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0 DA FENOMENOLOGIA À EXISTENCIAL: a visão da personalidade do ser 1 A FUNDAMENTAÇÃO DA FENOMENOLOGIA EM HUSSERL A fenomenologia se constituiu através de um movimento filosófico cuja pretensão seria de conhecer os fenômenos da consciência a partir de si mesmos. O termo fenomenologia tem origem grega significando o estudo daquilo que se mostra. Ele foi cunhado com base em muitos filósofos e pensadores ao longo da história, cujas ideias foram se interpondo, complementando e se modificando até chegarmos na fenomenologia utilizada pela psicologia como uma forma de entendimento do ser. Através de um olhar histórico a fenomenologia como um método teve sua origem no início do século XX com o filósofo, matemático e lógico, Edmund Husserl (GIOVANETTI, 2017). Esse período era perpassado por duas respostas possíveis acerca das questões do conhecimento: uma ciência positivista totalmente fundamentada em fatos determinados, apresentando resultados observáveis que conduziram a invenções memoráveis e um progresso científico que deslumbrava a todos; de outro modo existia a filosofia com repostas mais desalinhadas onde cada filósofo pensava a seu modo, tornando-se quase impossível encontrar critérios objetivos que auxiliassem no entendimento do que era aceitável e do que não era confiável (HUSSERL, 1954/2004, 1920/2005). A consequência deste momento histórico gerava na população e nos pesquisadores um grande ceticismo, onde não haveria uma perspectiva de encontrar qualquer forma de verdade diante do caos. Husserl constatou que diante destas formas de ciência todas as suas conquistas sobre o funcionamento das coisas deixariam a desejar, uma vez que suas descobertas não permitiam uma resposta concreta que realmente agradasse as várias possibilidades existentes de se conhecer o ser humano. Essa ciência deste momento se encontrava restringida em seus próprios métodos, ou seja, aqueles que podem ser imediatamente verificados de forma positiva e empírica. Se a necessidade era encontrar respostas sobre a realidade ou, até mesmo, o sentido de tudo, ficavam de fora do método definido pela ciência. Husserl 1 se viu diante dessa circunstância, impossibilitado de descobrir as coisas do mundo junto com todos os conceitos que as cercam. Um exemplo disso estaria no campo cientifico da medição da inteligência, onde Binet ao ser questionado a respeito do que seria a inteligência não soube responder, apenas afirmando que inteligência era o que os testes que criou mediam (GAUQUELIN et. al., 1980). Concordando com Merleau-Ponty (1951/1973), a ciência através de seus métodos permite apenas a concepção de muitas declarações sobre o que é real, entretanto não compreende o que seria verdadeiramente o real. Com o passar do tempo o sentido de realidade foi se extraviando, sendo deixado a parte por indagações maiores. Husserl fez menção dessa perspectiva sobre a perda de significados em sua escrita a respeito das crises na ciência da Europa (HUSSERL, 1954/2004). Seu interesse estava na exploração de um percurso que o conduzisse até o sentido esquecido, algo que fosse além da ciência utilizada no momento. Ele buscava explicações a cerca do que é comum na experiência, do que estava por trás da realidade apresentada pela ciência. Entretanto, não era possível fazê-lo em um laboratório, uma vez que se tratava de coisas que rodeiam o ser humano e todas as suas formas de produzir significados. O campo da filosofia começou a passar por alterações a fim de se adequar aos questionamentos que começaram a surgir diante da explicação do ser. Através de uma fala mais psicológica, Husserl poderia exemplificar sua problemática: caso o homem considerasse suas experiências, juntamente com tudo que nela está incurso, suspendendo o julgamento involuntário de sua realidade, ele poderia, então, alcançar resultados seguros em relação ao conhecimento e seu alcance. Por meio desse caminho poderia se afirmar fatos em torno da consciência, sendo possível acessar a verdade ofertando às pessoas uma maneira de banimento do ceticismo e apego em um suporte sólido para os questionamentos. Husserl intitulou esta nova possibilidade de filosofia como ciência rigorosa que a afastaria do caos inicial e começando, assim, a fenomenologia (HUISMAN, 2001). A abertura da filosofia e da ciência para um pensamento legítimo que sobrepujasse o relativismo constituiu um grupo de seguidores deste novo movimento em torno de Husserl. O caminho encontrado por Husserl considera a experiência em si, sem considerar os juízos de valor que a cercam. Ele denominava a esses juízos como atitudes naturais do ser, uma vez que não há uma parada para considerar a experiência em si. Quando o contrário é feito, exerce-se uma outra atitude: a não 2 natural, a fenomenológica. Essa passagem de uma atitude natural para uma fenomenológica é chamada de redução, onde se coloca os juízos de valor “em parênteses” e ver as coisas em si mesmas. Uma importante expressão utilizada por Husserl é a de “voltar às coisas mesmas” (HUISMAN, 2001), compreendida como um modo de perceber a experiência a partir de uma atitude fenomenológica. Este retorno está ligado na atitude natural da introspecção, uma vez que o olhar para dentro de si permite a procura do que existe e é real na consciência. Na fenomenologia essa volta seria muito mais à consciência como ato do que à consciência como lugar. O que aparece, então, é a característica de autotranscendência da consciência: a intencionalidade. Toda consciência enquanto ato é sempre “de algo”. Não existe consciência pura sem intencionalidade nenhuma, assim como não existe conhecimento puro sem intencionalidade nenhuma. Não existe afeto puro sem remeter a nada. Perceber que uma pessoa está com raiva não é perceber tudo que se passa com ela. É necessário perceber também a que, ou a quem, essa raiva se dirige - ou seja, qual é o seu sentido. Para Rogers e Rosenberg (1977), a atitude empática leva a entrar em contato não somente com o sentimento puro, mas com seu significado. Isso equivale a dizer que a empatia capta o movimento intencional da experiência. Com a intencionalidade o mundo nos é restituído, pois percebemos através dela que ele se situava lá o tempo todo. A partir disso surge outro conceito fundamental na fenomenologia: o mundo vivido, quem em alemão seria lebenswelt, uma experiência pré-reflexiva do mundo original, aquele que era, e sempre foi, antes de efetuar qualquer tipo de caracterização sobre ele. O mundo vivido não é objetivo, ele se dá através da relação se mostrando como primeiro fenômeno e depois simboliza-se no pensamento. Nesse ponto de vista percebe-se que o caminho do pensamento fenomenológico teve seu início como um caminho psicológico e quando, mais adiante no tempo, Husserl desfez as confusões na utilização dos termos fenomenológicos indicou um método exclusivo de uma psicologia descritiva totalmente nova: a redução fenomenológica psicológica (HUSSERL, 1954/2004). 1.2 A PERSONALIDADE NA FENOMENOLOGIA 3 Segundo o enfoque fenomenológico a personalidade é uma reunião de aspectos básicos do existir humano, aspectos estes que são julgados e especificados conforme a percepção e compreensão do próprio ser através de suas vivências diárias (FORGHERI,1993). 1.2.1 O Ser-no-mundo O homem é substancialmente um ser-no-mundo, cuja fundamentação vem da experiência diária e momentânea na qual acontece sua vida. É uma estrutura fundamental o ser-no-mundo onde a partir e dentro dessa vivência cotidiana que o ser reproduz suas ações determinantes dos seus propósitos. É necessário um mundo afim de compreender o lugar em que se está e quem se é. O ser-no-mundo é uma estrutura total e original que não pose ser dissociada em elementos deparados. Porém pode ser retratada e idealizada sob vários aspectos constitutivos mantendo,mesmo assim, sua unicidade. “É desse modo que podemos considerar os vários aspectos do mundo e as diferentes maneiras do homem existi no mundo” (FORGHERI, 1993, p. 28). A expressão mundo é indicativa de um conjunto de relações significativas na qual a pessoa está inserida. Conforme Binswanger ainda que seja vivenciado como uma totalidade, é apresentado ao homem através de três conceitos concomitantes e distintos: o circundante, o humano e o próprio (1972, p. 126, apud FORGHERI, 1993, p.29). O mundo associado ao aspecto circundante constitui-se no relacionamento do ser com o meio. Engloba a totalidade do que se encontra perceptível nos eventos vivenciados pelo ser por meio da sua relação com o mundo. O mundo associado ao aspecto humano fala sobre o encontro e convivência do ser com os seus semelhantes. É fundamental para a existência do ser humano o relacionamento com outros de sua espécie desde o nascimento. O existir é originariamente ser-com o outro. Os seres humanos fazem parte da existência do homem, mas não são como os animais, coisas e instrumentos pois, que a ele se apresentam de outra forma. “São e estão no mundo em que vêm ao encontro, segundo o modo de ser-no-mundo […] O mundo é sempre um mundo compartilhado com os outros” (HEIDEGGER, 1995, pp. 169-170). 4 A diferença entre o mundo circundante e o mundo humano está no contexto do encontro com o semelhante e a sua relação de reciprocidade, onde ambos sofrem influências mutuas. O homem só pode saber quem é como ser humano, convivendo com meus semelhantes. O mundo associado as aspecto próprio vem caracterizado pela significação cujas experiências formulam para o ser e pela consciência de si e do mundo. A sua função especifica é o pensamento. O pensamento no mundo próprio é classificado de um jeito ampliado que engloba todas as funções mentais, tais como a linguagem, o entendimento, a reflexão, a imaginação, a memória, a intuição e o raciocínio. O ato de existir do homem precisa que se leve em consideração todos os três aspectos do mundo de forma coexistentes. Segundo Forgheri (1993) o mundo circundante propõe a adequação do ser ao ambiente, o mundo humano apresenta-se nas interrelações humanas e o mundo próprio tem como característica o pensamento e a transcendência da situação momentânea. 1.2.2 As maneiras de existir É através da vivência cotidiana diária que se encontra o modo primordial de existência. Ela é geral e tem por instinto um sentido e uma compreensão reflexiva do existir no mundo. Não é o mesmo que um conhecimento puramente racional com algumas emoções permeadas, a existência é uma experiência total dos seres e do meio em que vivem e convivem. Existem três maneiras básicas de existir no mundo: a forma preocupada, a sintonizada que se revezam ao decorrer da vida e que podem necessitar, em algum momento, de uma reflexão e análise refletindo a terceira forma de existência de modo racional. Quando ocorre um sentimento generalizado de preocupação, variando entre uma sensação de intranquilidade até a uma sensação profunda de angustia podendo dominar completamente a pessoa, encontra-se a maneira preocupada de existir. Esta forma pode ocorrer em momentos atuais da vida e em lembranças de algo que já aconteceu. Contraditoriamente, pode-se existir de uma maneira sintonizada onde há momentos de sintonia e tranquilidade, principalmente quando se está comprometido com algo ou alguém que geram satisfação. A manifestação mais profunda da maneira 5 sintonizada de existir consiste numa vivência de completa harmonia de nosso existir no mundo. As duas maneiras, sintonizada e preocupada, estão subordinadas à análise e reflexão da maneira racional de existir. O homem por ser um ser pensante tem a primordialidade de explorar suas vivências cotidianas imediatas para conceitualizar e estabelecer relações entre experiências vividas. A partir disso ele elabora um conjunto de conceitos que o permite explicar e significar as situações. A existência humana está fundamentada no fato de transcender a si mesma a todo momento a fim de encontrar algo para totalizar-se. Desta forma, é impossível que o ser se complete durante sua existência. Segundo a visão fenomenológica do ser a existência provoca o ser humano na progressão continua em direção ao futuro ainda que esteja em um local definido, pode compreender o seu próprio existir no mundo. 2 A PERSONALIDADE NA PERSPECTIVA EXISTENCIAL Não raro ouvimos dizer, pelo senso comum principalmente, que um indivíduo apresentando um comportamento evasivo, distante, pessimista e de apreço pela solidão, representa certamente um quadro de depressão, e que a depressão seria um problema de crise existencial. Sabemos que atravessar momentos da vida em que questionamos nossa própria existência não é algo tão bizarro, considerando que vivemos um período de extrema exacerbação de estímulos e com tantas atividades diárias que muitas vezes sequer conseguimos cumprir todos os compromissos da semana. É então inevitável que a fadiga se apresente como resposta orgânica e psíquica, levando-nos a interrogar sobre qual seria nosso “papel” no mundo, nosso propósito para além de apenas gastar energia produzindo e consumindo dos mais diversos produtos, ou nos envolvendo em atividades que parecem muito mais nos distrair da reflexão e introspecção necessária ao nosso autoconhecimento, para conceder espaço ao mundo exterior, com sua promessa de satisfação pelo consumo ou status. Nesse sentido, dizer do “existencial”, de modo popular, significa realizar uma associação com algo ruim, pessimista, e até mesmo bastante pejorativo. Dizer popularmente que um indivíduo está passando por uma crise existencial é quase o mesmo que dizer que ele estaria sofrendo por sua própria escolha, por sua fragilidade 6 diante da vida, por fraqueza da sua vontade, e que a “crise existencial” seria apenas uma maneira de chamar a atenção das pessoas à sua volta. O “existencial” se tornou, de certo modo, um sinônimo para dizer de um movimento não-legítimo de sofrimento. Mas em detrimento do conceito popular atribuído à abordagem existencialista, essa corrente de pensamento possui bases bastante sólidas e coerentes, que nos remetem a grandes autores consagrados por suas obras a respeito do tema, principalmente em sua contribuição na psicologia. Em um movimento que se estabeleceu como uma forma de reação antagônica à ênfase do mundo impessoal, as raízes da teoria existencial da personalidade são encontradas na filosofia existencial, que toma o ser humano, considerando sua subjetividade, sentimentos, pensamentos, decisões e atos como principal referência. Podemos dizer que Soren Kierkegaard (1813 – 1855) foi quem desenvolveu a primeira filosofia existencial, além de ser considerada também a mais completa. O trabalho de Kierkegaard foi uma reação contra uma filosofia que buscou trazer uma visão do universo com base em uma perspectiva de um externo absoluto, no qual o homem seria apenas um participante passivo. Neste sentido, para Kierkegaard, a subjetividade deveria ser o foco principal. Considerando a experiência interna como a verdadeira realidade, ele desenvolveu um retrato de tais fenômenos subjetivos humanos como tomada de decisão, responsabilidade, culpa, ansiedade e alienação. Para Kierkegaard a vida de alguém é uma série de tomada de decisões, e toda vez que uma pessoa toma uma decisão em relação a algo de seu futuro, ela experimenta a ansiedade. Mas ao contrário do que outras abordagens dizem acerca dos prejuízos da ansiedade para o indivíduo, a abordagem existencialista pressupõe que ao aprofundar na ansiedade, o sujeito encontra um caminho de crescimento e desenvolvimento, cujo objetivo final é a individualidade. Sendo assim, para os existencialistas, se abster da ansiedade é estagnar e acumular continuamente umaculpa que terminará por ser tornar desespero. Kierkegaard definiu a personalidade como algo que condessasse a possibilidade e a necessidade. Existem outros autores que abordaram a perspectiva do existencialismo em suas obras, como William James (1842 – 1910), Karl Jaspers (1883 – 1969) e Paul Tillich (1886 – 1965), que defendiam uma abordagem da vida tal como se fosse um tipo de luta, onde haveria um caos natural, cheia de ameaças, na qual caberia ao sujeito tomar consciência de seu desafio e enfrenta-lo. Outro autor importante, Martin Heidegger 1889 – 1976) trouxe uma análise filosófica da existência humana, na qual 7 seria percebido muito mais do poderia ser interpretado a nível psicológico. Heidegger enfatizou o aspecto da singularidade dos indivíduos com seu conceito de Jemeinigkeit, cuja tradução foi adotada como: “cada um com o que lhe é único, próprio”, além de Dasein, que para ele era a habilidade de alcançar altos níveis de consciência e singularidade por meio de uma reflexão sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo natural. Jean-Paul Sartre (1905-1981) enfatizou alguns temas tanto psicológicos como filosóficos. Sartre chegou a criticar psicologia de Freud no sentido de que para este, a pessoa seria como um objeto da manipulação do terapeuta, e ao mesmo tempo, seria dominado for forças inconscientes. A visão existencial de Sartre, são os objetivos subjetivos da pessoa é que determinam seu comportamento. Sartre definiu esses objetivos subjetivos como “projeto fundamental” ou propósito global de vida, e seriam através desse projeto fundamental que que a pessoa guiaria suas escolhas e criaria sentido e consciência do que ela é, mas também do que ela não é. Esse processo de desenvolvimento seria contínuo e permanente. Ao contrário da perspectiva de Freud sobre a possibilidade de justifica a falha ao atribuir responsabilidade pelas forças inconscientes, Sartre enfatiza a responsabilidade do indivíduo em dar direção e sentido na sua vida. Os filósofos mencionados acima produziram as raízes para a psicologia existencial contemporânea. Mas também tivemos outros que foram menos relevantes, mas deram sua contribuição para o pensamento existencialista: Friedrich Nietzsche (1884 – 1900): deu ênfase à questão subjetiva, mas destacou a irracionalidade. Martin Buber (1878 – 1965): enfatizou a intimidade interpessoal e comprometimento. Gabriel Marcel (1889 – 1973): abordou a concepção teísta em sua obra. Albert Camus (1913 – 1960): trouxe a ideia, considerada extremamente pessimista, de que era absurdo tentar conferir sentido em um mundo que não possui sentido. Edmund Husserl (1859 – 1938): que legou ao existencialismo a metodologia da fenomenologia. Miguel Unamuno (1864 – 1936) e Nikolai Berdyaev (1874 – 1948): que adaptaram as doutrinas existenciais a seus próprios contextos culturais na Espanha e Rússia. Embora todo o percurso dos autores citados anteriormente seja importante, talvez a pessoa mais influente no crescimento da psicologia existencial seja Ludwig Binswanger (1881 – 1966). Formado em medicina pela universidade de Zurich, foi colega de classe de Carl Jung, e se tornou psiquiatra, sendo orientado por Eugen Bleuler. Binswanger buscou ultrapassar os conceitos filosóficos do existencialismo visando uma teoria da personalidade na qual poderia conceituar as diferenças 8 individuais e a psicopatologia. Ele tinha a convicção de que os conceitos existenciais poderiam ser utilizados na identificação e na cura de doenças mentais. O autor também foi um crítico de Freud, rejeitando a crença em forças biológicas imutáveis, como pulsão e forças imutáveis sociais. Uma das maiores contribuições de Binswanger é atribuída à sua discussão do existencial a priori ou a estrutura fundamental do sentido, a qual se refere à habilidade humana, não aprendida e universal, de perceber sentidos específicos no mundo dos eventos e de transcender a qualquer situação concreta com base nos sentidos atribuídos. Para o autor, a singularidade individual associada ao existencial é como uma matriz para se reconhecer sentidos, a qual quando imposta à realidade, permite que um estilo distinto e uma direção de vida do indivíduo possa surgir. Ou seja, o individual orienta suas escolhas e lhe confere uma forma particular de ser e agir. Para Binswanger, “a estrutura do homem é ser definido como sendo nenhum outro que não os seus possíveis modos de ser” (1973, p. 20-21). Ele enfatiza a construção da personalidade e da vida individual através de investimento ativo nos eventos com sentido e tomando decisões as quase guiam a ação. Esse modo de abordar a estrutura da personalidade como a execução de um modo possível de ser, que seria próprio de cada um, um modo singular como de qualquer outro modo não pudesse ser, parece se assemelhar bastante com a perspectiva de Jung a respeito do seu conceito de individuação, no qual ele afirma que o processo de individuação seria algo como o indivíduo tornar-se si mesmo, em todo sua potencialidade, como se fosse a germinação de algo que ele trouxe latente, e que se desenvolveu ao longo de sua vida, talvez poderíamos dizer, tal como Binswanger em sua teoria, que para Jung, a individuação seria um processo que culminaria em um indivíduo que tornou-se aquilo que nenhum outro modo poderia ser. As discussões mais recentes a respeito do pensamento existencialista são fortemente influenciadas por Binswanger e pelos demais filósofos, e desses últimos cabe salientar a relevância de considerar o propósito principal da vida humana, seu sentido, e a crença de que a pessoa cria seu próprio sentido através da tomada de decisões e ações na procura das possibilidades. E, em se tratando de psicoterapia, é inevitável considerar o “como” e o “por quê” do indivíduo falhar em realizar seu principal propósito. Desses autores mais recentes, Rollo May se destaca entre os críticos, e talvez isso se deva a sua posição de considerar a importância da natureza interdisciplinar do existencialismo. Vale considerar ainda a contribuição de Viktor 9 Frankl, cuja experiência dramática em um campo de concentração na segunda guerra mundial, foi o ponto de partida para sua tentativa de explicar a sua experiência, encontrando no existencialismo a abordagem a qual lhe serviria adequadamente. Ele observou que aqueles prisioneiros que não sobreviviam tinham apenas um sentido convencional de sustentação e não conseguiam criar seu próprio sentido individual, que seria o a ênfase da psicologia existencial. Neste sentido, ele desenvolveu uma técnica de tratamento chamada de Logoterapia, em que o indivíduo é encorajado a evocar aquilo que seja mais significativo para ele diante de um mundo indiferente e sem sentido. A abordagem existencialista elabora 16 assertivas acerca dos aspectos universais e inerentes da humanidade: 1 – Personalidade é primariamente construída pela atribuição de sentido. 2 – As pessoas são caracterizadas pela simbolização, imaginação e julgamento. 3 – As pessoas são caracterizadas pela sua participação em sociedade. 4 – As pessoas participam do ambiente físico e biológico. 5 – O tempo é um contexto necessário para a construção da personalidade. 6 – A vida é melhor compreendida como uma série de decisões. 7 – Personalidade é uma síntese de facticidade e possibilidade. 8 – A pessoa está sempre diante de uma escolha no futuro, o que provoca ansiedade, e uma escolha no passado, o que provoca culpa. 9 – A coragem facilita a escolha do futuro para alguém. 10 – Desenvolvimento é a interação dos componentes psicológicos, sociais e biológico-físicos da existência. 11 – O desenvolvimento ideal é facilitado pelo encorajamento da individualidade. 12 – Os limites estimulam o desenvolvimento. 13 – A riqueza da experiência estimula o desenvolvimento positivo. 14 – A personalidade que tem um desenvolvimento idealtorna-se autodeterminada. 15 – Falhas por estimular o desenvolvimento autodeterminado. 16 – O desenvolvimento autodeterminado passa por três tipos de orientação: a estética, a idealista e a autêntica. A teoria da personalidade descreve duas personalidades básicas: • Pessoa autêntica: é o centro da visão existencialista sobre a natureza humana. Ela é inclinada a demonstrar suas necessidades psicológicas ou as funções de simbolização, imaginação e julgamento, e permite que essas influenciem suas 10 experiências biológicas e sociais. A pessoa autêntica aceita melhor seu passado e seu presente, sua orientação básica é em direção ao futuro e às suas incertezas. • Pessoa inautêntica: inibe a expressão das necessidades genuinamente humanas. Se sente subjugada às regras sociais pré-determinadas e à incorporação das necessidades biológicas. Sua conduta tende, muitas vezes, a exploração de outras pessoas, assumir atitude materialista, ser insegura e ter sentimentos que indiquem uma autodesvalorização. A psicoterapia existencialista analisa a questão de como uma pessoa pode se modificar de um modo de ser inautêntico para um modo de ser autêntico. 3 CONCLUSÃO Em um sentido geral, a psicologia existencial-fenomenológica percebe o homem disposto na tríplice dimensão: biológica, social e psicológica, cuja tarefa primordial é a procura e o estabelecimento de um sentido para sua própria vida, um sentido para sua existência. É possível observar a harmonia dessas duas correntes: existencialismo e fenomenologia, no sentido de que enquanto o pensamento existencialista busca promover a construção de um sentido para a vida que sustente o indivíduo em sua jornada, a fenomenologia traz um método que corrobora estreitamente nesse processo, uma vez que encarar a vida sob a perspectiva daquilo que se apresenta enquanto realidade, enquanto fenômeno, irá contribuir de forma efetiva no modo como os indivíduos se colocam diante dos reveses da vida. Por mais que a psicologia venha se consagrando enquanto ciência, e em muitos aspectos tenha resguardado suas atividades com o rigor metodológico que a cientificidade exige, por exemplo nas questões relativas à testagem psicológica, a perspectiva existencial- fenomenológica se destoa, sem perder sua credibilidade, trazendo a experiência individual, singular e subjetiva ao destaque que a psicologia lhe reserva, e sobre o qual tenha possibilitado que esta lograsse êxito no reconhecimento social de sua capacidade de falar daquilo que nenhuma outra ciência havia conseguido. Ou seja, em um momento histórico cujos índices de suicídio parecem só aumentar, e no qual a velocidade das experiências pessoais e interpessoais parecem não comportar uma 11 reflexão sobre nossa existência, a perspectiva existencial-fenomenológica se apresenta como uma proposta muito interessante para que seja evocado todo e qualquer sentido que abarque as inconstâncias da experiência humana. REFERENCIAS BINSWANGER, L. Artículos y Conferencias Escogidas. Madrid: Gredos, 1973. FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia fenomenológica: fundamentos, método e pesquisas. São Paulo: Cengage Learning, 1993. GAUQUELIN, M. et. al. Dicionário de psicologia. Lisboa: Verbo, 1980. GIOVANETTI, José Paulo. Psicoterapia fenomenológica-existencial: fundamentos filosófico-antropológicos. Via vérita: Rio de Janeiro, 2017. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1995. HUISMAN, Denis. Dicionário dos filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas: sexta investigação. São Paulo: Nova Cultural, 2005. (Originalmente publicado em 1920). HUSSERL, Edmund. La crise des sciences européennes et la phénoménologie transcendentale. Paris: Gallimard, 2004. (Originalmente publicado em 1954). MERLEAU-PONTY, Maurice. La structure du comportement. Paris: Presses Universitaires de France, 1972. (Originalmente publicado em 1942). ROGERS, Carl R.; ROSENBERG, Rachel L. A pessoa como centro. São Paulo: Edusp, 1977.
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