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Problema 03 - Desenvolvimento e afecções de via aérea superior na infância Objetivo 01: Elucidar os marcos do desenvolvimento infantil É importante enfatizar que, embora a carga genética seja fator determinante, o desenvolvimento humano emerge a partir da interação com os fatores ambientais, portanto, é fundamental que ocorra uma ampla e adequada variação de estímulos e experiências, para favorecer todo o seu potencial. Do ponto de vista biológico, o sucesso do desenvolvimento depende da integridade dos vários órgãos e sistemas que concorrem para lhe condicionar, principalmente o sistema nervoso, que participa de toda ordenação funcional que o indivíduo irá experimentar. Neste aspecto, é importante salientar que o tecido nervoso cresce e amadurece sobretudo nos primeiros anos de vida, portanto, nesse período, é mais vulnerável aos agravos de natureza diversa e às adversidades das condições ambientais que podem ocasionar prejuízos relacionados aos processos em desenvolvimento. Por outro lado, por sua grande plasticidade, é também nessa época que a criança melhor responde aos estímulos que recebe e às intervenções, quando necessárias. O estudo do desenvolvimento compreende alguns domínios de função interligados, quais sejam: sensorial, motor (geralmente subdividido em habilidades motoras grosseiras e habilidades motoras finas), da linguagem, social, adaptativo, emocional e cognitivo. Esses domínios influenciam-se entre si e têm como eixo integrador a subjetividade, função de dimensão psíquica que se particulariza e possibilita a singularidade de cada um dos seres humanos. Avaliação A avaliação do desenvolvimento deve ser um processo contínuo de acompanhamento das atividades relativas ao potencial de cada criança, com vistas à detecção precoce de desvios ou atrasos. Essa verificação pode ser realizada de forma sistematizada por meio de alguns testes e/ou escalas elaboradas para tal finalidade. Como exemplos, citam-se o teste de Gesell, o teste de triagem Denver II, a escala de desenvolvimento infantil de Bayley, o Albert Infant Motor Scale, entre vários outros. Vale ressaltar que essas sistematizações apresentam peculiaridades e limitações relativas ao método utilizado, às faixas de idade avaliadas e à validação para cada população. Entretanto, na prática clínica diária, o fato de não se utilizar um método sistematizado não significa que o atendimento não tenha qualidade, sobretudo para o pediatra experiente que já sistematizou sua própria rotina de avaliação. Por outro lado, para o médico generalista e para outros profissionais de saúde, o uso de uma ferramenta sistematizada pode facilitar a lembrança das diferentes áreas que precisam ser abordadas. No Brasil, a Caderneta de Saúde da Criança, utilizada para o registro dos atendimentos nos serviços de saúde, disponibiliza uma sistematização para a vigilância do desenvolvimento infantil até os 3 anos de idade. Essa ferramenta permite acompanhar a aquisição dos principais marcos do desenvolvimento. Além disso, com base na presença ou ausência de alguns fatores de risco e de alterações fenotípicas, a caderneta orienta para tomadas de decisão. Sendo um processo dinâmico, as avaliações do desenvolvimento devem acontecer em todas as visitas de puericultura, de forma individualizada e compartilhada com a família. É fundamental o conhecimento do contexto familiar e social no qual a criança está inserida: desde quando foi gerada, se planejada ou não; as fantasias da mãe durante a gestação; quem é o responsável pelos seus cuidados; como é a rotina da criança; e quais mudanças ocorreram nas relações familiares após o seu nascimento. Além disso, é importante obter dados relacionados a possíveis fatores de risco para distúrbios do desenvolvimento, como ausência de pré-natal, dificuldades no nascimento, baixo peso ao nascer, prematuridade, intercorrências neonatais, uso de drogas ou álcool, infecções e depressão durante a gestação. Também é fundamental indagar sobre a opinião da mãe em relação ao processo de desenvolvimento de seu filho. A análise processa-se por toda a duração do atendimento, observando o comportamento da família e da criança: quem traz a criança, como ela é carregada, sua postura, o seu interesse pelo ambiente e a interação com as pessoas. Além disso, como um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento da criança é a reciprocidade estabelecida na relação com sua mãe ou substituta, é interessante observar o vínculo entre ambas. Quanto às aquisições motoras, reconhece-se no recém-nascido um padrão motor muito imaturo, com a presença do reflexo tônico cervical assimétrico, que lhe confere uma postura assimétrica, com predomínio do tônus flexor nos membros e intensa hipotonia na musculatura paravertebral. Seus movimentos são, geralmente, reflexos, controlados por partes primitivas do cérebro. Assim, reflexos como sucção, preensão palmar, plantar e da marcha passarão em poucos meses a ser atividades voluntárias. Outros, como o de Moro e o tônico cervical assimétrico, desaparecerão em breve, sendo que, dentro do padrão de desenvolvimento normal, não devem persistir no 2º semestre de vida. Continuando a evolução do sistema motor, durante os primeiros meses, há uma diminuição progressiva do tônus flexor e substituição pelo padrão extensor. Esse amadurecimento se faz na direção craniocaudal, sendo o quadril e os membros inferiores os últimos a adquiri-lo. A partir do 2º semestre, não ocorre mais predomínio de padrão flexor ou extensor, e assim, a criança, por meio de alternância entre os tônus, consegue, primeiramente, rolar e, posteriormente, já tendo dissociado os movimentos entre as cinturas escapular e pélvica, consegue mudar da posição deitada para sentada. A regra do desenvolvimento motor é que ocorra no sentido craniocaudal e proximodistal e, por meio de aquisições mais simples para mais complexas. Assim, a primeira musculatura a ser controlada é a ocular. Depois, há o controle progressivo da musculatura para a sustentação da cabeça e depois do tronco. Finalmente, durante o 3º trimestre, a criança adquire a posição ortostática. O apoio progressivo na musculatura dos braços permite o apoio nos antebraços e as primeiras tentativas de engatinhar. No entanto, algumas crianças andam sem ter engatinhado, sem que isso indique algum tipo de anormalidade. O desenvolvimento motor fino se dá no sentido próximo-distal. Ao nascimento, a criança fica com as mãos fechadas na maior parte do tempo. Por volta do 3º mês, em decorrência da redução do tônus flexor, as mãos ficam abertas por período maior de tempo, e as crianças conseguem agarrar os objetos, embora ainda sejam incapazes de soltá-los. Entre o 5º e o 6º mês, conseguem apreender um objeto voluntariamente e iniciam o movimento de pinça, que será aprimorado progressivamente até se tornar completo, polpa com polpa. A Tabela 1 apresenta alguns marcos característicos do desenvolvimento até os 2 anos de idade. A partir dessa idade, o contexto cultural em que a criança se insere passa a ter uma influência maior e, consequentemente, também há maior variação entre os marcos. A avaliação do sistema sensorial, principalmente da audição e da visão, deve ser feita desde os primeiros atendimentos. É importante indagar os familiares se a criança focaliza objetos e os segue com o olhar, e também se prefere o rosto materno. Isto porque, desde os primeiros dias de vida, o recém-nascido é capaz de focalizar um objeto a poucos centímetros de seu campo visual e detém nítida preferência pelo rosto humano. No exame dos olhos, deve-se estar atento ao tamanho das pupilas, pesquisar o reflexo fotomotor bilateralmente, assim como o reflexo vermelho que avalia a transparência dos meios e, no caso da suspeita de opacidades, encaminhar para um exame oftalmológico minucioso. A audição inicia-sepor volta do 5º mês de gestação, portanto, ao nascimento, a criança já está familiarizada com os ruídos do organismo materno e com as vozes de seus familiares. Deve-se perguntar se o bebê se assusta, chora ou acorda com sons intensos e repentinos, se é capaz de reconhecer e se acalmar com a voz materna e se procura a origem dos sons. A avaliação objetiva da audição pode ser feita com várias frequências de estímulos sonoros, mas no Brasil, desde 2010, tornou-se obrigatória a realização da triagem auditiva neonatal, para todos os recém-nascidos, por meio de emissões otoacústicas evocadas, comumente denominado “teste da orelhinha”. Quanto à interação social, o olhar e o sorriso, presentes desde o nascimento, representam formas de comunicação, mas, entre a 4ª e a 6ª semana de vida surge o “sorriso social” desencadeado por estímulo, principalmente pela face humana. Já no 2º semestre de vida, a criança não responde mais com um sorriso a qualquer adulto, pois passa a distinguir o familiar do estranho. Assim, a criança pode manifestar um amplo espectro de comportamentos que expressam o medo e a recusa de entrar em contato com o estranho. Relativo à linguagem, durante os primeiros meses de vida, o bebê expressa-se por meio de sua mímica facial e, principalmente, pelo choro. Entre o 2º e o 3º mês, a criança inicia a emissão de arrulhos e, por volta do 6º mês, de balbucio ou sons bilabiais, cujas repetições são realizadas pelo simples prazer de se escutar. Entre 9 e 10 meses, emite balbucios com padrão de entonação semelhantes à linguagem de seu meio cultural. A primeira palavra, na maioria dos idiomas, corresponde a um encontro silábico reconhecido que se inicia com sons de m, n, p, d ou t, como “mama”, “papa” e “dada”. A linguagem gestual também aparece no 2o semestre de vida e é fruto da significação dada pelos adultos do seu meio. Nessa fase, é comum a criança apontar e obedecer aos comandos verbais como bater palmas, acenar e jogar beijinhos. Por volta dos 12 meses de idade, surgem as primeiras palavras denominadas palavras-frase. Aos 18 meses, a criança inicia frases simples e, a partir daí, ocorre um grande aumento em seu repertório de palavras. Nessa fase, também começa o diálogo com troca de turnos, isto é, a criança fala e depois aguarda a resposta do outro para nova interferência. Diante do exposto, constata-se a complexidade das múltiplas funções a serem avaliadas, e pode-se deduzir que, ao abordar uma criança com suspeita de problema no seu desenvolvimento, mesmo o pediatra experiente pode precisar de mais de um atendimento para concluir sobre sua condição. Frequentemente, é necessária uma equipe multidisciplinar com competência para esse enfrentamento, não se esquecendo do apoio psicossocial aos familiares. Objetivo 02: Conhecer as afecções da via aérea superior na infância (fisiopatologia e quadro clínico) Resfriado comum Introdução Resfriado comum (ou rinossinusite viral) é uma doença habitualmente benigna e autolimitada que acomete as vias respiratórias superiores e se manifesta principalmente por dor de garganta, obstrução nasal, espirros e rinorreia. Epidemiologia O resfriado ocorre o ano inteiro, porém é mais frequente no outono e no inverno. A incidência vai diminuindo da infância até a idade adulta. Menores de 5 anos têm, em média, 6 a 8 resfriados por ano. Este número costuma ser maior quando elas frequentam creches, podendo chegar a mais de 12 por ano. Em adultos a média é de 2 a 3 por ano. Etiologia Mais de 200 tipos de vírus podem causar resfriado. Os rinovírus são os mais comuns. Outros agentes são parainfluenza, vírus sincicial respiratório (VSR), vírus influenza, adenovírus, metapneumovírus e coronavírus. Fisiopatologia Os vírus são transmitidos por micropartículas suspensas no ar, por contaminação direta através de partículas maiores expelidas por pessoas resfriadas após espirro ou tosse ou pelas mãos contaminadas em contato com olhos, nariz ou boca. A infecção do epitélio nasal, com ou sem destruição deste, provoca uma resposta inflamatória que é a responsável pelos sintomas. A excreção viral tem seu pico entre 3 e 5 dias após a infecção, mas pode persistir por até 15 dias em indivíduos sadios e por mais tempo em imunodeprimidos. Quadro clínico História de contato com pessoas resfriadas nos últimos 2 a 3 dias é comum. O quadro se caracteriza por início súbito de dor ou irritação na garganta, rinorreia, espirros, obstrução nasal e tosse. Febre, se presente, costuma ocorrer no início da doença. A rinorreia inicialmente hialina (coriza) pode evoluir para secreção mais espessa, variando de branca a esverdeada. Esta mudança resulta de lesão do epitélio respiratório e ocorre mesmo sem infecção bacteriana associada. Sintomas sistêmicos mais intensos, como febre alta e mialgia, são infrequentes. Ao exame físico são comuns edema e hiperemia dos cornetos nasais, além de rinorreia. Também podem ocorrer hiperemia conjuntival e linfadenopatia cervical anterior. A maioria das pessoas se recupera em 7 a 10 dias. A tosse pode persistir por mais 1 a 2 semanas, principalmente em indivíduos atópicos ou asmáticos. Faringite aguda Introdução Faringite é a inflamação da faringe, com ou sem acometimento de estruturas adjacentes (p. ex., faringoamigdalite), cujo sintoma principal é dor de garganta. Classificação As faringites agudas podem ser infecciosas ou não infecciosas, embora a imensa maioria pertença ao primeiro grupo. As causas não infecciosas podem estar relacionadas com exposições ambientais ao tabaco, poluentes e alergênios ou a outros agentes irritantes, corpo estranho e algumas doenças inflamatórias. As doenças inflamatórias que podem causar faringite incluem síndrome febril periódica com estomatite, faringite e adenite aftosas (síndrome PFAPA – periodic fever, adenitis, pharyngitis, aphtous stomatitis), estomatite herpética, doença de Kawasaki, doença inflamatória intestinal, síndrome de Stevens-Johnson e doença de Behçet. Epidemiologia A dor de garganta é um motivo comum de procura por atendimento médico e sua causa principal é a faringite. Em lactentes as faringites são identificadas no contexto das infecções respiratórias agudas e são de etiologia viral na quase totalidade dos casos. Acima dos 3 anos de idade, embora a etiologia viral ainda predomine, o reconhecimento e o tratamento adequado das faringites por Streptococcus beta-hemolítico do grupo A (SBHGA) são fundamentais para a prevenção de febre reumática (FR). Estima-se que ocorram cerca de 10 milhões de casos de faringite estreptocócica por ano no Brasil, com pico de incidência entre 5 e 18 anos de idade, que causam 30.000 casos de febre reumática (FR), dos quais 15.000 resultam em cardiopatia reumática. Etiologia Diversos vírus são responsáveis por até 80% dos casos de faringite aguda infecciosa, incluindo adenovírus, parainfluenza, influenza, rinovírus, coronavírus, enterovírus, vírus Epstein-Barr e herpes-vírus simples. O SBHGA é o principal agente bacteriano e causa 15 a 20% das faringites agudas. Outro agente bacteriano que tem se destacado nos últimos anos é o Fusobacterium necrophorum, anaeróbio gram-negativo que acomete predominantemente adolescentes e adultos. Outras bactérias abrangem Haemophilus influenzae, Staphylococcus aureus, Moraxella catarrhalis, Bordetella pertussis, Neisseria gonorrhoeae, Corynebacterium diphteriae e Francisella tularensis, entre outras. Quadro clínico Dor de garganta de início súbito, frequentemente acompanhada de febre, é um sintoma universal. Espirros, coriza, obstrução nasal, conjuntivite, tosse e diarreia são mais frequentes em quadros virais. Alguns vírus causam síndromes clínicas mais específicas. Febre alta, mal-estar geral e dor abdominal são mais frequentes quando a etiologia é bacteriana. Petéquias no palato, com hiperemia acentuada da orofaringe, exsudato amigdaliano e adenomegaliascervicais anteriores são mais frequentes na faringite estreptocócica. A mononucleose infecciosa causa faringoamigdalite eritematopultácea, com hipertrofia tonsilar e linfadenopatia cervical, facilmente confundida com faringite estreptocócica. Otite média aguda Introdução Otite média aguda (OMA) é o processo inflamatório da orelha média, de etiologia viral ou bacteriana, comumente secundária a uma infecção viral prévia das vias respiratórias superiores (IVRS). Definições e classificação OMA é a inflamação da orelha média com início rápido de sintomas. OMA grave é aquela em que ocorre otalgia de intensidade moderada a grave e febre igual ou maior que 39°C. OMA recorrente é diagnosticada quando ocorrem 3 ou mais episódios separados de OMA em 6 meses ou 4 ou mais episódios no último ano, sendo pelo menos um episódio nos últimos 6 meses. Otite média com efusão (OME) é a inflamação da orelha média com a presença de líquido, sem sinais de infecção aguda. Efusão na orelha média (EOM) é a presença de líquido na orelha média sem referência a etiologia, patogenia ou duração. Otorreia é a presença de secreção no conduto externo que pode ser proveniente do próprio conduto, da orelha média, da mastoide, da orelha interna ou da cavidade intracraniana. Otite externa é a infecção do conduto externo. Epidemiologia Cerca de 90% das crianças têm pelo menos um episódio de OMA até os 5 anos de idade. O pico de ocorrência vai dos 6 aos 24 meses. OMA é a principal causa de prescrição de antibióticos em pediatria na maioria dos países. Esse uso tem declinado nos últimos anos, graças ao uso difundido de vacinas pneumocócicas e anti-influenza, além da conscientização dos médicos quanto à natureza viral de muitas infecções pediátricas e à distinção entre OMA e OME. Etiologia A OMA pode ser causada por vírus ou bactérias. A causa mais frequente é uma infecção viral do trato respiratório superior que causa inflamação da tuba auditiva, o que predispõe à entrada de bactérias patogênicas da nasofaringe para dentro da orelha média. Os três agentes mais frequentes da OMA são Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae não tipável e Moraxella catarrhalis. Antes da introdução das vacinas contra o pneumococo, este era o agente mais prevalente. Atualmente, o H. influenzae é o agente mais frequente na maioria das séries com avaliação microbiológica da secreção de orelha média, embora o S. pneumoniae ainda seja bastante frequente, em geral representado por cepas não contidas na vacina utilizada. Fisiopatologia A OMA geralmente ocorre secundariamente a uma disfunção da tuba auditiva resultante de IVRS ou quadro atópico. A OME pode ser residual de uma OMA ou uma consequência da disfunção tubária mencionada. A OME pode ser vista como um continuum com a OMA. Quadro clínico O sintoma mais frequente da OMA é otalgia. Em lactentes, esse sintoma pode ser percebido pelo choro intenso e mobilização e coçadura do pavilhão auditivo. Hipoacusia e principalmente febre costumam estar presentes. O quadro clínico se instala rapidamente, em geral após IVRS. Quando presente, a otorreia denota supuração a partir de perfuração da membrana timpânica (MT). Sinusite bacteriana aguda Introdução A sinusite bacteriana aguda ou, como é mais conhecida, rinossinusite bacteriana aguda (RBA) é uma complicação frequente de IVRS ou de rinite alérgica. Embora grande parte da literatura denomine a doença como sinusite aguda, optamos por empregar RBA pois a cavidade nasal está acometida na grande maioria dos casos, assim como por ocorrer seu acometimento no início da grande maioria dos quadros. Nos casos de IVRS somente, ocorre secreção nasal de característica hialina, mas que pode se tornar mucopurulenta, durante o curso da doença, durando essa alteração alguns dias, quando pode voltar a ser hialina ou desaparecer. Podem ocorrer febre no início do quadro, em geral nos primeiros dias, e sintomas constitucionais, como febre e mialgia. Esse quadro costuma estar resolvido em até 10 dias, mas em alguns casos pode ser prolongado. Classificação A rinossinusite aguda dura até 4 semanas, a subaguda, de 4 a 12 semanas e a crônica, mais de 12 semanas. O presente capítulo aborda somente a rinossinusite aguda. Epidemiologia A RBA é uma complicação frequente das IVRS e da rinite alérgica. IVRS são muito prevalentes em crianças pequenas, sendo muito frequente ocorrerem 6 a 8 episódios anuais, mesmo em crianças normais. Entre 6 e 7% das crianças que procuram consulta por queixas respiratórias apresentam quadro clínico consistente com RBA. Em uma coorte de crianças menores de 3 anos, 8% dos quadros de IVRS foram complicados por RBA. Etiologia Avaliações de aspiração dos seios paranasais, ainda do final do século 20, encontraram Streptococcus pneumoniae em 30%, Haemophilus influenzae não encapsulado e Moraxella catarrhalis em cerca de 10 a 20%. Não há estudos semelhantes realizados no atual século e os agentes etiológicos são extrapolados a partir de culturas da orelha média. Na otite média, com a introdução das vacinas pneumocócicas, tem se reduzido a parcela de casos atribuídos ao Streptococcus pneumoniae. Na escolha do antimicrobiano, é importante conhecer o perfil de resistência dos agentes provavelmente implicados. Na maior parte do Brasil, a prevalência de Streptococcus pneumoniae com perfil de resistência intermediária ou alta à penicilina costuma ser baixa. A resistência do Haemophilus influenzae aos betalactâmicos é elevada e da Moraxella catarrhalis, praticamente universal. Raramente, Staphylococcus aureus e anaeróbicos estão envolvidos. Fisiopatologia A inflamação das fossas nasais e dos seios paranasais, secundária a infecção viral ou rinite alérgica, acompanhada de dano ao epitélio ciliado, é fator predisponente para o crescimento bacteriano secundário e surgimento das RBA. Os seios etmoidais e maxilares já estão aerados ao nascimento e os demais vão se tornando aerados até a idade escolar. Quadro clínico Os sintomas da RBA podem coincidir com os citados para as IVRS, mas é a sua duração mais prolongada, acima de 10 a 14 dias, que sugere o diagnóstico. Os sintomas persistentes mais associados são secreção nasal, de qualquer natureza, e tosse. Outros sintomas podem ocorrer, porém são menos específicos. O exame físico não ajuda a diferenciar entre IVRS e RBA. Culturas nasofaríngeas também não predizem a ocorrência de RBA. Somente cerca de 6 a 8% das crianças que apresentam IVRS evoluem para RBA. Assim, é importante diferenciar o paciente que tem sintomas persistentes em comparação com aquele que tem episódios recorrentes de IVRS. Outra apresentação das RBA é uma piora na evolução dos sintomas, como secreção ou congestão nasal, ou tosse, no momento em que se esperaria redução de sintomas, cerca de 1 semana após o início do quadro. Além das apresentações mencionadas, algumas crianças com RBA podem se apresentar com quadro agudo e intenso de febre alta, mal-estar e secreção nasal purulenta. Rinites alérgicas e não alérgicas são causas predisponentes de RBA. Da mesma maneira, seu quadro clínico pode confundir-se com aquele das RBA, que devem ser consideradas nos quadros de evolução mais prolongada ou de piora após apresentação inicial. Geralmente, há história familiar de atopia e história patológica pregressa de eczema e prurido nasal. Rinofaringite aguda Este termo abrange quadros como o do resfriado comum e ainda outros englobados sob a denominação de rinite viral aguda. É a doença infecciosa de vias aéreas superiores mais comum da infância. Crianças menores de cinco anos podem ter de cinco a oito episódios por ano. Esta situação é causada quase que exclusivamente por vírus. Entre as centenas deles, os mais frequentes são rinovírus, coronavírus, vírus sincicial respiratório (VSR), parainfluenza, influenza, coxsackie, adenovírus e outros mais raros. Peloprocesso inflamatório da mucosa nasal, pode ocorrer obstrução dos óstios dos seios paranasais e tubária, permitindo, por vezes, a instalação de infecção bacteriana secundária (sinusite e otite média aguda). Alguns agentes etiológicos, como o VSR e o adenovírus, podem estar associados à evolução para infecção de vias aéreas inferiores. A gripe, causada pelo vírus da influenza, costuma ser classificada separadamente do resfriado comum, caracterizando-se por um quadro de IVAS com maior repercussão clínica. Pode apresentar-se, na criança maior, com febre alta, prostração, mialgia e calafrios. Os sintomas de coriza, tosse e faringite podem ficar em segundo plano frente às manifestações sistêmicas mais intensas. Febre, diarréia, vômitos e dor abdominal são comuns em crianças mais jovens. Tosse e fadiga podem durar várias semanas. Transmissão: através de gotículas produzidas pela tosse e espirros (como um aerossol), ou pelo contato de mãos contaminadas com a via aérea de indivíduos sadios. Contágio: é significativo em comunidades fechadas e semifechadas, como domicílio, creches (importante na morbidade de lactentes), escolas e outras coletividades. Período de incubação: dois a cinco dias. Período de contágio: desde algumas horas antes, até dois dias após o início dos sintomas. Sinais e sintomas A rinofaringite pode iniciar com dor de garganta, coriza, obstrução nasal, espirros, tosse seca e febre de intensidade variável, podendo ser mais alta em menores de cinco anos. Alguns pacientes com essa infecção têm o seu curso sem a presença de febre. Determinados tipos de vírus podem também causar diarréia. Durante a evolução, pode surgir: - em lactentes: inquietação, choro fácil, recusa alimentar, vômitos, alteração do sono e dificuldade respiratória por obstrução nasal em lactentes mais jovens; - em crianças maiores: cefaléia, mialgias, calafrios. Ao exame físico, percebe-se congestão da mucosa nasal e faríngea e hiperemia das membranas timpânicas. Este último achado, isoladamente, não é elemento diagnóstico de otite média aguda, principalmente se a criança está chorando durante a otoscopia. Alterações inespecíficas leves da membrana timpânica podem estar somente associadas a infecções de etiologia viral, considerando que esses agentes podem estar associados a infecções de ouvido médio. Complicações Algumas complicações bacterianas podem ocorrer durante infecções respiratórias virais. Sugerem a ocorrência de alguma delas: persistência de febre além de 72 horas, recorrência de hipertermia após este período, ou prostração mais acentuada. Além disto, o surgimento de dificuldade respiratória (taquipnéia, retrações ou gemência) indicam a possibilidade de bronquiolite aguda, pneumonia ou laringite. As complicações bacterianas mais frequentes são otite média aguda e sinusite. Além disso, episódios de infecções virais são um dos fatores desencadeantes mais importantes de asma aguda na criança, principalmente pelos vírus sincicial respiratório e rinovírus. Faringoamigdalite aguda estreptocócica A faringoamigdalite aguda estreptocócica (FAE) é uma infecção aguda da orofaringe, na maioria das vezes, produzida por um estreptococo beta-hemolítico, o Streptococcus pyogenes do grupo A. Acompanha-se, em geral, de manifestações sistêmicas. Acomete com maior frequência crianças após os cinco anos de vida, mas pode ocorrer, não raramente, em menores de três anos. Essa estreptococcia é mais comum no final do outono, inverno e primavera, nos climas temperados. O período de incubação é de dois a cinco dias. O meio mais comum de contágio é pelo contato direto com o doente, por secreções respiratórias. Fora de períodos epidêmicos, a FAE é responsável por aproximadamente 15% dos casos de faringite aguda. A importância desta doença está no fato de que, além das complicações supurativas provocadas diretamente pela infecção, ela pode desencadear reações não supurativas tardias, como febre reumática (FR) e glomerulonefrite difusa aguda (GNDA), conforme o tipo de cepa. A FR pode ser, em larga extensão, evitada com o uso apropriado de antimicrobianos (AM). Entretanto, o tratamento antimicrobiano precoce de FAE parece não reduzir significativamente o risco de desenvolvimento de GNDA. O estado de portador, em geral, não apresenta consequências significativas para o próprio portador. Nestes casos, a contagiosidade não costuma ser elevada, e é frequentemente uma situação autolimitada, que pode persistir por muitos meses. Sinais e sintomas O início é mais ou menos súbito, com febre alta, dor de garganta, prostração, cefaléia, calafrios, vômitos e dor abdominal. Na inspeção da orofaringe, há congestão intensa e aumento de amígdalas, com presença de exsudato purulento e petéquias no palato. Ainda pode estar presente adenite cervical bilateral. A presença de exantema áspero, macular e puntiforme, com sensação de "pele de galinha", flexuras avermelhadas (sinal de Pastia) e palidez perioral (sinal de Filatov) são características da escarlatina. Diagnóstico Alguns autores buscaram definir um modelo de manifestações clínicas que permitissem ao médico estabelecer um diagnóstico de alta probabilidade de FAE. Os resultados desses estudos são contudo controversos. Attia et al.35 propuseram um modelo preditor de diagnóstico desta doença, através de um estudo prospectivo. Os autores utilizaram uma convergência de manifestações preditoras positivas e negativas, como indicadoras para firmar o diagnóstico clínico com mais probabilidade. Entre as positivas, incluem-se: aumento significativo das amígdalas, linfonodomegalia cervical dolorosa, erupção escarlatiniforme e ausência de coriza. Outro autor destaca, em uma meta-análise, como fator positivo, ainda, a presença de exsudato amigdaliano e história de exposição à infecção estreptocócica da garganta nas duas semanas antecedentes. Entretanto, Nawaz et al.37, a partir de critérios clínicos, não encontraram um valor preditor positivo elevado para o diagnóstico de FAE. O diagnóstico de certeza de FAE é realizado somente através do exame laboratorial de esfregaço da orofaringe. Contudo, face a esses estudos não conclusivos, é importante que o pediatra adote uma conduta prática diante de uma criança com queixas de febre e dor de garganta. Assim, é opinião dos autores que o pediatra, durante o exame físico, ao encontrar congestão faríngea, aumento significativo do volume amigdaliano (com ou sem exsudato), linfonodomegalia cervical dolorosa e ausência de coriza está autorizado a realizar o diagnóstico presuntivo de FAE e a dar prosseguimento à conduta adequada. Laringite viral aguda Também denominada de crupe viral, esta laringite é uma inflamação da porção subglótica da laringe, que ocorre durante uma infecção por vírus respiratórios. A congestão e edema dessa região acarretam um grau variável de obstrução da via aérea. Acomete com maior frequência lactentes e pré-escolares, com um pico de incidência aos dois anos de idade. A evolução pode ser um pouco lenta, com início do quadro com coriza, febrícula e tosse. Em 24-48 horas acentua-se o comprometimento da região infraglótica, com obstrução de grau leve a grave e proporcional dificuldade respiratória. A evolução natural, na maioria dos casos, é a persistência do quadro obstrutivo da via aérea por 2-3 dias e regressão no final de cinco dias. O vírus parainfuenza I e II e o vírus sincicial respiratório são os agentes causais mais comuns. Adenovírus, influenza A e B e vírus do sarampo também podem estar envolvidos. O micoplasma, com menor frequência, pode estar envolvido em casos agudos de obstrução de vias aéreas superiores. Sinais e sintomas - Pródromos: coriza, obstrução nasal, tosse seca e febre baixa. - Evolução: tosse rouca, disfonia, afonia ou choro rouco e estridor inspiratório. Em casos de obstrução mais grave, surge estridor mais intenso, tiragem supra-esternal, batimentos de asa do nariz, estridor expiratório e agitação. Nos casos extremos, além de intensa dispnéia e agitação, surgem palidez, cianose, torpor, convulsões, apnéia e morte. Objetivo03: Compreender as medidas preventivas para as afecções da via aérea superior na infância Rinofaringite aguda Medidas preventivas - Lavagem das mãos e cuidados com secreções e fômites provenientes do paciente. - Prevenção primária: evitar contato de pacientes mais vulneráveis (menores de 3 meses, imunodeprimidos) com pessoas infectantes por esses vírus, especialmente em escolas e creches. - Não existe nenhum estudo demonstrando o benefício do uso de vitamina C no tratamento de IVAS na infância em relação à redução da frequência ou gravidade das rinofaringites. - Vacina para vírus da influenza: não existe uma indicação formal em crianças hígidas, apesar de que parece reduzir a incidência de otite média aguda. Mesmo assim, o impacto epidemiológico talvez ainda possa ser pequeno neste sentido, já que a maioria dos casos de IVAS não são causados por influenza. Portanto, nesses casos, a indicação é individual. Entretanto, sua indicação é obrigatória em pacientes com asma, doenças cardiopulmonares crônicas, hemoglobinopatias, doenças renais ou metabólicas crônicas, doenças que necessitam de uso contínuo de aspirina ou imunodeficiências. - Em casos de crianças com IVAS recorrentes que frequentam creche, resultando em grande morbidade nos períodos de inverno e primavera, deve ser sempre pesado o risco de permanência com o benefício de retirada da criança da creche. Sinusite aguda Medidas preventivas - Tratar rinite alérgica, quando presente (profilaxia). - Evitar mergulhos durante IVAS. - Evitar tabagismo (ativo e passivo). - Correção cirúrgica de fatores predisponentes. Faringoamigdalite aguda estreptocócica Medidas preventivas Primárias Para faringite aguda: - evitar contato com doentes com FAE até 24 horas de uso de AM adequado por parte destes; - suspender o comparecimento à creche, escola ou festas por, pelo menos, 24 horas de uso de AM. Para febre reumática: - tratamento da FAE com AM adequado, até o nono dia da evolução da doença, é ainda efetivo; - tentar erradicar o estreptococo da orofaringe do paciente quando este ou algum familiar tenham história prévia de FR. Para GNDA: - o risco de GNDA não é reduzido com o uso de AM na fase aguda de FAE 33. Secundárias Contato de pessoas com paciente com FAE, que passam a apresentar dor de garganta e febre: - proceder à pesquisa de estreptococo na orofaringe, tratando a seguir aqueles com resultado positivo. Recorrência da FAE: - documentar, por laboratório, a presença de estreptococo beta-hemolítico na orofaringe do paciente; - evitar, sempre que possível, que o paciente com recorrências de FAE, quando assintomático, entre em contato com outros pacientes com faringite aguda; - usar cefalosporinas, clindamicina, ou amoxicilina com ácido clavulânico por 10 dias, na suspeita de recorrências, pela presença de germes produtores de beta-lactamase na orofaringe; - tentar erradicar o estreptococo da orofaringe dos familiares portadores da criança com FAE recorrente. - amigdalectomia: FAE recorrente grave (mais de cinco episódios de FAE por ano) não é indicação formal de amigdalectomia. Entretanto, deve ser considerada em casos de falha da terapia antimicrobiana, na prevenção das frequentes recorrências, ou cronificação do processo, ambas com prejuízo da saúde básica dessas crianças. Laringite viral aguda Medidas preventivas Evitar o contato, sempre que possível, de menores de dois anos com pessoas com IVAS. Otite média aguda As vacinas contra o vírus influenza e o pneumococo são recomendáveis segundo o calendário vacinal. Outras medidas preventivas importantes são estimular o aleitamento materno, combater a exposição ao tabagismo e evitar o uso de mamadeiras na posição horizontal. O uso de chupetas também está associado a OMA recorrente, portanto deve-se propor sua retirada nesses casos. NÃO ESQUEÇA ● As otites são complicações frequentes de quadros virais das vias respiratórias superiores e devem ser lembradas nas crianças em que não há resolução do quadro em poucos dias, principalmente naquelas que persistem com febre, dor e hipoacusia ● Na evolução da OMA, pode haver efusão residual na orelha média que não deve ser interpretada como nova OMA, na ausência de abaulamento moderado a intenso da MT ou sinais de doença aguda. Objetivo 04: Discorrer sobre o diagnóstico diferencial das crises de sibilância na infância Sibilância na infância Tosse e sibilância são sintomas respiratórios muito comuns em crianças e podem ser a expressão clínica de uma grande variedade de problemas localizados nas vias respiratórias. Independentemente da causa, a sibilância é motivo de procura por atendimento médico em serviços de urgência, sobretudo por crianças durante o primeiro ano de vida. Crianças menores de dois anos de vida e que manifestam pelo menos três episódios de sibilância, em espaço de seis meses, são denominados "lactentes sibilantes". Várias podem ser as causas de sibilância nessa faixa etária e, embora a asma seja a mais comum, deve ser sempre diagnóstico de exclusão. A incidência da síndrome do "lactente sibilante" ou de sibilância recorrente é difícil de ser estabelecida. Admite-se que pelo menos 20% das crianças menores de dois anos de idade apresentam sibilância transitória, em parte relacionada ao tamanho das vias aéreas, predeterminado geneticamente, à coexistência de infecções virais das vias aéreas superiores, à exposição passiva ao tabagismo materno e a fatores genéticos. Acredita-se que um terço dos que iniciaram a sibilância antes dos três anos de vida com ela persistirão e dentre estes 60% se manifestarão atópicos aos seis anos de vida. As infecções virais, sobretudo as pelo vírus respiratório sincicial, têm sido os principais fatores infecciosos relacionados ao aparecimento de sibilância em crianças, sobretudo não atópicas. Os fatores que determinam a instalação, a evolução e o prognóstico da síndrome do "lactente sibilante" não estão bem delimitados, porém, certamente envolvem a imunocompetência do hospedeiro, os fatores de risco e/ou predisponentes, a patogenicidade dos agentes agressores, o diagnóstico imediato e específico e a conduta terapêutica. Vários estudos apontam o tabagismo passivo, a idade, o sexo masculino, a má condição sócio-econômica, a atopia e a poluição como fatores predisponentes para desenvolvimento da sibilância recorrente. Todavia, ainda se desconhece quais seriam os principais marcadores e/ou fenótipos de sibilância capazes de identificar os que desenvolverão asma, a sua prevalência e se o tratamento precoce seria capaz de impedir tal evolução. E ainda mais eles podem ser variáveis na dependência da população em estudo. A frequência de sibilância durante os primeiros anos de vida tem sido relatada como elevada. Estudos populacionais prospectivos e de longo tempo de seguimento demonstram que pelo menos 50% das crianças acompanhadas tiveram pelo menos um episódio de sibilância durante os três primeiros anos de vida. Dados da coorte de Tucson apontam que 40% das crianças acompanhadas manifestaram um episódio de sibilância durante os seus primeiros anos de seguimento. Outro estudo de coorte com recém-nascidos a termo e de famílias com baixo nível sócio-econômico verificou que 80,3% deles tiveram episódios de sibilância no primeiro ano de vida, 43,1% apresentaram três ou mais crises e 44,1% sibilaram nos primeiros três meses. Um estudo nacional realizado em São Paulo documentou prevalência de sibilância recente (um ou mais episódios nos últimos 12 meses) de 11% entre crianças de 6 a 11 meses e 14,3% entre as de 12 a 23 meses.(5) Em coorte de crianças com risco elevado de desenvolverem asma, na cidade de São Paulo, documentamos que ao final de 30 meses de acompanhamento 52% dessas crianças apresentavam-se com quadro de sibilância recorrente.(6) Apesar de ser causa freqüente de consulta médica, se desconhece qual é a real extensão da sibilância, recorrente ou não, sobretudo entre crianças de países em desenvolvimento. Por conta disso nasceu o Estudio Internacional de Sibilancias en Lactantes(EISL, Estudo Internacional de Sibilâncias em Lactantes), cujos objetivos são determinar a prevalência de sibilância em crianças com idades entre 12 e 15 meses, e identificar os possíveis fatores de risco a ela associados.(7) Utilizando o instrumento padronizado deste estudo, Chong et al. verificaram que a freqüência de sibilos alguma vez na vida, entre crianças atendidas em unidades básicas de saúde para consultas de rotina e/ou imunizações de rotina foi 45,4%,(8) valor um pouco inferior ao observado por Muiño et al. (58%) em coorte de recém-nascidos vivos (1993) da cidade de Pelotas, avaliada na idade de dez a doze anos.(9) A importância de se investigar os pacientes com sibilância recorrente é por terem risco elevado de desenvolverem asma persistente ao atingirem a adolescência, sobretudo se atópicos pois têm maior probabilidade.(10,11) Além disso, a intensidade dos sintomas de asma durante os dois primeiros anos de vida está fortemente relacionada ao seu prognóstico tardio.(12) Assim, a identificação dos diferentes fenótipos de sibilância e a sua expressão futura de asma tem sido objeto de estudo por muitos pesquisadores.(2,10-15) O Consenso PRACTALL,(16) documento conjunto elaborado por especialistas das Academias Européia e Americana de Asma, Alergia e Imunologia, recentemente publicado, descreve quatro padrões distintos de sibilância durante a infância assim como sua evolução. São eles: a) sibilância transitória (sibilos durante os dois e três primeiros anos de vida e não mais após essa idade) b) sibilância não-atópica (sibilância desencadeada principalmente por vírus que tende a desaparecer com o avançar da idade) c) asma persistente, caracterizada por sibilância associada a um dos seguintes itens: • manifestações clínicas de atopia: eczema; rinite e conjuntivite; alergia alimentar; eosinofilia e/ou níveis séricos elevados de imunoglobulina E (IgE) total • sensibilização comprovada pela presença de IgE específica a alimentos na infância precoce e a seguir IgE específica a aeroalérgenos(17-21) • sensibilização a aeroalérgenos antes dos três anos de idade especialmente se exposto a níveis elevados de alérgenos perenes no domicílio(10) • ter pai e/ou mãe com asma(18) d) sibilância intermitente grave (episódios pouco freqüentes de sibilância aguda associados a poucos sintomas fora dos quadros agudos e com a presença de características de atopia: eczema; sensibilização alérgica; e eosinofilia em sangue periférico)(22) Além da simples caracterização clínica desta classificação de fenótipos de sibilância ela permite estabelecer-se o valor prognóstico de cada uma delas.(14) Os tipos a e b de fenótipos em geral são de evolução benigna e confirmação retrospectiva. Nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Muiño et al., pela primeira vez em nosso meio, analisaram os padrões de expressão clínica de sibilância, avaliando 87,5% dos integrantes iniciais da coorte de Pelotas.(9) Os critérios para defini-los foram os mesmos utilizados por outros investigadores, a saber: sibilância transitória (sibilância até os quatro anos e não mais); sibilância tardia (sibilância apenas na idade de dez a doze anos); e sibilância persistente (em todas as avaliações) e de padrão irregular. Verificaram a associação destes padrões com muitas variáveis. A prevalência de sibilância transitória foi de 43,7%, a de persistente de 6,4% e a de início tardio de 3,3%, diferentes dos anteriormente publicados por outros. O padrão transitório foi associado de modo significante à baixa renda familiar, menor tempo de aleitamento materno, relato de infecções respiratórias no primeiro ano e história familiar de asma aos quatro anos. O padrão persistente foi mais prevalente entre os meninos, filhos de mães que tiveram asma na gravidez, infecções respiratórias no primeiro ano de vida, e história familiar de asma na idade de quatro e de dez a doze anos de vida. Entre os de início tardio observaram associação com ter asma na família na idade de dez a doze anos, diagnóstico médico de rinite na idade de dez a doze anos, menor freqüência de infecções respiratórias no primeiro ano e diagnóstico médico de eczema na idade de dez a doze anos. Diferentemente do relatado por outros estudos, neste verificamos que a presença de história familiar de asma, usualmente associada aos pacientes com quadro persistente, não foi capaz de separar os diferentes fenótipos aqui observados. Além disso, a não realização de testes cutâneos de sensibilidade imediata não permitiu diferir entre os fenótipos avaliados qual deles estaria associado à atopia. Estes dados nos fazem acreditar na necessidade de estudos locais com o intuito de identificar os diferentes padrões de sibilância principalmente os com risco de evoluírem para asma persistente. O estudo EISL, certamente nos permitirá obter dados mais específicos e que nos possibilitarão identificar os que evoluirão para asma e permitir a instalação de esquemas terapêuticos de modo mais precoce.
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