do caso concreto para haurir a licitude da gravação ambiental. Ou seja, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, é, em regra, lícita, ficando as excepcionalidades, capazes de ensejar a invalidade do conteúdo gravado, submetidas à apreciação do julgador no caso concreto, de modo a ampliar os meios de apuração de ilícitos eleitorais que afetam a lisura e a legitimidade das eleições. 6. No caso, analisando o teor da conversa transcrita e o contexto em que capturado o áudio, a gravação ambiental afigura-se lícita, visto que os recorrentes protagonizaram o diálogo, direcionando-o para oferta espontânea de benesses à eleitora, de modo que restou descaracterizada a situação de flagrante preparado. 7. O ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 se consubstancia com a oferta, a doação, a promessa ou a entrega de benefícios de qualquer natureza, pelo candidato, ao eleitor, em troca de voto, que, comprovado por meio de acervo probatório robusto, acarreta a cominação de sanção pecuniária e a cassação do registro ou do diploma.8. Acertada a decisão regional, visto que, a partir do teor da conversa anteriormente transcrito, objeto da gravação ambiental, depreende-se ter havido espontânea oferta de benesses, pelos recorrentes, à eleitora Juscilaine Bairros de Souza e seus familiares - oferecimento da quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), facilitação do uso dos serviços médicos da Unidade de Saúde Moisés Dias, oferta de gasolina e de veículos para transportar, no dia das eleições, os parentes que moram em outro município e promessa de emprego para o marido da eleitora -, vinculada ao especial fim de obter votos para o então candidato Gilberto Massaneiro, que participou ativamente da conduta. 9. O art. 22, XVI, da LC n° 64/90, com a redação conferida pela LC n° 135/2010, erigiu a gravidade como elemento caracterizador do ato abusivo, a qual deve ser apurada no caso concreto. A despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da presença desse elemento normativo é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, quais sejam, a normalidade e legitimidade das eleições, que possuem guarida constitucional no art. 14, § 9°, da Lei Maior. 10. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, o abuso do poder político ou de autoridade insculpido no art. 22, caput, da LC n° 64/90, caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros (RO n° 172365/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018; RO n° 466997/PR, Rel. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2016; REspe n° 33230/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 31.3.2016). 11. Na hipótese dos autos, em que pese a moldura fática evidencie o uso desvirtuado da instituição pública, as circunstâncias não se afiguram suficientemente graves para macular a legitimidade e a isonomia do pleito, porquanto os fatos comprovados no acórdão cingem-se à eleitora específica e à ocasião única, o que, embora aptos a caracterizar captação ilícita de sufrágio, mostram-se inábeis para
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