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Agostinho

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Agostinho
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da
Apresentação 
Fonte: https://img.youtube.com/vi/PxCbM-Ms-
Jw/maxresdefault.jpg
Usualmente, o estudante chega ao estudo da
História da Filosofia Medieval trazendo consigo
pré-compreensões estereotipadas sobre a época do
pensamento que vai estudar. O medieval nos é,
comumente, estranho e até mesmo sombrio. O
conjunto de estudos que aqui se propõe espera que,
ao final, o estudante tenha desconstruído tais pré-
compreensões e tenha aberto todo um horizonte de
compreensão e de interpretação, mais amplo, mais
refinado e mais vivo do pensamento medieval. O
método que seguimos, aqui, portanto é
hermenêutico. O estudo que aqui se propõe não é
apenas historiográfico, muito menos,
historiográfico do tipo positivista, mas é um estudo
hermenêutico da história, que visa alcançar uma
visão das destinações que o pensamento tomou ao
longo de cerca de mil anos no mundo latinófono,
incluindo também uma visão das destinações do
pensamento em outros mundos medievais, tais como
o bizantino, o islâmico e o judeu. Espera-se que o
estudante seja capaz de perceber o intenso diálogo
de mundos culturais diversos que caracteriza o que
genericamente chamamos de Idade Média.
A proposta hermenêutica deste estudo visa, pois,
compreender cada pensador e seu pensamento à luz
da totalidade viva, que é a destinação de seu
mundo, o qual está sempre em diálogo com o
mundo que se foi (a antiguidade) e com os mundos
que coexistem (outros âmbitos culturais) e, ao
mesmo tempo, oferece uma contribuição específica
à tradição histórica que está sempre em vias de
formação. Espera-se contribuir para que o
estudante apreenda o horizonte de pensamento do
pensador em questão, sua maneira de pensar a
realidade como um todo, se dando numa ontologia,
numa compreensão da verdade e do conhecimento,
bem como numa compreensão da linguagem. A
partir daí, espera-se ajudar o estudante a
apreender as posições fundamentais do pensamento
em questão, sua visão do mundo, do homem e de
Deus. Assim, ele poderá perceber as principais
teses não como proposições fixas e isoladas, mas
sim como posições que vão sendo tomadas, dentro
do movimento de corresponder àquilo que, a partir
de sua época, o provocava a pensar. Entende-se,
aqui, a filosofia não como doutrina, mas como
movimento de aprofundamento, de sondagem do
sentido do ser.
Com tudo isso, a presente proposta de estudo se
preocupa com o exercício do pensar, para além da
mera informação ou erudição. Que o estudante,
estudando o pensamento dos principais pensadores
medievais, seja ele mesmo provocado a pensar as
questões fundamentais que movem a história
filosófica, ontem, hoje e sempre. Mais do que
aprender Filosofia como um conteúdo cultural,
espera-se que o estudante aprenda a filosofar, a
partir do diálogo com o passado, pois não se pode
fazer filosofia sem ancestralidade. É do diálogo
com o passado, com o dito e o não dito dos
pensadores da grande tradição filosófica, que nos
vem o estranhamento de nosso presente e o
questionamento daquilo que hoje nos parece óbvio.
À medida que nossa atualidade perde o seu caráter
de evidência inquestionável também o passado
perde o seu caráter apenas monumental, e os
pensadores do passado se nos aparecem numa
estranha contemporaneidade, podendo até mesmo
oferecer intuições inauditas para construirmos o
futuro.
A Idade Média oferece um riquíssimo, imenso,
vastíssimo e profundo legado de pensamento, o qual
se dá não somente na filosofia, mas também na arte
e na mística. Na exposição da história da Filosofia,
buscou-se também estar atento a estas outras
experiências de pensamento. Isto dá ao estudante
uma visão mais viva da história da Filosofia e uma
percepção da pregnância existencial que
acompanha e molda o pensamento medieval.
O horizonte para uma hermenêutica do pensamento
de Agostinho se traça a partir do espírito de seu
tempo e de sua busca existencial. Agostinho vive em
si mesmo o ocaso do mundo antigo. Ele é um
homem que prepara a passagem da antiguidade
para uma nova época, aquela que nós, modernos,
chamamos de "medieval". A nota fundamental, que
dá o tom a todo o seu pensamento é a quaestio Dei
(a busca de Deus), que, em seu entendimento é a
própria busca da verdade e da felicidade. Seu
pensamento é marcado por um forte cunho
existencial. Em cada texto de seus escritos ressoa a
facticidade da existência humana vivida em
primeira pessoa (eu), diante de um Tu (Deus), e em
comunhão com um nós (os outros). Por isso, sua
linguagem é, basicamente, a da "confissão".
Confessar é, aqui, trazer à fala a alegria da
libertação, que o homem experimenta na busca e no
encontro da verdade. Por isso, a confissão é, em
Agostinho, canto de louvor. A própria miséria da
existência humana, experimentada no horizonte
desta libertação, se transfigura. Até mesmo a culpa
se torna "feliz culpa", quando o homem
experimenta a graça de uma verdade libertadora. E
esta verdade libertadora Agostinho experimenta no
horizonte da fé cristã. É, pois, a partir deste
horizonte hermenêutico que Agostinho se apropria
criticamente da filosofia grega, tornando-se um dos
maiores pensadores de todos os tempos.
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da
Desafio 
Considere a seguinte citação, do Pseudo Dionísio, filósofo
alexandrino importante para o desenvolvimento da Teologia
Mística Medieval e seus desdobramentos filosóficos:
Nós estudamos em História da Filosofia Antiga a
Antiguidade Tardia e a Escola de Alexandria, da qual saíram
nomes como os de Plotino e Fílon de Alexandria. Ambos
pensadores, ainda que o primeiro fosse pagão e o segundo
judeu, foram marcantes para o desenvolvimento da Filosofia
Cristã. Isso porque esta filosofia vai, de um lado, concordar
que a proposta final da Filosofia tem de ser um
"Deus é Beleza! É esta Beleza que produz
toda amizade, toda comunhão. É essa beleza
que (...) move todos os seres e os conserva
dando-lhes o amoroso desejo de sua própria
beleza. Ele constitui para cada um tanto o
limite como o objeto do seu amor porque é o
se fim (...) e o seu modelo (pois é à sua
imagem que tudo se define). Assim, o Belo
verdadeiro se confunde com o Bem porque,
seja qual for o motivo que move os seres, é
sempre para o Belo-e-Bem que eles tendem,
e não existe nada que não tenha parte no
Belo-e-Bem" (PSEDUO DIONÍSIO
AEROPAGITA, Obras Completas, Madrid:
Biblioteca de Autores Cristãos, "Os Nomes
de Deus", IV,7).
Conhecimento Unitivo a Deus, ou êxtase, como ensinava
Plotino e, por outro lado, vai ensinar também que as
escrituras possuem um sentido alegórico ou espiritual, como
falava Fílon, propondo a necessidade de união entre a
especulação filosófica e a religiosa. Não devemos nos
esquecer que muitos pensadores alexandrinos pagãos como
Proclo e Jâmblico, por exemplo, viam-se antes como
sacerdotes do que como pensadores profanos. A união entre
a investigação filosófica e a Teológica Visava, sobretudo, o
aprimoramento da alma.
Tendo por base estas informações, a citação acima, que
busca unificar no conceito de Deus a reunião da Beleza, da
Bondade e da Verdade, e o conteúdo que lerá a seguir,
procure ao final responder às seguintes questões:
Houve, de fato, uma investigação equilibrada no
Medievo entre o Belo, o Bom e o Verdadeiro?
Como a Mística e a Dialética foram compatibilizadas na
Filosofia medieval?
Quais os temas filosóficos pertinentes que a Filosofia
Medieval Cristã, Judaica e Árabe trouxeram de novo e
inauguraram um novo modo de concepção filosófica?
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da
Conteúdo 
O Itinerário de Agostinho e o Espírito
de seu Tempo
Aurélio Agostinho, em seu
itinerário biográfico, marcado
pela busca da verdade, se
confronta com as diversas
possibilidades de realização
humana, presentes em seu
tempo. Nascido no ano de
354 na Numídia (território a
oeste de Cartago), em
Tagaste, como filho de pai
romano e pagão (Patrício) e
de mãe africanae cristã
(Mônica). Agostinho vive em
sua própria carne o encontro
de duas culturas que se
mesclam naquela região do
norte da África: a cultura púnica autóctone e a cultura
romana dominante. Vive também em sua alma uma divisão:
a luta entre o apelo sensual (herdado do pai) e o apelo
espiritual (herdado da mãe). Apesar de sua mãe ser cristã,
Agostinho não adere à fé em Cristo, a não ser em idade
adulta, com o batismo no ano de 387. O itinerário espiritual
de Agostinho, até chegar à fé cristã, expressa as várias
tendências culturais de seu tempo. Na escola, recebeu uma
formação baseada na leitura dos autores latinos e voltada,
sobretudo, para a linguagem (Cícero, Vergílio, Horácio, Ovídio
e Catulo) e para a história (Salústio e Lívio). O encontro com
a filosofia se deu a partir da leitura do diálogo Hortênsio de
Cícero, uma exortação à filosofia, entendida como "amor à
sabedoria". Ali Agostinho se depara com um pensamento
que ele fará seu por toda a vida: que todo o homem quer ser
feliz; que a verdadeira felicidade não consiste em fazer o que
se quer, mas em querer e fazer o bem, ou seja, que a
verdadeira felicidade se encontra na virtude, que torna o
homem bom e suas obras boas.
Em busca da verdade e da verdadeira felicidade, e em meio
às lutas com sua sensualidade – que se ameniza um pouco
com o encontro de uma companheira, com quem ele tem um
filho, Adeodato (Dado por Deus) – Agostinho adere ao
maniqueísmo. No dualismo ético e metafísico característico
desta forma sincrética de gnosticismo – que mistura
cristianismo gnóstico, zoroastrismo, hinduísmo e budismo –
Agostinho encontra um reflexo de sua própria alma dividida.
O pertencimento a esta forma de gnosticismo se dava em
três estágios: os hýlicos (materiais), os psíquicos – também
chamados de auditores (ouvintes) – e os pneumáticos
(espirituais) ou eleitos. Agostinho chegou ao grau de ouvinte.
No maniqueísmo ele encontrou uma explicação (provisória)
para o problema do mal. Segundo esta doutrina de Manés
(ou Mani), a realidade se divide em dois princípios
conflitantes: o do bem – espiritual – e o do mal – a matéria.
Entretanto, no maniqueísmo Agostinho não encontrou uma
síntese de fé e razão. De fato, sua crença era mantida apesar
de muitas perguntas de sua razão ficar sem resposta. Após o
encontro em Cartago com um líder maniqueu, chamado
Fausto, que não conseguiu responder às suas perguntas, que
se relacionavam especialmente com a astrologia e com a
concepção materialista de Deus e da alma, Agostinho
abandona o maniqueísmo.
Após esta frustração, ele busca refúgio no ceticismo da nova
academia. Tende para os filósofos acadêmicos, que em
todas as questões promoviam a dúvida e afirmavam que o
homem não pode apreender nenhuma verdade com certeza
absoluta. Todo conhecimento era apenas provável. Para eles,
a felicidade se encontrava na conquista da ataraxia
(imperturbabilidade da alma), que se alcança através do
exame crítico de toda tese (skepsis) e da a suspensão de
todo o juízo (epoche). Já Cícero tinha adotado o ceticismo
como orientação de vida. Entretanto, o ceticismo de
Agostinho não chegou a ser uma postura generalizada – ele
não abandonou a fé em Deus, por exemplo. Tratava-se, para
ele, mais de uma postura crítica em matéria de
conhecimento.
Por fim, porém, Agostinho duvida da própria postura de
duvidar de tudo. A superação da fase cética vem com a
leitura de escritos platônicos, mais propriamente, de escritos
neoplatônicos, como os de Plotino e Porfírio, em geral na
tradução de Mário Vitorino, quando Agostinho já se
encontrava na Itália. Agostinho, de fato, tinha deixado
Cartago no ano de 384; e, após um ano em Roma, conseguira
o cargo de mestre de retórica junto ao palácio do Imperador
em Milão.
O neoplatonismo ajuda-o a fazer uma passagem do dualismo
para o monismo metafísico. De fato, o pensamento
neoplatônico encara a realidade como constituída a partir de
um único princípio: justamente o princípio do Uno. Para o
platonismo o mal não é uma realidade em si, que nega e se
rivaliza com o bem. Ontologicamente, o mal é uma privação
do bem, o que equivale a dizer: uma privação do ser. O
neoplatonismo deu a Agostinho também a possibilidade de
um conhecimento não materialista de Deus (o Uno, o Bem) e
da Alma.
Ademais, a doutrina do Nous (Intelecto) possibilitou a
Agostinho uma aproximação à especulação acerca
do Logos (Verbum = Verbo) desenvolvida pelo cristianismo
desde Justino e os alexandrinos (Clemente, Orígenes), a
partir do Prólogo do Evangelho de João e da concepção
judaico-helenista acerca da Sabedoria (Sophia) de Filo de
Alexandria. Segundo esta tradição, Cristo é o Logos, isto é, o
Deus junto de Deus, a potência divina da Sabedoria eterna
com a qual Deus cria todas as coisas, a Palavra da Vida e da
Verdade, o mestre universal, que ilumina todo o homem que
vem a este mundo. Segundo a leitura da história
desenvolvida por essa tradição, gregos e judeus foram
presenteados com pedagogos, que os preparam para o
encontro com este Mestre universal. Os gregos tiveram na
filosofia o seu pedagogo, assim os judeus tiveram
a Torah (Lei, Instrução). Mas, ambos, judeus e gregos, na
plenitude dos tempos, puderam conhecer o próprio Mestre,
com a encarnação do Logos, em Jesus Cristo. Ora, nos
escritos neoplatônicos Agostinho encontrou pensamentos
muito semelhantes àqueles do Prólogo de João.
Mas não encontrou que "o Logos se fez carne e habitou entre
nós". O encontro com o Logos encarnado, com Cristo,
Agostinho só faz quando, em Milão, conhece o bispo
Ambrósio, e passa a ler as cartas de Paulo. De início se
aproxima de Ambrósio unicamente pelo interesse de
aprender algo mais da arte retórica. Mas depois, começa a
se interessar pelo conteúdo dos discursos de Ambrósio.
Além da presença imponente de Ambrósio e da leitura das
cartas de Paulo, outros fatores estimularam Agostinho a dar
o passo decisivo, ou melhor, a fazer o salto para a fé: o
testemunho da conversão de Mário Vitorino, o tradutor
platônico, e as histórias sobre o monge egípcio Antônio (ou
Antão), que heroicamente combateu o bom combate da fé
contra as insídias da sua sensualidade e da tentação
diabólica. Assim, em 387, Agostinho se fez batizar por
Ambrósio, juntamente com seu filho Adeodato. O itinerário
espiritual de Agostinho, pois, vai do sensualismo maniqueu
ao cristianismo, passando pelo ceticismo e pelo platonismo.
Na fé cristã, portanto, a busca de Agostinho pela verdade e
pela felicidade – por Deus – encontrou um firme ponto de
apoio, uma resposta ao seu coração inquieto: "porque nos
criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto
não repousar em Vós" (Confissões I 1) (AGOSTINHO , 1988,
p. 23).
O tempo que imediatamente antecede e sucede ao seu
batismo é o mais fecundo em escritos filosóficos. Em 386
Agostinho forma com seus amigos uma comunidade de vida,
dedicada ao estudo e à oração, num retiro chamado
Cassicíaco, junto de Milão. Ainda na Itália, ele escreve um
opúsculo contra o ceticismo (Contra acadêmicos); um sobre
a felicidade (De beata vita); outro sobre o lugar do bem e do
mal na ordem universal criada por Deus (De ordine); e um
diálogo íntimo ("de si consigo mesmo") sobre a investigação
das coisas inteligíveis e sobre a imortalidade da alma
(Soliloquium), tema que é retomado em outros textos desta
fase, como o De imortalitate animae (Da imortalidade da
alma) e o De quantitate animae (Da grandeza da alma), sobre
a relação entre alma e corpo.
Ainda é deste período o projeto de escrever sobre as ciências
da época, cujas raízes remontavam ao tempo dos sofistas
(séc. IV a.C), ou seja, as disciplinas das sete artes
liberais (artes liberales: o trivium – gramática, dialética e
retórica – e o quadrivium – geometria, música, aritmética e
astronomia). Deste projeto, Agostinho conseguiu realizar
somente a redação em parte de um escrito sobre a
gramática e sobre a música. De volta a Tagaste, em 388,
Agostinho ainda escreve o diálogo De Magistro (Do mestre),
sobre a linguagem e a educação, e termina o livro De vera
religione (Da verdadeira religião),sobre a relação entre a fé e
o saber.
Na fé cristã Agostinho considera ter encontrado a verdadeira
religião, o caminho universal da libertação da alma,
procurado pelos filósofos neoplatônicos, e, na verdadeira
religião, a verdadeira filosofia, pois, amar a sabedoria é, em
última instância, amar a Deus. A partir de então os textos de
Agostinho expressam sempre mais o empenho de buscar
uma compreensão, movendo-se ao interno da própria fé:
credo ut intelligam – creio para compreender, é o seu mote.
Surge, então, um grande número de escritos exegéticos, onde
Agostinho recorre muito ao método alegórico promovido por
Orígenes, escritos sobre a fé e sobre a moral cristã, bem
como escritos polêmicos contra as doutrinas heréticas de
seu tempo (os próprios maniqueus, os donatistas e os
pelagianos). No campo da dogmática pode-se destacar o
seu tratado De Trinitate (Da Trindade), onde Agostinho
considera a alma humana em suas potências – memória,
intelecto e vontade – como imagem da Trindade. Ainda é
importante a discussão sobre a relação entre graça, pecado
e natureza, suscitada com o pelagianismo, que pregava a
possibilidade da autossalvação do homem, negando o
pecado original e a necessidade da graça divina.
Para Agostinho, a natureza humana não se encontra em sua
pureza originária, mas se acha decaída e degenerada, o que
impossibilita ao homem salvar-se pelas suas próprias forças.
Assim como o pecado degenera a natureza humana, a graça
a regenera e a resgata. A consideração sobre a liberdade
humana encontra-se, pois, sempre no centro da tensão
dialética entre pecado e graça. A liberdade não se encontra
sem a verdade. Ela é fruto sempre de um processo de
libertação. Nesta libertação, porém, o empenho humano não
é tudo. Embora não se realize a libertação sem empenho, a
libertação mesma é sempre mais do que empenho humano:
é graça divina. A liberdade é, pois, dom de uma conquista,
que exige do homem o melhor de sua boa vontade e que, no
entanto, supera o próprio homem, como evento de
gratuidade divina.
De libertação e de liberdade falam, enfim, as duas principais
obras de Agostinho. As Confissões proclamam a alegria da
libertação nas vicissitudes da sua história pessoal. A Cidade
de Deus investiga os vestígios da ação libertadora de Deus
na história da humanidade como um todo, que, à luz da fé se
torna ela mesma história de salvação, isto é, história de
libertação operada pela revelação da verdade de Cristo e
com a instauração do reino de Deus. As Confissões foram
escritas como um canto novo do homem novo, um louvor à
grandeza e à misericórdia divina que socorre o homem em
sua pequenez e miséria. Já a Cidade de Deus foi escrita a
partir do ano de 410, por ocasião do saque de Roma, por
Alarico, rei dos Godos. A violação da "Cidade eterna" (Roma)
foi um abalo no mundo da época. Os pagãos diziam que o
responsável pela fraqueza de Roma era o cristianismo.
Enquanto Roma fora governada sob a proteção dos deuses
pagãos, ela dominou o mundo; agora que Roma era
governada sob a proteção do Deus cristão, o Deus de um
crucificado, ela se enfraquece e é dominada pelos bárbaros.
Agostinho defende, nesta obra, o cristianismo desta
acusação. Roma fora grande não por causa dos deuses
pagãos e sim por causa da moralidade herdada dos
primeiros romanos. Do mesmo modo, sua queda não era
devida ao Deus cristão e sim à corrupção daquela mesma
moralidade, que se instalara nas instituições do Império. Esta
defesa dá a Agostinho também a ocasião de pensar o
sentido da história à luz da fé cristã. Surge, assim, a primeira
teologia da história, que reúne um vasto saber enciclopédico
e historiográfico sobre a história antiga e uma forte
especulação filosófica sobre o sentido da historicidade da
vida humana como tal. Agostinho morre em 430, com os
Vândalos às portas da cidade de Hipona (Hippo Regius, atual
Annaba, na Argélia), onde ele fora bispo desde o ano de 397.
Ele morre, pois, vendo o fim de uma potência mundial, que
parecia inabalável: o Império Romano.
A Apropriação Crítica da Filosofia
Grega à Luz da Fé Cristã
O sentido do pensamento de Agostinho e de sua apropriação
crítica da filosofia grega no horizonte da fé cristã, talvez
possa ser elucidado com palavras daquele que o doutor de
Hipona considerava o maior de todos os filósofos, Platão.
No Fédon (85 C-D), denomina sua investigação filosófica de
"segunda navegação" (deuteros plous). Na linguagem
marinheira do tempo, "segunda navegação" era aquela que se
fazia com os próprios remos, sem a ajuda do vento. Para
Platão, a primeira navegação era aquela que os primeiros
filósofos tinham empreendido com o pensamento em torno
do ser como physis (natureza). A segunda navegação,
porém, feita com a ajuda da dialética, era aquela que ele
mesmo empreendia com o pensamento em torno do ser
como idea (ideia, forma essencial) e que portava ao
vislumbre do mundo inteligível, para além do mundo sensível,
portanto, ao que nós chamamos de conhecimento
metafísico. Desde Platão, toda a história ocidental fora
condicionada pelo pensamento e conhecimento metafísico,
por esta sua "segunda navegação". O próprio Platão, no
entanto, percebeu os limites desta forma de investigação,
feita com os recursos da razão finita. A filosofia é como uma
jangada, que o filósofo usa, para atravessar o mar da vida, na
falta de um barco sólido, que só uma revelação divina
poderia dar:
De fato, tratando-se destes assuntos (a saber:
relacionados com o sentido da vida e da morte),
não é possível se não fazer uma destas coisas: ou
aprender de outros qual seja a verdade; ou então
descobri-la por si mesmos; ou ainda, se isso for
impossível, aceitar, entre os raciocínios humanos,
aquele que for melhor e menos fácil de se
confutar, e sobre este, como sobre uma jangada
(epi skhedias), afrontar o risco da travessia do
mar da vida (diapleusai ton bion); a menos que se
possa fazer a viagem de modo mais seguro e com
menor risco (asphalesteron kai akindynoteron)
sobre uma nave mais sólida (epi bebaioterou
okhematos), ou seja, confiando-se a uma divina
revelação (epi logou theiou tinos). (PLATÃO,
FEDON, 85 c-d tradução nossa). (cfr. PLATONE
, 1997, p. 198-199).
Ora, Agostinho não hesitou em confiar-se à revelação divina
que ele encontrou na sabedoria da fé cristã. O lignum
crucis – o lenho da cruz – tornou-se para ele o barco sólido e
seguro para aportar no porto estável do ser, superando,
assim, as instabilidades do mar do vir a ser. Como se fosse
uma ressonância ao discurso de Platão sobre a segunda
navegação, as palavras de Agostinho declaram:
A partir do momento que se vê que todas estas
coisas (a saber: do mundo) são mutáveis, o que é
aquilo que é, senão o que transcende todas as
coisas que são e não são neste mundo? Quem,
pois, compreenderá isto? Ou quem, de qualquer
maneira, que tenha empenhado as forças da sua
mente para poder compreender tanto quanto seja
possível aquilo que é, é capaz de chegar àquilo
que, de qualquer maneira, com sua mente
consegue colher? É como se alguém visse de
longe a pátria, mas houvesse no meio o mar que o
separa dela. Ele vê onde deve ir, mas lhe falta o
meio com que ir. Assim é para nós, que queremos
chegar àquela nossa estabilidade, onde aquilo que
é é, porque este somente é sempre assim como é.
Há no meio o mar deste mundo através do qual
devemos ir, enquanto muitos nem mesmo veem
onde devem ir. Por isso, a fim de que existisse
também o veículo com que ir, veio de lá Aquele ao
qual queremos ir. E o que ele fez? Preparou o
lenho com o qual pudéssemos atravessar o mar.
De fato, ninguém pode atravessar o mar deste
mundo, se não é conduzido pela cruz de Cristo. A
esta cruz poderá agarrar-se, às vezes, mesmo
aquele que tem os olhos doentes. E quem não vê
onde deve ir, não se separe da cruz, e a cruz o
conduzirá (AGOSTINHO, Comentário ao
Evangelho de João: II, 2 tradução nossa).
(cfr. AGOSTINHO , 2000, p. 493-495).
Agostinho tinha consciência daquilo que Paulo proclamara
(1Cor 1, 17 – 2, 16): que a sabedoria da cruz é loucura para
aqueles que buscam a sabedoria deste mundo (paraos
gregos) e vice-versa, que a sabedoria deste mundo é loucura
para aquele que vê na cruz a sabedoria de Deus. Entretanto,
ele postula que a sabedoria que a razão busca encontra-se,
em última instância, na "loucura da cruz". A verdadeira
filosofia se encontra na revelação do mistério da cruz. Este
pensamento já tinha emergido em Justino e em Clemente de
Alexandria, por exemplo. Antes de Agostinho, já outro insigne
autor da patrística latina tinha salientado a
heterogeneidade, para não dizer a discrepância e a
"inimizade" entre a busca filosófica da razão humana e a
revelação divina: Tertuliano (séc. II-III), um dos apologistas
do cristianismo diante dos ataques da cultura dominante.
Com palavras inflamadas e com uma retórica
impressionante, feita de antíteses e de paradoxos, diz
Tertuliano:
O que tem o filósofo e o cristão em comum? O
discípulo da Grécia e o discípulo do Céu? O
pretendente à fama e o pretendente à vida eterna?
O fazedor de palavras e o realizador de ações? O
destruidor e o edificador das coisas? O amigo e o
inimigo do erro? O falsificador da verdade e o seu
reconstituidor? O seu ladrão e o seu vigia?
(Apologia 46). O que tem em comum Atenas e
Jerusalém, a Academia e a Igreja, os heréticos e
os cristãos? (Da Prescrição 7). O filho de Deus
foi crucificado: não dá vergonha, porque é
vergonhoso. E o filho de Deus morreu: é credível,
porque improvável. E foi sepultado: é certo,
porque impossível (Da Carne de Cristo 5 –
tradução nossa). (Apud ÜBERWEG; HEINZE ,
1927, p. 50).
Tertuliano acentuou ao máximo a oposição entre fé e razão.
Agostinho reconheceu a heterogeneidade entre a razão e a
fé, mas não acentuou esta oposição, antes buscou conciliá-
las numa síntese bem peculiar, onde a fé assume sob si a
busca filosófica da razão e funciona como instância crítica
desta. Na Idade Média, o que venceu foi a posição de
Agostinho, apesar de sempre ter havido tendências fideístas,
como a de Pedro Damião, no século XII, por exemplo. Esta
união de coisas tão distintas, filosofia e fé, permite, na visão
de Agostinho, uma navegação mais segura no mar desta
vida, para aportar no porto do ser, isto é, na estabilidade
d'Aquele que é o que é, d'Aquele que é sempre assim como é,
conforme a revelação do nome divino a Moisés: Ego sum qui
sum: qui est, misit me ad vos (Eu sou quem sou: quem é,
mandou-me a vós) (Êxodo 3, 14). É assim que a metafísica, o
empenho autônomo da investigação racional que questiona
o ser, e a teologia, o empenho da busca da compreensão da
fé, que se volta para o Deus de Jesus Cristo, se unem. Esta
união marcará o destino da filosofia até o fim Idade Média.
O programa de investigação filosófica em Agostinho se
resume nesta frase: Deum et animam scire cupio. Nihil plus?
Nihil omnino (Desejo conhecer Deus e a alma. Nada mais?
Absolutamente nada mais) (Solilóquio I 2, 7). Portanto, ao
preceito do oráculo délfico (Gnote seauton – conhece-te a ti
mesmo!), Agostinho acrescenta o conhecimento de Deus.
Nesse duplo conhecimento, pois, está o essencial da
investigação filosófica agostiniana. De que adianta ao
homem o conhecimento do mundo inteiro, se ele ignora a si
mesmo e a Deus? Por isso, das três partes da filosofia, a
saber, a física, a lógica e a ética, a mais importante é, nesta
perspectiva, a ética. A física, ou filosofia natural, só vale se
conduz ao conhecimento da causa primeira; a dialética, ou
filosofia racional, é apenas instrumental, uma disciplina que
ensina a aprender e a ensinar e que investiga de que modo o
homem pode conhecer a verdade; já a ética, ou filosofia
moral, é o que mais importa, pois ela é a busca do bem maior
para o homem, ou seja, da felicidade, que consiste na fruição
de Deus (frui Deo), o Sumo Bem, o Bem puro e simples. O
sentido do filosofar está na própria busca da felicidade por
parte do homem: nulla est homini causa philosophandi, nisi
ut beatus sit(não há nenhuma outra causa que leva o homem
a filosofar, a não ser a busca de ser feliz) (A Cidade de
Deus XIX 1). Na verdade, a filosofia natural, a racional e a
moral, constituem um tríplice caminho, que reconduz o
homem a Deus, pois Deus é causa subsistendi (causa do
subsistir), ratio intelligendi (razão do entender) e ordo
vivendi (ordem do viver) (A Cidade de Deus VIII 4).
É a partir dessa perspectiva que Agostinho valora a filosofia
grega. O conhecimento dos filósofos jônicos e itálicos da
natureza só tem valor enquanto conduz ao conhecimento
(vago ainda) de uma razão divina a governar o cosmo.
Sócrates merece atenção, pois mudou o foco da física para a
ética. Platão é o maior dos filósofos. Agostinho conta
Aristóteles entre os mais antigos platônicos, apesar de este
ter fundado a sua própria "seita", a dos peripatéticos; e
considera-o "homem de excelente engenho", superior a
muitos dos platônicos, mas inferior em estilo a Platão (Cfr.
A Cidade de Deus VIII 12). Platão e os filósofos que o
seguem, como Plotino, Porfírio e Jâmblico, se destacam pelo
empenho metafísico (transcendental). Para Agostinho, eles
se encontram na sua mesma dinâmica, ou seja, no
movimento do quaerere Deum (buscar Deus): cuncta corpora
transcenderunt quaerentes Deum; omnem animam
mutabilesque omnes spiritus transcenderunt quaerentes
summum Deum (transcenderam todos os corpos, em busca
de Deus; transcenderam também todas as almas mutáveis e
os espíritos, em busca do sumo Deus). (A Cidade de
Deus VIII 6). O neoplatonismo teria até mesmo, segundo
Agostinho, vislumbrado algo da Trindade. De fato, Agostinho
entrevê uma analogia entre a tríade ser, entender, viver (esse,
inteligere, vivere) ou a tríade Uno (hen), Intelecto (Nous) e
Alma do mundo (Psyché), com o mistério trinitário do Pai,
Filho e Espírito Santo. O neoplatonismo teria ainda o mérito
de propor ao homem a busca da purificação, da iluminação e
da visão de Deus e um ideal de virtude maior, que consiste
no ser semelhante a Deus (A Cidade de Deus IX 17).
Entretanto, movidos pela soberba, os filósofos neoplatônicos
não foram capazes de aderir ao Verbo encarnado: ao Deus
que se esvaziou a si mesmo, fazendo-se semelhante ao
homem e tornando-se servo de todo o homem, a ponto de,
por amor aos homens, sofrer a morte de Cruz. De fato, estes
filósofos mostraram-se vãos, ao aderir aos sacrifícios
pagãos e ao culto dos demônios (entendidos como
mediadores entre os deuses e os mortais), como foi o caso
de Porfírio, o qual confessou não ter ainda constado que
nenhuma seita teria encontrado "a senda universal para a
libertação da alma" (A Cidade de Deus IX 33).
Tornaram-se cegos para o único mediador entre Deus e o
homem, o Deus-homem, Cristo Jesus. Cumpriu-se assim o
oráculo do profeta Isaías: perdam sapientiam sapientium et
prudentiam prudentium reprobabo (porei a perder a
sabedoria dos sábios e reprovarei a prudência dos
prudentes) (Cfr. Confissões VII 9). De fato, a "senda universal
para a libertação da alma" se encontra no seguimento
humilde do Cristo Crucificado, o Logos feito carne,
humanado, que os platônicos, em sua soberba, não
reconhecem.
Também os céticos da Nova Academia se desviaram. Eles
invertem a ordem das coisas, afirmando que o investigar
torna o homem mais feliz do que o saber. Ora, sem a
possibilidade de uma posse da verdade, não tem sentido
nem mesmo a busca e a investigação. É esta posse que,
acima de tudo, torna o homem feliz, como, de resto, afirmou
também Aristóteles (Cfr. Ética a Nicômaco X 7). Eles
afirmaram que o homem, no máximo, pode chegar a um
conhecimento provável do real. Como pode se dar o provável,
sem o verdadeiro? Não é o verdadeiro a medida a partir da
qual se mede o provável? Ademais, quem investiga pode
perceber que o desejo do verdadeiro que é inerente ao
homem não é em vão. Em diversos níveis de conhecimento,
é possível ao homem o conhecimento da verdade. No nível
do conhecimento sensível, por exemplo, pode-se afirmar que
os sentidos não nos enganam, como se costuma afirmar. Na
verdade, como já observaram os estoicos, somos nós que
nos enganamos em nossos juízos sobre o que os sentidos
nos mostram. Já o conhecimento racionalse baseia sobre
um princípio que absolutamente certo: o princípio de não
contradição. Dada uma disjunção contraditória, um dos
membros deve ser verdadeiro e o outro falso. Mesmo se o
conhecimento sensível e o conhecimento racional fossem
enganosos, há algo que se subtrai a todo engano: si fallor,
sum (se me engano, existo), diz Agostinho, antecipando, de
certa maneira, o cogito, ergo sum, de Descartes (Cfr. A
Cidade de Deus XI 26). Com efeito, é certíssima a evidência
da autopresença da mente para si mesma, evidência que ela
tem, junto dos atos ou vivências que ela realiza:
Quem, porém, pode duvidar que a alma vive,
recorda, entende, quer, quer, pensa, sabe e julga?
Pois, mesmo se duvida, vive; se duvida, lembra-se
do motivo de sua dúvida; se duvida, entende que
duvida; se duvida, quer estar certo; se duvida,
pensa; se duvida, sabe que não sabe; se duvida,
julga que não deve consentir temerariamente.
Ainda que duvide de outras coisas não deve
duvidar de sua dúvida. Visto que se não existisse,
seria impossível duvidar de alguma coisa (Da
Trindade X 10, 14). (AGOSTINHO, 1994, p. 328).
A Busca da Felicidade e da Verdade
como Busca de Deus (quaestio dei)
A busca de Deus (quaestio Dei), em Agostinho, passa, pois,
pelo conhecimento da alma (anima), melhor, do espírito
(animus) ou mente (mens), ou seja, não tanto da dimensão
sensitiva da alma, mas de sua dimensão espiritual, que
transcende o mundo sensível, o mundo dos corpos. Graças a
essa transcendência, a mente pode conhecer-se a si mesma
em sua autopresença imediata e em sua evidência
indubitável. Ao homem, o caminho que conduz à verdade
passa necessariamente pelo conhecimento de si mesmo e
pelo recolhimento no mais íntimo de si. Agostinho
indica: noli foras ire, in te redi; in interiore homine habitat
veritas (Não vás para fora, entra em ti mesmo: no homem
interior habita a verdade) (A Verdadeira Religião, 72). A partir
deste aceno, Agostinho, por exemplo, convida o homem a
investigar a grandeza, amplidão e profundidade da memória
(Confissões X 7-19). E se admira:
grande é a potência da memória, ó meu Deus!
Tem não sei quê de horrendo, uma multiplicidade
profunda e infinita. Mas isto é o espírito, sou eu
mesmo. E que sou eu, ó meu Deus? Qual é a
minha natureza? Uma vida variada de
inumeráveis formas com amplidão imensa
(Confissões X 17).
Investigando a si mesmo, Agostinho acaba encontrando o
que supera a si mesmo: a presença de Deus na mente do
homem, como Verdade que o ilumina desde dentro, como
Vida de sua vida. E mais, ele encontra, ainda, na mente
humana, uma analogia da Trindade, na tríade ser, conhecer e
amar, que espelha o Pai, princípio sem princípio do ser, o
Filho, princípio principiado como o Intelecto do Pai, e o
Espírito Santo, o princípio espirado do amor que une Pai e
Filho:
somos, conhecemos que somos e amamos esse ser
e esse conhecer (...). Como conheço que existo,
assim também conheço que conheço. E quando
amo essas duas coisas, acrescento-lhes o próprio
amor, algo que não é de menor valia (A Cidade de
Deus XI 26).
O homem busca a felicidade, mas a felicidade consiste em
se alegrar com a verdade, pois uma felicidade sem verdade
seria uma felicidade falsa, isto é, não seria felicidade. Como
o homem, porém, pode alcançar a verdade? Resposta: dentro
de si mesmo. A Verdade habita o homem interior; ela é o
próprio Deus que ilumina o homem desde dentro. Ubi enim
inveni veritatem, ibi inveni Deum meum ipsam
veritatem (onde encontrei a verdade, ali encontrei o meu
Deus, que é a verdade mesma) (CONFISSÕES X 24). Ora, há
uma diferença ontológica entre a verdade e o verdadeiro. A
verdade é aquilo que possibilita o verdadeiro como
verdadeiro. Agostinho entende a verdade, primordialmente
não no sentido lógico, como a retidão do juízo, pois esta já
supõe a verdade pré-predicativa, a verdade no sentido
manifestativo, ou seja, a verdade no sentido ontológico:
verdade é o que é; ou ainda: verdade é o que mostra aquilo
que é (quae ostendit id quod est) (A Verdadeira
Religião XXXVI 66).
Verdadeiro é aquilo que se mostra tal como é ou que é tal
como se mostra. Verdade é aquilo que produz tal mostrar, ou
seja, é aquilo que ilumina tanto a coisa conhecida como o
próprio ato de conhecer. Assim como o olho do corpo
conhece o visível graças à claridade da luz sensível, também
o olho da mente, o intelecto da criatura espiritual, conhece o
inteligível graças à claridade da luz divina, ou seja, da
Verdade. Ora, esta Verdade não é algo que se submete ao
juízo do homem. Pelo contrário, para que o juízo do homem
seja verdadeiro, isto é, reto, é necessário que ele esteja de
acordo com as regras da verdade. A estas regras Agostinho
chama de rationes aeternae (razões eternas), pois são
imutáveis em si mesmas. Elas dão acesso ao conhecimento
de verdades a priori e incondicionadas, quer no campo
teórico, quer no campo prático. Elas dão acesso, portanto, ao
mundo inteligível, ao reino das ideias, como chamava Platão.
Por exemplo: como pode o homem injusto conhecer o que é
justo? De onde ele tira a ideia da justiça, já que ele é injusto,
se não da luz da Verdade que ilumina o homem sobre o que é
justo e injusto?
Onde, pois, estarão escritas essas regras? Elas
que possibilitam ao injusto reconhecer o que é
justo, descobrir que deve possuir aquilo que ele
mesmo não possui? Onde hão de estar escritas
senão no livro daquela luz que se chama Verdade?
Nesse livro é que se baseia toda lei justa que é
transcrita e que se transfere para o coração do
homem que pratica a justiça. Não como se ela
emigrasse de um lado para o outro, mas a modo
de impressão na alma. Tal como a imagem de um
anel fica impressa na cera, sem se apagar do anel
(Da Trindade XIV 15, 21). (AGOSTINHO, 1994,
p. 469-470).
A Verdade não se encontra somente no íntimo mais íntimo
do homem. Ele também se encontra acima dele, no sentido
de transcendê-lo. Enquanto a mente do homem é mutável, a
Verdade é imutável. Enquanto a mente criada é temporal, a
Verdade incriada é eterna. Ao in te ipsum redi (entra em ti
mesmo) corresponde também o transcende te
ipsum (ultrapasse a ti mesmo), pois a verdade não é
somente "íntima" (o que há de mais interior), mas também
"suma" (o que há de mais elevado) no homem. E esta
Verdade é Deus: Tu autem eras interior intimo meo et
superior summo meo (Tu, com efeito, eras mais íntimo que o
meu próprio íntimo e mais sublime que o ápice do meu ser!
(Confissões III 6).
Criação e Temporalidade
Platão tinha postulado o mundo inteligível das ideias ou
essências como eterno e imutável, separado do mundo
sensível. O Demiurgo de Platão ordena o mundo sensível a
partir do mundo inteligível. Agostinho entende que as ideias
se encontram na mente ou no Intelecto divino (no Logos ou
Verbo). Elas são pensamentos de Deus, segundo os quais ele
cria todas as coisas. São, pois, as razões eternas e estáveis
das coisas, os fundamentos de tudo aquilo que surge e
perece (rationes rerum – razões ou fundamentos das
coisas), que estão presentes na Sabedoria criadora de Deus.
São formas formadoras e não formas formadas, que estão
presentes e atuantes na matéria do universo como logoi
spermatikoi(sementes do Logos) ou rationes
seminales (razões que atuam como sementes), isto é, são
potencialidades de geração e de formação que a matéria traz
consigo, em seu bojo, diz Agostinho, mesclando, assim, uma
concepção ao mesmo tempo platônica e estoica das ideias.
Em lugar da emanação neoplatônica, Agostinho põe a tese
de uma creatio ex nihilo (criação a partir do nada). A
emanação é um processo necessário e eterno. Segundo este
processo, as coisas emergem do Uno de maneira não
imediata, mas através de uma série de mediações. A criação
é, ao contrário, um ato livre e contingente, que não tem
nenhum pressuposto, a não ser a própria vontade criadora
que Deus traz consigo, ou seja, a vontade de comunicar o ser
para além de si mesmo. Dizer que a criação é ex nihilo (do
nada) é dizer que ela é a partir da absoluta liberdade de
Deus. Nada é pressuposto desta criação a não ser a
gratuidade desta liberdade.Mesmo o caos originário, de
onde surge o cosmos é um caos criado. A matéria informe,
um quasenada, é entendida como o substrato indeterminado,
que recebe a o ser como forma determinante das coisas. Se
a forma é o elemento estável e definidor das coisas, a
matéria é o elemento instável: princípio de mutação, que traz
consigo o sentido da transitoriedade do vir a ser. Ademais, a
criação é uma comunicação do ser que é imediata. "Tudo o
que é, enquanto tem o ser, o tem de Deus" (Da Verdadeira
Religião: XVIII 36, 97). Criação é comunicação do ser. É,
portanto, evento que acontece por meio da Palavra (Logos /
Verbo), que é a própria Sabedoria eterna de Deus. É nesta
Sabedoria que estão as Ideias como arquétipos (formas
originárias) de todas as coisas. Na mente divina, porém, não
estão somente as ideias universais das coisas, mas também
as ideias de cada ser individual.
A individualidade ou singularidade das coisas adquire, assim,
uma dignidade eterna e infinita, que não tinha no
pensamento grego. Cada indivíduo foi como indivíduo, isto é,
na sua singularidade, pensado por Deus, desde a eternidade
(Epístola XIV 4). Se do ponto de vista de Deus a criação é
uma comunicação do ser, do ponto de vista da criatura ela é
uma participação do ser. A criatura só é à medida que
participa do ser, que lhe é comunicado livre e gratuitamente
pelo Criador. Por si mesma, ela é um nada e tende para o
nada. Por isso, a conservação do mundo é uma continuação
do ato criador de Deus. Se Deus retirasse o ser que ele
comunica à criatura, esta voltaria para o nada.
A decisão de criar, por parte de Deus, é eterna (Cfr. A Cidade
de Deus XI 4ss). Mas o mundo criado, em virtude da sua
finitude, é temporal. Tempo e espaço só existem no mundo
criado e com o mundo criado. O tempo é a medida do
movimento, do devir, do surgir e perecer. Só há tempo onde
há mutabilidade. Mas, só há medida onde haja uma mente
que atue o ato de medir. A mente humana vive a experiência
imediata do tempo como duração. "Em ti, ó meu espírito,
meço os tempos!" (Confissões XI 27).
Nessa experiência da duração, primeiro vem o futuro, como o
que ainda não é; depois vem o presente, como o que já é;
depois, o passado, como o que não mais é. Na vivência da
duração, o futuro é expectativa; o presente é atenção; o
passado, memória. O tempo é uma distentio animae: o
distender do espírito. Os três tempos, na verdade, são um
único tempo: o presente. O futuro é o presente da
expectativa; o presente é o presente da atenção; o passado,
o presente da memória. Futuro, presente e passado são,
portanto, três formas de presente. Eles pressupõem sempre
a autopresença do espírito a si mesmo. O tempo é, assim,
um vestígio ou uma imagem da eternidade: o presente
estável, que não conhece nem mutação nem duração. O
homem se encontra, assim, entre o tempo e a eternidade, em
virtude da ambivalência de sua natureza. Ele se encontra no
meio, entre o ser absoluto e o nada (o não-ser absoluto). Isso
lhe provoca fascínio e horror: Inhoresco, inquantum dissimilis
ei sum, inardesco, inquantum similis ei sum (horrorizo-me,
enquanto sou dissímile dela [da luz divina], inflamo-me,
enquanto sou símile a ela) (Confissões XI 9).
O Bem, a Vontade e a Ordem do Amor
A comunicação do ser é um ato da bondade de Deus. Aliás,
Deus não é um bem, mas o bem pura e simplesmente. Ele é o
sumo Bem. Na concepção platônica, o Bem é aquilo que
deixa e faz ser, é aquilo que torna o ente apto a ser. Por isso
é que o Bem está além do ser, além de toda entidade
(epekeina tes ousias). Plotino colocou o Uno além do ser. O
Uno é o próprio Bem. Em Agostinho, Deus é o Bem Uno,
anterior a toda a pluralidade de bens.
Torna a olhar a Verdade, se o podes. Por certo, tu
não amas realmente senão aquilo que é bom (...).
Bom é isto e bom é aquilo. Prescinde disso e
daquilo e contempla o próprio Bem, se podes.
Então verás a Deus, que é bom, não por algum
outro bem, mas o Bem de todos os bens (...).
Portanto, a Deus se há de amar, não como se ama
a este ou aquele bem, mas como se ama o próprio
Bem. É esse o bem da alma que se há de procurar
(...). Somente o Bem é bom (Da Trindade: VIII 3,
4). (AGOSTINHO, 1994, p. 263-264).
Na adesão ao Bem puro e simples e na sua fruição está a
felicidade (beatitudo) do homem. Para este Bem tende,
fundamentalmente, a vontade do homem. A vida do espírito
consiste em conhecer e querer, razão e vontade. Vontade
(voluntas) é, porém, essencialmente, amor (amor). Quando a
vontade do homem se volta para as muitas coisas mutáveis
e nelas se dispersa, ou seja, quando ela se volta para os
muitos bens particulares, o amor se torna cobiça
(concupiscentia). In multa defluximos (Nós nos deslizamos
para muitas coisas) (Confissões X 29). A concupiscência da
carne, que é a busca desenfreada do prazer, a
concupiscência dos olhos, que é o desejo vão da
curiosidade, e a soberba, que é a cobiça de ser amado e
temido, sem querer amar e temer armam, a cada passo da
existência do homem, uma cilada. A vida do homem é uma
tentação sem trégua: Numquid non 'temptatio est vita
humana super terram' sine ullo interstitio? (Não é, pois, 'a
vida humana sobre a terra uma tentação' sem interstício?)
(Confissões X 28). Por se deixar arrastar para as muitas
coisas, o homem se torna um peso para si mesmo: "Oneri
mihi sum" (sou um peso para mim mesmo) e a vida se torna
para ele um enfado (moléstia). Por já sempre se ter perdido e
alienado de sua existência autêntica, o homem se torna uma
questão para si mesmo: quaestio mihi factus sum (tornei-me
uma questão para mim mesmo) (Confissões IV 4).
Quando, porém, a vontade se volta para o único e eterno
Bem, que torna boas todas as coisas, o amor se torna
caridade (caritas) e o homem alcança a contenção da
própria existência, recolhendo-se no Uno (continentia) e
obtendo a leveza do ser. Para que isso aconteça, é preciso
que o homem, em suas ações e em seus hábitos, siga a
ordem do amor (ordo amoris). Isso requer, em primeiro lugar,
observar a diferença entre uti (usar) e frui (fruir, encontrar
prazer em).
Em primeiro lugar, o homem precisa servir-se das criaturas,
em vez de buscar nelas a satisfação plena dos seus desejos,
pois a meta última da vontade é o Sumo Bem. Deter-se nas
criaturas seria conter a marcha da vontade em seu caminho
para o seu fim último. Em segundo lugar, o homem precisa
amar menos o que é menos digno de ser amado: o corpo,
menos do que o espírito. Pois, no próprio homem, há uma
hierarquia de ser: o homem é uma alma que se serve de um
corpo: mortali atque terreno utens corpore ([a alma é uma
substância racional] que se serve de um corpo mortal e
terreno) (Dos Costumes da Igreja I 27). Em terceiro lugar, o
homem precisa amar em igual medida o em igual modo deve
ser amado: o próximo. Em quarto lugar, o homem precisa
amar acima de tudo o que acima de tudo é digno de ser
amado: Deus, o Sumo Bem, o próprio amor.
A vontade, portanto, é dotada de livre arbítrio: ela pode se
voltar para o Sumo Bem ou dele se desviar, invertendo a
ordem do amor, isto é, amando menos o que é mais digno de
ser amado e vice-versa, amando mais o que é menos digno
de ser amado. Se, do ponto de vista ontológico, o mal é
uma privatio boni (uma privação do bem); do ponto de vista
ético, o mal é uma inversão na ordem do amor, uma inversão
que tem origem na própria vontade. O livre-arbítrio, portanto,
não é, em si, um bem supremo, e sim um bem mediano, pois
com o livre-arbítrio o homem pode perder ou conquistar a
sua liberdade. É que livre-arbítrio é condição necessária para
a liberdade, mas não suficiente. Para ser livre, o homem não
pode deixar de se libertar continuamente, pela verdade, para
o Bem.
Por isso, não basta ao homem ter uma vontade livre. Para
que ele seja feliz, é preciso que tenha uma vontade boa
(bona voluntas). Contudo, boa é aquela vontade que se dirige
e adere ao Sumo Bem. A questão é se o homem, por si só, é
capaz de alcançar este Sumo Bem. Para Agostinho, a
vontade do homem é, desde o seu nascimento, uma vontade
impotente para alcançar o que ela se propõe. E issoé uma
decorrência do pecado original. Contra Pelágio, desde a
perspectiva da fé cristã, ele postula que somente a graça
pode regenerar a vontade do homem e torna-la capaz de
alcançar aquilo que ela busca em última instância: a fruição
do Sumo Bem.
As Duas Cidades, o Ethos Social e o
Sentido da História
A medida de um homem é a medida de seu amor. Cada um é
aquilo que ele ama e como ele ama. Isto vale não somente
para o indivíduo. Vale também para as comunidades
humanas e para esta comunidade de seres racionais, que é a
Civitas (Cidade, Estado). A civitas é, pois, uma comunidade
espiritual, fundada num ordenamento ético e jurídico. Não
qualquer congregação de seres humanos é uma civitas, mas
sim aquela cuja fundamentação repousa na ratio (razão) e,
por conseguinte, no vínculo da lex (lei). A civitas é, por
conseguinte, uma societas rationalium – sociedade de seres
racionais – fundada sobre o povo, especialmente, sobre o
costume dos antepassados (mos maiorum). A civitas é,
portanto, uma res publica, uma realidade pública, a forma de
sociedade, instituída pelo povo. Agostinho assim definiu o
conceito de 'povo': populus est coetus multitudinis rationalis
rerum quas diligit concordi communione sociatus ("o povo é
o conjunto de seres racionais associados pela concorde
comunidade dos objetos amados") (A Cidade de Deus XIX
24). Por isso, dirá Agostinho, se quisermos conhecer a
identidade de um povo, é preciso perguntar: o que é que ele
ama? Este mesmo critério Agostinho usa para refletir sobre a
história.
A história da humanidade lida à luz da história da salvação,
contida na Bíblia, é, para Agostinho, a história de duas
Cidades, fundadas por dois amores: a Civitas terrena (Cidade
Terrena), simbolizada biblicamente por Babilônia, arquétipo
da desordem e da injustiça, e a Civitas Dei (Cidade de Deus),
simbolizada por Jerusalém, arquétipo da ordem e da justiça.
Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a
saber: o amor próprio, levado ao desprezo a
Deus, a terrena: o amor a Deus, levado ao
desprezo de si próprio, a celestial. Gloria-se a
primeira em si mesma e a segunda em Deus (A
Cidade de Deus XIV 28).
As duas Cidades, portanto, são dois tipos de constituição do
mundo da convivência humana, duas formas de organização
da vida social, cada uma fundada por uma espécie de amor e
seu ethos. Podemos ressaltar a concepção de poder que
fundamenta a arte de governar em uma e outra Cidade:
"naquela, seus príncipes e nações avassaladas veem-se sob
o jugo da concupiscência de domínio; nesta, servem em
mútua caridade, os governantes, aconselhando, e os súditos,
obedecendo" (A Cidade de Deus XIV 28). Ou seja: numa, o
poder é exercido a partir da cobiça de dominação sobre os
outros homens, noutra, o poder é exercido a partir da
intenção de servir e ajudar a construir uma comunidade
humana justa.
As duas cidades encontram-se, durante toda a história,
misturadas. Por conseguinte, não coincidem com a Igreja e o
mundo. A Cidade de Deus tem habitantes mesmo entre os
que estão fora dos limites da Igreja visível, como a cidade
terrena também tem habitantes mesmo entre aqueles que
estão contados como cristãos. A Igreja militante é ainda uma
realidade mista, híbrida: traz em si justos e injustos,
habitantes da Cidade de Deus e da cidade terrena. Somente
a Igreja triunfante, na eternidade, é que será uma realidade
pura e sem mancha de pecado, em que habitarão somente
os justos.
A história é um processo teleológico. A consumação deste
processo consiste na revelação e constituição definitiva do
Reino de Deus: o triunfo da Jerusalém Celeste. A
temporalidade histórica é caracterizada pela
tempestuosidade dos combates entre os humanos que se
agitam na diversidade e mesmo no conflito de seus
interesses. A paz terrena é sempre frágil, fruto dos acordos
interesseiros dos homens. Os homens que amam a justiça,
porém, devem promover esta paz terrena, mas almejando a
paz celeste e perpétua, que é a verdadeira meta da história e
que consiste em o homem fruir de Deus e em Deus. Mas, o
que é a paz como tal? Agostinho responde: "a paz de todas
as coisas é a tranquilidade da ordem". E o que é a ordem? "A
ordem é a disposição que às coisas diferentes e às iguais
determina o lugar que lhes corresponde" (A Cidade de
Deus XIX 13).
Para Refletir 
a. Procure relacionar sua atitude existencial com
sua busca por conhecimento filosófico e em que
medida este pode ser um reflexo daquela.
b. Procure relacionar os temas da razão,
introspecção e fé como atitudes existenciais que
buscam um fundamento filosófico.
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da
Dica do Professor 
Agostinho é um
pensador de alto nível
e de intensa dinâmica
existencial. Sua
influência foi bastante
forte em toda a Idade
Média e chega até aos
nossos dias. Na Alta
Idade Média (do
século V até o ano mil)
sua influência é
decisiva para formar o
espírito medieval
latino. Até o século XII,
esta influência não
encontra concorrência.
Com ele, vigora a filosofia de Platão e do neoplatonismo,
porém, no século XIII, com a recepção de Aristóteles, esta
hegemonia platônico-agostiniana é quebrada, sobretudo na
obra de Tomás de Aquino. Agostinho acabou sendo,
portanto, o elo de dois mundos: o antigo e o medieval.
Durante vários séculos, somente outro pensador, com outro
estilo de pensamento, pode emergir como uma referência
alternativa: o Pseudo-Dionísio Areopagita.
Assista ao filme Agostinho de Hipona, de Roberto
Rossellini.
https://www.youtube.com/watch?v=am3et8aV4ec&t=17s
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Na Prática 
"Prezado(a) estudante,
Esta seção é composta por atividades que
objetivam consolidar a sua aprendizagem
quanto aos conteúdos estudados e
discutidos. Caso alguma dessas atividades
seja avaliativa, seu (sua) professor (a)
indicará no Plano de Ensino e lhe orientará
quanto aos critérios e formas de
apresentação e de envio."
Bom Trabalho!
Leia o trecho a seguir:
Atividade 01 

"O que a alma humana não põe em dúvida é
a sua própria infelicidade e o fato de
desejar ser feliz [...]. A alma não pode
conceder a si mesma a justiça que, uma vez
recebida não mais a possui. Recebeu-a
quando foi feita criatura humana e perdeu-
a, em consequência do pecado [...]. Lembra-
se, contudo, do Senhor seu Deus [...]. Não
que se recorde pelo fato de tê-lo conhecido
em Adão [...]. Mas ela pode ser lembrada
para se voltar para o Senhor [...]. Esta é a
razão pela qual, até os homens ímpios
pensam sobre a eternidade, censuram e
elogiam muitas coisas no comportamento
humano, e com razão. Quais as regras que
inspiram este juízo, senão as normas eternas
que deveriam nortear a vida de cada um,
embora não se viva assim? [...] Onde, pois,
estão escritas essas regras? Elas que
possibilitam ao injusto reconhecer o que é
justo, descobrir que deve possuir aquilo que
ele mesmo não possui? Onde hão de estar
escritas senão no livro daquela luz que se
chama Verdade? Nesse livro é que se baseia
toda lei justa que é transcrita e se transfere
para o coração do homem que pratica a
justiça. Não como se ela emigrasse de um
lado para o outro, mas a modo de impressão
na alma. Tal como a imagem de um anel fica
impressa na cera, sem se apagar do anel.
Aquele que não pratica a justiça, apesar de
saber que deve praticá-la, afasta-se da luz
pela qual é iluminado. Aquele que não sabe
como deve viver, peca com atenuantes,
porque não é transgressor de uma lei que
lhe seja conhecida. Mas ele também é
atingido pelo resplendor da verdade, que
está presente em toda parte, se quando for
admoestado confessar a sua culpa".
(AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Trad. de
Agustino Belmonte. São Paulo: Paulus,
1995, XIV, 15, 21 e 16, 22.)
a. Faça uma paráfrase do texto, reescrevendo frase por
frase sem perder o encadeamento argumentativo.
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Saiba Mais 
Para ampliar seu conhecimento a respeito desse assunto,
veja abaixo a(s)sugestão(ões) do professor:
b. Encontre quais argumentos filosóficos Agostinho
desenvolve aqui em favor da fé cristã.
c. Posicione-se contra ou a favor a tese agostiniana a
favor da tese da Iluminação e explore suas possíveis
consequências.
Faça as leituras de O livre-arbítrio de
Agostinho; Confissões de Agostinho; Agostinho e o
ceticismo, excerto do capítulo 3 do livro Santo
Agostinho de Gareth Matthews.
Assista aos vídeos em que o medievalista prof. Dr.
Carlos Arthur Ribeiro Nascimento fala sobre Santo
Agostinho:
Café Filosófico – Santo Agostinho – Parte 1
Café Filosófico – Santo Agostinho – Parte 2
Café Filosófico – Santo Agostinho – Parte 3
Café Filosófico – Santo Agostinho – Parte 4
http://sumateologica.files.wordpress.com/2009/07/santo_agostinho_-_o_livre-arbitrio.pdf
http://sumateologica.files.wordpress.com/2009/07/santo_agostinho_-_confissoes.pdf
http://criticanarede.com/hist_cepticismo.html
https://www.youtube.com/watch?v=uwY0N14fdpY
https://www.youtube.com/watch?v=O0PtvD_8Phk
https://www.youtube.com/watch?v=sZJFhOpmlRk
https://www.youtube.com/watch?v=9RQ-iEFA9ZM

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