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Hélio Clemente _ Guerra dos 16 anos_ Historia de Mocambique

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Hélio Clemente1
Guerra Civil Moçambicana: Causas e Consequências (1975-1992)
Introdução
Os tempos hodiernos tal como salientam Chihulume e Viegas (2011), são caracterizados pela
presença de novos e grandes problemas e desafios jamais vistos antes, desafios que
proporcionam mudanças no comportamento humano em todas vertentes da vida. De entre vários
problemas que assolam a humanidade no geral, e Moçambique em particular, há que destacar a
questão da crescente realidade de um comportamento violento, que nos impele a produzir uma
cultura de paz como resposta a esta realidade. Esta realidade violenta, exige de todos nós, uma
melhor e maior participação, tendo em vista a apreciação de formas de intervenção mais
educadas, eficazes conscientes na produção e manutenção da cultura de paz.
O presente trabalho cujo tema de pesquisa é “Guerra Civil Moçambicana: Causas e
Consequências (1975-1992) ”, o trabalho, constitui uma busca académica de soluções históricas
para um problema que marcou profunda e negativamente a história de Moçambique após a
independência, e que as circunstâncias actuais revelam-no cada vez mais eminente. Nesta senda,
a escolha deste tema prende-se com o facto de o autor fazer parte de uma geração que viveu uma
infância bastante influenciada pelas consequências desse conflito fratricida e acreditar que o seu
desenvolvimento trará subsídios valiosos para os académicos e a sociedade no geral na temática
de guerra civil, suas causas, consequências e sobre a importância da manutenção da paz num
Moçambique cada vez mais fragmentado.
Objectivos
Geral
 Analisar a guerra civil moçambicana, suas causas e consequências.
Específicos
 Arrolar as causas da guerra civil em Moçambique;
 Descrever o processo de desenvolvimento da guerra;
 Indicar as consequências da guerra civil em Moçambique;
 Descrever o processo de negociação de paz.
1 Hélio Clemente: Licenciado em Ensino de História com Habilitações em Ensino de Geografia. Maxixe,
Moçambique - 2020.
Em termos de estrutura, para além dos elementos pré-textuais, da introdução sob forma de
contextualização e da delimitação dos objectivos, o trabalho compreende os seguintes elementos:
a primeira parte é dedicada a definição e discussão de conceitos norteadores da pesquisa; a
segunda parte comporta a discussão das causas da guerra civil em Moçambique; a terceira parte,
dedica-se a descrição do processo de desenvolvimento do conflito; a quarta fase, constitui-se da
identificação das consequências da guerra civil; a quinta e última parte do trabalho, reserva-se a
descrição do processo de negociação da paz.
Para a realização do trabalho recorreu-se ao método de pesquisa bibliográfica que de acordo GIL
(1991), consiste na leitura selectiva, analítica e interpretativa de livros, artigos, reportagens,
textos da Internet, filmes, imagens e sons que abordam assuntos relacionados com a temática de
pesquisa, nas quais o pesquisador deve buscar ideias relevantes ao estudo, com registo fidedigno
das fontes. No caso específico deste trabalho, este método consistiu na recolha, selecção e leitura de
fontes literárias e audiovisuais que abordam a temática da guerra civil no contexto geral e moçambicano,
assim como da diversa literatura mencionada ao longo do texto e citada na bibliografia final que aborda
sobre a paz.
GUERRA CIVIL EM MOÇAMBIQUE: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS (1975-1992)
Contextualização
Depois de um longo período de dominação colonial que ainda é motivo de discórdia entre
especialista em história de Moçambique, sendo estimado em mais de 500 anos por uns, tomando
como marco de referencia a chegada dos portugueses no território que corresponde a actual
republica de Moçambique e estimado em menos de 50 anos por outros, que tomam como marco
referencial a montagem da administração colonial por volta 1927 (nas vésperas da tomada de
poder pelo estado novo). Dentro de um contexto marcado pela independência dos países
africanos, os nacionalistas Moçambicanos enveredaram a partir da primeira metade da década de
60 do século XX a luta pelo direito de autodeterminação em relação ao governo colonial
português.
Em virtude da revolução dos cravos (25 de Abril de 1974), negocia-se o processo de
independência de Moçambique tendo culminado com a assinatura do acordo de Lusaka em 7 de
Setembro de 1974 e que viria a oficializar-se em 25 de Junho de 1975. A seguir a independência,
começou um conflito armado que opôs de um lado a guerrilha da Renamo e as Forças de Defesa
e Segurança de Moçambique sob governo da Frelimo.
O conflito que durou 16 anos cessou após um longo processo de negociação de paz mediado pela
católica Comunidade de Santo Egídio e assinado em Roma a 4 de Outubro de 1992. Na sua
totalidade, todos os eventos aqui mencionados contribuíram (até determinaram) para a ocorrência
mutações estruturais no país económica, sociocultural e principalmente politicamente.
Definição e Discussão de Conceitos
Nesta parte do trabalho, procede-se a definição e discussão de conceitos bases para a realização e
compreensão da pesquisa. Nesta óptica, foram discutidos os seguintes conceitos: Guerra, Guerra
Civil e Paz.
Guerra
De acordo com Clausewitz (1832:1), a guerra é um acto de violência para levar o inimigo a fazer
a nossa vontade. Quer dizer, a violência, ou seja, a força física é, pois, o meio; a submissão
compulsória do inimigo à nossa vontade é o objectivo último”. O autor explica ainda que, para
que o objectivo se atinja plenamente, o inimigo tem que ser desarmado, sendo este o verdadeiro
objectivo das hostilidades na teoria, já que assume o lugar do objectivo final, colocando-o como
algo que não pertence bem à guerra.
Uma opinião não muito diferente é a do Magnoli (2006:12), que ao citar a tradição europeia,
advoga que para esses povos a guerra não é um desvio patológico, e sim uma etapa do fluxo
incessante das relações internacionais. Essa visão, realista e cínica, forjada na geografia das
rivalidades dinásticas e das disputas por territórios, não exclui o horror diante do sofrimento.
Mas ela opera na moldura filosófica construída por Maquiavel, que separa a moral política da
moral comum. Guerra é história. Guerra é cultura. Outra percepção é a do Fernandes (2019:280),
que define a guerra como:
Violência (enquanto luta, duelo em escala) entre grupos políticos (ou grupos com
objectivos político-sacrais), em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma
possibilidade potencial, visando um determinado fim nos limites (de preferência
exteriores) da política (ou fins políticos em grande parte, mas não na totalidade, a partir
da modernidade), a qual em qualquer dos casos se serve desse fim, dirigida contra as
fontes do poder adversário e desenrolando-se segundo um jogo contínuo de
probabilidades e acaso.
As três definições antes apresentadas do conceito guerra preservam e anunciam o carácter
violento do fenómeno. Contudo, divergem quanto a natureza do fenómeno, ou seja, se para
Magnoli (2006), a guerra é natural e uma fase ou etapa no fluxo das relações internacionais
(entre estados, grupos, etc.), para Clausewitz (1832), não passa de um acto de violência
protagonizado por um grupo que objectiva impor suas vontades aos outros. Por sua vez, o
conceito de Fernandes (2019), mostra-se limitado por conceber a guerra como um fenómeno
político, uma vez que, para o presente trabalho a guerra transcende a dimensão política, ou seja,
assume aspectos etnico-culturais, económicos, ideológicos e políticos.
Guerra civil
De acordo com Boniface (1997:166), antes de mais, importará diferenciar “guerra civil” de
“guerra internacional” e de “violência comum”. Ao contrário da guerra internacional, a guerra
civil “é travada fora de uma estrutura de regras e inteiramente dentro de um território nacional”,
segundo Collier et al. (2003:11). Por outro lado, e também em oposição à violência comum, a
guerra civil “implica uma organização rebelde equipada com armamento e staff recrutado a
tempointeiro”. Deste modo, a guerra civil ocorre em resultado da rebelião, que, segundo um
dicionário comum, significa insurreição ou revolta.
Os conflitos internos variam na sua intensidade, desde pequenas ocorrências a acções de limpeza
étnica e genocídio. Por isso mesmo, Muscat (2002:6), enumera quatro níveis de violência,
distinguidos pelos analistas como forma de controlar e monitorizar estes acontecimentos: (1)
tensão política, envolvendo menos de 25 assassinatos políticos por ano, (2) conflito político
violento, provocando menos de 100 fatalidades políticas por ano, (3) conflitos de baixa
intensidade, entre 100 e 1000 fatalidades políticas e (4) conflito de alta intensidade ou guerra
civil, com mais de 1.000 mortos por ano.
Em suma, a guerra civil será entendida no contexto deste trabalho como sendo um género de
conflito que tem como principais actores grupos militarizados ou não, pertencentes ao mesmo
país que guerreiam-se um contra o outro por motivos de vária ordem (ideológica, política,
económica, etc.). Assim sendo, é dentro desta perspectiva que será abordada a guerra fratricida
que fustigou Moçambique por 16 anos.
Paz
O conceito “ paz” evoluiu grandemente ao longo da história, sendo que suas significações
hodiernas são resultados das novas abordagens científicas e politicas que foram desenvolvidas
para a resolução de conflitos (cada vez mais diversificados e frequentes). Na óptica de Andrade
(2005:1), a paz como um resultado das relações humanas e uma qualidade dessas relações, o que
implica que a paz só se da em relações sociais.
Por sua vez, Chilume & Viegas (2011), citando Anatol Rapoport, académico da universidade de
Toronto, definem a paz como suspensão ou ausência de guerra, silêncio da desordem e ausência
de tumultos. Contudo, os autores rebatem esta definição advogando que, esta afirmação não é
muito satisfatória, porque a paz significa muito mais que ausência de guerra. A paz inclui não só,
a segurança e a tranquilização que é oferecida pelos governos; estado de harmonia mútua entre
pessoas e grupos; estado de tranquilidade ou serenidade.
Na mesma senda, Oliveira (2017), citando Galtung (1969), defende que a paz não significa
ausência da guerra ou o calar das armas. O mesmo autor, acrescenta que a resolução dos
conflitos na sua multiplicidade resulta em diferentes tipos de paz e divida em dois: Paz negativa
e paz positiva. O conceito de paz negativa, assemelha-se ao de “violência estrutural” cujas raízes
estão na distribuição desigual de poder e de recursos nas sociedades ou entre as sociedades, a
violência estrutural chama a atenção para um tipo de violência quase sempre latente, invisível ou
disfarçada, que resulta das desigualdades sociais, das injustiças, da pobreza, da exploração e da
opressão. Por sua vez, o conceito de paz positiva passa a ser definido como a ausência de
violência estrutural e existência de justiça social, em outras palavras, a paz positiva, passa ser
concebida como a superação de todas as formas de desigualdades e injustiças sociais, dando à
agenda de estudos da paz uma orientação mais reflexiva e emancipatória.
Essa percepção foi partilhada pelo ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, na sua
mensagem por ocasião do lançamento do Ano Internacional da Cultura da Paz em 2000, ao
referir que:
O principal mandato das Nações Unidas (preservar as gerações futuras do flagelo da
guerra) mantém tanta validade hoje quanto no tempo em que essas palavras foram
escritas, há mais de meio século". A verdadeira paz é muito mais do que a ausência de
guerra. É um fenómeno que envolve desenvolvimento económico e justiça social. Supõe
a salvaguarda do ambiente global e o decréscimo da corrida aos armamentos. Significa
democracia, diversidade e dignidade; respeito pelos direitos humanos e pelo estado de
direito; e mais, muito mais" (Instituto de Defesa Nacional, 2000:36).
A multiplicidade de tipos de guerra e as mutações históricas da sua concepção resultam natural e
logicamente em novos entendimentos do conceito “paz”. Resultado e substrato axiológico das
relações sócias, a paz é concebida por Anattol como ausência de tumulto. Essa percepção é
actualmente e no contexto desse trabalho superada por uma visão de paz mais abrangente e
consentânea com a do Galtung e do Kofi Annan apresentadas anteriormente.
Causas da guerra civil moçambicana: Análise contextual
O debate académico sobre as motivações da guerra civil foi explícito e profundamente marcado
pelas posições políticas assumidas ou não pelos autores. Este carácter, contribuiu de forma
significativa para o surgimento de múltiplas denominações para o conflito, tendo sido assumido
numa primeira fase como uma guerra de desestabilização, posição ainda mantida por alguns
meios maioritariamente ligados ao partido Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). E
mais recentemente assumida por alguns académicos como guerra civil, e outros, assumem-na
simplesmente tomando como referência a categoria de duração, ou seja, o tempo de duração do
conflito, sendo portanto, denominada guerra dos 16 anos. Importa referir que estas denominações
não são isentas de significados profundos e originados pelas conclusões analíticas sobre as
causas e objectivos da guerra.
Abordando sobre as explicações para as causas da guerra, Cardozo (2009: 48), refere que estas,
tendem a polarizar-se entre duas posições ideologicamente opostas. A primeira realça que a
guerra foi um projecto de desestabilização contra o governo da Frelimo, patrocinado
externamente, no contexto da “estratégia total” do regime do apartheid da África do Sul para a
região austral do continente. A crescente preocupação ocidental em torno de um governo
inspirado na ideologia marxista-leninista, é outro argumento que se junta ao anterior. Nesta
perspectiva, a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) é vista como uma força fantoche,
mantida externamente, sem nenhum programa político real ou intenção governativa e nenhuma
base de poder doméstico (Hanlon, 198421;198922). Do lado oposto, isto é, dos opositores ao
governo, é considerada uma força de liberdade e de democracia.
A mesma autora, acrescenta que, a segunda explicação advoga que as causas da guerra foram
principalmente internas, produto da experiência socialista falhada da Frelimo e particularmente
da alienação do apoio aos agricultores rurais, o desrespeito pelas autoridades tradicionais,
religiosas ou não, a imposição de empresas agrícolas estatais e cooperativas, aldeias comunais e
novas estruturas de poder que procuraram substituir a ordem social tradicional, apanágio da
tentativa de eliminar todos os vestígios do “obscurantismo” e de forjar “um homem novo” na
revolução moçambicana.
A primeira explicação sobre as causas do conflito armado que nos propomos a estudar
apresentada por Cardoso (2009), é defendida pelo boletim do arquivo histórico de Moçambique
N⁰ 18 de Outubro de 1995 quando faz uma resenha da origem da guerra e refere que:
Em 1974, na sequência do golpe de estado em Portugal, assiste-se à uma retirada da
presença portuguesa em Moçambique e, posteriormente, com a independência de
Moçambique e implementação das sanções mandatórias das Nações Unidas por
Moçambique, Ian Smith procurou desenvolver acções mais intensas com o Movimento
Nacional de Resistência (MNR) 2 ao ponto deste movimento passar a constituir o
prolongamento das Forças Armadas, reforçado por antigos elementos que faziam parte do
exército português e por antigos membros da polícia secreta portuguesa que haviam
fugido para a Rodésia aquando dos acordos de Lusaka.
Por sua vez, Coelho (2005), num trabalho dedicado a análise da aplicabilidade do modelo de
Literatura Quantitativa na interpretação do conflito armado em Moçambique, coloca de forma
2 MNR - Mozambique National Resistance
explícita na senda do debate, diversas variáveis explicativas das causas do conflito. Estas
variáveis são a seguir apresentadas:
1) Imediatamente a seguir à independência, Moçambiqueera caracterizado por um regime não-
democrático e o MNR teve origem nos grupos reprimidos por esse regime, embora fosse
mais motivado pela procura de benefícios materiais do que por ressentimentos;
2) A independência de Moçambique inscreve-se numa profunda alteração na geo-política na
África Austral em meados da década de 1970, marcada pelo desaparecimento do
colonialismo na região, deixando apenas os casos atípicos da África do Sul do ‘apartheid’ e
da Rodésia. Para este último país, o Moçambique independente governado por um regime
saído directamente do movimento de libertação representava dois perigos fundamentais: por
um lado alargava a fronteira rodesiana exposta à infiltração da guerrilha nacionalista, e por
outro o vital acesso ao mar através do porto e do Corredor da Beira ficava seriamente
ameaçado. Assim, o novo contexto exigia da Rodésia respostas imediatas, tornadas mais
urgentes pelo apoio aberto das novas autoridades moçambicanas à guerrilha zimbabweana da
ZANLA, e pela adopção, em Março de 1976, das sanções mandatórias das Nações Unidas
contra a Rodésia, o que na prática significava um corte radical de relações com aquele país;
3) O contingente do MNR teria sido alimentado por dissidentes da Frelimo descontentes com o
domínio do aparelho por parte de ‘gente do Sul’ e por vítimas da repressão desencadeada
após a independência, que se refugiaram na Rodésia;
4) Trata-se de uma questão muito sensível, a merecer sem dúvida muito mais pesquisa. Em
presença estão aqui pelo menos três grupos possíveis de actores, nomeadamente os
dissidentes históricos da Frelimo, os ‘dissidentes’ produzidos após a independência e os
moçambicanos comprometidos com o regime colonial. Quanto aos primeiros, é menos que
provável a sua capacidade de constituição de um movimento armado oposto ao novo regime,
sobretudo se se tiver em conta que as tentativas de constituição de movimentos políticos
alternativos acabavam nesta altura de ser neutralizadas com a prisão e confinamento em
campos de internamento dos seus principais dirigentes. Quanto aos segundos, há evidência da
adesão de elementos à rebelião sobretudo depois que esta foi desencadeada, nomeadamente
na sequência de assaltos e fugas de campos de internamento da Frelimo.
Do outro lado, reflectindo em torna das interpretações populares sobre a origem e o sentido da
guerra actual (entenda-se guerra dos 16 anos), Gefray (1991), sublinha simplesmente que, com o
afastamento dos notáveis, a eliminação das suas prerrogativas políticas, sociais e religiosas e
perante o discurso veemente que os ridicularizava, ameaçava e insultava, as populações
compreenderam que era a sua própria existência social que a Frelimo negava. E por isso sentiam
vergonha, um sentimento paradoxal de serem obrigadas a passar á clandestinidade, com toda a
sua história e existência social, por aqueles mesmos que, em seu nome, tinham posto fim á
opressão colonial. Contudo, o autor na limita a sua análise da causa das armas as interpretações
populares, e alia as duas perspectivas anteriormente enunciadas e ditas ideológicas ao referir que:
Os rodesianos criaram o MNR como o explica Ken Flower, chefe dos serviços secretos
nessa altura, num livro publicado em 1978. Como é evidente, para a formação do MNR
os agentes rodesianos contaram com a colaboração dos grandes colonos portugueses
imigrados, espoliados, ressentidos e frustrados, com os quais procederam ao
recrutamento, a organização e ao treino de uma tropa mercenária, composta
essencialmente por antigos soldados moçambicanos desmobilizados do exército colonial
também imigrados na Rodésia (…) mas isto não é suficiente para explicar que a Renamo
m tenha conseguido reproduzir e aumentar consideravelmente os seus efectivos no
terreno e alargar progressivamente o estado de guerra à totalidade do território rural
moçambicano (é essa a situação em 1986). Os apoios internacionais permitiram que a
Renamo dispusesse, num dado momento, dos meios técnicos para fomentar a guerra em
todo o país, mas são insuficientes para explicar como ela o conseguiu e menos ainda para
explicar a sua capacidade de manter indefinidamente o estado de guerra, depois de terem
praticamente desaparecido as fontes logísticas estrangeiras (ou nas regiões onde esses
fornecimentos não chegavam).
Na mesma senda, Della Roca (1994), defende que no fim 80, torna-se um conflito interno. Não é
uma guerra por procuração sul-africana e portuguesa, soviética e cubanos não tem voz activa no
problema. Se Chissano, que tem uma certa experiencia internacional usa uma prudência
diplomática para o exterior, a Renamo, talvez por reacção contra as polémicas sobre as suas
origens, afirma ciosamente a sua moçambicanidade e independência em relação a qualquer força
externa.
Finda a análise sobre as causas do conflito armado que marcou a história de Moçambique depois
da independência, percebe-se que este resultou da combinação de vários factores e que os
diversos actores ideológicos prenderam-se conscientemente (ou não) em uns em detrimento de
outros. Nessas circunstancias, surgiram as diferentes denominações do conflito inicialmente
elencadas. De um lado os apologistas da segunda variável mencionada por Coelho (2005),
rotularam o conflito como uma guerra de desestabilização em virtude da ligação entre a MNR ou
Renamo como ficou conhecida mais tarde com os serviços secretos rodesianos e com o governo
de segregação racial em vigor na República da África do Sul.
Por outro lado, os prós a primeira e terceira variável mencionada por Coelho (2005), advogam
que em razão da insatisfação popular relativamente às políticas de austeridade adoptadas pelo
governo da Frelimo e da sua incapacidade de garantir a liberdade e integração dos diversos
segmentos políticos, económicos e socioculturais, o conflito assumiu características específicas
de uma guerra civil.
Uma terceira posição é a assumida pelo antropólogo francês Christian Gefray em A Causa das
Armas: Antropologia de Guerra em Moçambique (1991). Neste estudo histórico o autor,
confirma as raízes rodesianas e auxilio das autoridades sul-africanas prestado ao movimento da
guerrilha da Renamo principalmente depois da independência da Rodésia do Sul em 1980.
Contudo, salienta que em certo momento existiram condições internas que acomodaram o
prosseguimento do conflito. A mesma opinião é partilha pelo historiador Moçambicano Egídio
Vaz que defende que, “pode dividir-se a guerra dos 16 anos em Moçambique em dois períodos: o
de ‘guerra de desestabilização’, com apoio externo, e o de ‘guerra civil’, em que os rebeldes
tinham já uma agenda política própria.
Para Egídio Vaz (2012), o primeiro período do conflito estendeu-se de 1977 até à assinatura do
Acordo de Nkomati na África do Sul, em 1984. "Este período foi marcado pela falta de um
discurso coerente, de uma causa, e caracterizou-se pela matança, pela destruição e pelo
enfraquecimento da infra-estrutura nacional", explica Vaz. O segundo começou já nos finais da
década de 1980 com a queda do Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética. ‘Aqui, a
RENAMO apropriou-se de novos valores: a democracia e a liberdade.’ A partir deste momento,
estávamos perante uma guerra civil, dirigida pelos moçambicanos com uma agenda política’. Foi
esta ‘nova postura da RENAMO que impulsionou o governo da FRELIMO a adoptar a
democracia como sistema político no país’”. Ademais, importa realçar que tanto Gefray (1991),
assim como Della Roca (1992) e outros historiadores não concordam que o acordo de Nkomati
tenha significado fim do apoio sul-africano á Renamo, nem que esta tenha uma agenda política,
sendo que este estatuto é questionado até na actualidade.
Ao final, conclui-se que o conflito armado que opôs a Renamo e o governo de Moçambique
liderado pela Frelimo, conserva características de uma guerra de desestabilização, e ao mesmo
tempo, apresenta características de uma guerra civil sendo por isso aceitável a divisão do conflito
em dois períodoscomo procede Egídio Vaz, contudo, uma leitura mais pormenorizada do
conflito revela complexidade dos eventos e por conta disso o carácter simplista da tomada de
qualquer marco divisório para a evolução do conflito. Deste modo, torna-se a denominação
“guerra dos 16 anos” a mais aconselhável para a designação do conflito armado que começou
logo após a independência de Moçambique.
Processo de Negociação de Paz
No dia 4 de Outubro de 1992, em Roma, o presidente da República de Moçambique, Joaquim
Chissano e o chefe da guerrilha anti-governo, Afonso Dhlakama, assinam o acordo de paz para
Moçambique, pondo fim a guerra que há mais de 15 anos (16 anos) opôs o exército da Frelimo
(exército governamental) aos combatentes da Renamo. Quatro mediadores conduziram as partes
beligerantes à paz: Mario Raffaelli, deputado em representação do governo italiano, Dom Jaime
Gonçalves, o arcebispo moçambicano da Beira, Andrea Riccardi e Matteo Zuppi, da comunidade
de Santo Egídio (DELLA ROCA, 1994:13).
Consequências
As guerras são desacordos profundos entre dois ou mais grupos e envolvem uma disputa da
autoridade legal sobre um bem ou um território e vários métodos e instrumentos para comunicar
e resolver esta diferença. As guerras civis e internacionais influenciaram negativamente a recente
experiência de desenvolvimento da maioria das economias mais pobres do mundo. Compreender
as economias de guerra nos países em desenvolvimento é, por isso, um factor importante para a
reconstrução do crescimento, para a diminuição da pobreza e para a manutenção de sistemas
políticos estáveis nestes países (Bruck, 1998: 1020).
Referencias Bibliográficas
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Instituto da Defesa Nacional. Prevenção de Conflitos e Cultura da Paz. N° 95/96 • Outono-
lnverno 2000. 2ª Série.
FERNANDES, António Horta: Sobre as Guerras Civis: a pretexto de um livro de Javier Rodrigo
e David Alegre. Revista Universitária de Historia Militar, Vol. 8, Nº 17 (2019), pp. 277-297.
BRUCK, Tileman. Guerra e Desenvolvimento em Moçambique. Análise Social, vol. xxxiii
(149), 1998 (5º), 1019-1051.

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