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SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Classificação dos genes quanto à sua regulação ................................................................... 4 3. Elementos essenciais para a regulação gênica .................................................................................. 5 4. Regulação gênica em procariotos ....................... 9 5. Regulação gênica em eucariotos .......................14 6. Cromatina dinâmica ................................................28 7. Regulação pós-transcricional..............................30 8. Silenciamento gênero-específico ......................33 Referências bibliográficas ........................................35 3EXPRESSÃO GÊNICA 1. INTRODUÇÃO Sabemos que todas as caraterísticas físico-químicas que integram um or- ganismo vivo representam a expres- são do conjunto de informações codi- ficadas em genes específicos. De fato, temos que o DNA de um organismo é capaz, em princípio, de codificar todas as moléculas de RNA e de proteínas necessárias para a construção de suas células. No entanto, a descrição pura e simples das sequências gêni- cas do DNA de um organismo, isto é, em perspectiva bioquímica apenas, não seria suficiente para nos revelar de modo preciso como esse organismo se apresenta em seu conjunto fenotípico tão particular. Afinal, todo o processo segue uma dinâmica dependente do acionamento ou não de determina- dos genes, o que, por sua vez, decorre de uma modulação diferencial relacio- nada a fatores diversos. O campo da genética, hoje, particu- larmente o da genética médica, tem permitido avaliações importantes so- bre diferentes conjuntos de manifes- tações, ampliando os debates quanto aos seus fatores desencadeantes e abrindo possibilidades a respeito do manejo de cada um desses fatores em função, por exemplo, de como as refe- ridas modulações podem se processar. Muitas foram as teorias postuladas até o momento, deixando claro o quanto são intrigantes os mecanismos pelos quais os genes orientam a sua própria expressão e como nos mostramos inquietos diante disso, propondo ex- plicações que possam oferecer o es- clarecimento oportuno. Para ilustrar, ainda que de forma modesta, o quan- to avançamos nas discussões, temos, por exemplo, a crença antiga de que uma vez alcançado o estágio de dife- renciação programado, os genes de- veriam ser seletivamente perdidos, no entanto, o conhecimento atual afirma que esses genes geralmente são pre- servados, isto é, permanecem após o processo sem que exibam alterações. Assim, a finalidade desse resumo é jus- tamente nos orientar sobre as regras e os mecanismos que permitem que um conjunto de genes seja expresso sele- tivamente em cada célula. Esses me- canismos operam em diferentes níveis, e nós discutiremos os mais relevantes dentre eles. Vamos lá, então? Os diferentes tipos celulares em um organismo multicelular diferem dras- ticamente, tanto em estrutura como em função. Se compararmos o neurô- nio de um ser humano com uma célu- la muscular, por exemplo, as diferen- ças são tão significativas que é difícil imaginar que as duas células conte- nham o mesmo genoma. Então, qual deverá ser o nosso ponto de partida quando o assunto em questão for a expressão gênica na perspectiva da pluricelularidade? Em primeiro lugar, precisamos levar em conta que todas as estruturas de 4EXPRESSÃO GÊNICA um organismo pluricelular são forma- das por células cujo sequenciamento gênico global é idêntico ao de qualquer outra célula desse mesmo organismo, sendo que a ativação e inativação de genes se processa de forma diferenciada, tipificando um grupo celular em relação ao outro. Esse é o cerne daqui- lo que se denomina diferen- ciação celular e por meio do qual tecidos distintos vão sendo formados em associação harmoniosa a fim de assegurar a ho- meostasia. Os tipos celulares em um organismo multicelular tornam-se, p o r t a n t o , diferentes uns dos outros porque eles sintetizam e acumulam diferentes conjuntos de moléculas de RNA e proteína. Mitocôndrias Núcleo Óvulo a ser fertilizado Espermatozoide Neurônio Célula muscular Núcleo Mitocôndrias Sequência de expressão diferencial de genes Figura 1. Esquema ilustrativo do efeito da expressão gênica diferencial durante o desenvolvimento em animais supe- riores. Uma célula, zigoto, dá origem a variados fenótipos celulares diferentes no organismo adulto. As células de mús- culo e de neurônio são apenas exemplos dentre os muitos tipos celulares que exibem fenótipos altamente divergentes em animais. 2. CLASSIFICAÇÃO DOS GENES QUANTO À SUA REGULAÇÃO A fim de orientar de forma mais apro- priada o nosso estudo acerca das questões relacionadas ao controle da expressão gênica é importante que te- nhamos em mente certos elementos conceituais. Tais conceitos oferecem um suporte de caráter essencialmen- te didático a fim de criar referenciais que nos permitam avançar na enorme 5EXPRESSÃO GÊNICA complexidade que envolve o tema. Sendo assim, podemos começar es- tabelecendo que: • Determinados genes são continu- amente expressos na maioria das células. Tais genes são responsá- veis pela manutenção das funções essenciais de qualquer célula, tais como transcrição, tradução e repli- cação. A expressão destes genes é denominada expressão consti- tutiva e os genes são denomina- dos genes constitutivos. • Os demais genes são, portanto, re- gulados. Apesar de muitos genes comporem “circuitos de expres- são geneticamente pré-progra- mados” (cascatas de regulação). • Diversos outros são ativados ou reprimidos em resposta a estímu- los ambientais, tais como frio, calor, estresse e ferimentos. Por terem sua expressão passível de indução pelo ambiente, são denominados genes induzíveis. • Os genes que se expressam ape- nas em determinados tecidos são chamados genes tecido-espe- cíficos e estão sob regulação tecido-específica. • Aqueles genes que se expressam apenas durante determinados pe- ríodos são controlados através de regulação temporal. 3. ELEMENTOS ESSENCIAIS PARA A REGULAÇÃO GÊNICA Como um primeiro passo para en- tender a diferenciação celular, seria interessante se soubéssemos preci- samente quantas diferenças existem entre um tipo celular e outro. Embora não seja possível estabelecer a res- posta exata a essa questão funda- mental, podemos fazer várias afirma- ções gerais no sentido de ampliar a nossa compreensão a respeito, tais como: • Muitos processos são comuns a todas as células, e, sendo assim, podemos entender que duas cé- lulas quaisquer em um único or- ganismo podem vir a apresentar produtos gênicos idênticos. Esses incluem as proteínas estruturais dos cromossomos, RNA e DNA- -polimerases, enzimas de reparo do DNA, proteínas ribossômicas e RNAs, enzimas que catalisam as reações centrais do metabolismo e muitas das proteínas que formam o citoesqueleto, como a actina. • Algumas proteínas e RNAs são abundantes nas células espe- cializadas nas quais elas atuam e não podem ser detectadas em nenhum outro local, mesmo por testes sensíveis. A hemoglobina, por exemplo, é expressa especifi- camente nas hemácias, onde ela carrega o oxigênio molecular, e a 6EXPRESSÃO GÊNICA enzima tirosina aminotransferase é expressa no fígado, não sendo sintetizada na maioria dos outros tecidos. • Quando os padrões de expressão de RNA em diferentes linhagens celulares humanas são compa- rados, observa-se que o nível de expressão de praticamente to- dos os genes varia de um tipo celular para outro. Algumas des- sas diferenças são notáveis, como aquelas da hemoglobina e de tiro- sina aminotransferase citadas an- teriormente, mas a maioria é muito mais sutil. • As diferenças radicais na expres- são gênica entre tipos celulares são, portanto, reveladas de ma- neira mais completa por meio de métodos que acessam dire- tamente os níveis de proteínas juntamente com suas modifica-ções pós-traducionais. É interessante o fato de muitas cé- lulas especializadas em um organis- mo multicelular possuírem padrões de expressão gênica que lhe são ca- racterísticos, ou seja, cada célula é capaz de alterar seu padrão de ex- pressão gênica em resposta a sinais extracelulares. Proteína adequada Condições ambientais Regulação gênica Inativação transcricional de genes não essenciais Ativação transcricional de genes relevantes Organismo Necessidade de expressão de características adequadas Algumas células, por exemplo, quan- do expostas a certas substâncias, podem responder a esse estímulo aumentando expressivamente a síntese de proteínas específicas. Vale ressaltar que um estímulo de mesma natureza pode resultar em expressões gênica muito particulares 7EXPRESSÃO GÊNICA em cada tipo celular específico. Enfim, podemos resumir da seguinte forma: diferentes tipos celulares frequen- temente respondem de maneiras bastante diversas para o mesmo sinal extracelular. Outras caracterís- ticas do padrão de expressão gênica não mudam e dão a cada tipo celular suas propriedades particulares. Vamos pensar juntos! Sabemos que existem muitas etapas que integram o fluxo da informação gênica desde as sequências codificadas de nucle- otídeos nos genes até as sequências de aminoácidos na cadeia proteica. A questão é seguinte: se as diferenças entre os vários tipos celulares depen- dem dos genes particulares que a cé- lula expressa, em qual nível o controle dessa expressão gênica é exercido? Já está claro que mecanismos de re- gulação justificam a forma pela qual a célula expressa de forma tão diferen- ciada seus genes e quanto ao modo como se opera tal mecanismo, temos que elas podem orientar de forma precisa a síntese de suas proteínas por meio dos seguintes dispositivos: • Controle sobre quando e como um determinado gene é transcri- to (controle transcricional) • Controle sobre como o transcri- to de RNA é submetido a spli- cing ou é processado (controle do processamento de RNA) • Seleção de quais mRNAs com- pletos são exportados do núcleo para o citoplasma, determinando onde no citoplasma eles ficam localizados (controle do trans- porte e da localização de RNA) • Seleção de quais mRNAs no cito- plasma são traduzidos pelos ri- bossomos (controle traducional) • Desabilitação seletiva de certas moléculas de mRNA no citoplas- ma (controle da degradação do mRNA) • Ativação, inativação, degrada- ção ou compartimentalização seletiva de moléculas de proteína específicas após a sua produção (controle da atividade proteica). Admitimos que para a maioria dos ge- nes, os controles transcricionais são os mais importantes. Isso faz senti- do porque quando levamos em conta os chamados “pontos de controle” ao longo do processamento da infor- mação, que parte do DNA e que se concretiza com a síntese da proteína, verificamos que somente o controle transcricional garante que a célula não sintetizará intermediários supérfluos. Existe um grupo de proteínas conheci- das como reguladores da transcrição (ou transcricionais). Essas proteínas reconhecem sequências específicas de DNA (geralmente com 5 a 10 pares de nucleotídeos de comprimento) que 8EXPRESSÃO GÊNICA são frequentemente denominadas se- quências reguladoras cis-atuantes, pois devem estar no mesmo cromos- somo em que se localizam os genes que elas controlam. Os reguladores transcricionais ligam- -se a essas sequências, que se en- contram dispersas pelos genomas, e essas ligações dão início a uma série de reações que, por último, especifi- cam quais genes serão transcritos e em quais taxas. A transcrição de cada gene é, por sua vez, controlada por seu conjunto particular de sequências reguladoras cis-atuantes. Essas sequ- ências geralmente residem próximas ao gene, com frequência na região intergênica diretamente a montante do ponto de início de transcrição do gene. Ainda que alguns poucos genes sejam controlados por uma única se- quência reguladora cis-atuante, que é reconhecida por um único regula- dor transcricional, a maioria dos genes possui arranjos complexos de sequ- ências reguladoras cis-atuantes, cada uma delas sendo reconhecida por um regulador transcricional diferente. Regulação da transcrição Regulação do processamentoTranscrito primário (pré-mRNA) DNA Núcleo Citoplasma mRNA Regulação do transporte Regulação da estabilidade do mRNA mRNA inativo Regulação da tradução Regulação da função e do endereçamento da proteína Regulação da estabilidade da proteína Proteína com conformação funcional Proteína degradada Figura 2. Esquema ilustrativo das diversas etapas nas quais a expressão de um gene de eucarioto pode ser regulada 9EXPRESSÃO GÊNICA Um regulador transcricional reco- nhece uma sequência reguladora cis- -atuante específica porque a super- fície da proteína é extensivamente complementar às características de superfície que são particulares à du- pla-hélice que apresenta essa sequ- ência. Cada regulador transcricional faz um grande número de contatos com o DNA, envolvendo ligações de hidrogê- nio, ligações iônicas e interações hidro- fóbicas. Embora cada contato individu- al seja fraco, os aproximadamente 20 contatos que normalmente são forma- dos em uma interface proteína-DNA somam--se para assegurar que a inte- ração seja altamente específica e muito forte. De fato, as interações DNA-pro- teína incluem algumas das interações moleculares mais fortes e mais especí- ficas conhecidas na biologia. SE LIGA! Aproximadamente 10% dos genes codificadores de proteínas na maioria dos organismos produzem regu- ladores transcricionais, e eles controlam muitas características das células. Os re- guladores transcricionais normalmente atuam em grupos e ligam-se ao DNA co- operativamente, uma característica que apresenta vários mecanismos subjacen- tes, alguns dos quais exploram o empa- cotamento do DNA em nucleossomos. Em geral, reguladores transcricionais ligam-se ao DNA em nucleossomos com menor afinidade do que com o DNA nu, livre de proteínas. Existem duas razões para essa diferença: pri- meiramente a superfície da sequência reguladora cis-atuante reconhecida pelo regulador transcricional pode es- tar voltada para dentro no nucleosso- mo, em direção ao cerne de histonas, e, portanto, pode não estar prontamente disponível para a proteína reguladora. Além disso, mesmo que a face da se- quência reguladora cis-atuante esteja exposta na superfície externa do nucle- ossomo, muitos reguladores transcricio- nais alteram sutilmente a conformação do DNA quando se ligam a ele, e essas mudanças geralmente deixam de ocor- rer devido ao enrolamento apertado do DNA ao redor do cerne de histonas. Por exemplo, muitos reguladores transcri- cionais induzem uma curvatura ou do- bra no DNA quando se ligam a ele. Entendermos como reguladores trans- cricionais ligam-se às sequências re- guladoras cis-atuantes presentes no genoma é fundamental para a com- preensão de como os genes se expres- sam e, uma vez dominando esse co- nhecimento, precisamos agora discutir como, uma vez ligadas, essas proteínas influenciam na transcrição dos genes. 4. REGULAÇÃO GÊNICA EM PROCARIOTOS Inicialmente, vamos tomar como exemplo para orientar o nosso apren- dizado aquilo que se verifica em pro- cariotos, afinal a situação nas bac- térias é mais simples do que nos eucariotos. Em um segundo momen- to, avançaremos para a situação mais complexa dos eucariotos. 10EXPRESSÃO GÊNICA O genoma da bactéria Escherichia coli consiste em uma única molécula de DNA circular de aproximadamente 4,6 × 106 pares de nucleotídeos. Esse DNA codifica aproximadamente 4.300 proteínas, embora apenas uma fração seja sintetizada pela célula de cada vez. As bactérias regulam a expressão de muitos dos seus genes de acordo com as fontes de alimentação que estão disponíveis no ambiente. Por exemplo, na E. coli, cinco genes codi- ficam enzimas que produzemo ami- noácido triptofano. Esses genes estão arranjados em um agrupamento no cromossomo e são transcritos a partir de um único promotor como uma úni- ca longa molécula de mRNA; esses agrupamentos de genes transcritos coordenadamente são denominados óperons. Figura 3. Um grupo de genes bacterianos pode ser transcrito a partir de um único promotor. Cada um desses cinco genes codifica uma enzima diferente, e todas essas enzimas são necessárias para sintetizar o aminoácido triptofano a partir de moléculas mais simples. Os genes são transcritos como uma única molécula de RNA, uma característica que possibilita que sua expressão seja coordenada. Os conjuntos de genes transcritos como uma única molécula de mRNA são comuns em bactérias. Cada um desses conjuntos é denominado óperon, porque sua expressão é controlada por uma sequência reguladora cis-atuante denominada operador (em verde), situado dentro do promotor. Fonte: Alberts, B. – Biologia Molecular da Célula – 6ª Edição – Artmed - 2017 Ainda que os óperons sejam comuns em bactérias, eles são raros em eu- cariotos, onde os genes são normal- mente transcritos e regulados indivi- dualmente. Quando as concentrações de triptofano estão baixas, o óperon é transcrito, o mRNA resultante é tradu- zido para produzir o conjunto completo de enzimas biossintéticas, que irão tra- balhar juntas para sintetizar triptofano a partir de moléculas muito mais simples. Entretanto, quando o triptofano está abundante, por exemplo, quando a bactéria está no intestino de um ma- mífero que recém se alimentou de uma refeição rica em proteínas, o aminoáci- do é importado pelas células, que inter- rompem a produção dessas enzimas, que passam a não ser mais necessá- rias. Vejamos como se dá essa repres- são do óperon do triptofano. Dentro do promotor do óperon existe uma 11EXPRESSÃO GÊNICA sequência reguladora cis-atuante que é reconhecida por um regulador trans- cricional. Quando o regulador se liga a essa sequência, ele bloqueia o acesso da RNA-polimerase ao promotor, im- pedindo, desse modo, a transcrição do óperon (e, portanto, a produção de en- zimas produtoras de triptofano). O regulador transcricional é conhe- cido como o repressor triptofano, e a sua sequência reguladora cis-atuan- te é denominada operador triptofa- no. Esses componentes são controla- dos de uma forma simples: o repressor somente será capaz de se ligar ao DNA se tiver também ligado a várias moléculas de triptofano. O repressor triptofano é uma proteína alostérica, e a ligação do triptofano causa uma mu- dança sutil na sua estrutura tridimen- sional, fazendo a proteína poder se ligar à sequência operadora. Sempre que a concentração de triptofano livre na bactéria cair, o triptofano se disso- cia do repressor, o repressor não mais se liga ao DNA, e o óperon triptofano passa a ser transcrito. O repressor é, portanto, um disposi- tivo simples que liga e desliga a pro- dução de um conjunto de enzimas biossintéticas de acordo com a dis- ponibilidade do produto final da via à qual essas enzimas pertencem. O repressor triptofano, por si só, encon- tra-se sempre presente na célula. O gene que codifica esse repressor é transcrito continuamente em um bai- xo nível, de tal forma que uma peque- na quantidade da proteína repressora está sempre sendo produzida. Des- se modo, a bactéria pode responder muito rapidamente a um aumento ou queda na concentração de triptofano. Figura 4. Genes podem ser desligados por proteínas repressoras. Se a concentração de triptofano dentro da bactéria está baixa (à esquerda), a RNA-polimerase (azul) liga-se ao promotor e transcreve os cinco genes do óperon do tripto- fano. Entretanto, se a concentração do triptofano estiver alta (à direita), a proteína repressora (em verde-escuro) torna- -se ativa e se liga ao operador (em verde-claro), onde ela bloqueia a ligação da RNA-polimerase ao promotor. Sempre que a concentração intracelular do triptofano cair, o repressor se dissocia do DNA, permitindo que a RNA-polimerase transcreva novamente o óperon. Fonte: Alberts, B. – Biologia Molecular da Célula – 6ª Edição – Artmed - 2017 12EXPRESSÃO GÊNICA Assim, o repressor triptofano, como o seu nome sugere, é uma proteína que atua como um repressor transcricio- nal: na sua forma ativa, ela desliga genes ou os reprime. Alguns regu- ladores transcricionais bacterianos fazem o oposto: eles ligam genes ou os ativam. Essas proteínas que são ativadores transcricionais atuam em promotores, que ao contrário do promotor do óperon triptofano são apenas marginalmente capazes de ligar e posicionar a RNA-polimerase por si próprios. Contudo, esses pro- motores de funcionamento deficien- te podem se tornar completamente funcionais por meio de proteínas ati- vadoras que se ligam a sequências reguladoras cis-atuantes próximas e contatam a RNA-polimerase, auxi- liando-a a iniciar a transcrição. Figura 5. Genes podem ser ligados por proteínas ativadoras. Uma proteína ativadora liga-se à sua sequência regu- ladora cis-atuante no DNA e interage com a RNA-polimerase para auxiliá-la a iniciar a transcrição. Sem o ativador, o promotor não é capaz de iniciar a transcrição de maneira eficiente. Em bactérias, a ligação do ativador ao DNA é frequentemente controlada pela interação de um metabólito ou outra molécula pequena (triângulo vermelho) com a proteína ativadora. Fonte: Alberts, B. – Biologia Molecular da Célula – 6ª Edição – Artmed - 2017 Assim como observamos no caso do repressor triptofano, as proteínas ati- vadoras com frequência devem inte- ragir com uma segunda molécula para serem capazes de ligar ao DNA. Por exemplo, a proteína ativadora bac- teriana CAP deve se ligar ao AMP cíclico (cAMP) antes de poder se ligar ao DNA. Genes ativados pela CAP são ligados em resposta a um aumento na concentração intracelu- lar de cAMP, que aumenta quando a glicose, a fonte de carbono preferida pelas bactérias, não está mais dispo- nível; como resultado, CAP aciona a produção de enzimas que possibili- tam à bactéria digerir outros açúcares. 13EXPRESSÃO GÊNICA Domínio N-terminal Domínio C-terminalHélice F Ligação do cAMP cAMP Domínio N-terminal Domínio C-terminalHélice F Ligação do cAMP cAMP Figura 6. A proteína CAP, na ausência de cAMP tem uma configuração espacial que não permite a sua ligação com o DNA. Ao se combinar com o cAMP, a proteína CAP sofre uma modificação em sua forma espacial (alteração alostérica) e pode se ligar a sequên- cias de bases específicas do DNA. Quando o complexo proteína CAP- cAMP se liga ao DNA, a hélice sobre uma distorção (quadro) na região promotora, tornando- -a acessível à polimerase do RNA. Em muitos casos, a atividade de um único promotor é controlada por vários reguladores transcricionais diferentes. O óperon Lac em E. coli, por exemplo, é controlado tanto pelo repressor Lac quanto pelo ativador CAP mencionado há pouco. O óperon Lac codifica prote- ínas requeridas para importar e digerir o dissacarídeo lactose. Na ausência de glicose, a bactéria produz cAMP, que ativa CAP a ligar genes que possibili- tam à célula usar fontes alternativas de carbono – incluindo lactose. Contudo, seria um desperdício se a CAP induzis- se a expressão do óperon Lac se a pró- pria lactose não estivesse disponível. Portanto, o repressor Lac desliga o óperon na ausência de lactose. Esse arranjo possibilita que a região contro- ladora do óperon Lac integre dois sinais diferentes, de maneira que o óperon somente é altamente expresso quan- do duas condições são encontradas: a glicose tem que estar ausente e a lac- tose tem que estar presente. Quando a lactose estiver presente e a glicose ausente, a célula executa o programa apropriado, nesse caso, a transcrição de genes que possibilitam a incorpo- ração e a utilização da lactose. Todos os reguladores transcricionais, sejam eles repressores ou ativadores, devem estar ligados ao DNA para exercerem os seus efeitos. Dessa forma,cada proteína reguladora atua seletivamente, controlando somente aqueles genes que apresentem uma sequência reguladora cis-atuante de DNA reconhecida por ela. 14EXPRESSÃO GÊNICA Figura 7. Ação da proteína CAP e do cAMP sobre a transcrição de óperons envolvidos no metabolismo de açúcares. Temos uma representação esquemática do modo de ação do repressor Lac e do complexo proteína CAP-cAMP sobre a transcrição do óperon Lac. I Glicose presente (níveis baixos de cAMP) + lactose ausente Promotor Operador Repressor CAP Z Y A Ausência de síntese de mRNA lac I Glicose presente (níveis baixos de cAMP) + lactose presente Z Y A Baixíssima síntese de mRNA lac Complexo indutor-repressor I Z Y A Alta síntese de mRNA lac cAMP Glicose ausente (níveis altos de cAMP) + lactose presente SE LIGA! O óperon Lac, assim como ou- tros óperons relacionados com o meta- bolismo de açúcares, está sujeito a um controle duplo: a proteína repressora atua negativamente sobre a transcrição do óperon, enquanto o complexo CAP- -cAMP atua positivamente, fornecendo as condições básicas para a transcrição. Hoje se sabe que complexo CAP-cAMP liga-se ao promotor Lac e dobra o DNA dessa região, o que permite que ele seja reconhecido pela polimerase do RNA. 5. REGULAÇÃO GÊNICA EM EUCARIOTOS Quando comparada à situação en- contrada em bactérias, a regulação da transcrição em eucariotos envol- ve um número muito maior de pro- teínas e sequências de DNA muito mais longas, no entanto muitos dos mesmos princípios são igualmente aplicáveis. Assim como nas bactérias, 15EXPRESSÃO GÊNICA o momento e o local nos quais cada gene deve ser transcrito é especifica- do por sequências reguladoras cis-a- tuantes correspondentes, que são “li- das” pelos reguladores transcricionais que se ligam a elas. Uma vez ligados ao DNA, reguladores transcricio- nais positivos (ativadores) auxiliam a RNA-polimerase a iniciar a trans- crição dos genes, e reguladores negativos (repressores) bloqueiam esse processo. Nas bactérias, como vimos anterior- mente, a maior parte das interações entre reguladores transcricionais liga- dos ao DNA e RNA-polimerases (in- dependentemente de ativarem ou re- primirem a transcrição) são interações diretas. Em eucariotos, por outro lado, essas interações são quase sempre indiretas: muitas proteínas interme- diárias, incluindo as histonas, atuam entre o regulador transcricional ligado ao DNA e a RNA-polimerase. Além disso, em organismos multicelulares, é comum dezenas de reguladores trans- cricionais controlarem um único gene, com sequências reguladoras cis-atu- antes espalhadas ao longo de dezenas de milhares de pares de nucleotídeos. Nos eucariotos, a RNA-polime- rase II transcreve todos os genes codificadores de proteínas e muitos genes de RNAs não codificadores. Essa polimerase requer cinco fatores de transcrição gerais, diferentemente da RNA-polimerase bacteriana, que necessita de apenas um único fator de transcrição geral. O acoplamento em etapas dos fatores de transcri- ção gerais no promotor eucariótico fornece, em princípio, múltiplos pas- sos nos quais a célula pode acelerar ou diminuir a taxa de início de trans- crição em resposta a reguladores transcricionais. Como as muitas sequências regula- doras cis-atuantes que controlam a expressão de um gene típico se en- contram frequentemente espalha- das ao longo de grandes extensões de DNA, usamos o termo região de controle gênico para descrever o conjunto completo de sequências de DNA envolvidas em regular e iniciar a transcrição de um gene eucarió- tico. Esse termo inclui o promotor, onde os fatores de transcrição gerais e a RNA-polimerase se associam, e todas as sequências reguladoras cis-atuantes nas quais reguladores transcricionais ligam-se para contro- lar as taxas dos processos de asso- ciação no promotor. 16EXPRESSÃO GÊNICA RNA polimerase Estrutura do mRNA Início da transcrição Sequências reguladoras Diferenças na transcrição entre procariotos e eucariotos Eucariotos RNA-polimerase I, II e III Eucariotos As sequências regulatórias podem estar muito distantes do promotor Eucariotos Normalmente contém informação para uma única proteína (RNA mocistrônico) Eucariotos As RNAs-polimerases utilizam proteínas diversas para efetuar a transcrição Procariotos Um único tipo de RNA-polimerase Procariotos Os genes são frequentemente controlados por sequência regulatória única situada próximo do promotor Procariotos Normalmente contém informação para proteína diferentes (RNA policistrônico) Procariotos A RNA-polimerase é capaz de iniciar a transcrição sem o auxílio de proteínas adicionais FLUXOGRAMA – DIFERENÇAS NA TRANSCRIÇÃO ENTRE PROCARIOTOS E EUCARIOTOS 17EXPRESSÃO GÊNICA Podemos afirmar, em resumo, a títu- lo de comparação, que em bactérias, proteínas como o repressor tripto- fano, o repressor Lac e a proteína CAP ligam-se ao DNA sozinhas e afetam diretamente a atividade da RNA-polimerase no promotor. Os reguladores transcricionais eucarióti- cos, em contrapartida, geralmente se associam em grupos nas suas sequ- ências reguladoras cis-atuantes. Com frequência, dois ou mais reguladores ligam-se cooperativamente. Os fatores de transcrição gerais eu- carióticos e a RNA-polimerase não são capazes, por si próprios, de se associarem a um promotor que esteja empacotado em nucleossomos. Por- tanto, além de dirigirem a montagem da maquinaria de transcrição no pro- motor, ativadores transcricionais eu- carióticos promovem a transcrição dando início a mudanças na estru- tura da cromatina de promotores, fazendo a sequência de DNA asso- ciada ficar mais acessível. As maneiras mais importantes de al- terar localmente a estrutura da cro- matina ocorrem por modificações covalentes nas histonas, por remo- delagem de nucleossomos, por re- moção de nucleossomos e por subs- tituição de histonas. Os ativadores transcricionais eucarióticos usam to- dos esses quatro mecanismos: por- tanto eles atraem coativadores que incluem enzimas modificadoras de histonas, complexos de remodelagem da cromatina dependentes de ATP e chaperonas de histonas, cada um dos quais podendo alterar a estrutura da cromatina dos promotores. Essas alterações locais na estrutu- ra da cromatina fornecem um maior acesso ao DNA, facilitando, desse modo, a montagem dos fatores de transcrição gerais no promotor. Além disso, algumas modificações de his- tonas atraem especificamente es- sas proteínas para o promotor. Esses mecanismos com frequência atuam em conjunto durante a iniciação da transcrição. Em alguns casos, a iniciação da transcrição requer que um ativador transcricional ligado ao DNA libere a RNA-polimerase do promotor, per- mitindo, dessa forma, que ela inicie a transcrição do gene. Em outros casos, a RNA-polimerase pausa após trans- crever cerca de 50 nucleotídeos de RNA, e o alongamento subsequente da cadeia requer a presença de um ativador transcricional ligado atrás da RNA-polimerase. Essas polimerases pausadas são comuns em humanos, nos quais uma fração significativa dos genes que não estão sendo transcri- tos possuem uma polimerase pausa- da localizada a jusante do promotor. 18EXPRESSÃO GÊNICA Figura 8. Ativadores transcricionais podem atuar em diferentes etapas. Além de promoverem (A) a ligação de regula- dores transcricionais adicionais e (B) a associação da RNA-polimerase nos promotores, os ativadores transcricionais são frequentemente necessários (C) para liberar RNA-polimerases já associadas ao promotor ou (D) para liberar molé- culas de RNA-polimerase que ficaram paralisadas após transcrever cerca de 50 nucleotídeos de RNA. Fonte: Alberts, B. – Biologia Molecular da Célula – 6ª Edição – Artmed – 2017 transcrição abaixo do valor padrão e rapidamente desligar genes que es- tavam previamente ativados. Assim, grandes regiões do genoma podem ser silenciadas pelo empa- cotamento do DNA em formas de Ainda que o estado “padrão” do DNA eucariótico empacotadoem nucleos- somos seja resistente à transcrição, eucariotos usam reguladores trans- cricionais para reprimir a transcrição de genes. Esses repressores trans- cricionais podem diminuir a taxa de 19EXPRESSÃO GÊNICA cromatina especialmente resistentes. Entretanto, genes eucarióticos estão raramente organizados no genoma de acordo com a função, e essa estraté- gia não é geralmente aplicável para desligar um conjunto de genes que atuam em conjunto. Em vez disso, a maior parte dos repressores eucari- óticos age gene a gene. Ao contrário dos repressores bacterianos, eles não competem diretamente com a RNA- -polimerase pelo acesso ao DNA, eles atuam por vários outros mecanismos. Ainda que todos esses mecanismos, em última instância, bloqueiem a transcrição pela RNA-polimerase, re- pressores transcricionais eucarióticos normalmente atuam trazendo corre- pressores para o DNA. Assim como no caso da ativação transcricional, a repressão da transcrição pode atuar por meio de mais de um mecanismo em um dado gene-alvo, garantindo, desse modo, uma repressão espe- cialmente eficiente. Em organismos multicelulares, dada a complexidade dos processos rela- cionados ao seu desenvolvimento, temos que a expressão alterada de um único gene em uma etapa crítica pode resultar em consequências de- sastrosas para o indivíduo. Por essa razão, muitos dos genes que codifi- cam as proteínas reguladoras mais importantes do desenvolvimento são mantidos fortemente reprimi- dos quando as proteínas não são necessárias. Já vimos que todos os genes possuem regiões controladoras, que ditam em que momento, em quais condições e em que tecidos o gene será expres- so. Também vimos que reguladores transcricionais eucarióticos podem atuar mesmo que localizados a lon- gas distâncias, por meio da formação de alças de DNA com as sequências intervenientes. Como, então, essas regiões controladoras dos diferen- tes genes mantêm-se sem interferir umas com as outras? Por exemplo, o que impede um regulador transcricio- nal ligado na região controladora de um gene de formar uma alça na dire- ção errada e influenciar de forma ina- propriada a transcrição de um gene adjacente? Para evitar esse tipo de cruzamento de informações, vários tipos de ele- mentos de DNA compartimentalizam o genoma em domínios reguladores discretos como, por exemplo, as se- quências-barreira que impedem a heterocromatina de espalhar-se aos genes que precisam ser expressos. Um segundo tipo de elemento de DNA, denominado isolador, impede que sequências reguladoras cis-atu- antes ajam de forma descontrolada e ativem genes inapropriados. Os isoladores agem formando alças de cromatina, um efeito mediado por proteínas especializadas que se ligam a elas. As alças mantêm um gene e sua região controladora pró- ximos e ajudam a evitar que a região 20EXPRESSÃO GÊNICA controladora se “alastre”, afetan- do genes adjacentes. Cabe ressal- tar que essas alças podem ser dife- rentes em diferentes tipos celulares, dependendo das proteínas particula- res e das estruturas de cromatina que estejam presentes. Figura 9. Diagrama esquemático resumindo as propriedades dos isoladores e sequências-barreira. (A) Isoladores bloqueiam direcionalmente a ação de sequências reguladoras cis-atuantes, enquanto sequências-barreira impedem a disseminação da heterocromatina. (B) Proteínas ligadoras de isoladores (violeta) mantêm a cromatina em alças, favore- cendo, desse modo, associações entre gene e sequência reguladora cis-atuante “corretas”. Portanto, gene B é regula- do de forma adequada, e as sequências reguladoras cis-atuantes do gene B são impedidas de influenciar a transcrição do gene A. Fonte: Alberts, B. – Biologia Molecular da Célula – 6ª Edição – Artmed – 2017 Embora os cromossomos estejam or- ganizados em domínios ordenados que desencorajam as regiões con- troladoras de atuarem indiscrimina- damente, existem circunstâncias es- peciais em que se verificou que uma região controladora localizada em um cromossomo ativa um gene locali- zado em um cromossomo diferente. Embora haja pouca compreensão a respeito desse mecanismo, ele indica a extrema versatilidade das estra- tégias de regulação transcricional. Embora todas as células devam ser capazes de ativar e desativar seus genes em resposta às mudanças em seus ambientes, as células dos orga- nismos multicelulares desenvolveram essa capacidade em um grau extre- mo. Em particular, uma vez que de- terminada célula em um organismo se torna comprometida a diferenciar-se em um tipo celular específico, a célu- la mantém essa escolha por muitas gerações subsequentes, significando que ela se lembra das mudanças na expressão gênica envolvidas nessa escolha. Esse fenômeno de memória celular é um pré-requisito para a criação de tecidos organizados e para a manu- tenção de tipos celulares estavelmen- te diferenciados. Em contraste, ou- tras mudanças na expressão gênica em eucariotos, assim como a maioria dessas mudanças em bactérias, são apenas transitórias. O repressor do triptofano, por exemplo, desativa os genes do triptofano nas bactérias so- mente na presença de triptofano; as- sim que ele é removido do meio, os genes são novamente ativados, e os 21EXPRESSÃO GÊNICA descendentes da célula não terão re- gistro de que os seus ancestrais fo- ram expostos ao triptofano. Considere o gene da Drosophila Even-skipped (Eve), cuja expressão desempenha um papel importante no desenvolvimento do embrião de Drosophila. Se esse gene for inati- vado por mutação, muitas partes do embrião não se formam, e ele morre em uma etapa precoce de seu desen- volvimento. No estágio do desenvol- vimento no qual Eve começa a ser ex- presso, o embrião é uma única célula gigante contendo múltiplos núcleos em um citoplasma comum. Esse citoplasma contém uma mistu- ra de reguladores transcricionais que estão distribuídos de forma desigual ao longo da extensão do embrião, for- necendo uma informação posicional que distingue uma parte do embrião da outra. Embora os núcleos sejam inicialmente idênticos, eles rapida- mente iniciam a expressão de genes diferentes, pois são expostos a dife- rentes reguladores transcricionais. Por exemplo, os núcleos próximos da extremidade anterior do embrião em desenvolvimento estão expostos a um conjunto de reguladores trans- cricionais distinto do conjunto que influencia os núcleos do meio ou da extremidade posterior do embrião. A região reguladora do gene Eve é muito grande (aproximadamente 20 mil pares de nucleotídeos). Ela é formada por uma série de módulos reguladores relativamente simples, cada qual contendo múltiplas sequ- ências reguladoras cis-atuantes e sendo responsável por especificar uma listra particular da expressão de Eve ao longo do embrião. Nos embriões da maioria dos outros organismos e em todos os adultos, núcleos individuais estão localizados em células separadas, e a informação extracelular (incluindo pistas posicio- nais) devem ser transmitidas através da membrana plasmática de tal forma a gerar sinais no citosol que resultem em diferentes reguladores transcri- cionais se tornando ativos em dife- rentes tipos celulares. Vimos, então, que reguladores trans- cricionais podem agir em combina- ção para controlar a expressão de um gene individual. Geralmente também é verdade que cada regulador trans- cricional em um organismo contribui para o controle de muitos genes. O controle gênico combinatório tor- na possível gerar uma grande parte da complexidade biológica mesmo com relativamente poucos regulado- res transcricionais. Devido ao controle combinatório, um determinado regu- lador transcricional não tem necessa- riamente uma única função simples e definível como comandante de uma bateria particular de genes ou como especificador de um determinado tipo celular. 22EXPRESSÃO GÊNICA Em vez disso, os reguladores trans- cricionais podem ser comparados às palavras de uma linguagem: eles po- dem ser usadoscom diferentes signi- ficados em uma grande variedade de contextos e raramente são utilizados sozinhos, é a combinação bem es- colhida que transmite a informação que especifica um evento gênico re- gulador. O controle gênico combi- natório faz o efeito de adicionar um novo regulador transcricional em uma célula depender da história passada dessa célula, uma vez que é essa his- tória que determina quais reguladores transcricionais já estarão presentes. Desse modo, durante o desenvol- vimento, uma célula pode acumular uma série de reguladores transcricio- nais que inicialmente não precisam alterar a expressão gênica. A adição dos membros finais da combinação necessária de reguladores transcri- cionais completará a mensagem re- guladora, podendo levar a grandes alterações na expressão gênica., As RNAs-polimerases utilizam proteínas diversas para efetuar a transcrição Nem todos os genes se expressam Tipos celulares distintos exibem conjuntos proteicos próprios Múltiplos cromossomos Muitas sequências gênicas Regulação mais complexa Genoma maiores O acesso às regiões promotoras é restrito pela estrutura da cromatina Não são encontrados óperons Genes eucarióticos possuem muito mais regiões regulatórias As sequências regulatórias podem estar muito distantes do promotor Pluricelulares RNA-polimerase I, II e III Eucariotos Regulação gênica A RNA-polimerase é capaz de iniciar a transcrição sem o auxílio de proteínas adicionais Cromossomo único Poucas sequências gênicasRegulação mais simples Os genes são frequentemente controlados por sequência regulatória única situada próximo do promotor Um único tipo de RNA- polimerase Genoma reduzido Participação de óperons Unicelulares Mecanismos rápidos e eficientes de adaptação a mudanças no ambiente Indutores sinaliza a mudança ambiental Procariotos FLUXOGRAMA – REGULAÇÃO GÊNICA 23EXPRESSÃO GÊNICA A importância de combinações de re- guladores transcricionais para a es- pecificação de tipos celulares é mais facilmente demonstrada pela habili- dade dos mesmos, quando expres- sos artificialmente, de converter um tipo celular em outro. Dessa forma, a expressão artificial de três regula- dores transcricionais específicos de neurônios em células hepáticas pode converter essas células hepáticas em células nervosas funcionais. Em alguns casos, a expressão de até mesmo um único regulador transcri- cional é suficiente para converter um tipo celular em outro. Por exemplo, quando o gene que codifica o regula- dor transcricional MyoD é introduzi- do artificialmente em fibroblastos cul- tivados a partir de tecido conectivo de pele, os fibroblastos formam células semelhantes a células musculares. Os fibroblastos, que são derivados da mesma classe ampla de células em- brionárias que dão origem às células musculares, já acumularam muitos dos outros reguladores transcricionais necessários para o controle combina- tório de genes músculo-específicos, e a adição de MyoD completa a combi- nação particular necessária para dire- cionar as células a se tornarem mús- culo. Um exemplo ainda mais notável é observado ao se expressar artificial- mente, no início do desenvolvimento, um único regulador transcricional de Drosophila (Eyeless) em grupos de células que normalmente iriam seguir para a formação de partes das patas. Aqui, essa mudança na expressão gê- nica anormal induz o desenvolvimen- to de estruturas semelhantes a olhos nas pernas. A manipulação de regu- ladores transcricionais pode também induzir várias células diferenciadas a se desdiferenciar em células-tron- co pluripotentes que são capazes de originar diferentes tipos celulares no corpo, de forma muito semelhante às células-tronco embrionárias. Como vimos anteriormente, diferen- tes tipos celulares de organismos multicelulares diferem enorme- mente nas proteínas e RNAs que expressam. De forma resumida, o que temos, essencialmente, são pa- drões de expressão específicos de ti- pos celulares diferentes os quais são orquestrados por uma combinação de reguladores mestres da trans- crição. Em muitos casos, essas pro- teínas ligam-se diretamente a sequ- ências reguladoras cis-atuantes dos genes particulares desse tipo celular. Portanto, MyoD liga-se diretamente a sequências reguladoras cis-atuantes localizadas nas regiões controladoras de genes específicos de músculos. SE LIGA! A atividade das proteínas re- guladoras da transcrição eucariótica com frequência é controlada por intera- ções com outras proteínas. 24EXPRESSÃO GÊNICA Em outros casos, reguladores mestres controlam a expressão de reguladores transcricionais a jusante, que, por sua vez, ligam-se a regiões controladoras de outros genes específicos de um tipo celular e controlam a síntese dos mesmos. A especificação de um tipo celular em particular envolve mudan- ças na expressão de milhares de ge- nes. Os genes cujos produtos protei- cos são requeridos no tipo celular são expressos em altos níveis, enquanto aqueles que não são necessários nor- malmente são regulados para baixo. Como poderia se esperar, o padrão de ligação entre os reguladores mes- tres e todos os genes regulados pode ser extremamente elaborado. Embora geralmente mantenham suas identi- dades, as células especializadas de- vem responder de forma constante a mudanças no seu ambiente. SAIBA MAIS! Muitas proteínas eucarióticas reguladoras de transcrição são proteínas modulares, que apre- sentam domínios separados para a ligação ao DNA, ativação ou repressão e interação com outras proteínas. Entre as mudanças mais importantes estão os sinais de outras células que coordenam o comportamento de todo o organismo. Muitos dos sinais indu- zem mudanças transitórias na trans- crição dos genes. Consideraremos como tipos celulares especializados aqueles que ativam ou inativam gru- pos de genes de forma rápida e de- cisiva em resposta ao seu ambiente. Mesmo que o controle da expressão gênica seja combinatório, os efeitos de um único regulador transcricio- nal ainda podem ser decisivos na ativação ou na inativação de um gene particular, simplesmente por completar a combinação necessária para maximizar a ativação ou a re- pressão daquele gene. Todas as descobertas descritas até aqui sobre os mecanismos regulado- res de genes eucarióticos derivam de abordagens bioquímicas e genéticas continuamente aprimoradas, sendo que aquelas de natureza genética, particularmente, sofreram avanços muito significativos em função dos estudos envolvendo a levedura uni- celular Saccharomyces cerevisiae. Esse organismo, que desempenhou um papel-chave em vinificação, pro- dução de cervejas e panificação por muitos séculos, tem sido fundamental para a compreensão de uma grande parte da biologia celular eucariótica. Diversas décadas de pesquisas pro- duziram muitas percepções fun- damentais sobre os princípios de como as proteínas reguladoras da 25EXPRESSÃO GÊNICA transcrição eucariótica atuam e como os diferentes tipos celulares são ge- rados. Justifica-se, portanto, um breve exame de dois sistemas reguladores de genes de levedura: o primeiro se refere à via de utilização da galac- tose; o segundo é o controle do tipo reprodutivo. Via de utilização da galactose Para fazer uso da galactose extra- celular, a levedura importa o açúcar e o converte em um tipo de glicose que pode ser metabolizada. Diversos genes, como GAL1, GAL2, GAL7 e GAL10, no genoma de levedura codi- ficam enzimas que catalisam as eta- pas na via bioquímica que converte a galactose em glicose. Três genes adi- cionais: GAL3, GAL4 e GAL80 co- dificam proteínas que regulam a ex- pressão dos genes enzimáticos. Assim como no sistema lac de E. coli, a abundância do açúcar determina o nível de expressão gênica na via bio- química. Em células de levedura cul- tivadas em meios com ausência de galactose, os genes GAL são ampla- mente silenciados. Mas, na presença de galactose (e na ausência de glico-se), os genes GAL são induzidos. O regulador-chave da expressão gê- nica de GAL é a proteína Gal4, uma proteína de ligação ao DNA sequ- ência-específica. A Gal4 talvez seja a proteína reguladora da transcrição mais bem-estudada em eucariotos. A dissecção detalhada da sua regu- lação e atividade tem sido uma fonte de diversas percepções-chave sobre o controle da transcrição em eucario- tos. Na presença de galactose, os ní- veis de expressão dos genes GAL1, GAL2, GAL7 e GAL10 são 1.000 vezes superiores, ou mais, do que na sua ausência. A galactose é convertida em glicose-1-fosfato em uma série de etapas. Essas etapas são catalisadas por enzimas (Gal1 e assim por diante) codificadas pelos genes estruturais GAL1, GAL2, GAL7 e GAL10 GAL2 GAL1 GAL7 GAL10 GAL7 Glicólise Via GAL Galactose (extracelular) Galactose-1-fosfato UDP-Glicose Galactose (intracelular) UDP-Galactose Glicose-1-fosfato FLUXOGRAMA – VIA GAL Além de sua ação em células de le- vedura, demonstrou-se que a Gal4 é capaz de ativar a transcrição em 26EXPRESSÃO GÊNICA células de insetos, células humanas e de muitas outras espécies eucarióti- cas. Essa versatilidade sugere que o maquinário bioquímico e os mecanis- mos de ativação gênica são comuns a uma ampla variedade de eucariotos, que as características reveladas em leveduras em geral estão presentes em outros eucariotos e vice-versa. Controle do tipo reprodutivo O tipo reprodutivo atua como um ex- celente modelo para a compreensão da lógica da regulação gênica em animais multicelulares. Observa- mos que Saccharomyces cerevisiae pode existir em qualquer um de três tipos celulares diferentes, conhecidos como a, α e a/α. Os dois tipos celula- res a e α são haploides e contêm ape- nas uma cópia de cada cromossomo. A célula a/α é diploide e contém duas cópias de cada cromossomo. Embo- ra os dois tipos de células haploides não possam ser distinguidos por seu aspecto ao microscópio, eles podem ser diferenciados por meio de uma di- versidade de características celulares específicas, principalmente do seu tipo reprodutivo. Uma célula α cruza apenas com uma célula a e uma célula a cruza apenas com uma célula α. Uma célula α se- creta um oligopeptídio feromônio, ou hormônio sexual, denominado fator α, que paralisa as células a no ciclo celu- lar. De modo semelhante, uma célula a secreta um feromônio, denominado fator a, que paralisa as células α. A parada celular de ambos os partici- pantes é necessária para o sucesso reprodutivo. A célula diploide a/α não realiza cruzamento, é maior do que as células α e a e não responde aos hor- mônios reprodutivos. A análise genética de mutantes de- feituosos no cruzamento demonstrou que o tipo celular é controlado por um único locus genético, o locus do tipo reprodutivo, MAT. Existem dois alelos do locus MAT: as células haploides a apresentam o alelo MATa e as célu- las haploides α apresentam o alelo MATα. A célula diploide a/α apre- senta ambos os alelos. Embora o tipo reprodutivo esteja sob o controle genético, determinadas linhagens al- teram o seu tipo reprodutivo, às ve- zes, com frequência tal que chega a ser proporcional a cada divisão celular que se processa. Diferentes combina- ções de proteínas de ligação ao DNA regulam a expressão de conjuntos de genes específicos para tipos celulares diferentes. SE LIGA! Em leveduras e em eucariotos multicelulares, os padrões de expressão gênica específicos do tipo celular são re- gulados por combinações de fatores de transcrição que interagem. Análises genéticas de mutantes que não podem cruzar identificaram uma quantidade de genes estruturais que 27EXPRESSÃO GÊNICA estão separados do locus MAT, mas cujos produtos proteicos são neces- sários para o cruzamento. Um gru- po de genes estruturais é expresso apenas no tipo celular α (genes espe- cíficos de α) e outro grupo é expres- so apenas no tipo celular a (genes a-específicos). O locus MAT controla, enfim, quais desses grupos de genes estruturais são expressos em cada tipo celular. O alelo MATa causa a expressão dos genes estruturais da célula do tipo a, enquanto o alelo MATα causa a ex- pressão dos genes estruturais da cé- lula do tipo α. Esses dois alelos ativam diferentes grupos de genes, tendo em vista que codificam diferentes pro- teínas reguladoras. Além disso, uma proteína reguladora não codificada pelo locus MAT, denominada MCM1, também é conhecida por desempe- nhar um papel-chave na regulação do tipo celular. HORA DA REVISÃO! Embora bactérias e eucariotos compar- tilhem uma grande parte da lógica da regulação gênica, existem algumas di- ferenças fundamentais nos mecanismos subjacentes e no maquinário. Ambos utilizam proteínas de ligação ao DNA com sequências específicas para mo- dular o nível de transcrição. Entretanto, os genomas eucarióticos são maiores e sua diversidade de propriedades é maior do que aquela das bactérias. Ine- vitavelmente, a regulação dos genomas eucarióticos é mais complexa, refletindo a sua complexidade estrutural e funcio- nal. Isso requer mais tipos de proteínas reguladoras e mais tipos de interações com as regiões reguladoras adjacentes no DNA. Uma diferença notável é que o DNA eucariótico é compactado em nu- cleossomos, formando a cromatina, en- quanto o DNA bacteriano não apresenta nucleossomos. Em eucariotos, a estrutu- ra da cromatina é dinâmica e é um ingre- diente essencial na regulação gênica. 28EXPRESSÃO GÊNICA 6. CROMATINA DINÂMICA Existe um outro mecanismo que in- fluencia a transcrição gênica em eu- cariotos modificando a estrutura da cromatina local ao redor das sequ- ências gênicas reguladoras. Para compreender totalmente como esse mecanismo atua, precisamos com- preender a estrutura da cromatina, como ela pode ser alterada e como essas alterações afetam a expressão gênica. Em princípio, o recrutamento do ma- quinário de transcrição por ativadores pode aparentar ser um pouco seme- lhante em eucariotos e bactérias, sen- do que a principal diferença reside no número de proteínas que interagem Princípios da regulação gênica Produtos gênicos que funcionam em conjunto, normalmente tem regulação da expressão semelhante, ou estão organizados em óperons A iniciação da transcrição é o ponto mais crítico do controle da expressão gênica; por isso os genes eucarióticos possuem muito mais regiões regulatórias A ativação gênica depende de um indutor, normalmente uma molécula pequena, que “sinaliza” a mudança ambiental O acesso às regiões promotoras é restrito pela estrutura da cromatina, de modo que o remodelamento da cromatina é necessário Esses organismos requerem mecanismos rápidos e eficientes de adaptação a mudanças no ambiente A transcrição da maioria dos genes esta em um estado “bloqueado” pela ligação de proteínas inibidoras. Genes eucariotos não se organizam em óperons, mas uma regulação conjunta pode se obtida pela presença de mais sítios reguladores da iniciação de transcrição Procariotos Eucariotos Características básicas da regulação gênica em procariotos e eucariotos FLUXOGRAMA – CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA REGULAÇÃO GÊNICA EM PROCARIOTOS E EUCARIOTOS 29EXPRESSÃO GÊNICA no maquinário de transcrição. No en- tanto, vale ressaltar que a regulação eucariótica não deve ser encarada simplesmente como uma versão bioquimicamente mais complica- da daquela que se desenvolve em bactérias. É fundamental levar em conta o efeito da organização do DNA genômico em eucariotos, haja vista que as reper- cussões decorrentes de como essa organização se efetiva sobre os cita- dos mecanismos regulatórios é bem documentada atualmente. Em com- paração ao DNA eucariótico, o DNA bacteriano é relativamente “nu”, o que o torna prontamente acessível para a RNA polimerase. Contrariamente, os cromossomos eucarióticos estão compactados na cromatina, que é composta por DNA e proteínas (principalmente histonas). A compactação do DNA eucarióti- co emcromatina significa que uma grande parte do DNA não está pron- tamente acessível às proteínas regu- ladoras e ao aparato de transcrição. Portanto, enquanto os genes pro- carióticos em geral estão acessíveis e “ligados”, exceto se reprimidos, os genes eucarióticos estão inacessíveis e “desligados”, exceto se ativados. A modificação da estrutura da cromati- na é uma característica distintiva de muitos processos eucarióticos, in- cluindo, além da regulação gênica, a replicação do DNA e o reparo do DNA. Existem três mecanismos impor- tantes para alterar a estrutura da cromatina: • Movimentação dos nucleosso- mos ao longo do DNA, também denominada remodelagem da cromatina. • Modificação das histonas no cerne do nucleossomo. • Substituição das histonas comuns em um nucleossomo por variantes de histonas. SE LIGA! A cromatina pode ser dinâ- mica; os nucleossomos não necessaria- mente estão em posições fixas no cro- mossomo. A remodelagem da cromatina altera a densidade ou a posição do nu- cleossomo e é uma parte integrante da regulação gênica eucariótica. Um modo de alterar a estrutura da cromatina pode ser simplesmente mover o octâmero de histonas ao lon- go do DNA. As posições do nucleos- somo podem ser alteradas no DNA de célula para célula e ao longo do ciclo de vida de um organismo. A transcri- ção é reprimida quando o promotor e as sequências flanqueadoras (região do DNA que limita a extremidade 5’ de uma unidade de transcrição e na qual uma variedade de sequências regulatórias estão localizadas ou se- quências de nucleotídeos que estão localizadas antes do ponto em que se inicia a transcrição) estão enrolados 30EXPRESSÃO GÊNICA em um nucleossomo, o que evita o início da transcrição pela RNA pol II. Portanto, a ativação da transcrição requer que os nucleossomos sejam deslocados para longe do promotor. Contrariamente, quando a repressão gênica é necessária, os nucleossomos são alterados para uma posição que evita a transcrição. A alteração da po- sição do nucleossomo é denominada remodelagem da cromatina. SAIBA MAIS! A cromatina dos eucariotos não é uniforme. As regiões heterocromáticas altamente conden- sadas apresentam menos genes e frequências de recombinação mais baixas do que as regi- ões eucromáticas menos condensadas. 7. REGULAÇÃO PÓS-TRANSCRICIONAL Diante de tudo o que vimos, estamos certos quanto ao fato de que cada passo necessário para o processo de expressão gênica pode ser con- trolado. De fato, podemos encontrar exemplos de cada tipo de regulação, e muitos genes são regulados por múltiplos mecanismos. Os controles na iniciação da transcrição gênica são a forma crítica de regulação da maio- ria dos genes, no entanto outros con- troles podem atuar mais tarde, na via do DNA para a proteína, a fim de mo- dular a quantidade de produto gênico que é produzida e em alguns casos para determinar a sequência de ami- noácidos do produto proteico. Esses controles pós-transcricionais, que operam após a RNA-polimerase ter se ligado ao promotor do gene e ini- ciado a síntese do RNA, são cruciais para a regulação de muitos genes. SE LIGA! Proteínas que “respondem” ao sinal de controle da tradução podem “li- gar” ou “desligar” do mRNA, inibindo ou permitindo a tradução. Isso pode ser ve- rificado, por exemplo, no caso da ferritina a qual consiste numa proteína intracelu- lar que se liga ao ferro. Sua expressão é controlada pelos níveis intracelulares de ferro através da IRE-binding protein, que se liga ao ferro e controla a expressão de ferritina. Há muito tempo sabe-se que a ex- pressão de alguns genes é inibida pela terminação prematura da transcrição, um fenômeno chamado de atenuação da transcrição. Em alguns desses ca- sos, a cadeia nascente de RNA adota uma estrutura que a induz a interagir com a RNA-polimerase de maneira a abortar a sua transcrição. Quando o produto gênico é necessário, as pro- teínas reguladoras ligam-se à cadeia nascente de RNA e removem a atenu- ação, permitindo a transcrição de uma molécula completa de RNA. 31EXPRESSÃO GÊNICA Os transcritos de muitos genes euca- riotos são encurtados pelo splicing do RNA, no qual as sequências dos íntrons são removidas do precursor do mRNA. Além disso, a célula pode processar o transcrito de RNA de diferentes manei- ras e desse modo fazer diferentes ca- deias polipeptídicas a partir do mesmo gene – um processo denominado spli- cing alternativo do RNA. Uma propor- ção substancial dos genes de animais (estimados 90% em humanos) produz múltiplas proteínas desse modo. Quan- do existem diferentes possibilidades de splicing em várias posições no transcri- to, um único gene pode produzir dúzias de proteínas diferentes. Em um caso extremo, temos que a Drosophila pode produzir em torno de 38 mil proteínas diferentes a partir de um único gene por meio do splicing al- ternativo. Em alguns casos, o splicing alternativo do RNA ocorre porque há uma ambiguidade na sequência do íntron: o mecanismo-padrão do spli- ceossomo para a remoção das sequ- ências intrônicas não é capaz de distin- guir completamente entre dois ou mais pareamentos alternativos de sítios de splicing 5’ e 3’, de maneira que as dife- rentes escolhas são feitas ao acaso nos diferentes transcritos individuais. Onde tal splicing alternativo consti- tutivo ocorre, várias versões da pro- teína codificada pelo gene são feitas em todas as células nas quais o gene é expresso. Em muitos casos, entre- tanto, o splicing alternativo do RNA é regulado. Nos exemplos mais simples, o splicing regulado é usado para al- terar a produção de uma proteína não funcional para a produção de uma proteína funcional (ou vice-versa). Início da transcrição do RNA Transcrito de RNA é abortado Possível atenuação Adição do quepe Sequências de mRNA não funcionaisSplicing e clivagem da extremidade 3’ Possível edição de RNA Exportação nuclear Retenção e degradação no núcleo Tradução bloqueada Localização espacial no citoplasma Início da tradução Possível recodificação traducional Possível estabilização do RNA RNA é degradado Síntese proteica continuada Figura 10. Controles pós-transcricionais da expressão gênica. A taxa final de síntese de uma proteína pode, em princípio, ser controlada em qualquer das etapas listadas à esquerda. Além disso, o splicing de RNA, a edição do RNA e a tradução recodificada também podem alterar a sequência de aminoácidos em uma proteína, tornando possível para a célula produzir mais de uma variante proteica a partir do mesmo gene. 32EXPRESSÃO GÊNICA Além de permitir a comutação entre a produção de uma proteína funcio- nal e a produção de uma proteína não funcional (ou vice-versa), a regulação do splicing de RNA pode gerar di- ferentes versões de uma proteína em diferentes tipos celulares, de acordo com as necessidades da cé- lula. A tropomiosina, por exemplo, é produzida em formas especializadas em diferentes tipos de células. As for- mas de tipos celulares específicos de muitas outras proteínas são produzi- das da mesma maneira. O splicing do RNA pode ser regulado tanto negativamente, por uma molé- cula que impeça que a maquinaria de splicing tenha acesso a um sítio parti- cular de splicing no RNA, como positi- vamente, por uma molécula regulado- ra que auxilie a direcionar a maquinaria de splicing para outro sítio de splicing que, de outra maneira, seria ignorado. Devido à plasticidade do splicing do RNA, o bloqueio de um sítio de spli- cing “forte” frequentemente irá expor um sítio “fraco” e resultará em pa- drões diferentes de splicing. Portan- to, o splicing de uma molécula de pré- -mRNA pode ser pensado como um balanço delicado entre sítios de spli- cing competidores, um balanço que pode ser facilmente deslocado para um lado por meio da ação de proteí- nas reguladoras sobre o splicing. A fim de consolidar nosso conheci- mento precisamos discutir sobre um grupo de RNAs pequenos que reali- zam a interferência de RNA(RNAi). Nesse processo, pequenos RNAs de fita simples (20-30 nucleotídeos) atuam como RNAs guias que reorga- nizam seletivamente e se ligam, por meio de pareamento de bases, a ou- tros RNAs na célula. Quando o alvo é um mRNA maduro, os RNAs não codificadores pequenos podem inibir a tradução desse alvo ou até mesmo catalisar a destruição do mesmo. Se a molécula de mRNA alvo estiver no processo de ser transcrita, o RNA não codificador pequeno pode se ligar a ele e dirigir a formação de certos tipos de cromatina repressiva no molde de DNA associado. Três classes de RNAs não codifica- dores pequenos atuam desse modo – micro-RNAs (miRNAs), pequenos RNAs de interferência (siRNAs) e RNAs que interagem com piwi (piRNAs). Ainda que difiram na forma como os trechos de RNA de fita sim- ples pequenos são gerados, os três tipos de RNAs pequenos localizam seus alvos por meio de pareamento de bases do tipo RNA-RNA, e geral- mente eles promovem reduções na expressão gênica. A recomposição alternativa do RNA também contribui para a regulação gênica, assim como a regulação da tradução do mRNA por proteínas e microRNA (miRNA). Em cada caso, sequências reguladoras no RNA são reconhecidas, por meio de fatores de recomposição, proteínas 33EXPRESSÃO GÊNICA de ligação ao mRNA ou miRN, e re- gulam a estrutura do produto protei- co, sua quantidade ou a localização na qual a proteína é produzida. Nesse contexto, merece destaque, portanto, o MicroRNAs (miRNAs) os quais se apresentam como pequenos RNAs não-codantes, conservados ao longo da evolução, capazes de re- gular a expressão gênica através da degradação ou repressão da tradu- ção de moléculas-alvo de RNA men- sageiro. A expressão dos miRNAs se apresenta desregulada em diversos processos patológicos, incluindo o câncer. Dependendo do contexto e do tipo celular em que são expres- sos, um mesmo miRNA pode exibir atividade oncogênica ou supressora tumoral. Dessa forma, a função dos miRNAs pode, em última instância, depender do microambiente espe- cífico de determinado tipo celular, o qual pode prover diferentes re- pertórios de genes-alvo. Mais de mil micro-RNAs (miRNAs) diferentes são produzidos pelo geno- ma humano, e eles parecem regular pelo menos um terço de todos os ge- nes codificadores de proteínas. Uma vez produzidos, os miRNAs pareiam com mRNAs específicos e modulam a tradução e a estabilidade dos mes- mos. Os precursores dos miRNAs são sintetizados pela RNA-polimerase II e são submetidos à adição de quepe e poliadenilados. Eles, então, sofrem um tipo especial de processamento, após o qual o miRNA é montado com um conjunto de proteínas para formar um complexo de silenciamento indu- zido por RNA. Muitas das proteínas que participam dos mecanismos reguladores dos miRNAs também servem para uma segunda função como mecanismo de defesa: elas orquestram a degrada- ção de moléculas de RNA estranhas, especialmente aquelas que ocorrem em forma de fita dupla. Muitos ele- mentos de transposição e vírus pro- duzem RNA de fita dupla, pelo me- nos transitoriamente, em seus ciclos celulares, e a RNAi auxiliam a man- ter esses invasores potencialmente perigosos sob controle. 8. SILENCIAMENTO GÊNERO-ESPECÍFICO Vamos considerar agora dois fenô- menos genéticos disseminados em mamíferos que dependem do sexo do indivíduo. Nesses casos, genes específicos ou até um cromossomo inteiro são silenciados durante toda a vida de um organismo. Trata-se de uma situação muito particular em que esses genes ou cromossomos são si- lenciados no sexo masculino ou femi- nino, mas não em ambos. No fenômeno de imprinting genô- mico, determinados genes autossô- micos apresentam padrões de heran- ça incomuns. Por exemplo, um alelo Igf2 é expresso em um camundongo 34EXPRESSÃO GÊNICA apenas se ele for herdado do pai do camundongo – um exemplo de im- printing materno, tendo em vista que a cópia do gene derivada da mãe é inativa. Contrariamente, um alelo H19 de ca- mundongo é expresso apenas se for herdado da mãe; o H19 é um exem- plo de imprinting paterno, tendo em vista que a cópia paterna é inativa. A consequência do imprinting paren- tal é que os genes imprintados são expressos como se fossem a única cópia do gene presente na célula, embora existam duas. De importân- cia, nenhuma alteração é observada nas sequências de DNA dos genes imprintados; ou seja, o gene idêntico pode ser ativo ou inativo na progênie, dependendo de ter sido herdado da mãe ou do pai. Isso, então, representa um fenômeno epigenético. SE LIGA! A epigenética compreende um conjunto de mecanismos que promovem a regulação da expressão gênica a nível transcricional através de modificações químicas no DNA e na cromatina, como metilação, acetilação e fosforilação, que resultam na consequente mudança fe- notípica do indivíduo sem, no entanto, ocorrer nenhuma alteração na sequên- cia do DNA. Se a sequência do DNA do gene não está correlacionada com a atividade, o que está correlacionado? A respos- ta é que durante o desenvolvimento dos gametas, grupos metil são adicio- nados ao DNA nas regiões regulado- ras de genes imprintados apenas em um sexo. É entendido que o DNA de genes que estão desligados durante toda a vida normalmente é altamen- te metilado. Entretanto, é importante observar que a metilação do DNA é uma de diversas marcas epigenéti- cas associadas à inativação gênica a longo prazo. Outras marcas in- cluem a metilação de aminoácidos de histonas específicos. 35EXPRESSÃO GÊNICA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alberts, B. – Biologia Molecular da Célula – 6ª Edição – Artmed – 2017 Griffiths, AJF; Wessler, SR; Carrol, SB; Doebley, J – Introdução à Genética – 11ª Edição – Guanabara Koogan – 2016 Zaha. A - Biologia Molecular Básica – 5º Edição - 2014 36EXPRESSÃO GÊNICA