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Autor: Prof. Robson Paz Vieira Colaboradores: Profa. Sandra Castilho Profa. Tânia Sandroni Governança Corporativa Professor conteudista: Robson Paz Vieira Mestre em Liderança/Ciência e Tecnologia em Saúde, MBA em Gestão Empresarial e Docência para o Ensino Superior e é bacharel em Ciências da Computação. Possui mais de dezessete anos de experiência acadêmica como professor na Universidade Paulista (UNIP) e como coordenador dos cursos de Administração e pós-graduação. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) V658g Vieira, Robson Paz. Governança Corporativa / Robson Paz Vieira. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 132 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Governança corporativa. 2. Casos. 3. Administração. I. Título. CDU 658.012.432 U512.61 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Souza Vitor Andrade Sumário Governança Corporativa APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................8 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 HISTÓRICO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA: ORIGENS E FATORES DETERMINANTES ............... 11 1.1 Origens ...................................................................................................................................................... 11 1.1.1 Robert Monks e o fundo Lens .............................................................................................................11 1.1.2 Relatório Cadbury ................................................................................................................................... 12 1.1.3 Princípios da OCDE ................................................................................................................................. 13 1.1.4 Lei Sarbanes-Oxley ................................................................................................................................. 16 1.2 Fatores determinantes da evolução do capitalismo .............................................................. 16 1.2.1 Ética calvinista: séculos XVI e XVII ................................................................................................... 17 1.2.2 Doutrina liberal: século XVIII .............................................................................................................. 17 1.2.3 Revolução Industrial: século XVIII e XIX ........................................................................................ 17 1.2.4 Produção em série e novas escalas: século XIX .......................................................................... 18 1.2.5 Capital como fator de produção ...................................................................................................... 18 1.2.6 Sistema de sociedade anônima: século XIX e XX ....................................................................... 19 1.2.7 O crash de 1929....................................................................................................................................... 20 1.2.8 Ciência da administração: século XX .............................................................................................. 21 1.2.9 Gigantismo e poder das corporações ............................................................................................. 22 2 OBJETIVOS DAS ORGANIZAÇÕES .............................................................................................................. 25 2.1 Interesses das partes ........................................................................................................................... 25 2.2 Lógicas micro e macroeconômicas das empresas ................................................................... 27 2.2.1 Lógica financeira ..................................................................................................................................... 27 2.2.2 Lógica dos riscos assumidos ............................................................................................................... 27 2.2.3 Lógica da gestão ..................................................................................................................................... 27 2.2.4 Lógica do conflito de agência ........................................................................................................... 28 2.2.5 Lógicas macroeconômicas .................................................................................................................. 28 3 DEFINIÇÕES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA ................................................................................... 28 3.1 Definições ................................................................................................................................................ 28 3.2 Modelo de governança anglo-saxão ............................................................................................ 31 3.2.1 Estados Unidos ......................................................................................................................................... 31 3.2.2 Reino Unido .............................................................................................................................................. 32 3.2.3 Canadá ........................................................................................................................................................ 33 3.2.4 Austrália ...................................................................................................................................................... 33 3.3 Modelo de governança alemão ...................................................................................................... 33 3.4 Modelo japonês ..................................................................................................................................... 34 3.5 Comparativo das governanças entre os países ........................................................................ 34 3.6 Governança no Brasil .......................................................................................................................... 35 4 PRINCÍPIOS E VALORES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA ............................................................ 36 4.1 Os quatro princípios ............................................................................................................................ 36 4.1.1 Transparência............................................................................................................................................ 37 4.1.2 Equidade .....................................................................................................................................................40 4.1.3 Prestação de contas ............................................................................................................................... 42 4.1.4 Responsabilidade corporativa ............................................................................................................ 44 4.2 Agrupamento conceitual da governança com base nos princípios ................................ 46 4.3 Os 8 Ps da governança corporativa .............................................................................................. 47 4.3.1 Propriedade ............................................................................................................................................... 47 4.3.2 Princípios .................................................................................................................................................... 48 4.3.3 Propósitos .................................................................................................................................................. 49 4.3.4 Papéis ........................................................................................................................................................... 51 4.3.5 Poder ............................................................................................................................................................ 52 4.3.6 Práticas ........................................................................................................................................................ 53 4.3.7 Pessoas ........................................................................................................................................................ 53 4.3.8 Perpetuidade ............................................................................................................................................. 55 4.4 Vínculos e avaliações dos 8 Ps da governança corporativa ................................................ 57 Unidade II 5 O IMPERATIVO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA ............................................................................. 63 5.1 Governança corporativa no Brasil ................................................................................................. 66 5.2 A assimetria e a conciliação de interesses ................................................................................. 66 6 ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES DOS AGENTES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA ........... 67 6.1 Os atores da governança corporativa .......................................................................................... 68 6.2 Governança como sistema de relações ....................................................................................... 69 6.3 Estrutura da governança corporativa .......................................................................................... 70 6.3.1 Conselho de Administração ................................................................................................................ 71 6.3.2 Conselho Fiscal......................................................................................................................................... 71 6.3.3 Comitês ....................................................................................................................................................... 71 6.3.4 Auditoria independente e auditoria interna................................................................................ 72 6.3.5 Ouvidoria e corregedoria ..................................................................................................................... 72 6.3.6 CEO e diretores ......................................................................................................................................... 72 6.3.7 Acionistas e outros stakeholders ...................................................................................................... 73 6.4 O Conselho de Administração no processo de governança ................................................ 73 6.4.1 Grau de envolvimento como fator determinante ..................................................................... 73 6.4.2 Missão e áreas de atuação .................................................................................................................. 74 6.4.3 Dimensionamento e complementaridade .................................................................................... 75 6.4.4 Atributos, posturas e condutas ......................................................................................................... 76 6.4.5 Barreiras para avaliação dos conselhos ......................................................................................... 77 6.4.6 Diretoria Executiva no processo de governança ........................................................................ 78 6.4.7 CEO: atributos e posturas esperadas .............................................................................................. 79 6.4.8 O empowerment do Conselho de Administração e a eficácia da governança .............. 79 6.4.9 Relacionamento com os investidores (RI) .................................................................................... 80 Unidade III 7 OS ERROS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA ...................................................................................... 84 7.1 Principais erros ...................................................................................................................................... 84 7.2 Conflitos de agência ........................................................................................................................... 87 7.3 Casos de erros de governança corporativa ................................................................................ 91 7.3.1 O caso do Banco Panamericano ....................................................................................................... 93 7.3.2 O caso Petrobras ...................................................................................................................................... 97 8 NOVOS DESAFIOS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA .....................................................................100 8.1 Tendência à convergência...............................................................................................................102 8.2 Tendência à adesão ...........................................................................................................................107 8.3 Tendência à diferenciação ..............................................................................................................109 8.4 Tendência à abrangência .................................................................................................................110 8.5 Tendência da governança corporativa no Brasil ...................................................................110 8.6 Processo de disrupção e sua influência na governança corporativa ............................111 8.6.1 Compreensão do cliente .................................................................................................................... 112 8.6.2 Competências gerenciais ................................................................................................................... 113 8.6.3 Novos modelos de estratégia e de projetos ............................................................................... 115 8.6.4 Disrupção e a governança corporativa ........................................................................................ 116 8 APRESENTAÇÃO Esta disciplina trata de governança corporativa, apresentando seu histórico com as motivações externas que levaram à prática da governança nas corporações, verificando também seus conceitos e sua importância. Estudaremos os fatos que fizeram as empresas seguirem os modelos de governança corporativa, inclusive as exigências efetuadas pelo mercado – cada vez mais globalizado–, bem como as exigências legais que surgem em diversos países. Vamos demonstrar como a governança corporativa se estabelece em uma empresa, detalhando as principais atribuições e responsabilidades de todos os agentes da governança corporativa em uma organização, desde os sócios da empresa até os órgãos de fiscalização e controle, tais como: as auditorias internas e externas e os conselhos fiscais. Apresentaremos os erros ocorridos nas empresas, apontando as fraudes e os escândalos anteriores e posteriores à implantação deste modelo, além de efetuar um estudo sobre quais os novos desafios da governança corporativa em um mundo cada vez mais disruptivo e volátil. INTRODUÇÃO O tema governança corporativa é recente, principalmente se considerarmos que ele tem um crescimento maior nas últimas duas décadas, porém é muito importante para as grandes corporações, devido ao gigantismo e ao poder dessas empresas no mundo nos últimos anos. Todavia, suas origens remontam ao início do conceito capitalista no mundo, entre os séculos XVI e XVII, e se ampliam com fatos e fatores importantes, tais como: a Revolução Industrial, a ascensão do capital, o surgimento das primeiras empresas no formato de sociedades anônimas (S.A.), o crash da bolsa americana em 1929 e, ainda, o crescimento exponencial das instituições e o desenvolvimento da administração como ciência. Sabe-se que o administrador de empresas deve estar preparado para planejar, organizar, dirigir e controlar organizações de todo o tipo de porte. E, se pensarmos na evolução do capitalismo, o profissional da área deve ter o conhecimento detalhado da governança corporativa, que o auxiliará no desenvolvimento e aprimoramento das quatro funções da administração em sociedades de qualquer tipo e porte. Para uma melhor compreensão sobre esse tema tão atual e moderno, podemos utilizar a definição elaborada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, s.d.): sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. 9 Portanto, é possível perceber a importância da disciplina para o curso, trazendo questões fundamentais para que o futuro administrador possa participar do processo de governança em uma empresa, caso seja esse seu caminho a ser percorrido. É importante salientar que a governança, ainda que já estabelecida em uma empresa, precisa de ajustes para que possa atender plenamente seus objetivos e, principalmente, para trazer informações e segurança a todas as partes envolvidas no processo empresarial. Digamos, por exemplo, que uma empresa queira abrir seu capital na bolsa de valores e, com isso, atrair um grande número de sócios a fim de comprarem suas ações no mercado. Sem dúvida, ela deverá fornecer seus dados e informações com precisão e segurança com a finalidade de que os futuros acionistas possam compreender seus objetivos, sua missão e visão, encontrando os valores (não somente financeiros) que beneficiem todas as partes envolvidas. Assim, o conceito de governança precisa ser considerado e estabelecido de forma consistente no planejamento estratégico desta organização. Este livro-texto foi concebido para que você possa compreender melhor sobre o conceito de governança corporativa, fazendo uma leitura de sua história, importância, praticidade e desafios. Também será possível entender melhor como uma organização deve se preparar internamente para que a governança esteja estabelecida de forma ativa, participante e eficiente. Com isso, podemos afirmar que o presente material aborda todos os itens que irão contribuir para aumentar seu conhecimento no assunto, bem como possibilitar a participação e/ou administração de uma empresa que possua governança em sua estrutura organizacional. Ao elaborarmos a estruturação deste livro-texto, procuramos nos apoiar em livros de autores consagrados como José Paschoal Rossetti, Djalma de Pinho Rebouças de Oliveira, Roberto Cintra Leite e outros, bem como nos manuais e códigos estabelecidos pelo IBGC, além de estudos e práticas já verificados no mercado. Bons estudos! 10 11 GOVERNANÇA CORPORATIVA Unidade I 1 HISTÓRICO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA: ORIGENS E FATORES DETERMINANTES Para que seja mais simples o entendimento conceitual e prático sobre governança corporativa, há a necessidade de uma revisão histórica sobre todo o processo que levou as empresas à adoção do referido modelo. Portanto, serão informadas as origens da governança, apontando e detalhando seus quatro marcos históricos, assim como as motivações básicas para o seu surgimento, considerando quais foram os fatores determinantes para que o sistema capitalista atual fosse criado, desenvolvido e estabelecido pelo mercado. 1.1 Origens O processo de governança corporativa nas empresas surge com fatores determinantes do capitalismo desde o pensamento reformista de Calvino, porém eles serão estudados posteriormente. Agora, vamos nos ater aos quatro pilares da moderna governança corporativa. 1.1.1 Robert Monks e o fundo Lens Robert Monks é um ativista acionista americano que, em 1992, constituiu um fundo de investimento voltado para empresas com problemas: o fundo Lens. Esse fundo possuía uma forma diferente de gestão, focada em resultados melhores para as instituições e, com isso, aumentava o seu valor no mercado. Na realidade, o fundo Lens é considerado um marco, porém Monks já trabalhava desde 1985 quando fundou a Institutional Shareholder Services, que tinha como objetivo efetuar consultoria para investidores institucionais. Ainda assim, o fundo é considerado um dos pilares da governança, pois sua estruturação foi uma novidade no mercado financeiro, uma vez que “o acionista presente, ativo e contributivo poderia levar as corporações a um desenvolvimento melhor do que o acionista ausente e passivo” (ROSSETTI; ANDRADE, 2014, p. 166). Evidentemente que não somente tal aspecto movia o fundo Lens de Robert Monks. Além dele, podemos destacar quatro princípios: • As empresas conseguirão suas recuperações com forte sustentação se tiverem seu código de ética e seu valor de atuação bem consolidados e compreendidos pelo mercado. 12 Unidade I • O resultado das corporações também possui forte ligação com seu modelo de ética. • O modelo administrativo das instituições modernas deve ser pautado em gerar riquezas para os proprietários e as comunidades onde atuam, ainda que sejam dinâmicas e complexas. • As bases de sustentação da liberdade e do desenvolvimento empresarial são a vontade e o direito de realizar investimentos. Assim, a lógica de Monks, que fica claramente verificada no seu fundo Lens, é que os acionistas ativos, em conjunto com a direção executiva da empresa na participação dos processos decisórios da corporação, atuam na regulação legal, autorregulação da empresa, fiscalização preventiva e gestão de externalidades e conflitos. Tal atuação, sem dúvidas, ocasionará à maximização do valor corporativo para o atingimento de resultados de longo prazo, atingindo o último estágio do ciclo de vida empresarial para a perenidade, ou seja, a perpetuação da instituição ao longo do tempo. Saiba mais Monks depois registrou suas teses, conclusões e práticas em livros, que também são considerados marcos da governança, a exemplo da obra a seguir: MONKS, R.; MINOW, N. Corporate governance. New York: Blackwell Publishers, 1995. 1.1.2 Relatório Cadbury O segundo pilar da governança tem origem no Reino Unido e possui relação direta com pressões externas para ajustes nas estruturas das grandes corporações que possibilitem melhor confiança e garantia aos investidores e demais partes envolvidas. As empresas do Reino Unido no início dos anos 1990 já possuíam conselhos de administração para suas tomadas de decisão, porém grupos influentes no mercado perceberam que uma parte delesatuava em diversas empresas, algo que poderia causar conflitos de interesse e de favores. Tal divergência era vista de forma não sustentável, porque os minoritários (sócios com pouca participação societária nas empresas) ficavam à mercê das decisões centralizadas desses conselheiros. Com isso, Adrian Cadbury, – presidente da empresa Cadbury Schweppes, que já possuía uma estrutura administrativa participativa –, foi encarregado de efetuar um código de melhores práticas de governança corporativa, cujas definições foram inseridas em um relatório que levou seu sobrenome: o Relatório Cadbury. 13 GOVERNANÇA CORPORATIVA Os princípios básicos de governança estavam focados na prestação de contas do responsável e na transparência, com ênfase na reestruturação dos conselhos de administração das empresas, considerando: • Conselho de Administração: reestruturação com regras de constituição dos seus membros e alocação da administração geral da empresa para o conselho com diretrizes básicas bem definidas. • Diretoria Executiva: estruturação dos componentes da Diretoria, com foco na separação das responsabilidades entre a Diretoria Executiva e o Conselho de Administração. Também foram apresentados no relatório a constituição e o papel dos demais conselhos que poderiam ser instituídos nas empresas, bem como a forma na qual os auditores internos e externos deveriam se comportar, considerando suas atribuições e responsabilidades. No quadro a seguir, serão verificados os pontos mais relevantes apontados no Relatório Cadbury, que direcionam as empresas na composição e estruturação dos agentes da governança corporativa nas organizações (na Unidade II, veremos com mais detalhes as atribuições e responsabilidades de todos os agentes envolvidos na governança das empresas atualmente): Quadro 1 – Relatório Cadbury Agentes da governança Principais atribuições e responsabilidades Conselho de Administração Reuniões regulares Conselheiros externos independentes Monitoração da Diretoria Executiva Equilíbrio de poder e autoridade Conselheiros não executivos Maioria dos membros independentes da direção Membros eleitos por mandatos determinados Verificações sobre estratégia, desempenho, destinação de recursos da empresa e padrões de conduta Ausência de conflitos de interesse entre seus participantes Conselheiros executivos Membros com atuação por três anos, no máximo Remunerações dos membros divulgadas de forma clara e objetiva Permitida participação de membros da Direção Executiva Auditoria (relatórios e controles) Auditores com relação objetiva e profissional Implantação de um comitê de auditoria com clara definição de autoridades e responsabilidades Relatório dos auditores deve ser verificado e ter o registro dos conselheiros Adaptado de: Rossetti e Andrade (2014, p. 172). 1.1.3 Princípios da OCDE A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é um organismo internacional composto de mais de trinta países com o intuito de “trabalhar para construir melhores políticas para a 14 Unidade I melhoria da qualidade de vida” (OCDE, s.d.). Ela, portanto, dedica-se a encontrar soluções que auxiliem os países nos mais variados contextos, desde econômicos e financeiros até sociais e ambientais. Assim, a OCDE, desde o final dos anos 1990, passou a ter interesse nas questões referentes à governança corporativa, visto que havia o sentimento da necessidade de que tais princípios fossem estabelecidos e aplicados nas empresas ao redor do mundo, especialmente em um mercado globalizado, com maior eliminação de barreiras entre os países e investimentos sendo realizados pelas pessoas em qualquer mercado de capital. Melhores práticas de governança corporativa Crescimento das empresas Desenvolvimento dos países Mercado de capitais Figura 1 – Razão essencial do interesse da OCDE em governança Adaptada de: Rossetti e Andrade (2014, p. 174). A figura anterior apresenta, de forma clara, a tríade mercado-corporações-nações, que é a base do interesse da OCDE pelo tema de governança corporativa, uma vez que se está em um mercado capitalista, que necessita preservar e ampliar o fortalecimento de tal elo. Com isso, em 1999, o grupo formado pela OCDE para a criação de um trabalho apresentou os princípios da governança corporativa, que foram aprovados pelo organismo e tornaram-se a referência para todas as empresas no mundo, proporcionando as orientações gerais para iniciativas específicas de regulação. Mais tarde, foram feitas as revisões necessárias para a atualização desses princípios, acompanhando as mudanças constantes do mercado pelo mundo, porém mantendo suas bases: • Enquadramento das empresas: as empresas devem buscar as melhores práticas de governança corporativa, sendo elas sociedades anônimas ou não, promovendo a integridade e a transparência de suas informações. 15 GOVERNANÇA CORPORATIVA • Direito dos acionistas: as empresas devem criar conselhos e outros órgãos em sua estrutura organizacional, a fim de que protejam os direitos de todos os seus acionistas. • Tratamento idêntico aos acionistas: as empresas devem assegurar tratamento equânime aos acionistas, sejam eles majoritários, sejam eles minoritários (nacionais ou estrangeiros), dando acesso às suas informações de maneira ampla, regular e de modo confiável. • Divulgação e transparência: as empresas devem possuir governança para que assegurem que todos os fatos relevantes (tais como: balanços e demonstrações de resultado, objetivos e estratégia das empresas, entre outros) sejam divulgados de forma precisa e oportuna. • Responsabilidades dos Conselhos de Administração: a empresa terá, em seu modelo de governança corporativa, todas as atribuições e responsabilidades de seu Conselho de Administração definidas de forma clara e objetiva, sendo passível de fiscalização para casos de conflitos de interesse e tomada de decisões. • Gestão de riscos: a empresa deve garantir a identificação e a classificação dos riscos em suas ações e estratégias, considerando as origens, o grau de impacto, o tipo e a probabilidade de ocorrência, criando estruturas internas que possam monitorar e gerenciar esses riscos. • Avaliação da governança: a empresa deve possuir métodos estruturados que avaliam sua própria governança corporativa por meio de mecanismos de controle e auditoria com vistas a tomar as ações corretivas e preventivas necessárias. A OCDE continua atuando fortemente para que os princípios sejam seguidos pela maioria das empresas, atualizando dados necessários para as situações e novidades que surgem (como no caso da crise financeira de 2008 – Crise do subprime –, que originou uma nova revisão com outras recomendações, baseadas nas situações e falhas verificadas nas governanças corporativas daquela crise). Posteriormente, apresentaremos com mais detalhes tais erros no capítulo 7 deste livro-texto. Saiba mais Você sabia que o Brasil é um parceiro-chave da OCDE e possui uma cooperação mutuamente benéfica com este organismo internacional? Para entender integralmente como funciona essa parceria, acesse: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OCDE). Uma cooperação mutuamente benéfica. OCDE, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3ruU1FE. Acesso em: 23 jul. 2021. 16 Unidade I 1.1.4 Lei Sarbanes-Oxley O quarto pilar da moderna governança corporativa é a Lei Sarbanes-Oxley, idealizada por dois congressistas americanos em 2002, Paul Sarbanes e Michael Oxley, que criaram uma série de medidas regulatórias para que as empresas fossem obrigadas a seguir, baseadas nas boas práticas de governança. A lei foi criada em resposta a escândalos financeiros que ocorreram nos Estados Unidos e que afetaram a vida de milhares de acionistas minoritários, agindo, portanto, para garantir os seus direitos e evitar a fuga de capitais do forte mercado acionário americano. Com ela, foram direcionados os seguintes princípios para as empresas, que têm a obrigatoriedade de atenderaos seus requisitos: • A governança corporativa deve verificar as conformidades legais e éticas das empresas. • A alta administração da corporação deve se responsabilizar pela prestação adequada das contas e dos resultados, efetuando a indicação dos encarregados pelas informações. • A instituição deve ser responsável pela total transparência e veracidade das informações disponibilizadas às partes interessadas. • A empresa deve tomar decisões estratégicas e administrativas pautadas na ética, no senso de propósito e no senso de justiça. Apresentaremos mais detalhes sobre a Lei Sarbanes-Oxley, incluindo seu histórico, detalhes, vantagens e procedimentos quando estudarmos acerca das exigências legais na Unidade II deste livro-texto. 1.2 Fatores determinantes da evolução do capitalismo Já vimos os quatro pilares históricos da governança corporativa e entendemos que seus conceitos e importâncias surgiram devido ao crescimento exponencial de algumas empresas nos últimos anos e da importância de informações, resultados e tratativas nos mercados financeiros de todo o mundo, interferindo direta e ativamente nas economias das nações. Observação O desenvolvimento, o aprimoramento e a evolução do capitalismo e das corporações interferem diretamente na busca pelas melhores práticas por conta das organizações. Esse processo evolutivo levou ao que chamamos de despertar da governança corporativa. Devemos nos atentar, portanto, para os fatores determinantes da evolução do capitalismo, para que fique mais clara a importância de os conceitos administrativos e estratégicos das empresas terem sido direcionados para a governança corporativa e todos os seus princípios e códigos de melhores práticas. 17 GOVERNANÇA CORPORATIVA Vamos apontar oito fatores determinantes que levaram ao agigantamento das corporações de forma cronológica, fato que acabou por resultar em um processo de separação entre a propriedade e a gestão, ou seja, verificamos que a administração estratégica das empresas atuais não necessariamente está nas mãos de seus donos. 1.2.1 Ética calvinista: séculos XVI e XVII João Calvino foi um teólogo cristão francês do início do século XVI. Ele participou de um movimento religioso protestante com base na conciliação entre a vida espiritual e religiosa com a vontade e o impulso empreendedor da época. Importante lembrar que naquele momento o mundo vivia a descoberta do Novo Mundo (as Américas), bem como via o aprofundamento do Renascimento, fazendo com que as pessoas buscassem o enriquecimento por meio do seu trabalho. A ética calvinista, ao contrário do ideal cristão, apresentava a vocação para o empreendimento produtivo através de ligação direta com a religiosidade, porém considerando que “a energia empresarial passou a ser vista, aos olhos calvinistas, como uma inviolável e sagrada determinação divina” (ROSSETTI; ANDRADE, 2011, p. 33). Tal manifestação religiosa, sem dúvida, fornece um impulso considerável para a evolução do conceito e da prática capitalista na economia. 1.2.2 Doutrina liberal: século XVIII O segundo fator determinante para o capitalismo foi o pensamento liberal que se desenvolveu a partir da segunda metade do século XVIII. Por meio dessa doutrina, podemos observar uma nova organização das forças produtivas que veio acompanhada de uma profunda alteração social, com a mudança exponencial na capacidade inventiva e produtiva da humanidade. Deve ser lembrado que, até esse momento, havia um prevalecimento da autocracia e do domínio atuante de um Estado forte, regulador e interventor na economia das pessoas e, consequentemente, das nações. Em 1776, a publicação do livro de Adam Smith chamado A riqueza das nações trouxe as ideias da mão invisível do mercado, que determina que o próprio sistema econômico se autorregula sem a necessidade de um Estado forte e interventor, associada a novas ideias que surgem com movimentos em várias partes do mundo, como a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos da América, trazem a propriedade privada, o empreendedorismo e a livre concorrência como condições essenciais para a nova economia – o capitalismo. 1.2.3 Revolução Industrial: século XVIII e XIX A Revolução Industrial foi um período de enorme desenvolvimento das empresas que teve início no Reino Unido com o surgimento da máquina a vapor, por volta de 1760. Ela atendeu principalmente às empresas do setor têxtil, uma vez que o maquinário alterava a forma de produção, antes artesanal, para um processo de industrialização e produção em série. 18 Unidade I Ela provocou mudanças substanciais na economia mundial, aumentando a capacidade produtiva, trazendo lucratividade e riqueza jamais vistas anteriormente, ampliando a visão capitalista. Assim, a Revolução Industrial favoreceu a sociedade capitalista por meio de diversos fatores, conforme apresentam Rossetti e Andrade (2014, p. 35): A indústria de bens de capital, na esteira do desenvolvimento do setor siderúrgico e da difusão do vapor como força motriz, promoveu uma veloz substituição dos artesanatos e das corporações de ofícios pela manufatura fabril. A produtividade do trabalho aumentou com espantosa rapidez, a diversidade dos bens finais ampliou-se como jamais havia ocorrido e as oportunidades de investimento se multiplicaram. Complementando estes movimentos, estabeleceram-se novas exigências de implantação de infraestrutura, como a do transporte ferroviário e do setor naval, que suportassem os novos níveis de produção, a interligação dos mercados internos e o comércio internacional. Consequentemente, a Revolução Industrial deu início ao surgimento da produção em série em grandes escalas, que é o quarto fator determinante do capitalismo. 1.2.4 Produção em série e novas escalas: século XIX Com o surgimento das novas tecnologias apresentadas durante o processo da Revolução Industrial, vemos no século XIX o avanço das escalas de produção, provocando de forma contínua e permanente a diversificação da indústria e a produção em série, fatores que podem ser verificados nas empresas até os dias de hoje. Podem ser apontados como principais exemplos do avanço industrial e de suas consequências o aumento expressivo da produção de ferro e carvão, a expansão das ferrovias em vários países europeus e nos Estados Unidos da América, a estrutura portuária em acelerado crescimento devido ao aumento expressivo do transporte marítimo (na Inglaterra, em menos de cinquenta anos, os volumes transportados passaram de algumas centenas de toneladas para mais de 3 milhões de toneladas por ano), e os primeiros passos da indústria automobilística. Também pode ser verificado que esses passos levaram ao surgimento de outras invenções no século XX, ideias que alteraram significativamente a vida das empresas e das pessoas, tais como: a energia elétrica, as telecomunicações, as indústrias química, farmacêutica e alimentícia, além do petróleo e de toda a sua cadeia industrial. 1.2.5 Capital como fator de produção Após a Revolução Industrial e a alteração dos meios de produção e distribuição dos produtos, a indústria surgiu como parte da formação de riqueza nacional, antes dominada pela terra por meio da produção agrícola. 19 GOVERNANÇA CORPORATIVA Conforme Rossetti e Andrade (2014), com as indústrias originou-se uma nova classe econômica dominante formada pelos donos das empresas fabris, bem como pelos empreendedores dos setores de logística nos portos e nas ferrovias, produzindo impactos sociais, econômicos e institucionais, tais como: • Surgimento e crescimento exponencial do trabalhador assalariado. • Criação da economia de escala com o aumento da produtividade e a redução dos custos médios de produção. • Elaboração dos mercados de massa e da redução dos preços dos produtos. • Aparecimento das fusões e aquisições de empresas para a formação das grandes companhias. • Regulação das relações econômicas e condições para a formação das sociedades anônimas. Portanto, taisalterações acabaram por afetar de forma significativa a formação das empresas e os conceitos de administração. 1.2.6 Sistema de sociedade anônima: século XIX e XX Com o aparecimento das indústrias com a Revolução Industrial e o capital sendo direcionado para a produção, começou a ser amplamente utilizado, nos últimos anos do século XIX, o sistema acionário, uma vez que parte dos novos empreendedores era de origem humilde e necessitava de capital para criação e ampliação de suas fábricas, que se utilizavam de novos inventos, materiais e formas de produção. As sociedades anônimas já eram conhecidas desde o século XVII, porém com a ampliação dos processos produtivos, principalmente nos setores têxtil, ferroviário e marítimo, elas foram levadas aos mais diversos setores econômicos durante o final do século XIX e início do século XX. Rossetti e Andrade (2014) apresentam que, em 1899, 66,7% dos produtos manufaturados nos Estados Unidos da América vinham de sociedades anônimas. Contudo, em 1919, podíamos encontrar 87% da produção efetuada pelas empresas S.A. Tal crescimento leva à regulação legal por meio de códigos comerciais, ordenamentos jurídicos e leis efetuadas em diversos países: Intimamente associada ao desenvolvimento do sistema capitalista e do mundo corporativo, a sociedade anônima tornou-se mais do que uma forma de aglutinação de recursos para o crescimento dos negócios: ela foi um dos mais importantes instrumentos da organização social da propriedade. Como tal, em todos os países em que este instituto se estabeleceu, ele foi legalmente disciplinado com os objetivos de proteger os investidores de manobras expropriatórias, estimular o mercado de capitais e promover o crescimento das economias nacionais (ROSSETTI; ANDRADE, 2014, p. 44). As regulações em relação ao modelo de sociedade anônima, que cresciam vertiginosamente em vários países, surgiram para sanar as novas questões que se faziam presentes com a nova formatação societária. Observe esses aspectos a seguir: 20 Unidade I • A segurança do patrimônio dos acionistas investidores. • A diferença entre o capital investido pelos proprietários e pelos investidores no mercado de capitais. • A expectativa dos retornos nos resultados financeiros por meio da lucratividade nos processos produtivos das empresas. • O risco para a economia, com a possiblidade do aparecimento de uma crise que pudesse abalar a estrutura do mercado de capitais. O último item nos leva ao próximo fator determinante do capitalismo, que alicerça o despertar da governança. Observação Sociedade anônima é uma forma de empresa constituída por meio de uma instituição na qual o capital é formado por ações que podem ser negociadas na bolsa de valores e compradas pelos investidores, que se tornam acionistas da corporação, possuindo parte de seu capital. 1.2.7 O crash de 1929 Apesar das regulações efetuadas em quase todos os países que possuíam mercado acionário já no início do século XX, a sociedade anônima e o mercado de capitais encontraram sua crise nos Estados Unidos. Em 29 de outubro de 1929 houve a quebra da bolsa de valores nos Estados Unidos, fato que fez com que os banqueiros não tivessem forças para segurar a queda de todas as ações negociadas. Tal colapso foi o ponto-final em um processo que teve início em setembro daquele ano, com as ações subindo e descendo, algo sem precedentes, uma vez que sinais de problemas econômicos já eram sentidos nos Estados Unidos, porém ainda não haviam atingido o mercado de capitais. Esse setor sempre possui três denominadores comuns: a crença no mercado e na sua regulação, o incentivo do lucro e a euforia com o crescimento da riqueza. Eram exatamente esses itens que podiam ser encontrados nos Estados Unidos nos anos 1920, pois o país já estava entre as maiores potências econômicas mundiais naquela época. Houve euforia com as condições produtivas e econômicas, o que elevou os valores de boa parte das ações de forma exponencial, sem qualquer vínculo com a produtividade nos anos anteriores, fato que ocultou os problemas que estavam sendo sentidos por parte da população. Podem ser elencadas algumas causas para o crash: • Falta de demanda (procura): havia produtividade maior do que a possibilidade de compra da população, uma vez que os empregos não cresciam de forma exponencial quanto a produção das empresas nos mais variados setores da economia. 21 GOVERNANÇA CORPORATIVA • Concentração de renda: os mais ricos possuíam cada vez mais participação na riqueza gerada pela nação. • Especulação: havia a crença geral da população em relação à riqueza fácil com o aumento constante do preço das ações, levando a uma falsa sensação de possível enriquecimento sem esforço. • Imprudência: os mercados não tiveram prudência suficiente na tratativa de suas operações e negócios, pois era sabido que o crescimento das ações não tinha lastro produtivo ou de consumo. O crash levou o mercado, o sistema capitalista e o mundo corporativo a repensarem suas ações e regulações, bem como ampliou o interesse e a verificação da importância do planejamento, organização, direção e controle administrativo das empresas. 1.2.8 Ciência da administração: século XX O último fator determinante para o capitalismo, que possibilita o gigantismo das empresas e o aprimoramento das boas práticas de governança, foi o desenvolvimento da administração de empresas como ciência. O surgimento das empresas fabris após a Revolução Industrial e o aumento significativo de sua importância no mundo econômico trouxeram a administração a um novo patamar, pois foi verificada a necessidade de os processos administrativos serem cada vez mais eficientes, adaptando suas teorias e práticas de gestão. Assim, a administração evoluiu com o surgimento das teorias administrativas e suas características. Quadro 2 – Teorias administrativas e suas características Teorias Características principais Escola Clássica Taylor e Fayol Divisão de trabalho, estudo dos tempos e movimentos, e criação de normas administrativas Burocrática Max WeberRacionalidade e autoridade Relações Humanas e Comportamentais Elton Mayo Ênfase nas pessoas Produtividade – fator psicológico como influenciador Administração Estratégica Porter e Ansoff Visão de empresa como um todo Vantagens competitivas Qualidade Práticas japonesasQualidade total e círculos de controle de qualidade Teorias emergentes (sistemas e contingencial) Visão relativista Novos processos administrativos devido às alterações constantes do mundo externo Adaptado de: Rossetti e Andrade (2014, p. 55). 22 Unidade I O lado científico administrativo e a importância de um planejamento e de uma estrutura organizacional que possa atender às necessidades de todas as partes interessadas (stakeholders), tais como sócios, funcionários, clientes, fornecedores, governos, entre outros, são grandes alicerces para o despertar da governança no mundo corporativo. Neste ponto, já apresentamos todos os oito fatores que influenciaram o capitalismo e são a base para a governança, considerando principalmente o gigantismo e o poder das corporações nos dias atuais. 1.2.9 Gigantismo e poder das corporações Conforme Rossetti e Andrade (2014, p. 58), “impulsionado pelo conjunto de processos históricos que acabamos de descrever, o mundo corporativo registrou expressivos índices de crescimento ao longo de sua formação histórica”. Assim, após as duas Grandes Guerras, ainda durante o período da Guerra Fria, foi possível observar o crescente processo de concentração das empresas, muitas delas com receitas operacionais com valores superiores ao PIB (Produto Interno Bruto) de vários países do mundo, concedendo-lhes um poder econômico jamais visto anteriormente. Principalmente no ramo da tecnologia, algumas empresas possuem valor de mercado superior ao PIB da grande maioria dos países, por exemplo: Apple, Microsoft, Amazon e Facebook. Com isso, aumentou a necessidade da importância da governançacorporativa para que os investidores (sócios minoritários da empresa) pudessem ter a garantia de que a gestão da empresa, já dissociada do comando, teria planejamentos e ações que sempre tivessem como principal visão o aumento do capital e a valorização da companhia e, consequentemente, das suas ações no mercado acionário. Saiba mais Com o objetivo de verificar a comparação entre o PIB de alguns países e o valor de mercado da empresa Apple, acesse o site a seguir: KOLAKOWSKI, M. At $2.08 trillion, Apple is bigger than these things. Investopedia, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3fnKdZA. Acesso em: 2 ago. 2021. Portanto, as instituições começaram a apresentar um processo de expansão e de importância na economia global inédito. Importante frisar que esse processo pôde ser verificado com maior clareza nos últimos anos por conta das empresas de tecnologia, porém teve início após a Grande Depressão em 1929, com o surgimento e/ou aprofundamento de fatores administrativos e econômicos, tais como: • Avanços tecnológicos: as constantes mudanças que surgem no mercado para as empresas com o desenvolvimento de novos produtos, serviços, processos e tecnologias. 23 GOVERNANÇA CORPORATIVA • Aburguesamento da sociedade: o aumento exponencial da classe média na maioria dos países capitalistas traz uma necessidade de oferta de bens e serviços cada vez maiores, ampliando a participação das empresas e abrindo espaços para melhores remunerações nos colaboradores administrativos de nível gerencial e estratégico. • Produção em série: a redução dos custos de produção e a consequente redução dos preços de venda para os clientes, por meio da consolidação do ganho de escala (com a utilização plena e eficaz dos fatores de produção pelas empresas), ampliou a manufatura em série de diversos itens. • Evolução do mercado de capitais: o crescimento e o desenvolvimento do mercado acionário nos mais diversos países do mundo direcionaram os recursos de investidores para os meios de produção com a compra de ações das empresas. • Aumento dos pequenos negócios (crescimento do empreendedorismo): escalada crescente de pequenas empresas com a percepção da importância do empreendedor na economia da nação e na criação de vagas de empregos. • Transnacionalização das empresas: nas últimas décadas, pôde-se perceber uma expansão internacional das empresas, com suas atuações em todos os continentes do globo, ampliando seus mercados consumidores e ofertando novos produtos e serviços. • Relação entre poderes políticos e econômicos: países que possuem empresas de dimensões gigantescas e grande crescimento de faturamento, lucratividade e valor de mercado têm criado medidas de proteção, facilitando a expansão dessas organizações. As maiores empresas, com isso, tendem a concentrar boa parte do Produto Nacional Bruto (PNB) dos seus países de origem (em sua maioria, países desenvolvidos economicamente), provocando não somente um aumento da participação do mercado financeiro na economia – principalmente o de capitais –, mas podendo impactar de forma negativa os países desenvolvidos por meio de um desastre econômico gerado por fraudes e/ou falências, que seriam danosos para toda a cadeia produtiva direta e indiretamente ligada ao seu segmento de mercado. Tal impacto pode afetar não somente a economia local, como outras de diversos países, provocando uma fuga de capitais semelhante àquela percebida durante a crise econômica de 2008, que abateu o mercado financeiro americano no momento do estouro da bolha imobiliária, causado por meio de negociações com títulos subprime (hipotecas de alto risco que foram ofertadas para pessoas que não possuíam ativos, empregos fixos e renda suficiente para quitação das dívidas acumuladas), levando à falência o banco de investimento tradicional Lehman Brothers, fundado em 1850. Na tabela a seguir, podemos ver a expansão histórica das quinhentas maiores companhias nos EUA em relação ao seu PNB: 24 Unidade I Tabela 1 Valores em bilhões de US$ (dólares dos Estados Unidos da América) 1960 1980 1995 2013 Produto Nacional Bruto 518,9 2.725,4 7.325,1 16.800,0 Receitas das 500 maiores empresas 197,4 1.436,0 4.228,7 12.210,5 % das receitas em relação ao PNB 38,0 52,7 57,7 72,7 Adaptada de: Rossetti e Andrade (2014, p. 142). Em resumo, vimos que as principais empresas saltaram, em um período de pouco mais de cinquenta anos, de 38% para 72,7% de participação no PNB, ou seja, elas compõem quase 3/4 do total produzido no país. Tal situação resultou, diretamente, no processo de dispersão de capital e na separação entre a propriedade e a gestão das empresas. 1.2.9.1 Dispersão do capital Com o aumento da participação das empresas na economia, há a pulverização do capital da sociedade, que aumenta de forma exponencial o número de acionistas interessados no crescente valor de mercado. Tal feito também proporciona a elevação da importância e da participação do mercado de capitais na economia, levando o governo, as instituições e as próprias empresas a um controle maior de seus atos administrativos, provocando a busca pelas boas práticas de governança. Essas situações geram uma série de fusões e aquisições entre as grandes companhias, que levam aos ajustes de controle e garantias dos acionistas minoritários (que veremos mais detalhadamente durante o estudo dos princípios da governança corporativa) e/ou fazem com que as empresas assumam processos de sucessão com procedimentos administrativos testados e aprovados no mercado. Nesta última, vemos que, aos poucos, as companhias percebem a necessidade da separação entre o proprietário (sócios-fundadores e seus familiares) e as pessoas responsáveis pela gestão administrativa do negócio. 1.2.9.2 Separação entre propriedade e gestão A dispersão da propriedade, que surge com o gigantismo das corporações e as necessidades de atender aos desejos e anseios do mercado e das demais partes interessadas (stakeholders), provoca uma série de transformações importantes nas organizações. São elas: • Os fundadores das empresas e seus sucessores não mais participam diretamente da administração, criando Diretorias e Conselhos de Administração que cuidam dos planejamentos estratégicos e das ações administrativas, reduzindo a participação da propriedade no controle e comando. • Os objetivos da empresa se ampliam além dos fatores econômicos (como a maximização dos lucros), atingem a responsabilidade socioambiental, o respeito aos acionistas e às demais partes interessadas, reduzindo conflitos internos e riscos desnecessários por falta de planejamento. 25 GOVERNANÇA CORPORATIVA • A busca pela redução dos conflitos de interesse que podiam ocorrer no caso de a propriedade estar diretamente vinculada à gestão, dando ênfase a questões individuais em detrimento da valorização e perpetuidade da organização. Todos os fatores determinantes da evolução do capitalismo levaram as empresas à busca de novas estruturas e conceitos que pudessem assegurar sua continuidade em um mercado altamente globalizado e competitivo, também visando à valorização da empresa, não somente em conceitos financeiros e contábeis. Assim, podemos afirmar que a governança corporativa desperta como um dos principais movimentos para que as empresas possam atingir os requisitos desejados por elas mesmas e pelo mercado, tendo como grandes impulsionadores as mudanças macroeconômicas com o avanço do capitalismo para a grande maioria das nações, bem como os realinhamentos estratégicos e organizacionais, visto que ela se torna parte dos objetivos principais das organizações. 2 OBJETIVOS DAS ORGANIZAÇÕES Toda e qualquer empresa possui uma lista de partes interessadas (stakeholders) que fazem parte direta ou indiretamente do seu negócio, sendo uma força atuante no processo administrativo. 2.1 Interesses das partes Os interesses dessas partes são legítimos e devem ser compreendidos pela empresa, pois é fator crítico de sucesso no mundo empresarial que osobjetivos da sociedade estejam alinhados a tais interesses, trazendo crescimento sustentável em longo prazo. Vimos que, em muitas empresas, já houve a separação entre a propriedade e a gestão, pois há o ideal de que a gestão esteja ciente das necessidades e dos desejos vindos do mundo externo, o que cria uma corporação com responsabilidade social e ambiental e torna esse sentimento fortemente arraigado em seu planejamento estratégico. Não se pode esquecer que os sócios são as pessoas que assumiram riscos (uma vez que utilizaram parte de seu capital para participarem como acionistas) com o intuito de maximizar o retorno de seus investimentos. Na qualidade de sócios, incluindo nesse espectro os acionistas minoritários, seus interesses serão avaliados de forma econômica, porém com visão de longo prazo, para que seu capital possa ter ganho significativo. Eles saberão que não somente recursos financeiros serão a tônica do processo de valorização do capital, uma vez que o mercado exigirá da empresa que seus lucros sejam consistentes, porém sustentáveis. Se tal retorno, pelos mais diversos motivos, não for entregue, o acionista negará recursos futuros, ou até mesmo deixará de ser participante da sociedade, vendendo suas ações, levando a sociedade a uma redução significativa de seus negócios, podendo causar problemas futuros irreparáveis. Portanto, observamos que o mercado – além de mais globalizado, competitivo, exigente e disruptivo – estabelece uma complexa teia de relações que não deve ser deixada de lado pelas empresas. Os atuais gestores precisam estar cientes da realidade do mundo corporativo atual, que exige das instituições uma série de outros quesitos tão importantes quanto seus retornos financeiros. Podemos citar, como exemplo, 26 Unidade I o investimento de impacto, que busca retorno financeiro, porém com resultados socioambientais bem detalhados por meio de indicadores criados para tal fim. Assim, são criados instrumentos de mercado direcionados para atingir esses objetivos, que trazem possiblidade de aumento de recursos para as empresas comprometidas em sua estratégia com as questões tanto sociais quanto ambientais. A gestão atuante da sociedade verificará os legítimos interesses de todas as partes envolvidas, considerando que: • Proprietários e investidores: possuem o interesse de aumentar seu capital pela valorização de seu investimento (crescimento do valor da ação e/ou distribuição dos dividendos). Para que isso ocorra, assumem riscos financeiros e esperam que a gestão efetue a administração para tal fim. • Colaboradores: neste grupo devem ser incluídos desde a Direção Executiva e os Conselhos de Administração até os empregados do nível operacional da empresa. Em qualquer nível, espera-se o retorno por meio dos salários, bonificações, benefícios, oportunidades de crescimento na carreira profissional e segurança. Os líderes, no grupo, são importantes para a consolidação e o entendimento dos objetivos da organização, que devem ser comunicados a todos de forma clara, simples, eficaz e transparente. • Fornecedores e clientes: ambos estão no grupo dos integrados à cadeia de negócio e referem-se às etapas de entrada e saída do macroprocesso organizacional. Enquanto fornecedores têm interesse para que a parceria seja mutuamente benéfica, trazendo crescimento e desenvolvimento conjunto das empresas, os clientes sempre demandam produtos e/ou serviços confiáveis, de qualidade e com sua proposta de valor bem alinhada a seu preço de venda, ou seja, a preços justos. • Credores: este grupo específico, também integrado à cadeia de negócios da organização, deseja resultados positivos constantes e consistentes nos quais parte dos recursos financeiros serão direcionados para a liquidação das dívidas contratadas (aqui, podermos incluir ainda alguns fornecedores, uma vez que eles também representam a parte dos credores da empresa, principalmente quando efetuam vendas a prazo). • Comunidades locais: este grupo, que está no entorno da companhia, tem interesse direto, principalmente em dois aspectos que atuam como força direta na gestão do negócio – a geração de empregos nas comunidades próximas ao local da empresa e no tratamento que ela assume em relação ao impacto ambiental causado por sua atividade. Podemos usar como exemplo do último item as empresas que liberam gases poluentes para a atmosfera, causando impacto nas comunidades próximas. Assim, as instituições que atuam na prevenção dos impactos gerados agem em prol de um desenvolvimento sustentável. • Sociedade, governos e ONGs (organizações não governamentais): há outros grupos no entorno das atividades empresariais que também têm interesses, tais como: bem-estar social, conformidade legal, preservação ambiental etc. Pode-se concluir que a governança corporativa tem como foco atender às lógicas micro e macroeconômicas, sempre com o intuito de manter o crescimento sustentável com vistas à perenidade. 27 GOVERNANÇA CORPORATIVA 2.2 Lógicas micro e macroeconômicas das empresas Para entender melhor as lógicas que envolvem o processo da governança e que estão diretamente vinculadas aos objetivos principais de toda e qualquer organização, vamos estudar as questões financeiras, os riscos assumidos, a gestão e os conflitos de agência, bem como os itens macroeconômicos que envolvem esse processo. 2.2.1 Lógica financeira A parte financeira do processo é simples de ser compreendida, porque se trata do conceito fundamental do capitalismo. O capital empregado em uma empresa tende a exigir seu retorno por meio de lucros constantes e sustentáveis. Esse lucro será gerado sempre que a gestão da empresa trabalhar de forma a ofertar produtos e/ou serviços que estejam entre os desejos e as necessidades do mercado consumidor. Desta forma, terá maior participação no mercado, aumentando suas vendas e, diretamente, ampliando seu ganho financeiro. Assim, a administração deve traçar as estratégias que conduzam a este fim. A gestão não deve esquecer que possui responsabilidades além do econômico-financeiro, até porque será exigência do mercado – uma vez que todas as partes interessadas atuam fortemente sobre a empresa–, mas deve ter como premissa que seus acionistas (majoritários ou minoritários) são a peça-chave para a existência e a permanência da instituição no mercado, pois são eles que assumem os riscos. 2.2.2 Lógica dos riscos assumidos Os riscos assumidos pelos investidores estão intrinsicamente ligados à lógica financeira e devem ser entendidos como objetivo fundamental para a gestão em sua estratégia. Apesar de o retorno no capital investido ser incerto (e por isso o mercado acionário é conhecido como renda variável, pois ela pode tanto aumentar quanto diminuir ao longo do tempo), ele é inquestionável, ou seja, as empresas precisam trabalhar para o cumprimento das metas e dos objetivos estabelecidos e comunicados, que são parte dos motivos que levaram os acionistas a se tornarem sócios da instituição. Quando consideramos que uma pessoa efetua a compra de ações de uma empresa na bolsa de valores com vistas à maximização do valor investido ao longo do tempo, parte das motivações surge das informações transparentes que a companhia forneceu ao mercado. 2.2.3 Lógica da gestão A empresa precisa ter em sua gestão pessoas capacitadas profissionalmente para que a conduzam ao caminho do sucesso ao longo do tempo. Portanto, uma corporação que efetue a gestão estratégica em seus Recursos Humanos, contratando e capacitando seus colaboradores, formará uma estrutura de gestão capaz de impulsionar os negócios. A administração da instituição deve sempre ser direcionada a atender os objetivos estabelecidos, com uma inter-relação ampla e produtiva não somente entre os setores, mas entre os níveis estratégico, tático e operacional. Não podemos deixar de mencionar que as empresas, que já são ativas em diversas 28 Unidade I partes do mundo, precisam alinhar sua administração para atenderaos requisitos locais sem esquecer das metas globais e de suas relações internas e externas. 2.2.4 Lógica do conflito de agência Por fim, ainda em relação às questões internas da empresa, ou seja, das lógicas microeconômicas, devemos mencionar os conflitos de agência que poderão existir durante a ação dos gestores em seus processos administrativos. Para que os objetivos sejam atendidos conforme desejado pelas partes interessadas, a gestão precisa possuir bonificações e benefícios que estejam diretamente vinculados ao retorno do capital investido, porém tais condições podem levar a problemas vinculados a ações estratégicas com objetivos não transparentes ou mesmo a fraudes e outros problemas vinculados. O conflito de agência será estudado com mais detalhes posteriormente. 2.2.5 Lógicas macroeconômicas Tem-se ainda as questões macroeconômicas, que levam as empresas para a governança corporativa a fim de que seus objetivos possam ser alcançados de forma mais eficaz. Quanto mais os quesitos envolvendo a gestão, os riscos e as finanças das empresas forem tratados de forma completa, eficaz e transparente, melhor será possível atender às demais partes interessadas que fazem parte das forças externas das organizações. Será assim que a governança auxiliará o mercado para manter as economias atuantes de forma sustentável. Consequentemente, podemos a partir de agora focar nos conceitos da governança corporativa e em seus modelos nos principais países do mundo e no Brasil. 3 DEFINIÇÕES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA Foram apresentadas as origens e as motivações que levaram as empresas e o mercado às boas práticas de governança corporativa. Sabemos que com o crescimento do capitalismo no mundo, associado ao gigantismo das sociedades e às novas realidades em um conceito mais dinâmico, globalizado e disruptivo de mundo corporativo, a governança surge como uma prática a ser desenvolvida pelas instituições, tornando-as, desta forma, corporações que buscam sua perpetuidade, com retorno do capital investido pelos proprietários e/ou acionistas, porém com atenção também focada na responsabilidade social corporativa. 3.1 Definições Governança corporativa pode ser definida, então, como: Conjunto de práticas administrativas para otimizar o desempenho das empresas – com seus negócios, produtos e serviços – ao proteger, de maneira equitativa, todas as partes interessadas – acionistas, clientes, fornecedores, credores, funcionários, governos –, facilitando o acesso às informações básicas da empresa e melhorando o modelo de gestão (OLIVEIRA, 2011, p. 16). 29 GOVERNANÇA CORPORATIVA Na definição é possível encontrar todos os princípios da governança (que serão estudados mais profundamente no próximo capítulo) associados a um modelo de gestão que possui suas práticas, ferramentas e normas que conduzem as empresas para sua sustentabilidade no mercado, gerando mais confiança nas relações com todos os stakeholders (partes interessadas). Em toda a história da administração, sempre foi possível verificar que novas práticas e métodos eram criados, desenvolvidos e implantados pelas organizações, buscando atender os novos anseios que surgiam na sociedade. Foi assim durante a criação das estruturas organizacionais e dos estudos de tempo e movimento, idealizados por Fayol e Taylor, respectivamente. Com o tempo, vieram as necessidades humanas, pois houve aumento do mercado de trabalho nas diversas empresas e a percepção da importância dos recursos humanos trabalhando em prol dos funcionários, que mais tarde foram considerados pelas corporações como colaboradores). No mesmo caminho evolutivo da administração, por conta dos aspectos que vimos anteriormente, a governança é desenvolvida e assumida pelas empresas para as novas etapas do processo evolutivo do mercado. Portanto, os administradores responsáveis pela gestão das sociedades precisam ter ferramentas que auxiliem na tomada de decisões que atenderão aos quesitos de todo o mercado, bem como necessitam comunicar de forma clara e transparente suas ações aos acionistas e às demais partes. A governança atua como um sistema dentro da estrutura organizacional da empresa, que amplia e fornece credibilidade às decisões da organização. Como descrito no Código das melhores práticas de governança corporativa do IBGC (2015, p. 20): Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum. A governança não deve ser verificada como uma forma de engessamento ou burocratização do processo administrativo, mas como recomendações que as instituições podem seguir para atingir mais facilmente seus objetivos de longo prazo, ampliando sua proposta de valor. Importante ressaltar que algumas dessas práticas já estão inseridas em leis e normas que implicam a obrigatoriedade do atendimento de certas determinações. Com o estudo do imperativo das normas ainda nesta unidade, haverá uma compreensão clara das obrigatoriedades para as organizações que queiram participar do mercado acionário nos mais diversos países, por exemplo. 30 Unidade I Conforme Rossetti e Andrade (2014), a governança pode ser vista nas empresas, como: • Guardiã de direitos: ao utilizar o sistema de governança corporativa na organização, ficam assegurados os direitos dos acionistas majoritários e minoritários de forma idêntica, bem como também são garantidos os direitos de todas as partes interessadas por meio da vinculação estratégica da empresa com suas responsabilidades sustentáveis a longo prazo. • Sistema de relações: criando-se uma estrutura organizacional que integre os atores da governança com seus papéis, poderes e atribuições bem definidos e controlados, a empresa apresenta os caminhos corretos para as tomadas de decisões que interferem direta ou indiretamente em sua participação no mercado, transformando-se em uma companhia confiável e perene. • Estrutura de poder: com os papéis e poderes bem estabelecidos, ampliando e atuando diariamente nas estruturas de auditoria e controle, as decisões e a liderança da empresa serão direcionadas ao atendimento dos objetivos traçados em sua estratégia corporativa. • Sistema normativo: apesar de não ser uma exigência para as empresas, ao assumir as práticas administrativas direcionadas pelo sistema de governança, elas trazem os quesitos e princípios básicos da boa prática de governança para suas normas internas. Além disso, ratifica-se que a governança se expandiu para leis e normas externas em várias partes do mundo para ampliar e incentivar o crescimento do mercado de capitais. Com isso, percebemos que as empresas sempre buscarão o máximo retorno total de longo prazo para seus sócios, mas para tal precisam iniciar um processo que envolve sua gestão estratégica e seus objetivos, atuando de forma a efetuar as ações administrativas necessárias para tal, com criação de vantagens competitivas e de estruturas organizacionais que a conduzam ao sucesso. Na figura a seguir, pode-se entender melhor o caminho trilhado pela empresa para atingir o retorno esperado pelos acionistas/proprietários, considerando as ações estratégicas que envolvem as decisões e as boas práticas de governança: Alocação dos recursos Redução de custos Resultados corporativos Máximo retorno total de longo prazo Gestão estratégica das demandas Objetivos e foco gerencial Vantagens competitivas Gestão da estrutura e dos processos organizacionais Figura 2 – Caminho para a governança Adaptada de:Rossetti e Andrade (2014, p. 131). 31 GOVERNANÇA CORPORATIVA O caminho trilhado pela empresa para atingir seu objetivo de retorno no longo prazo e, portanto, sua perpetuidade, deve passar necessariamente pelo planejamento estratégico com a criação de objetivos que serão as bases administrativas para que a organização tenha vantagem competitiva, estrutura organizacional focada nesses objetivos e sequência processual a fim de atingir o planejado. Esta estrutura, criada e aprimorada por meio de normas e ferramentas do sistema de governança, levará a alta administração a tomar decisões estratégicas com alocação eficaz de recursos, redução dos custos empresariais e criação de resultados positivos e estimulantes para o retorno de longo prazo. Enfim, a governança se apresenta como o sistema que cuidará para que a empresa atinja as boas práticas e possa ter crescimento sustentável. Sua definição fica clara e ela passa a ser utilizada em diversos países que criaram seus próprios modelos para atender às características econômicas e sociais de tais nações, considerando diversos aspectos, tais como: financiamento, propriedade, controle, proteção aos minoritários, liquidez e abrangências dos modelos de governança. 3.2 Modelo de governança anglo-saxão O primeiro modelo de governança que será estudado é o anglo-saxão, que, segundo Rossetti e Andrade (2014), tem como foco principal a pulverização do controle acionário e a separação da propriedade e da gestão. Esse modelo pode ser verificado em vários países com os mesmos moldes, mas com pequenas alterações situacionais. 3.2.1 Estados Unidos Com o crescimento e o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos, principalmente no final do século XIX e início do século XX, começaram a surgir as grandes empresas fabris, que tornam a sua administração mais complexa e focada para atender aos anseios do mercado acionário, que já era forte no país antes da crise de 1929. Assim, o aumento da procura de renda variável como investimento por parte dos acionistas (minoritários, em sua maioria) sempre fez parte da cultura econômica e social norte-americana, que é uma tremenda força externa para que as empresas estabeleçam práticas de boa governança. Rossetti e Andrade (2014, p. 347) nos explicam sobre esses aspectos, cronologicamente, de forma bem detalhada: A propriedade dispersa, as tradições liberais e o monitoramento das companhias pelo mercado exigiam, em contrapartida, elevado grau de transparência das companhias, ausência de conflitos de interesse na composição de seu quadro de administradores (conselheiros e executivos), apuração de resultados rigorosamente auditados e controle de informações privilegiadas. Mas estas contrapartidas não se observaram ao correr do tempo. Acumularam-se vícios conflitantes com os interesses dos acionistas dispersos e distantes das companhias. Avolumaram-se as suspeitas de conflitos e de altos custos de agência, que acabaram por gerar o ativismo dos investidores institucionais por boas práticas de governança. 32 Unidade I Algumas falhas que foram vistas no modelo americano e precisaram de ajustes ao longo do tempo – inclusive com a criação da Lei Sarbanes-Oxley – serão mais bem estudadas na Unidade III, quando abrangermos os erros da governança corporativa. De toda forma, em uma país onde a participação acionária das pessoas sempre foi vista como uma das principais formas de investimento pessoal, a governança precisava assumir um modelo de grande proteção aos minoritários, com forças externas atuantes e direcionadas, destacando quatro pontos fundamentais no modelo: • Segurança: definição de indicadores internos mensuráveis e auditáveis que possam ser comunicados de forma transparente às partes interessadas, mitigando riscos de pânico e de contágio no mercado de capitais, provocando crises financeiras. • Agências de rating: controles externos que utilizam métodos de avaliação e, com isso, apresentam a classificação de risco que serve como balizador para os investidores. • Manutenção das carteiras: exigência de que parte percentual das carteiras dos investidores estejam sempre disponíveis no mercado para as compras e vendas diárias do mercado de capitais. • Remuneração de administradores: salários, bonificações e benefícios pagos para os responsáveis pela gestão e, portanto, pela tomada das decisões estratégicas da empresa, devem ser transparentes e dentro de parâmetros aceitáveis, que evitem e não incentivem ações fraudulentas. Pode-se concluir que o modelo americano de governança está em constante evolução para se adequar às realidades do mercado, mantendo sua consistência e credibilidade. 3.2.2 Reino Unido O modelo do Reino Unido é muito parecido com o estabelecido nos Estados Unidos, até mesmo porque, historicamente, há uma semelhança estrutural das corporações nesses dois locais. Assim como nos Estados Unidos, foram as pressões externas, associadas a alguns erros ocorridos ao longo dos anos, que levaram todo o mercado a buscar as boas práticas da governança. Algumas crises que ocorreram, desde o crash da bolsa em 1929 nos Estados Unidos até a crise financeira de 2008/2009 (subprime), atingiram diretamente o mercado do Reino Unido, levando-o a tomar ações muito próximas e, muitas vezes, em conjunto para reduzir problemas futuros. Apesar das semelhanças que existem entre os dois modelos, podemos destacar algumas diferenças entre ambos: • A separação completa entre as funções do presidente do Conselho de Administração e da Diretoria Executiva. • A presença constante dos conselheiros independentes, atuando de forma constante e obrigatória nas suas atribuições. 33 GOVERNANÇA CORPORATIVA • As informações obrigatórias que as empresas precisam fornecer de forma transparente a todas as partes interessadas, como seus fatores-chaves dos negócios e os riscos envolvidos em seus processos estratégico e operacional. 3.2.3 Canadá Pela proximidade geográfica e constante troca de materiais e informações entre os dois países desenvolvidos da América do Norte, o modelo de governança canadense possui semelhanças bem evidentes com o modelo americano, principalmente quando citamos as formas de regulação do mercado de capitais. Com a presença muito forte de empresas canadenses nas bolsas de valores americanas, a Lei Sarbanes-Oxley pode exibir a necessidade de atender a todos os normativos especificados. Ainda assim, o modelo canadense também apresenta algumas similaridades com aquele do Reino Unido, principalmente na forma de atuação do Conselho de Administração e de suas obrigações na estrutura organizacional criada para as boas práticas da governança. 3.2.4 Austrália Mais uma vez por motivos históricos, o modelo australiano é muito semelhante aos demais apresentados, tendo como principais distinções em relação aos padrões americano, inglês ou canadense: • A forma e os limites de remuneração dos gestores e conselheiros. • A formação do Conselho de Administração, dos comitês e demais conselhos corporativos. • A centralização da responsabilidade das auditorias internas e externas. 3.3 Modelo de governança alemão O modelo alemão, por sua vez, apresenta uma série de diferenças para com o anglo-saxão, visto que sua forma de orientação é focada no crédito bancário de longo prazo, que é a fonte de capitalização tradicional do mercado na Alemanha. Por ser um mercado no qual os bancos possuem um grande controle sobre todo o processo acionário, tendo uma estrutura patrimonial concentrada em grandes acionistas e bancos, as pressões são internas para que as empresas tenham um sistema de boas práticas. Boa parte dessas características estão diretamente ligadas à história da Alemanha no século XX, vinculada a duas grandes guerras mundiais, uma devastadora hiperinflação que culminou no surgimento de uma liderança autoritária com poder extremamente concentrado, seguida de uma divisão territorial pós-Segunda Guerra Mundial, que só foi resolvida após a queda do muro
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