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Hélio Clemente1 Guerra Civil Moçambicana: Causas e Consequências (1975-1992) Introdução Os tempos hodiernos tal como salientam Chihulume e Viegas (2011), são caracterizados pela presença de novos e grandes problemas e desafios jamais vistos antes, desafios que proporcionam mudanças no comportamento humano em todas vertentes da vida. De entre vários problemas que assolam a humanidade no geral, e Moçambique em particular, há que destacar a questão da crescente realidade de um comportamento violento, que nos impele a produzir uma cultura de paz como resposta a esta realidade. Esta realidade violenta, exige de todos nós, uma melhor e maior participação, tendo em vista a apreciação de formas de intervenção mais educadas, eficazes conscientes na produção e manutenção da cultura de paz. O presente trabalho cujo tema de pesquisa é “Guerra Civil Moçambicana: Causas e Consequências (1975-1992) ”, o trabalho, constitui uma busca académica de soluções históricas para um problema que marcou profunda e negativamente a história de Moçambique após a independência, e que as circunstâncias actuais revelam-no cada vez mais eminente. Nesta senda, a escolha deste tema prende-se com o facto de o autor fazer parte de uma geração que viveu uma infância bastante influenciada pelas consequências desse conflito fratricida e acreditar que o seu desenvolvimento trará subsídios valiosos para os académicos e a sociedade no geral na temática de guerra civil, suas causas, consequências e sobre a importância da manutenção da paz num Moçambique cada vez mais fragmentado. Objectivos Geral Analisar a guerra civil moçambicana, suas causas e consequências. Específicos Arrolar as causas da guerra civil em Moçambique; Descrever o processo de desenvolvimento da guerra; Indicar as consequências da guerra civil em Moçambique; Descrever o processo de negociação de paz. 1 Hélio Clemente: Licenciado em Ensino de História com Habilitações em Ensino de Geografia. Maxixe, Moçambique - 2020. Em termos de estrutura, para além dos elementos pré-textuais, da introdução sob forma de contextualização e da delimitação dos objectivos, o trabalho compreende os seguintes elementos: a primeira parte é dedicada a definição e discussão de conceitos norteadores da pesquisa; a segunda parte comporta a discussão das causas da guerra civil em Moçambique; a terceira parte, dedica-se a descrição do processo de desenvolvimento do conflito; a quarta fase, constitui-se da identificação das consequências da guerra civil; a quinta e última parte do trabalho, reserva-se a descrição do processo de negociação da paz. Para a realização do trabalho recorreu-se ao método de pesquisa bibliográfica que de acordo GIL (1991), consiste na leitura selectiva, analítica e interpretativa de livros, artigos, reportagens, textos da Internet, filmes, imagens e sons que abordam assuntos relacionados com a temática de pesquisa, nas quais o pesquisador deve buscar ideias relevantes ao estudo, com registo fidedigno das fontes. No caso específico deste trabalho, este método consistiu na recolha, selecção e leitura de fontes literárias e audiovisuais que abordam a temática da guerra civil no contexto geral e moçambicano, assim como da diversa literatura mencionada ao longo do texto e citada na bibliografia final que aborda sobre a paz. GUERRA CIVIL EM MOÇAMBIQUE: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS (1975-1992) Contextualização Depois de um longo período de dominação colonial que ainda é motivo de discórdia entre especialista em história de Moçambique, sendo estimado em mais de 500 anos por uns, tomando como marco de referencia a chegada dos portugueses no território que corresponde a actual republica de Moçambique e estimado em menos de 50 anos por outros, que tomam como marco referencial a montagem da administração colonial por volta 1927 (nas vésperas da tomada de poder pelo estado novo). Dentro de um contexto marcado pela independência dos países africanos, os nacionalistas Moçambicanos enveredaram a partir da primeira metade da década de 60 do século XX a luta pelo direito de autodeterminação em relação ao governo colonial português. Em virtude da revolução dos cravos (25 de Abril de 1974), negocia-se o processo de independência de Moçambique tendo culminado com a assinatura do acordo de Lusaka em 7 de Setembro de 1974 e que viria a oficializar-se em 25 de Junho de 1975. A seguir a independência, começou um conflito armado que opôs de um lado a guerrilha da Renamo e as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique sob governo da Frelimo. O conflito que durou 16 anos cessou após um longo processo de negociação de paz mediado pela católica Comunidade de Santo Egídio e assinado em Roma a 4 de Outubro de 1992. Na sua totalidade, todos os eventos aqui mencionados contribuíram (até determinaram) para a ocorrência mutações estruturais no país económica, sociocultural e principalmente politicamente. Definição e Discussão de Conceitos Nesta parte do trabalho, procede-se a definição e discussão de conceitos bases para a realização e compreensão da pesquisa. Nesta óptica, foram discutidos os seguintes conceitos: Guerra, Guerra Civil e Paz. Guerra De acordo com Clausewitz (1832:1), a guerra é um acto de violência para levar o inimigo a fazer a nossa vontade. Quer dizer, a violência, ou seja, a força física é, pois, o meio; a submissão compulsória do inimigo à nossa vontade é o objectivo último”. O autor explica ainda que, para que o objectivo se atinja plenamente, o inimigo tem que ser desarmado, sendo este o verdadeiro objectivo das hostilidades na teoria, já que assume o lugar do objectivo final, colocando-o como algo que não pertence bem à guerra. Uma opinião não muito diferente é a do Magnoli (2006:12), que ao citar a tradição europeia, advoga que para esses povos a guerra não é um desvio patológico, e sim uma etapa do fluxo incessante das relações internacionais. Essa visão, realista e cínica, forjada na geografia das rivalidades dinásticas e das disputas por territórios, não exclui o horror diante do sofrimento. Mas ela opera na moldura filosófica construída por Maquiavel, que separa a moral política da moral comum. Guerra é história. Guerra é cultura. Outra percepção é a do Fernandes (2019:280), que define a guerra como: Violência (enquanto luta, duelo em escala) entre grupos políticos (ou grupos com objectivos político-sacrais), em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade potencial, visando um determinado fim nos limites (de preferência exteriores) da política (ou fins políticos em grande parte, mas não na totalidade, a partir da modernidade), a qual em qualquer dos casos se serve desse fim, dirigida contra as fontes do poder adversário e desenrolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e acaso. As três definições antes apresentadas do conceito guerra preservam e anunciam o carácter violento do fenómeno. Contudo, divergem quanto a natureza do fenómeno, ou seja, se para Magnoli (2006), a guerra é natural e uma fase ou etapa no fluxo das relações internacionais (entre estados, grupos, etc.), para Clausewitz (1832), não passa de um acto de violência protagonizado por um grupo que objectiva impor suas vontades aos outros. Por sua vez, o conceito de Fernandes (2019), mostra-se limitado por conceber a guerra como um fenómeno político, uma vez que, para o presente trabalho a guerra transcende a dimensão política, ou seja, assume aspectos etnico-culturais, económicos, ideológicos e políticos. Guerra civil De acordo com Boniface (1997:166), antes de mais, importará diferenciar “guerra civil” de “guerra internacional” e de “violência comum”. Ao contrário da guerra internacional, a guerra civil “é travada fora de uma estrutura de regras e inteiramente dentro de um território nacional”, segundo Collier et al. (2003:11). Por outro lado, e também em oposição à violência comum, a guerra civil “implica uma organização rebelde equipada com armamento e staff recrutado a tempointeiro”. Deste modo, a guerra civil ocorre em resultado da rebelião, que, segundo um dicionário comum, significa insurreição ou revolta. Os conflitos internos variam na sua intensidade, desde pequenas ocorrências a acções de limpeza étnica e genocídio. Por isso mesmo, Muscat (2002:6), enumera quatro níveis de violência, distinguidos pelos analistas como forma de controlar e monitorizar estes acontecimentos: (1) tensão política, envolvendo menos de 25 assassinatos políticos por ano, (2) conflito político violento, provocando menos de 100 fatalidades políticas por ano, (3) conflitos de baixa intensidade, entre 100 e 1000 fatalidades políticas e (4) conflito de alta intensidade ou guerra civil, com mais de 1.000 mortos por ano. Em suma, a guerra civil será entendida no contexto deste trabalho como sendo um género de conflito que tem como principais actores grupos militarizados ou não, pertencentes ao mesmo país que guerreiam-se um contra o outro por motivos de vária ordem (ideológica, política, económica, etc.). Assim sendo, é dentro desta perspectiva que será abordada a guerra fratricida que fustigou Moçambique por 16 anos. Paz O conceito “ paz” evoluiu grandemente ao longo da história, sendo que suas significações hodiernas são resultados das novas abordagens científicas e politicas que foram desenvolvidas para a resolução de conflitos (cada vez mais diversificados e frequentes). Na óptica de Andrade (2005:1), a paz como um resultado das relações humanas e uma qualidade dessas relações, o que implica que a paz só se da em relações sociais. Por sua vez, Chilume & Viegas (2011), citando Anatol Rapoport, académico da universidade de Toronto, definem a paz como suspensão ou ausência de guerra, silêncio da desordem e ausência de tumultos. Contudo, os autores rebatem esta definição advogando que, esta afirmação não é muito satisfatória, porque a paz significa muito mais que ausência de guerra. A paz inclui não só, a segurança e a tranquilização que é oferecida pelos governos; estado de harmonia mútua entre pessoas e grupos; estado de tranquilidade ou serenidade. Na mesma senda, Oliveira (2017), citando Galtung (1969), defende que a paz não significa ausência da guerra ou o calar das armas. O mesmo autor, acrescenta que a resolução dos conflitos na sua multiplicidade resulta em diferentes tipos de paz e divida em dois: Paz negativa e paz positiva. O conceito de paz negativa, assemelha-se ao de “violência estrutural” cujas raízes estão na distribuição desigual de poder e de recursos nas sociedades ou entre as sociedades, a violência estrutural chama a atenção para um tipo de violência quase sempre latente, invisível ou disfarçada, que resulta das desigualdades sociais, das injustiças, da pobreza, da exploração e da opressão. Por sua vez, o conceito de paz positiva passa a ser definido como a ausência de violência estrutural e existência de justiça social, em outras palavras, a paz positiva, passa ser concebida como a superação de todas as formas de desigualdades e injustiças sociais, dando à agenda de estudos da paz uma orientação mais reflexiva e emancipatória. Essa percepção foi partilhada pelo ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, na sua mensagem por ocasião do lançamento do Ano Internacional da Cultura da Paz em 2000, ao referir que: O principal mandato das Nações Unidas (preservar as gerações futuras do flagelo da guerra) mantém tanta validade hoje quanto no tempo em que essas palavras foram escritas, há mais de meio século". A verdadeira paz é muito mais do que a ausência de guerra. É um fenómeno que envolve desenvolvimento económico e justiça social. Supõe a salvaguarda do ambiente global e o decréscimo da corrida aos armamentos. Significa democracia, diversidade e dignidade; respeito pelos direitos humanos e pelo estado de direito; e mais, muito mais" (Instituto de Defesa Nacional, 2000:36). A multiplicidade de tipos de guerra e as mutações históricas da sua concepção resultam natural e logicamente em novos entendimentos do conceito “paz”. Resultado e substrato axiológico das relações sócias, a paz é concebida por Anattol como ausência de tumulto. Essa percepção é actualmente e no contexto desse trabalho superada por uma visão de paz mais abrangente e consentânea com a do Galtung e do Kofi Annan apresentadas anteriormente. Causas da guerra civil moçambicana: Análise contextual O debate académico sobre as motivações da guerra civil foi explícito e profundamente marcado pelas posições políticas assumidas ou não pelos autores. Este carácter, contribuiu de forma significativa para o surgimento de múltiplas denominações para o conflito, tendo sido assumido numa primeira fase como uma guerra de desestabilização, posição ainda mantida por alguns meios maioritariamente ligados ao partido Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). E mais recentemente assumida por alguns académicos como guerra civil, e outros, assumem-na simplesmente tomando como referência a categoria de duração, ou seja, o tempo de duração do conflito, sendo portanto, denominada guerra dos 16 anos. Importa referir que estas denominações não são isentas de significados profundos e originados pelas conclusões analíticas sobre as causas e objectivos da guerra. Abordando sobre as explicações para as causas da guerra, Cardozo (2009: 48), refere que estas, tendem a polarizar-se entre duas posições ideologicamente opostas. A primeira realça que a guerra foi um projecto de desestabilização contra o governo da Frelimo, patrocinado externamente, no contexto da “estratégia total” do regime do apartheid da África do Sul para a região austral do continente. A crescente preocupação ocidental em torno de um governo inspirado na ideologia marxista-leninista, é outro argumento que se junta ao anterior. Nesta perspectiva, a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) é vista como uma força fantoche, mantida externamente, sem nenhum programa político real ou intenção governativa e nenhuma base de poder doméstico (Hanlon, 198421;198922). Do lado oposto, isto é, dos opositores ao governo, é considerada uma força de liberdade e de democracia. A mesma autora, acrescenta que, a segunda explicação advoga que as causas da guerra foram principalmente internas, produto da experiência socialista falhada da Frelimo e particularmente da alienação do apoio aos agricultores rurais, o desrespeito pelas autoridades tradicionais, religiosas ou não, a imposição de empresas agrícolas estatais e cooperativas, aldeias comunais e novas estruturas de poder que procuraram substituir a ordem social tradicional, apanágio da tentativa de eliminar todos os vestígios do “obscurantismo” e de forjar “um homem novo” na revolução moçambicana. A primeira explicação sobre as causas do conflito armado que nos propomos a estudar apresentada por Cardoso (2009), é defendida pelo boletim do arquivo histórico de Moçambique N⁰ 18 de Outubro de 1995 quando faz uma resenha da origem da guerra e refere que: Em 1974, na sequência do golpe de estado em Portugal, assiste-se à uma retirada da presença portuguesa em Moçambique e, posteriormente, com a independência de Moçambique e implementação das sanções mandatórias das Nações Unidas por Moçambique, Ian Smith procurou desenvolver acções mais intensas com o Movimento Nacional de Resistência (MNR) 2 ao ponto deste movimento passar a constituir o prolongamento das Forças Armadas, reforçado por antigos elementos que faziam parte do exército português e por antigos membros da polícia secreta portuguesa que haviam fugido para a Rodésia aquando dos acordos de Lusaka. Por sua vez, Coelho (2005), num trabalho dedicado a análise da aplicabilidade do modelo de Literatura Quantitativa na interpretação do conflito armado em Moçambique, coloca de forma 2 MNR - Mozambique National Resistance explícita na senda do debate, diversas variáveis explicativas das causas do conflito. Estas variáveis são a seguir apresentadas: 1) Imediatamente a seguir à independência, Moçambiqueera caracterizado por um regime não- democrático e o MNR teve origem nos grupos reprimidos por esse regime, embora fosse mais motivado pela procura de benefícios materiais do que por ressentimentos; 2) A independência de Moçambique inscreve-se numa profunda alteração na geo-política na África Austral em meados da década de 1970, marcada pelo desaparecimento do colonialismo na região, deixando apenas os casos atípicos da África do Sul do ‘apartheid’ e da Rodésia. Para este último país, o Moçambique independente governado por um regime saído directamente do movimento de libertação representava dois perigos fundamentais: por um lado alargava a fronteira rodesiana exposta à infiltração da guerrilha nacionalista, e por outro o vital acesso ao mar através do porto e do Corredor da Beira ficava seriamente ameaçado. Assim, o novo contexto exigia da Rodésia respostas imediatas, tornadas mais urgentes pelo apoio aberto das novas autoridades moçambicanas à guerrilha zimbabweana da ZANLA, e pela adopção, em Março de 1976, das sanções mandatórias das Nações Unidas contra a Rodésia, o que na prática significava um corte radical de relações com aquele país; 3) O contingente do MNR teria sido alimentado por dissidentes da Frelimo descontentes com o domínio do aparelho por parte de ‘gente do Sul’ e por vítimas da repressão desencadeada após a independência, que se refugiaram na Rodésia; 4) Trata-se de uma questão muito sensível, a merecer sem dúvida muito mais pesquisa. Em presença estão aqui pelo menos três grupos possíveis de actores, nomeadamente os dissidentes históricos da Frelimo, os ‘dissidentes’ produzidos após a independência e os moçambicanos comprometidos com o regime colonial. Quanto aos primeiros, é menos que provável a sua capacidade de constituição de um movimento armado oposto ao novo regime, sobretudo se se tiver em conta que as tentativas de constituição de movimentos políticos alternativos acabavam nesta altura de ser neutralizadas com a prisão e confinamento em campos de internamento dos seus principais dirigentes. Quanto aos segundos, há evidência da adesão de elementos à rebelião sobretudo depois que esta foi desencadeada, nomeadamente na sequência de assaltos e fugas de campos de internamento da Frelimo. Do outro lado, reflectindo em torna das interpretações populares sobre a origem e o sentido da guerra actual (entenda-se guerra dos 16 anos), Gefray (1991), sublinha simplesmente que, com o afastamento dos notáveis, a eliminação das suas prerrogativas políticas, sociais e religiosas e perante o discurso veemente que os ridicularizava, ameaçava e insultava, as populações compreenderam que era a sua própria existência social que a Frelimo negava. E por isso sentiam vergonha, um sentimento paradoxal de serem obrigadas a passar á clandestinidade, com toda a sua história e existência social, por aqueles mesmos que, em seu nome, tinham posto fim á opressão colonial. Contudo, o autor na limita a sua análise da causa das armas as interpretações populares, e alia as duas perspectivas anteriormente enunciadas e ditas ideológicas ao referir que: Os rodesianos criaram o MNR como o explica Ken Flower, chefe dos serviços secretos nessa altura, num livro publicado em 1978. Como é evidente, para a formação do MNR os agentes rodesianos contaram com a colaboração dos grandes colonos portugueses imigrados, espoliados, ressentidos e frustrados, com os quais procederam ao recrutamento, a organização e ao treino de uma tropa mercenária, composta essencialmente por antigos soldados moçambicanos desmobilizados do exército colonial também imigrados na Rodésia (…) mas isto não é suficiente para explicar que a Renamo m tenha conseguido reproduzir e aumentar consideravelmente os seus efectivos no terreno e alargar progressivamente o estado de guerra à totalidade do território rural moçambicano (é essa a situação em 1986). Os apoios internacionais permitiram que a Renamo dispusesse, num dado momento, dos meios técnicos para fomentar a guerra em todo o país, mas são insuficientes para explicar como ela o conseguiu e menos ainda para explicar a sua capacidade de manter indefinidamente o estado de guerra, depois de terem praticamente desaparecido as fontes logísticas estrangeiras (ou nas regiões onde esses fornecimentos não chegavam). Na mesma senda, Della Roca (1994), defende que no fim 80, torna-se um conflito interno. Não é uma guerra por procuração sul-africana e portuguesa, soviética e cubanos não tem voz activa no problema. Se Chissano, que tem uma certa experiencia internacional usa uma prudência diplomática para o exterior, a Renamo, talvez por reacção contra as polémicas sobre as suas origens, afirma ciosamente a sua moçambicanidade e independência em relação a qualquer força externa. Finda a análise sobre as causas do conflito armado que marcou a história de Moçambique depois da independência, percebe-se que este resultou da combinação de vários factores e que os diversos actores ideológicos prenderam-se conscientemente (ou não) em uns em detrimento de outros. Nessas circunstancias, surgiram as diferentes denominações do conflito inicialmente elencadas. De um lado os apologistas da segunda variável mencionada por Coelho (2005), rotularam o conflito como uma guerra de desestabilização em virtude da ligação entre a MNR ou Renamo como ficou conhecida mais tarde com os serviços secretos rodesianos e com o governo de segregação racial em vigor na República da África do Sul. Por outro lado, os prós a primeira e terceira variável mencionada por Coelho (2005), advogam que em razão da insatisfação popular relativamente às políticas de austeridade adoptadas pelo governo da Frelimo e da sua incapacidade de garantir a liberdade e integração dos diversos segmentos políticos, económicos e socioculturais, o conflito assumiu características específicas de uma guerra civil. Uma terceira posição é a assumida pelo antropólogo francês Christian Gefray em A Causa das Armas: Antropologia de Guerra em Moçambique (1991). Neste estudo histórico o autor, confirma as raízes rodesianas e auxilio das autoridades sul-africanas prestado ao movimento da guerrilha da Renamo principalmente depois da independência da Rodésia do Sul em 1980. Contudo, salienta que em certo momento existiram condições internas que acomodaram o prosseguimento do conflito. A mesma opinião é partilha pelo historiador Moçambicano Egídio Vaz que defende que, “pode dividir-se a guerra dos 16 anos em Moçambique em dois períodos: o de ‘guerra de desestabilização’, com apoio externo, e o de ‘guerra civil’, em que os rebeldes tinham já uma agenda política própria. Para Egídio Vaz (2012), o primeiro período do conflito estendeu-se de 1977 até à assinatura do Acordo de Nkomati na África do Sul, em 1984. "Este período foi marcado pela falta de um discurso coerente, de uma causa, e caracterizou-se pela matança, pela destruição e pelo enfraquecimento da infra-estrutura nacional", explica Vaz. O segundo começou já nos finais da década de 1980 com a queda do Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética. ‘Aqui, a RENAMO apropriou-se de novos valores: a democracia e a liberdade.’ A partir deste momento, estávamos perante uma guerra civil, dirigida pelos moçambicanos com uma agenda política’. Foi esta ‘nova postura da RENAMO que impulsionou o governo da FRELIMO a adoptar a democracia como sistema político no país’”. Ademais, importa realçar que tanto Gefray (1991), assim como Della Roca (1992) e outros historiadores não concordam que o acordo de Nkomati tenha significado fim do apoio sul-africano á Renamo, nem que esta tenha uma agenda política, sendo que este estatuto é questionado até na actualidade. Ao final, conclui-se que o conflito armado que opôs a Renamo e o governo de Moçambique liderado pela Frelimo, conserva características de uma guerra de desestabilização, e ao mesmo tempo, apresenta características de uma guerra civil sendo por isso aceitável a divisão do conflito em dois períodoscomo procede Egídio Vaz, contudo, uma leitura mais pormenorizada do conflito revela complexidade dos eventos e por conta disso o carácter simplista da tomada de qualquer marco divisório para a evolução do conflito. Deste modo, torna-se a denominação “guerra dos 16 anos” a mais aconselhável para a designação do conflito armado que começou logo após a independência de Moçambique. Processo de Negociação de Paz No dia 4 de Outubro de 1992, em Roma, o presidente da República de Moçambique, Joaquim Chissano e o chefe da guerrilha anti-governo, Afonso Dhlakama, assinam o acordo de paz para Moçambique, pondo fim a guerra que há mais de 15 anos (16 anos) opôs o exército da Frelimo (exército governamental) aos combatentes da Renamo. Quatro mediadores conduziram as partes beligerantes à paz: Mario Raffaelli, deputado em representação do governo italiano, Dom Jaime Gonçalves, o arcebispo moçambicano da Beira, Andrea Riccardi e Matteo Zuppi, da comunidade de Santo Egídio (DELLA ROCA, 1994:13). Consequências As guerras são desacordos profundos entre dois ou mais grupos e envolvem uma disputa da autoridade legal sobre um bem ou um território e vários métodos e instrumentos para comunicar e resolver esta diferença. As guerras civis e internacionais influenciaram negativamente a recente experiência de desenvolvimento da maioria das economias mais pobres do mundo. Compreender as economias de guerra nos países em desenvolvimento é, por isso, um factor importante para a reconstrução do crescimento, para a diminuição da pobreza e para a manutenção de sistemas políticos estáveis nestes países (Bruck, 1998: 1020). Referencias Bibliográficas VIEGAS M., CHIULUME, Z., Manual de Ética e Deontologia Profissional, Maputo, 2011. MUSCAT. Robert. (2002), Investing in peace: how development aid can prevent or promote conflict. Armonk, New York, pp.265. COLLIER, Paul & HOEFFLER, Anke (2000), On the Incidence of Civil War in Africa. World Bank. COLLIER, Paul et al. 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