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UNIVERSIDADE PAULISTA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LUCILENE VALESAN VIVIANE PRISCILA DE CASTRO A EDUCAÇÃO INFANTIL E A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS ESTÂNCIA VELHA – RS 2021 UNIVERSIDADE PAULISTA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LUCILENE VALESAN VIVIANE PRISCILA DE CASTRO A EDUCAÇÃO INFANTIL E A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Graduação em Pedagogia. Universidade Paulista – Polo Ivoti/RS Orientação: Lisandra Príncepe ESTÂNCIA VELHA – RS 2021 LUCILENE VALESAN VIVIANE PRISCILA DE CASTRO A EDUCAÇÃO INFANTIL E A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS E BRINCADEIRAS Trabalho de conclusão de curso para obtenção de título de Graduação em Pedagogia apresentado à Universidade Paulista – UNIP. Aprovado em: BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________/_____/____ Prof. Nome do Professor Universidade Paulista – UNIP ___________________________________________________________/_____/____ Prof. Nome do Professor Universidade Paulista – UNIP ___________________________________________________________/_____/____ Prof. Nome do Professor Universidade Paulista – UNIP AGRADECIMENTO Agradecemos a Deus pela força, persistência, sabedoria e paciência em realizar esta etapa, parte importante para nossa formação acadêmica, seguindo firme e forte em busca do sonho de nos tornarmos Pedagogas. A nossa família, principalmente aos maridos e filhos, agradecemos o apoio e o incentivo recebido desde o início de nossa caminhada acadêmica, que sempre torceram pelo nosso sucesso. A todos demais familiares, amigos e colegas que nos ajudaram de alguma forma para realização desse trabalho. A professora e tutora Iara Aragão pela paciência e ajuda durante toda essa jornada acadêmica e, a nossa professora orientadora, Lisandra Príncipe, pelo acompanhamento deste trabalho. Ainda um agradecimento especial a professora Marlise Kreuzberg, nossa principal incentivadora de profissão, a qual atua há anos na área da Educação Infantil do município de Estância Velha, e é apaixonada pelo que faz, inovando e criando novas possibilidades de aprendizagem às crianças, através de novas metodologias pedagógicas, trazendo a nós, orgulho e admiração a esta profissão. “Quanto melhor for a qualidade de oportunidades para brincar oferecidas às crianças, mais prazerosas serão suas experiências, tanto para ela como para os adultos”. Jackson Goldschmied RESUMO O presente trabalho visa abordar um breve aspecto histórico da Educação e da Educação Infantil, trazendo um melhor entendimento sobre a concepção da criança e suas necessidades. Sabe-se que na atualidade já houveram muitos avanços, mas compreende-se que muito ainda precisa ser feito para que possamos unir a realidade à legislação. A Educação Infantil, considerada a primeira etapa da educação básica é um direito da criança e um dever do Estado, essencial para o desenvolvimento social e humano da mesma, em seus aspectos físico, psicológio, intelectual e social, visando sempre pelo bem-estar. O brincar na Educação Infantil é considerado um processo de humanização, uma atividade essencial e muito importante para o desenvolvimento das crianças, sendo seu principal meio de comunicação. Portanto, com esse trabalho, buscaremos entender melhor o processo do brincar como uma ferramenta de aprendizagem, compreendendo melhor este universo lúdico, assim como as idéias de alguns apoiadores dessa revolução escolar, como Jean Piaget (1896-1980) e Emilia Ferreiro (1936). Veremos ainda do que se trata a metodologia do brincar heurístico, uma abordagem inovadora e recente de Goldschmied, na qual a criança absorve conhecimentos por si própria, através da exploração de materiais não estruturados, desenvolvendo sua autonomia, curiosidade e criatividade. O papel do adulto, neste caso, o professor, é observar essas descobertas, escolhas, realizando os registros dessa interação das crianças entre si e com os materiais explorados, visando o desenvolvimento contínuo destes alunos. Essa brincadeira pode ocorrer em três modalidades, conforme a faixa etária da criança, as quais veremos no decorrer deste trabalho, embasadas em pesquisas bibliográficas retiradas de livros, artigos e sites da internet. A Educação está em crescente evolução, portando não podemos nos acomodar, precisamos seguir estudando, se aprimorando, descobrindo e reinventando novas metodologias de ensino, desenvolvendo um trabalho mútuo, de troca, e de melhoria contínua. PALAVRAS-CHAVE. Educação Infantil. Brincar. Brincar heurístico. ABSTRACT The present work aims to address a brief historical aspect of Education and Early Childhood Education, bringing a better understanding of the child's conception and needs. It is known that at present there have been many advances, but it is under- stood that much still needs to be done so that we can unite reality with legislation. Early Childhood Education, considered the first stage of basic education, is a child's right and a duty of the State, essential for the child's social and human development, in its physical, psychological, intellectual and social aspects, always aiming for well- being. Playing in Early Childhood Education is considered a humanization process, an essential and very important activity for the development of children, being its main means of communication. Therefore, with this work, we will seek to better un- derstand the process of playing as a learning tool, better understanding this playful universe, as well as the ideas of some supporters of this school revolution, such as Jean Piaget (1896-1980) and Emilia Ferreiro (1936). We will also see what the meth- odology of heuristic play is about, an innovative and recent approach by Gold- schmied, in which the child absorbs knowledge on its own, through the exploration of unstructured materials, developing its autonomy, curiosity and creativity. The role of the adult, in this case, the teacher, is to observe these discoveries, choices, making the records of this interaction between children and with the materials explored, aim- ing at the continuous development of these students. This game can occur in three modalities, according to the child's age group, which we will see in the course of this work, based on bibliographic research taken from books, articles and internet sites. Education is constantly evolving, so we cannot accommodate ourselves, we need to continue studying, improving, discovering and reinventing new teaching methodolo- gies, developing mutual work, exchange, and continuous improvement. KEY WORDS. Child education. To play. play heuristic SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2 ASPECTOS HISTÓRICOS: CONCEPÇÕES DA CRIANÇA.................................. 13 2.1 O que é Educação .......................................................................................... 13 2.2 Educação Infantil - Contexto histórico e seus percursores ....................... 14 2.3 Objetivos da Educação Infantil ..................................................................... 21 2.4 A Educação Infantil na atualidade e sua legislação .................................... 24 3 HISTÓRIA CULTURAL DO JOGO, BRINQUEDO E BRINCADEIRA ................... 28 3.1 A importância do Brincar na Educação Infantil ........................................... 30 4 O BRINCAR ATRAVÉS DE UMA NOVA ABORDAGEM PEDAGÓGICA .............32 4.1 O Cesto dos Tesouros ................................................................................... 34 4.2 O Brincar Heurístico ...................................................................................... 37 4.3 Bandejas de Experimentação ....................................................................... 40 5 METODOLOGIA ................................................................................................... 44 6 ARGUMENTAÇÃO/DISCUSSÃO ......................................................................... 45 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 49 10 1 INTRODUÇÃO Até a Idade Média, poucos eram os documentos sobre a infância, as concepções de criança e como se dava a sua convivência dentro da família. A partir de então começaram a aparecer alguns registros, especialmente sobre os índices de mortalidade infantil, e o que se pode constatar é que a criança era um tanto quanto desprezada, ou seja, a infância não era valorizada como início da vida de um ser humano. Crianças morriam por receberem uma alimentação deficiente, sem os nutrientes necessários, em situações de abandono e precárias condições de vida, acabando nas ruas, pedindo esmolas, roubando e prostituindo-se. Essa situação arrastou-se por vários anos até que o governo, a partir de 1960, criou uma série de leis que pretendiam proteger o cidadão menor de dezoito anos de idade, conscientizando os adultos sobre a importância de cuidar melhor de nossa infância, pois a criança precisa de condições materiais e emocionais para desenvolver-se de maneira saudável. No século XVIII, com a Revolução Industrial, surgiu a necessidade das mães deixarem seus filhos para poderem trabalhar, e com essa crescente demanda surgiram os primeiros refúgios europeus, que passaram a se chamar creches. O atendimento nas instituições de Educação Infantil tinha caráter assistencialista embora houvesse também intenção educativa. Entre os principais precursores da educação infantil destacam-se: Froebel, Maria Montessori, Dewey, Freinet, por terem diretamente relacionado a prática ao desenvolvimento infantil, alinhando ideias que serviram como base teórica aos demais, conforme veremos na fundamentação teórica. Hoje, com base nos importantes estudos de Piaget, Vygotsky, Wallon, Emillia Ferreiro, entre outros teóricos também relevantes e mais recentes, veremos que o trabalho pedagógico nas escolas de Educação Infantil deve priorizar essa necessidade de explorar o ambiente, seus objetos, interagindo com outros sujeitos, sejam crianças ou adultos. Atualmente a função da escola de Educação Infantil é pedagógica, ou seja, visa a ampliar o conhecimento das crianças fornecendo situações significativas de 11 aprendizagem, sem deixar de lado ainda os cuidados físicos e afetivos dos quais a criança necessita. A escola de Educação Infantil deve estabelecer seus objetivos, oferecendo embasamento teórico e prático, onde o professor se torna um mediador entre a criança e o conhecimento, instigando a criança a ser curiosa e questionadora. Na tentativa de melhorar o atendimento nas instituições de Educação Infantil, o MEC elaborou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que é um material para dar referências e orientações para a ação pedagógica do professor. Toda proposta educacional veicula concepções sobre criança, educar, cuidar e aprendizagem, cujos fundamentos são, especialmente, as concepções de criança e educação, nos quais nos aprofundaremos neste trabalho. Veremos ainda a história cultural do brinquedo e como ele é transferido do universo adulto para o universo infantil e como podemos utilizar os jogos, brinquedos e brincadeiras na Educação Infantil e ainda como estes auxiliam no processo de construção da dimensão lúdica da criança, construindo conhecimento através das emoções, ideias, convivências e gradativamente de sua autonomia. A presente pesquisa tem ainda por objetivo refletir sobre as adaptações de jogos e brinquedos para crianças com necessidades educacionais específicas, facilitando assim, seu processo de aprendizagem, classificando-os para cada fase do desnvolvimento infantil. A escolha do tema surgiu ainda do interesse em saber mais sobre a importância do brincar e como podemos fugir dos materiais e brinquedos prontos, como podemos nos aprofundar neste tema, valorizando mais o meio natural, criando experiências, vivências e aprendizagens, através da exploração, observação e hipóteses levantadas diretamente pelas crianças, criando projetos atrativos à elas. No primeiro capítulo, encontraremos a concepção de criança, a história da educação num contexto geral, contexto histórico da educação infantil e seus precursores, finalidade e objetivos da educação infantil, contexto atual e legislação. No segundo capítulo será abordado a história cultural do jogo, brinquedo e brincadeira, a importância do brincar na educação infantil e a importância deste para o desenvolvimento do indivíduo. E no terceiro e último capítulo será abordado o resgate e a introdução de jogos tradicionais nas instituições infantis, o papel do professor, a importância do Brincar na Educação Infantil, e a proposta pedagógica de 12 Elinor Goldschmied, a pedagoga que sugere atividades com o Brincar Heurístico, como o Cesto dos Tesouros, o Jogo Heurístico e a Bandeja de Experimentação, e assim, aprender como elas podem contribuir de maneira positiva neste aprendizado diferenciado na educação infantil. 13 2 ASPECTOS HISTÓRICOS: CONCEPÇÕES DA CRIANÇA A criança é, em primeira instância, um sujeito social, pois desde que nasce está inserido em uma organização social. Já na maternidade ou nos primeiros dias de vida em casa recebe visitas e participa de situações culturais relativas ao nascimento. A sua família participa de outras organizações socioculturais, tais como igreja, clube, grupo de amigos, entre outras instituições. Também é um sujeito histórico, pois carrega a herança de família, recebida nas experiências de vida, que passam de geração a geração, como os valores culturais, hábitos e comportamentos. A criança possui uma natureza singular, é única, não existem duas pessoas iguais no mundo e, por isso, sente emoções e pensa de um jeito muito próprio. Cada um apresenta reações diante dos fatos vividos de acordo com suas características de personalidade e as experiências que já enfrentou. A criança constrói o conhecimento a partir das interações com o meio e outras pessoas, é ativa nesse processo. A aprendizagem é um processo individual, no sentido do que cada um apresenta seu rítmo e é social. 2.1 O que é educação? Por educação entendemos a influência intencional e sistemática sobre o ser juvenil, com o propósito de formá-lo e desenvolvê-lo. Mas significa também a ação genérica e ampla de uma sociedade sobre as gerações jovens com o objetivo de conservar e transmitir a existência coletiva (LUZURIAGA, 2001). A educação está presente na vida do ser humano desde o nascimento até a morte, ou seja, ela constitui o ser humano. Não nascemos seres humanos prontos e acabados, ao contrário, precisamos construir nossa natureza, e o fazemos, sempre e necessariamente, por meio da aprendizagem, em contato com o sentido de educação presente em determinada ordem cultural e social. Portanto, não podemos deixar de perceber que o significado de educação está intimamente ligado à visão de mundo, de sociedade e de homem que são adotados e que permeiam determinada sociedade em determinado tempo. Portanto, a prática educativa não é uma prática neutra, ou seja, possui uma inegável natureza 14 política. Não é uma prática desinteressada,desligada das relações de poder e de dominação. Uma educação comprometida com as relações de poder pode colaborar para a preservação de uma sociedade injusta, que promove e aprofunda as desigualdades. Durkheim, por exemplo, afirma que para cada sociedade existe um tipo de educação. A educação, portanto, teria suas diferenças nascidas das necessidades próprias de determinado sistema social, ou seja, dependeria da organização social, política e econômica, estabelecida por uma sociedade ao longo do tempo: (...) cada tipo de povo tem um tipo de educação que lhe é próprio, e que pode servir para definí-lo, tanto quanto sua organização moral, política e religiosa (DURKHEIM, 2001, p. 18). A educação pode servir também como um instrumento de transformação, podendo concorrer para conservar e reproduzir a sociedade, reformá-la ou transformá-la. No entanto, não devemos pensar em educação como sendo a “solução mágica” para todos os problemas sociais, mas devemos estar alertas para a relação de reciprocidade existente entre ambas, ou seja, para o fato de que uma pode influenciar a outra. O tema educação ganhou visibilidade por motivações diversas, com base no crescimento econômico, por ser um direito humano, por melhorar a distribuição de renda, por permitir alcançar melhores empregos, entre outras. Portanto, a educação é algo prioritário em uma sociedade, reconhecida e assegurada tanto nacionalmente como internacionalmente. | 2.2 Educação infantil – Contexto histórico e seus precursores A construção de concepções teóricas a respeito de infância, criança e educação é um processo sociocultural e político, por isso, no decorrer da história foram se delineando ideias a respeito desses assuntos, para os quais vários estudiosos ofereceram suas constribuições, bem como sobre os quais pesquisas de diversas áreas exerceram suas influências. 15 Além da cultura própria de cada sociedade, os interesses políticos exerceram marcante influência na trajetória das instituições de Educação Infantil, gerando assim, avanços e retrocessos. É importante mencionar que as escolas infantis no Brasil sofreram, no decorrer dos tempos, diferentes mudanças em suas funções, as quais passaram pelo assistencialismo, custódia e privação cultural até a função educativa. Os resultados da pesquisa apontam que, no ponto de vista histórico, houve um avanço significativo da legislação quando esta reconheceu a criança como cidadã, como sujeito de direitos, inclusive o direito à educação de qualidade desde o nascimento (PASCHOAL e MACHADO, 2009, p. 1). Sobre esse assunto, Jaqueline Delgado Paschoal e Maria Cristina Gomes Machado realizaram um estudo que, segundo elas, “tem como objetivo principal analisar, criticamente, a trajetória histórica das instituições de atendimento à criança, bem como discutir os avanços e retrocessos dessa modalidade educacional no Brasil” (Idem, p. 1). No século XVIII, com a Revolução Industrial, surgiu a necessidade das mães saírem de seus trabalhos caseiros e artesanais e ingressarem como mão de obra nas fábricas. Com a industrialização, operar máquinas exigia menos força física, o que permitia a mão de obra feminina e infantil nas fábricas. As jornadas eram longas, pois ainda não existiam leis trabalhistas que regulamentassem os direitos e deveres dos trabalhadores, e as crianças não tinham com quem ficar. As mulheres eram exploradas, pois o salário delas era considerado como complemento no orçamento familiar. Foi então que surgiram as primeiras “guardiãs”, que eram mulheres que cuidavam e davam alimentação às crianças com objetivo de retirá-las das ruas, pois muitas vezes vagavam pelas ruas sujas, ociosas e sem ter o que comer. Porém, a qualidade desse atendimento era péssimo, elas não tinham nenhum preparo, que somado ao grande número de crianças irritadas por conta da fome entre outras necessidades, acabou aumentando as situações de maus-tratos e o índice de mortalidade infantil. O nascimento da indústria moderna alterou profundamente a estrutura social vigente, modificando os hábitos e costumes das famílias. As mães 16 operárias que não tinham com quem deixar seus filhos utilizavam o trabalho das conhecidas mães mercenárias. Essas, ao optarem pelo não trabalho nas fábricas, vendiam seus serviços para abrigarem e cuidarem dos filhos de outras mulheres (Idem, p. 3). Naquela época as epidemias eram frequentes e devastadoras, a higiene era precária, a alimentação, deficiente e a saúde pública não conseguia conter os elevados índices de mortalidade infantil. Com a crescente demanda, surgiram os primeiros refúgios europeus para acolher crianças entre o nascimento e os cinco anos de idade. Passaram a chamar de “crèche”, que em francês significa berço e, posteriormente, no Brasil, o nome foi adaptado para creche (sem o assento grave). Vieram então as grandes guerras mundiais, nas quais os homens se alistaram obrigatoriamente, deixando diversas famílias órfãs e sem sustento, fazendo com que as mulheres buscassem atividades remuneradas. Foi então que, surgiram as primeiras instituições particulares de atendimento às crianças, para as famílias que pudessem arcar com esse custo, devido ao aumento da procura e da necessidade. Assim, as instituições para o acolhimento de crianças assumiram uma marcante característica de assistência, embora existissem manifestações de ordem educacional. Por isso, até a atualidade ainda encontram-se escolas com um forte objetivo assistencialista. Entre os precursores da educação infantil, alguns se destacam pelas ideias inovadoras para determinadas épocas. Outros manifestos, principalmente, a intenção de manter as crianças ocupadas e a importância de ensinar-lhes valores morais e obediência. De uma maneira ou de outra, todos constribuíram para a construção de concepções que, ao longo da história, foram delineando o trabalho que atualmente se desenvolve nas instituições de Educação Infantil. Muito tempo depois, Comenius (1592-1670), educador e bispo tcheco, escreveu a Didática Magna, importante obra sobre a educação e, entre outros trabalhos, elaborou um programan para educação pré-escolar. Recomendava os brinquedos, reconhecia o valor das experiências afetivas, considerava que o interesse da criança deveria ser levado em conta, defendia a organização do tempo e espaço para promover, com eficiência, a aprendizagem das crianças, bem como a exploração sensorial. 17 Outro nome importante é do suíco Jean-Jaques Rousseau (1712-1778) que não foi propriamente um educador, mas foi considerado um dos precursores da educação pré-escolar, devido suas grandes contribuições para a educação, chamando a atenção para as necessidades e condições de desenvolvimento da criança, uma pessoa em sua fase inicial da vida que tinha ideias próprias, diferentes das dos adultos. Para ele, a educação deveria ser simplificada, como é simples a natureza, e a criança deveria aprender por meio dela, explorando todo seu potencial de aprendizagem. Rousseau dizia que o homem nasce bom, sendo necessário proteger o coração dos vicios e o espírito do erro. Há uma frase célebre atribuída a ele: “ O homem nasce bom, a sociedade o corrompe”. Pestalozzi (1746-1827), sob a influência de Rousseau, também se preocupou com a afetividade na educação. Defendeu os trabalhou manuais e a aprendizagem pela exploração sensorial. “Sua pedagogia enfatizava ainda a necessidade de a escola treinar a vontade e desenvolver as atitudes morais dos alunos” (OLIVEIRA, 2010, p. 66). Outro importante precursor influenciado por Pestalozzi foi Froebel (1782- 1852). Alemão, foi considerado o criador dos jardins de infância. Considerava a criança, uma plantinha tenra, que deveria ser cuidada com carinho. Reconhecia o poder do professor, mas enfatizava o fato de o aluno ser o principal agente de seupróprio desenvolvimento. Froebel percebeu que o jogo era a atividade capaz de desenvolver a espontaneidade das crianças e a manifestação da atividade criadora e produtiva, sendo uma preparação natural para o trabalho na maturidade. Criou material pedagógico que proporcionava atividades de pintura, recorte, tecelagem, bordado, aprendizagem de conceitos matemáticos, entre outros. Preocupou-se com a formação dos professores, que chamava de “jardineiras”. As “jardineiras” deveriam cuidar das “plantinhas” para que elas pudessem crescer. No século XX havia uma importante preocupação com a higiene e os cuidados dispensados às crianças nas instituições que as atendiam, o que despertava o interesse de médicos e outros profissionais sanitaristas. Nesse período, dois médicos, Decroly e Montessori, foram responsáveis pela 18 sistematização das atividades para crianças pequenas, utilizando materiais confeccionados para essa finalidade. Foram os educadores médicos que tentaram expressar com mais fidelidade os ideais da escola nova, na qual o centro de interesse da educação é o aluno, diferente das concepções da época, que mantinham uma instrução arbitrária, que não respeitavam as necessidades e a evolução do desenvolvimento infantil. Entre eles, Itard, Séguin, Montessori e Decroly. Nesse movimento, apesar de não ser médico, destaca-se também a figura de John Dewey (1859-1952), filósofo, psicólogo e pedagogo que acreditava que a educação não tem significado fora de um contexto social democrático, em que a criança tenha oportunidade de atividades conjuntas, nas quais ela seja dona de sua capacidade. O professor, ao ensinar, não está apenas educando, mas contribuindo para a formação social da pessoa. Segundo ele, a escola é o lugar onde se harmonizam os aspectos psicológicos e os aspectos sociais e deve ter por objetivo preparar as crianças para a vida, que cada vez mais reflete as rápidas e constantes transformações do mundo. Decroly (1871-1932) era um médico belga. A educação para ele deveria proporcionar conhecimento do meio natural e humano, excluía as matérias tradicionais, acreditava no jogo como fundamental para o desenvolvimento infantil. Os materiais defendidos por ele eram os que provinham da natureza – pedras, madeira, argila, areia, folhas, entre outros, e não deveriam ser fabricados especialmente para atingir os objetivos das aulas. Médica psiquiatra italiana, Maria Montessori (1870-1952) criou a Casa das Crianças, projeto desenvolvido para uma habitação coletiva, quando foi convidada a organizar uma sala destinada a atividades educativas de crianças sem deficiências. Seu conceito de educação enfatiza o ser biológico, o crescimento e desenvolvimento da criança, mais do que o ser social, seu ajustamento ou integração social. Os princípios básicos do sistema Montessoriano são a aceitação do ser como pessoa, o respeito do educador ao educando; a aceitação das diferenças individuais; a liberdade para que a pessoa possa educar-se por vivências diárias. Para ela, a vida é desenvolvimento e à educação cabe favorecer esse desenvolvimento.Respeitava a liberdade de ação da criança. 19 Criou móveis e utensílios do tamanho das crianças e um material pedagógico vasto e atraente destinado a desenvolver as funções sensoriais. Entre eles, sólidos, caixas, jogos para abotoar, com texturas, formas e espessura, de campainhas, leitura, escrita e cálculo. Uma das características marcantes no método é a atividade na linha. Maria Montessori observou o esforço e interesse que as crianças tinham por andar sobre os trilhos do trem. Essa brincadeira, que era dividida em fases, exigia atenção e cuidados nos passos, trabalhavam os músculos e desenvolviam a concentração. Os exercícios de vida prática são, provavelmente, os de maior importância para a pedagogia montessoriana. Ao entrar num ambiente preparado, a criança é convidada a participar desses exercícios, pois eles são muito interessantes para ela. As posições de Montessori, apesar de terem impressionado positivamente muitos educadores norte-americanos, passaram a ser criticadas por certos grupos, acusadas de somente enfatizarem atividades individuais, não se preocupando com a formação do ser social, e em razão da rigidez com que os exercícios com os materiais eram realizados – em contraposição à enfase posta para Froebel na liberdade de ação da criança – e da proposta de um método desatualizado para o ensino da escrita, o alfabético – sem detrimento, por exemplo, do método global de Decroly (OLIVEIRA, 2010, p. 79). Conforme Oliveira (2010), a trajetória da educação infantil no Brasil, historicamente, foi semelhante à de outros países. No século XIX surgiram iniciativas isoladas de proteção à infância e algumas concepções apontavam a família como responsável pela situação da criança. O indice de crianças abondonadas era muito alto, o que ocasionou a criação de creches, asilos e orfanatos. As creches eram vistas como “mal necessário” e tinham função assistencialista, no governo Getúlio Vargas, devido a crença sobre os efeitos negativos da separação entre mães e filhos e por demandar verbas financeiras. Hoje, sabe-se que não existem estudos que comprovem a teoria da privação materna. Pelo contrário, a própria psicanálise defende que a separação precoce que pode ocorrer de maneira tranquila, desde que o bebê receba condições favoráves de cuidades e aprendizagem. Contribuiram também para o conhecimento sobre o desenvolvimento e a aprendizagem dos bebês os estudos de Trevarthen e Bruner, na área da psicologia, defendendo a criança ativa. Bruner investigou o processo entre as crianças com uso 20 do jogo, estabelecendo conexões entre linguagem, regras e a brincadeira, mostrando a importância do jogo na compreensão dos comportamentos sociais e no uso de ferramentas, pois a brincadeira facilita a descoberta de regras e a aquisição da linguagem. Na segunda metade do século XX, as características econômicas do país e o grande contingente de mulheres trabalhadoras impeliram à procura cada vez maior por creches e parques infantis de período integral, fazendo com que governo e instituições privadas aumentassem a oferta diante da demanda de crianças. Nesse período, a LDB 4094, de 1961, propôs a inclusão dos jardins da infância no sistema de ensino. As concepções sobre educação infantil são cultural e historicamente construídas, por isso, as ideias sobre como encaminhar o trabalho nas escolas variam de acordo com o contexto social, político e econômico de uma determinada época e também acabam dando origem a regulamentações e leis apropriadas a cada um desses períodos, mas que, inúmeras vezes continuam existindo no cotidiano escolar de forma descompensada e inapropriada. Novos estudos relacionados ao desenvolvimento infantil passaram a defender a importância da ação da criança. Descobertas científicas na década de 80 realizadas por Constance Kamii, na área do raciocínio matemático, por Emília Ferreiro e Ana Teberosky, na leitura e escrita sob a influência de Jean Piaget, que estudou, especialmente, o desenvolvimento cognitivo infantil, confirmam essas concepções enfatizando a interação e a autonomia na aprendizagem. Emilia Ferreiro, psicóloga e pedagoga argentina, estudou e trabalhou com Jean Piaget. Seus estudos sobre a psicogênese da leitura e escrita revolucionaram a prática pedagógica relacionada a alfabetização nas escolas de Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Depois de Emilia Ferreiro, os exercícios repetitivos de memorização deram lugar ao incentivo à descoberta. Assim, chegou-se à ideia de que toda criança é capaz de construir conhecimentos com a exploração do meio e interação com outros sujeitos e, como é possível observar, essa trajetória nos leva à concepção chamada de construtivismo. Não se trata de modismo,cujos princípios logo se esvaziam por caírem na rotina, mas de reflexão sobre como melhor conduzir as experiências de aprendizagem das crianças. 21 Outros estudos certamente virão e a orientação construtivista poderá dar espaço para um novo olhar sobre a educação infantil. Isso não significa que uma concepção substitui a outra, mas que houve avanço no entendimento sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem, que novas ideias complementaram outras e, portanto, ocorreram novas descobertas sobre como encaminhar o trabalho pedagógico na educação infantil. 2.3 Objetivos da Educação Infantil Logo após a segunda grande guerra houve uma preocupação com os efeitos psicológicos gerados nas crianças por essa situação de devastação. Nessa ocasião, por volta dos anos 40, algumas instituições adotaram uma função compensatória para minimizar os efeitos da guerra, com um caráter de higiene mental. Nos EUA, o principal representante desse período foi Dewey, que introduziu seus ideias de sociedade democrática e a prática dos jogos como exercícios de aprendizagem. Com essa influência, o trabalho nos instituições de Educação Infantil girava em torno do bem-estar físico e emocional das crianças, com a função de compensar as defasagens sociais e as principais atividades se relacionavam à higiene e a recreação. No Brasil, as instituições públicas eram os parques infantis e as creches. No âmbito particular, estavam os jardins da infância e os berçários. Essa diferença de nomenclatura marca até hoje o tipo de atendimento destinado às crianças pobres e às ricas, pois, conforme as suas possibilidades financeiras, ela frequenta uma instituição popularmente chamada de creche ou de berçário, que também já recebeu o nome de hotelzinho em algumas regiões do Brasil. Por volta dos anos 80, os objetivos da escola de Educação Infantil eram deturpados e, por consequência, a função que o professor deve assumir também era desvirtuada para um tipo de recreacionista, animador da turma, participando inclusive da organização de aniversários e festas dentro da escola. Também as dificuldades de alfabetização das crianças, especialmente da rede pública, nas primeiras séries do Ensino Fundamental levaram à ideia de que, antecipando o processo de alfabetização para a Educação Infantil, os prejuízos seriam menores. 22 Ainda na atualidade, o Brasil luta para diminuir os níveis de analfabetismo e evasão escolar, e o governo frequentemente faz propostas e estabelece metas para combatê-los, como se pode observar nas informações publicadas em vários meios de comunicação. Hoje, de acordo com a Lei 9394/96, artigo 13, é papel do professor envolver- se com a aprendizagem dos alunos e buscar meios para avaliá-los e sanar suas eventuais dificuldades, entre outras. Por isso, a função do profissional de Educação Infantil é mediar o conhecimento, já que hoje se fala em construção de significações por meio da mediação de parceiros mais experientes. O aprimoramento da formação docente requer, hoje, muita ousadia e criatividade. Tal formação deve considerar que a diversidade está presente nas creches e pré-escolas não só em relação em relação às faixas etárias das crianças e ao número de horas semanais em que ocorre o atendimento a elas, mas também em relação aos objetivos e às programações de atividades efetivas em seu cotidiano (OLIVEIRA, 2010, pp. 24 a 25). Mediar conhecimento é proporcionar situações de aprendizagem em um ambiente acolhedor e estimulante, no qual a criança faça suas descobertas e o professor a incentive a ser curiosa e a procurar respostas para os seus questionamentos. Na escola de Educação Infantil, o professor faz a mediação em situações de aprendizagem de maneira sistematizada, procurando objetivos que sejam adequados à idade, ao desenvolvimento das crianças e ao contexto social, cultural e econômico do qual ela faz parte. Toda criança tem uma série de potencialidades que ainda não desenvolveu, mas sua aquisição se dará realmente na medida em que experimentar, brincar e explorar num ambiente propício à investigação, no qual o professor problematizará situações, tanto dentro como fora da sala de aula, procedendo ao seu papel de mediador. A emoção da descoberta é sempre mais gratificante porque envolve a participação intensa da criança na busca de informações, gerando uma aprendizagem significativa à ela. Porém, ainda é desafiador estabelecer critérios mínimos para o atendimento das crianças que se encontram na faixa etária de zero a seis anos nos espaços 23 educativos, pois a questão da qualidade é um tanto subjetiva. “Padrões de qualidade não são, entretanto, intrínsecos, fixos e predeterminados, mas historicamente específicos e negociáveis no sentido de garantir os direitos e o bem estar das crianças” (OLIVEIRA, 2010, p. 48). A educação infantil é importante para o desenvolvimento da criança desde os primeiros meses e, embora haja uma discussão sobre as ações de cuidado ou a criação de situações pedagógicas, é necessário o equilíbrio, pois uma ação não ocorre sem a outra. Entre alguns profissionais existe certa resistência em relação aos cuidados destinados à criança no âmbito escolar, pois se associa esse tipo de ação ao período assistencialista, higienista e compensatório vivido no histórico da educação infantil. O cuidado é o olhar atento do professor que consegue captar as necessidades físicas e emocionais de seus alunos, incentivando o desenvolvimento de sua autonomia, mas oferecendo ajuda na medida certa para que eles não se sintam abandonados. Assim, pode-se perceber que o cuidado é inerente à educação. O atendimento pedagógico se refere a aprendizagens, aquisição de habilidades e construção de conhecimentos. Ambos são importantes, uma vez que o aluno vai à escola para ampliar conhecimentos, mas, como ser humano, precisa de cuidados. Outra questão importante é a ampliação das aprendizagens infantis partindo do conhecimento prévio das crianças e do contexto específico de cada grupo. Organizar o trabalho pedagógico de acordo com as características específicas de cada comunidade ou mesmo receber uma criança de uma cultura completamente diferente e acolhê-la, sem deixar que o grupo a exclua por ter costumes, religião, cor diferente dos demais. Por isso, o professor deve trabalhar sua conduta nesses assuntos, procurando desprender-se de preconceitos, atribuindo valor ao que de fato merece, como amizade, cooperação, gratidão, afeto, entre outros valores. Para que as instituições de Educação Infantil atendam às necessidades da criança, dentro das novas concepções de infância, precisam preocupar-se com a aprendizagem de novos conhecimentos, respeitando aquilo que a criança já conhece, num ambiente de segurança física e emocional, pois cuidado e afeto não podem ser descartados. 24 Cabe, pois, ao professor, com seu olhar atento, seguro e disponível, acompanhar as diferentes formas pelas quais a criança, desde o nascimento, se indaga sobre o mundo e sobre si mesma, trilha diversos universos simbólicos, transita entre a cultura erudita e a cultura popular, imerge em situações diversas e emociona-se com o belo e contra a violência, ao mesmo tempo em que vibra com descobertas e reconhece obstáculos. Para ele, a formação das novas gerações não significa o adestramento de pequenos selvagens por meio de um trabalho em linhas de montagem nem a clonagem simbólica de seres humanos. A criança não é, nessa perspectiva, um dependente do seu universo simbólico, daquilo que ele lhe impõe como o certo, como a verdade, como formas de ação a serem imitadas, ignorando o divergente e a contradição (OLIVEIRA, 2010, p. 51). A implementação ou implantação de uma proposta curricular de qualidade depende principalmente de professores comprometidos com a prática educacional, capazes de responderàs demandas familiares e das crianças, assim como questões específicas relativas aos cuidados e aprendizagens infantis. 2.4 A Educação infantil na atualidade e sua legislação Depois de entender o histórico da educação infantil no Brasil fica mais fácil defini-la como a primeira etapa da educação básica e, portanto, um direito da criança. De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes e Base), essa fase da educação tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Fica claro que há um entendimento que educação infantil engloba, num sentido mais amplo, toda forma de educação que a criança recebe na família, na comunidade, na sociedade e na cultura em que vive. Mas, a escola tem um papel essencial nesse processo por ser uma instituição inteiramente voltada para o desenvolvimento dessa criança. Embora tenha sido necessário o combate à visão assistencialista vinculada à creche, é importante ressaltar que não se pode excluir a função de cuidado na educação infantil. A criança precisa de cuidados básicos como higiene, alimentação saudável e momentos de repouso e, por isso, é impossível separar a educação e o cuidado nessa faixa etária. 25 Porém, a valorização desse nível de ensino é bastante recente, pois a sociedade se tornou mais atenta e consciente sobre a importância das experiências na primeira infância para a formação da pessoa, se preocupando em deixar seus filhos em um lugar seguro e apropriado para um desenvolvimento saudável. Os modelos de constituições familiares se modificaram, atualmente muitos homens assumem determinadas funções domésticas, pois as mulheres trabalham fora do lar por diversos motivos, há também maternidade sem casamento, divórcio, casais homossexuais, entre outros tipos de família. A família tradicional e patriarcal quase não existe mais e hoje, no centro, estão as crianças, suas necessidades e seu bem-estar. Porém, o trabalho pedagógico era, e ainda é, em vários lugares, desenvolvido em instituições para crianças entre o nascimento e os cinco anos de idade, com pouco ou nenhum respaldo teórico, sem as devidas orientações técnicas exigidas para qualquer área de trabalho. Assim, não há como esperar um bom atendimento nessas instituições. Tendo isso em vista, uma comissão do Ministério da Educação (MEC) elaborou um documento objetivo focado principalmente para melhoria da qualidade das escolas – o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Esse documento traz ao professor elementos básicos que podem adaptar-se a qualquer tipo de realidade social, cultural e econômica. Sua função é constribuir com as políticas e programas de educação infantil, socializando informações, discussões e pesquisas, subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais profissionais da educação infantil e apoiando os sistemas de ensino estaduais e municipais (RCNEI, 1998, vol. I, p. 13). O Refencial Curricular está organizado em três volumes por ser um material bastante extenso. Ele serve de orientador para a prática pedagógica do professor, uma vez que em seu dia a dia aparecem inúmeras dúvidas de como conduzir certas situações, fazendo-se necessário um respaldo teórico. Além disso, é indispensável que em sua formação, o professor conheça, leia e utilize constantemente o referencial em sua totalidade. Todo professor enfrenta essas situações em um determinado contexto na sua turma de alunos, pois está inserido em uma escola que carrega uma bagagem 26 social, cultural e econômica muito específica. Para que o professor desenvolva um trabalho pedagógico com o mínimo de qualidade, deve partir dessas premissas e refletir sobre suas concepções a respeito da criança e da educação. Toda proposta educacional veicula concepções sobre criança, educar, cuidar e aprendizagem, cujos fundamentos devem ser considerados explicitamente para que o professor elabore seu planejamento e direcione sua ação de maneira coerente. De acordo com o Referencial Curricular, a criança é, em primeira instância, um sujeito social, pois desde que nasce está inserida em uma sociedade. Ela também possui uma natureza singular, ou seja, ela é única, não existem duas pessoas iguais no mundo e, por isso, sente emoções e pensa de um jeito muito próprio, reagindo diante dos fatos de maneira diferente uma das outras, em diferentes situações, inclusive no processo de aprendizagem. Portanto, a criança constrói o conhecimento a partir das interações com o meio e com outras pessoas, pois ela é ativa nesse processo, pois o conhecimento não é algo que se recebe pronto, como uma caixa de presente, mas depende da maneira que cada um explora os diversos atributos de um objeto ou os vários pontos de vista de uma mesma situação. Pesquisas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento infantil revelam que pensar um proposta pedagógica para creches e pré-escolas envolve organizar condições para que as crianças interajam com adultos e outras crianças em situações variadas, construindo significações acerca do mundo e de si mesmas, enquanto desenvolvem formas mais complexas de sentir, pensar e solucionar problemas, em clima de autonomia e cooperação. Podem as crianças, assim, constituir-se como sujeitos únicos e históricos, membros de famílias que são igualmente singulares em uma sociedade concreta (OLIVEIRA, 2010, p.49). Outra concepção do Refencial Curricular é sobre educar, a qual envolve uma série de ações que equilibram cuidados e organização de espaços com situações que possam ser exploradas de maneira significativa pela criança. Nesse equilíbrio é preciso que se considerem três dimensões: cuidar, brincar e aprender em situações orientadas. Cuidar, segundo o Dicionário Aurélio, é “ter cuidado, tratar”. É uma atitude de entrega, de dedicação. O cuidado envolve tanto os aspectos físicos como os aspectos afetivo-emocionais. 27 Brincar é a ação na qual a criança significa, estabiliza aquilo que aprende nas diversas esferas do conhecimento. A brincadeira só pode ser assim considerada se for livre, voluntária, por decisão de quem brinca. A liberdade de brincar livremente envolve escolha, iniciativa, definição de regras e uma série de possibilidades de exploração que não são previamente definidas pelo professor ou pelo material. Já a aprendizagem em situações orientadas está diretamente relacionada com as atividades propostas pelo professor visando conhecimento e desenvolvimento das crianças, levando sempre em consideração seus conhecimentos prévios. Na educação infantil, hoje, busca-se ampliar certos requisitos necessários para adequada inserção da criança no mundo atual: sensibilidade (estética e interpessoal), solidariedade (intelectual e comportamental) e senso crítico (autonomia, pensamento divergente). Tal ampliação é feita por intermédio de diversas experiências nas quais conhecimentos historicamente elaborados são elementos mediadores do desenvolvimento infantil. Conforme tais conhecimentos são repensados e reconstruídos pela criança, ela trabalha novas funções psicológicas e novas visões de mundo e de si mesma (OLIVEIRA, 2010, p.50). Quanto ao espaço, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil orienta a organização de acordo com a necessidade do trabalho, mas lembra que a aprendizagem transcede o espaço da sala de aula, pois existem muitas possibilidades de aprendizagem em espaços externos, inclusive à escola. O espaço também inclui a seleção e organização dos materiais, que devem ser dispostos de maneira a facilitar o acesso da criança, permitir sua exploração e aprendizagem sem oferecer riscos à sua segurança. 28 3 HISTÓRIA CULTURAL DO JOGO, BRINQUEDO E BRINCADEIRA Para iniciar essa reflexão falaremos sobre Pieter Brueghel,pintor, nascido em Breda, norte da Holanda, entre os anos de 1520/30 e sua tela Jogos Infantis (1560), que é um verdadeiro documento da vida das ricas cidades holandesas do século XVI, onde é possível enxergar mais de 80 jogos que, mesmo após cinco séculos de sua produção, ainda podemos identificar alguns deles em nosso cotidiano. Qual a força cultural desses jogos? Nessa época vivida pelo pintor não havia distinção de idades para participar dos jogos e divertimentos coletivos. Gradativamente, os jogos foram se transferindo do universo adulto para o universo infantil, assim como aconteceu com o brinquedo, pois, nas sociedades antigas, os jogos e divertimentos eram um dos principais meios de que a sociedade dispunha para estreitar os laços coletivos, para se sentir unida. Segundo Kishimoto (1999), o brincar é aprendido e passado de geração a geração. Apesar da geração tecnológica de hoje, onde as crianças tem telefone celular para brincar, segundo a autora, as crianças de hoje continuam brincando com bola, carrinho, boneca, objetos de casa, cozinha em miniaturas e jogos muito parecidos com os antigos. Para ela, os objetos que concebemos atualmente como brinquedos “eram representações que tinham significados no mundo adulto, voltados para práticas sociais ou religiosas, e que na mão das crianças, viraram brinquedos”. Existem registros de brinquedos infantis provenientes de diversas culturas que remontam à época pré-histórica, demonstrando que é natural ao homem brincar, independente de sua origem e do seu tempo. A construção dos brinquedos nasceu nas oficinas dos artesãos de madeira, tecidos, fundidores de estanho e chumbo. Antes do século XIX, a produção de brinquedos não era função de um único artesão, mas de vários, de acordo com sua especialidade. Atualmente, os materiais de que são confeccionados os brinquedos estão se afastando cada vez mais das matérias-primas da natureza, passando a materiais industrializados, como o plástico. Por exemplo, a boneca Barbie, que foi lançada no 29 mercado por volta de 1959 e seu formato chocou o mundo, pois todos estavam acostumadosa bonecas com corpo de criança. [...] enquanto brinca, a criança cria e recria, usa o brinquedo com outras funções. O processo de brincar inclui ações sem caminho preestabelecido. É, por natureza, um ato incerto. O prazer de brincar vem dessas escolhas (KISHIMOTO, 1999, p. 32). Para essa autora, o brinquedo traduz o real para a realidade infantil, suaviza o impacto provocado pelo tamanho e pela força dos adultos em relação à criança, diminuindo o sentimento de impotência da infância. No entanto, quando esse brinquedo se aproxima muito da realidade, dificulta a criatividade da criança, pois já vem acabado. Quanto mais próximo do objeto real for o brinquedo, 0menos possibilidade tem de utilizar a imaginação e criar outras formas de brincadeira, pois a criança, ao manusear um objeto, ela experimenta, reinventa, compara e cria situações simbólicas, conferindo assim outros significados a ele. No Brasil, até o final do século XIX, os brinquedos eram confeccionados artesanalmente, nas residências ou pequenos galpões. Início do século XX, após a Revolução Industrial, o processo de industrialização trouxe uma enorme diversificação em cada tipo de brinquedo. Os brinquedos que utilizavam como matéria-prima o plástico, pela sua funcionalidade, eram produzidos em larga escala, mas estes, diferentes dos brinquedos dos artesãos, não eram identificados pelos homens que o fizeram, mas sim pela indústria na qual foram produzidos. Aires Jose Leal Fernandes, diretor da empresa Estrela, conta que a produção de brinquedos no Brasil, em maior escala, começou a ser feita nas décadas de 1930 e 1940, fundada por um casal de imigrantes judeus, alemães, que vieram para o Brasil em 1937, e começaram em um espaço de 100 metros quadrados, costurando boneca de pano, que logo foram substituídas por bonecas de plástico. Ao brincar, a criança usufrui de seu imaginário, pois ela joga, imita e representa, expressando emoções e sentimentos, o brinquedo estimula a representação e a expressão de imagens que evocam aspectos da realidade (KISCHIMOTO, 1999). Analisando as crianças atualmente, podemos dizer que elas brincam pouco em relação as crianças de antigamente, pois hoje em dia elas tem 30 acesso a televisão, celular, vídeo game, por isso temos que ficar atentos a esses eletrônicos e não deixar as crianças muito tempo envolvidas com estes materiais. A criança pode transformar qualquer material em brinquedo, por exemplo, roupas, sapatos, palitos, folhas, panelas, potes, papel, enfim, praticamente tudo que está a sua volta, basta usar a imaginação e aproveitar a brincadeira. O brinquedo educativo, ou jogo, ganha mais força com o passar dos anos na educação infantil e é considerada uma ferramenta que ensina, desenvolve e educa de forma prazerosa, entre eles estão, o quebra-cabeça, jogo de tabuleiro, brinquedos de encaixe e ainda brinquedos destinados aos bebês, como móbiles, para percepção visual, sonora ou motora. O uso dos brinquedos para fins pedagógicos são instrumentos usados para ensino-aprendizagem e desenvolvimento infantil, esses são vistos como dimensões educativas, pois são situações lúdicas, criadas intencionalmente para atingir algum objetivo (KISHIMOTO, 1996). Na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017), a interação do brincar é característica do cotidiano da infância, trazendo consigo potenciais e aprendizados para o desenvolvimento integral da criança. Na BNCC, dentro das competências gerais da Educação Básica, seis são os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, que asseguram as condições e situações nas quais as crianças possam aprender e construir significados sobre si, o outro e o mundo, são eles: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. 3.1 A importância do Brincar na Educação Infantil O ser humano nasce e cresce com a necessidade de brincar, sendo considerada uma das atividades mais importantes e essenciais para o desenvolvimento do indivíduo. Por meio da brincadeira a criança trabalha suas potencialidades, limitações, habilidades sociais e afetivas, habilidades físicas e cognitivas. É uma necessidade que toda criança tem e faz parte de seu cotidiano. Crianças brincam de esconder, de correr, de casinha, de carro, de bola, de heróis, de jogos de quintal. Brincam de modo cada vez mais elaborado, do exercício motor a complexos jogos de regras, passando principalmente pelos jogos simbólicos ou faz de conta. Há muito o que se falar sobre esse tema, pois em cada momento do 31 desenvolvimento a brincadeira coloca em campo várias competências e sentidos, desdobrando-se em diferentes funções atribuídas a essa importante e fundamental atividade humana (ORTIZ; CARVALHO, 2012, p. 103). O ato de brincar acontece em determinados momentos do cotidiano infantil, neste, o ato de brincar, como sendo um processo de humanização, no qual a criança aprende a conciliar a brincadeira de forma efetiva, criando vínculos mais duradouros. Assim, as crianças desenvolvem sua capacidade de raciocinar, de julgar, de argumentar, de como chegar a um consenso, reconhecendo o quanto isto é importante para dar início à atividade em si (OLIVEIRA, 2000). Brincar é uma forma de aprender, pois é neste ato que as crianças trazem para suas brincadeiras o que veem, escutam, observam e experimentam, por isso que é essencial o jogo, o brinquedo, a brincadeira na educação infantil. É brincando também que a criança aprende a respeitar regras, a ampliar o seu relacionamento social e a respeitar a si mesma e ao outro. Por meio da ludicidade a criança começa a expressar-se com maior facilidade, ouvir, respeitar e discordar de opiniões, exercendo sua liderança, e sendo liderados e compartilhandosua alegria de brincar. Em contrapartida, em um ambiente sério e sem motivações, os educandos acabam evitando expressar seus pensamentos e sentimentos e realizar qualquer outra atitude com medo de serem constrangidos (ZANLUCHI, 2005, p.91). É através da brincadeira que a criança vai se tornando sujeito, ela parte das brincadeiras mais simples com o seu corpo, em seguida inicia pegando alguns objetos, aproxima e afasta do corpo e da boca, e observa objetos suspensos próximos a ela. A criança parte inicialmente da brincadeira com o seu corpo, para depois ir se familiarizando com os objetos ao seu redor e diferenciando-os. 32 4 O BRINCAR ATRAVÉS DE UMA NOVA ABORDAGEM PEDAGÓGICA A obra de Goldschmied parte da imagem de uma criança competente para descobrir o mundo e a si mesma. Para a pedagoga, é fundamental que o trabalho pedagógico se constitua a partir da perspectiva de escuta e respeito para com as crianças, compreendendo seu direito e competência em participar e expressar-se enquanto indivíduo. Também, tem como premissa que a creche é direito das crianças, e de que as experiências mais precoces das crianças afetam profundamente sua aprendizagem e o seu desenvolvimento. Um dos princípios vitais dessa abordagem é a importância do brincar como uma atividade vital. A brincadeira permite aos bebês e crianças bem pequenas a aprenderem sobre si mesmas e sobre o mundo que as cerca. Do mesmo modo, a autora afirma outro valor para apoiar sua abordagem: o binômio cuidado e educação, que são valores de base na prática dos que trabalham com as crianças, uma vez que, a importância educativa está em garantir que as experiências dos bebês e das crianças bem pequenas sejam satisfatórias, bem como, “promovam qualidades como curiosidade, criatividade, concentração” (GOLDSCHMIED, JACKSON, 2006, p. 27). A ideia do educador referência, ou, da pessoa-chave, configura-se como um dos aspectos fundamentais do trabalho com os bebês na abordagem de Elinor Goldschmied, já que, para a pedagoga, os bebês necessitam estabelecer um relacionamento de segurança com o adulto. Goldschmied & Jackson (2006) compreendem ainda que o ambiente físico influencia, decisivamente, na forma como os profissionais da educação estabelecem relações com seu trabalho e com a qualidade das experiências que oferecem às crianças. É fundamental que o ambiente físico leve em consideração que a creche é um lugar para viver, trabalhar e brincar. Organizar um contexto satisfatório significa oferer oportunidades de brincadeiras, interações, movimento livres, investigações. Deve descentralizar da figura adulta e gerar a atividade da criança a partir de sua própria escolha. Sem dúvida, esse é um aspecto fundante e desafiador para a construção da especialidade da Pedagogia da infância. Goldsschmied e Jackson (2006, p. 35) destacam-se que: 33 Criar um ambiente visual satisfatório não é uma tarefa que se faz uma só vez para sempre, mas algo que precisa acontecer de forma contínua. Da mesma forma que, em nossos lares, fazemos constantemente alguns ajustes e melhorias, mudando quadros de um aposento para outro, mudando uma luminária ou uma planta, uma creche parecerá convidativa e bem cuidada somente se o mesmo tipo de processo acontecer. O espaço da sala em grupos, será o ambiente que acolhe o grupo de crianças e adultos, com materiais atrativos e criteriosamente selecionados. Araújo (2018), retoma o conceito de Elinor Golschmied, destaca que: É importante que as salas de atividades para as crianças mais pequenas, combinem primeiramente, a amplitude com a intimidade, ou seja, possuam dimensões suficientes para que as crianças que se deslocam, possam movimentar-se livremente e aquelas que ainda não o fazem possam permanecer em cantos acolhedores e tranquilos (ARAÚJO, 2018 pg. 145). Do mesmo modo que o ambiente interno das escolas infantis é importante, o espaço externo também se mostra um potente ambiente de aprendizagem às crianças. Isso torna-se possível a partir do planejamento e olhar atento do educador, pois brincar ao ar livre em contato com a natureza é dar tempo a criança para ela se conectar a si mesma, ter a oportunidade da experiência, do contato com os elementos naturais, de imaginar, de explorar. Para Elinor, é central a necessidade de criar oportunidades lúdicas para as crianças. A pedagoga acredita que uma experiência agradável de jogo oferece para os bebês e para as crianças bem pequenas a oportunidade de tomar iniciativa, concentração e persistência. A criança, desde bebê, tem muitas necessidades, entre elas o brincar, que é um dos seus direitos. O brincar é a atividade principal do dia a dia da criança. O interesse da criança em observar seu entorno, em sentí-lo, apertá-lo, pegá-lo, jogá- lo parece nunca esgotar-se, vivendo assim diversas experiências, conhecendo a si mesma, aos outros e o ambiente que a rodeia. Nesse sentido é que Elinor Goldschmied desenvolveu propostas de jogos para bebês e crianças bem pequenas, surgindo assim o Cesto dos Tesouros e do Jogo Heurístico, os quais entenderemos melhor na sequência. Outra proposta inspirada em Goldschmied e que tem nos ajudado a pensar na crianças pequenas e 34 em suas primeiras elaborações e ensaios, são as Bandejas de Experimentação, já praticado em algumas escolas atualmente. 4.1 O Cesto dos Tesouros Ao contrário do que se imagina, os bebês, desde muito cedo, já têm um profundo interesse em todo o seu entorno. O Cesto de Tesouros, proposta criada por Elinor Goldschmied (2006), é um exemplo concreto do que acabamos de afirmar. Ela acredita na criança enquanto um sujeito ativo, que elas têm capacidade de agir e partir de seu próprio interesse. É importante destacarmos que a aprendizagem do bebê se dá na sua relação com o mundo e, por sua vez, o modo que ele manipula os objetos constrói a gênese da estruturação do seu pensamento. Na continuidade dessa reflexão, podemos nos questionar qual o papel do adulto em um grupo de bebês. A literatura pedagógica tem apontado algumas dimensões a respeito disso de modo que responsa à complexidade das atuações das crianças: composição adequada do espaço, oferta de materiais, gestão do tempo, organização de pequenos grupos, vínculo e atenção aos cuidados. Ao refletirmos a respeito desses aspectos, surgem alguns questionamentos. É possível o bebê também aprender sozinho? O que o bebê pode aprender através da exploração de objetos, sem que o adulto interfira ou lhe ensine? Dai que entendemos que a experiência com o Cesto de Tesouros pode nos ajudar a responder essas questões. Sumariamente, podemos dizer que um cesto, repleto de objetos escolhidos do cotidiano, que proporciona interação da criança com essses objetos ou entre elas, permite o bebê a protagonizar sua própria jornada de aprendizagem. No Cesto de Tesouros são colocados “objetos-tesouros”, cujas possibilidades de peso, textura, tamanho, som, cor, cheiro, bem como formatos diversos, oferecem aos bebês a chance de investigar e descobrir “o que é” de cada item. O propósito é despertar ao máximo, os sentidos dos bebês, instigar a curiosidade, a pesquisa, a investigação, ou seja, provocar a ação sobre os objetos e desenvolver a capacidade de concentração. 35 Quando uma criança agarra e aperta um brinquedo percebe suas propriedades tácteis. Por exemplo, que um objeto ou uma parte dele é mais fácil de apertar. Como a criança também observa o efeito de sua própria ação sobre os objetos, gradualmente, reconhece se um determinado objeto é duro ou macio apenas com olhar. (KÁLLÓ; BALOG, 2017, p. 23). Reafirmando as observações de Goldschmied & Jackson (2006) notamos em nossa experiência, com as sessões do Cesto de Tesouros desenvolvidas em nossas escolas, que as interações que acontecem entre as crianças e os objetos disponibilizados sãodiversas e potentes. Além disso, é possível observar as crianças interagindo entre elas, com trocas de olhares, balbucios. O silêncio, que por vezes acontece em um longo período durante as sessões, nos assombra e mostra o quanto os bebês estão compenetrados e imersos em sua própria atividade. A organização de uma sessão de Cesto dos Tesouros inicia com a escolha do cesto e dos materiais que serão explorados pelos bebês, a preparação de um ambiente, tornando-o propício para que as trocas, interações e descobertas aconteçam, a organização do grupo de bebês, o planejamento das consignas que serão dadas e o que e como será usado para fazer as observações e os registros. Definir o que vai ser observado, antecipadamente, ajudará na captura das imagens com mais detalhes, transformando o “menos em mais”. É importante salientar que, mesmo tendo um foco, não podemos deixar de olhar os inusitados que acontecem em cada sessão. Destacamos que o Cesto de Tesouros deve acontecer com uma determinada continuidade, ou seja, não se trata de um momento isolado ao longo do ano. É a partir da frequência da realização dessas sessões que o professor poderá compreender melhor sobre as crianças e, para elas, significa a possibilidade de tornar-se íntimo com os materiais que estão investigando. Muitos materiais que fazem parte do Cesto não precisam, necessariamente, ser comprados. Tudo começa com uma boa construção de coleção de materiais não estruturados e naturais, tendo a preocupação com a higiene, cuidado e segurança de cada item. Ainda quanto aos objetos, Goldschmied & Jackson (2006) sugerem a seleção de, no mínimo, 6 elementos diferentes a serem colocados dentro do cesto. Os objetos escolhidos devem fugir do estereótipo que as crianças estão acostumadas, ou seja, deve ser evitado o plástico e brinquedos pré-determinados pela sociedade 36 como “ideais”. É a amplitude de materiais que enriquece as pesquisas e faz as crianças entrarem e desbravarem um mundo que é só seu. Adicionar ao cesto uma ou duas frutas ou legumes inteiros que não se desmanchem ajuda a compor o mesmo e assim provocar o paladar e o olfato, além de outros sentidos da criança. Para iniciar uma sessão é preciso escolher o espaço, um local silencioso, sem a circulação ou intervenção de pessoas, livre de outros atrativos, seguro e agradável, para que os bebês se sintam confortáveis durante suas ações. Devem estar posicionados de tal forma que alcancem os objetos no cesto, dentro de uma área delimitada pelo professor, separada por tapetes ou móveis, servindo assim de convite para a brincadeira. Vale destacar que é fundamental que o adulto guarde a palavra para guardar a intervenção (FOCHI, 2013). Quanto menos o adulto intervir com gestos e palavras durante a sessão, mas favorece que o bebê se concentre em sua própria atividade. Nas observações e registros é importante não comparar um bebê com o outro, pois cada um tem seu tempo, seu modo de explorar, seus limites e suas possibilidades. Os fatos registrados e observados em uma sessão podem servir de pistas para o professor preparar a sessão seguinte, quer seja na manutenção de um mesmo grupo de criança, na retirada, permanência ou acréscimo de um objeto, assim como em relação ao seu papel, a organização do espaço, a gestão do tempo, etc. A característica dos bebês que participam do Cesto de Tesouros são aqueles que já permaneçam sentados sozinhos (sem nenhum tipo de apoio) e ainda não caminham. Isso é muito importante, pois ao longo do ano, alguns bebês começam a caminhar, deixando de participar do Cesto de Tesouros, passando para outras atividades, como Jogo Heurístico e as Bandejas de Experimentação, como veremos a seguir. As sessões são realizadas com um pequeno grupo de 2 a 4 bebês, o que permite um olhar mais de perto de cada criança na sua individualidade e na interação com o outro, nunca a sessão é relizada individualmente. A razão disso se dá em função do valor das interações entre eles e de como enriquecem as sessões. Outro aspecto importante é quanto ao tempo das experiências, neste caso observamos que os bebês permanecem entre 25 a 50 minutos, sendo a sessão 37 encerrada, observando o cansaço e desinteresse dos bebês, ocorrendo de forma delicada, sempre priorizando o bem estar e o respeito para com o bebê. Após, através dos registros podemos perceber os processos pelos quais cada bebê constrói suas hipóteses e realiza suas escolhas, bem como é possível refletir sobre as ações do adulto enquanto organizador, sustentador e pesquisador. 4.2 O Brincar Heurístico O brincar heurístico com os objetos envolve oferecer a um grupo de crianças pequenas, por um determinado período de tempo e em um ambiente controlado, uma quantidade de tipos diferentes de objetos com os quais elas brincam livremente sem a intervenção dos adultos. De acordo com Goldschmied & Jackson (2006, p. 147) o aprendizado heurístico é definido como “um sistema de educação sob o qual o pupilo é treinado para descobrir as coisas por si mesmo”. A palavra grega eurisko, da qual é derivada a palavra heurístico significa “descobrir ou alcançar a compreensão de algo”. Para essas autoras, o brincar heurístico é uma abordagem, e não uma metodologia. Elas relatam a importância dessa atividade exploratória espontânea no desenvolvimento da habilidade de concentração e trocas cooperativas entre as crianças. Para isso, não há uma maneira correta de fazê-lo que dê referências de padrão às demais. Os professores poderão ter suas próprias ideias e seus próprios materiais, sendo responsáveis pela coleta de objetos, assegurando que estejam devidamente higienizados e que não estejam danificados. Segundo Goldschimied & Jackson [...] a criança tem grande prazer ao abrir o recipiente e descobrir o que tem dentro dele, a princípio simplesmente esvaziando-o, mais tarde começando a substituir itens ou colocá-los de volta (GOLDSCHIMIED & JACKSON, 2006, p. 154). Aprender por meio da exploração e experiência acaba tornando-se um princípio importantíssimo para a proposta com as crianças pequenas. Apostar em propostas investigativas a partir de diferentes materialidades, de objetos não- estruturados, bem como da descoberta de como ocorre a combinação de diferentes 38 materiais, em quantidade e qualidade suficiente, oferece às crianças a oportunidade de criar significados individuais e coletivos. De acordo com Goldschmied & Jackson (2006), o Jogo Heurístico tem como objetivo qualificar as oportunidades educativas na creche, possibilitando a autoatividade e concentração das crianças bem pequenas. Além delas poderem descobrir e hipotetizar sobre seus experimentos, também possibilita a tomada de consciência de suas ações autônomas. O espaço onde ocorrerá a sessão do Jogo Heurístico precisa ser pensado e organizado previamente. Sua organização deve ter como premissa criar um ambiente tranquilo e acolhedor para as crianças realizarem suas investidas. Precisa ser ainda um local livre de circulação de pessoas e de interrupções, o que parece difícil em uma escola, mas sim, percebemos que é possível. Já os materiais ocupam um papel muito importante nas sessões do Jogo Heurístico. Além de selecionar, com atenção, cada um dos materiais, é importante pensar na organização estética para que a sessão seja convidativa. Os materiais são eleitos e colocados, intencionalmente, em um espaço para seduzir e provocar a ação da criança. Proporcionar uma coleção de materiais não estruturados, diversidade e rica, potencializará as investigações das crianças. Por outro lado, se são oferecidos materiais pouco atrativos, que não combinam entre si, ou, em pouca quantidade, os mesmos podem limitar a exploração das crianças. Já, durante as sessões, o adulto (professor) assume o papel de observador e, se necessário, de facilitador para darcontinuidade às investidas das crianças. Caberá ainda ao professor observar e registrar as ações das crianças para identificar quais foram as descobertas, conquistas, interesses e curiosidades delas e, para posterior análise desses dados, replanejar outras situações desafiantes para as crianças. Dentre as possibilidades de registros podemos usar as fotografias e vídeos, que são recursos ricos, pois através desses observáveis percebemos detalhes que, por vezes, passam despercebidos no momento em que ocorrem. Esses registros também podem ser feitos através de anotações do professor. Dessa maneira, observar, documentar e interpretar têm contribuido para repensarmos a didática da escola, pois de acordo com Davoli (2017): 39 Toda observação que fazemos, precisamos estar cientes, não é a verdade do que aconteceu: toda observação é parcial porque o que sabemos ver, capturar, fotografar, etc depende do nosso ponto de vista subjetivo...[...] “observar” é um verbo ativo, um ato criativo que requer nossa interpretação. Por esse motivo, observar implica repensar, pensar sem pré-conceitos. (DAVOLI, 2017 p. 27-29). E como último aspecto a respeito do adulto, neste caso, o professor, destacamos que também é preciso ter cuidado para não induzir as ações das crianças com olhares ou comentários. Durante a sessão, o professor não faz intervenções, garantindo que elas possam se concentrar na sua própria ação e que possam decidir sobre como explorar os materiais. Outro tema importante quando pensamos no trabalho de sessões do Brincar Heurístico em geral é relativo ao tempo, que constumam envolver, em média, de 30 a 60 minutos, sendo assim, é importante encontrar um melhor momento para realizá- las. O jogo torna-se um espaço e tempo para que a criança experimente suas hipóteses e realize suas descobertas sem a intervenção do professor. Em relação a formação de pequenos grupos, vale-se antes destacar que o Jogo Heurístico é voltado para aquelas crianças que já caminham e que, portanto, já não participam mais das sessões do Cesto dos Tesouros. Os pequenos grupos são formados entre 4 a 6 crianças, sendo 5 considerado um número bom. O jogo heurístico ainda colabora na estruturação do pensamento, desenvolvimento da linguagem oral e autonomia, pois oferece para as crianças uma gama de objetos potencializadores de ações espontâneas, com os quais elas brincam livremente. A partir da manipulação desses objetos, que são oferecidos em variedades por sessão e em grande número, surgem ideias. Essas, emergem da experimentação, da pesquisa, da tentativa, da frustação, do planejamento, das estratégias escolhidas, enfim, das relações com o próprio aprendizado. O que lança as crianças nessa experiência é seu próprio desejo de saber, é a busca pela inquietação: o que eu posso fazer com isso? A criança pode aprender por si só, ela tem condições de estruturar conceitos e descobrir informações oriundas da exploração dos materiais. Por isso, a cada sessão, cabe ao adulto escolher estes materiais, definir o espaço, a estética e o tempo de duração da sessão. Conforme Goldschmied & Jackson (2006, p. 25) “quanto melhor for a qualidade das oportunidades para brincar oferecidas às 40 crianças, mais prazerosas serão as experiências, tanto para elas quanto para os adultos”. A vivência com o Jogo Heurístico nos ensina que as crianças são autoras e que a didática para escola precisa considerar todo o tempo da infância, tempo não somente no sentido cronológico, pois o brincar desenvolve-se em um tempo singular, interno. 4.3 Bandejas de Experimentação A Bandeja de Experimentação é um das modalidades do Brincar Heurístico. Na verdade, inspirada na perspectiva de Elinor Goldschmied (2006), constitui-se como uma proposta na qual a criança é colocada a descobrir as coisas “por si mesmo”. Essa proposta possibilita à criança realizar hipósteses matemáticas e físicas, entre outras tantas, em que ela, aguçada pela sua curiosidade, tenta elaborar estratégias e respostas aos problemas que surgem. Durante as experimentações, as crianças elaboram perguntas como: O que acontece? Como dar nome aos fenômenos que acontecem? Para respondê-las, realizam ações, repetidamente, com instuito de fazer outras pesquisas comprovando ou refutando suas hipóteses iniciais, bem como verificando os processos que ocorrem durante os fenômenos experimentados nas Bandejas. Entendemos as Bandejas de Experimentação como uma brincadeira de descobrir, assim como o Cesto de Tesouros e o Jogo Heurístico, onde meninos e meninas constroem suas aprendizagens com a mínima interferência do adulto. Durante a sessão, um dos principais papéis do educador refere-se ao estruturar a mesma, e após, serão as crianças que darão continuidade à proposta a partir da forma como farão suas pesquisas com os objetos e com as outras crianças que participam da sessão. O professor que observa e participa da sessão deve estar atento e disponível, mostrando-se presente, mas sem fazer intervenções, ampliando assim a possibilidade de realizar um acompanhamento indivualizado por meio da documentação pedagógica, aliando observação e registros, interpretação e reflexão, 41 possibilitando uma continuidade aos processos investigativos das crianças, tornando-os visíveis às famílias e à comunidade. Segundo Fochi (2005), Comunicar as experiências vividas pelas crianças no cotidiano das escolas é uma forma de dar valor às aprendizagens [...] Torna possível viabilizar os percursos de aprendizagem das crianças, no mesmo tempo faz com que o adulto construa maneiras de retroalimentar sua ação pedagógica (FOCHI, 2015, p. 53). As crianças que participam da proposta das Bandejas de Experimentação são as que já conquistaram uma certa autonomia e que já começaram a fazer uso da linguagem oral para se comunicar. Então, podemos definir as Bandejas como um momento no qual as crianças, em um espaço de tempo, com materiais contáveis (contínuos) e não contáveis (descontínuos), com intencionalidade e previamente organizados, realizam ações com vistas a nomear os fenômenos matemáticos e físicos que vão ocorrendo. A organização do espaço para realização da sessão ocorre anteriormente à chegada das crianças e, quanto mais neutro o ambiente, livre de objetos e brinquedos, melhor será o espaço para a proposta das Bandejas, sendo este interno ou externo. Uma ideia para as sessões é utilizar duas mesas separadas, adequadas à altura das crianças, para que tenham facilidade de manusear os materiais ali dispostos. Nestas, são distribuídas, separadamente, as duas categorias de materiais: em uma das mesas os materiais contáveis e ferramentas de apoio e, na outra, os não contáveis, bem como utensílios correlacionados com os elementos. Também há a possibilidade de organizar uma terceira mesa, com materiais de apoio que poderão ser complementados e oferecido às crianças ao longo da sessão. A seleção dos materiais pressupõe que os mesmos ofereçam possibilidades de pesquisa. Quanto melhor e mais diversificada for a seleção de materiais, mais ampla será a pesquisa das crianças. Dividimos a sessão em ilhas: Na Ilha dos não contáveis teremos um ou dois tipos de material, em grande quantidade, que não se pode contar individualmente: farinha, café, erva mate, grãos miúdos, areia em bandejas, sem divisórias internas. Utensílios de apoio que “negociam” com o tipo de material não contável escolhido: 42 como funis, conchas, peneiras, copos de diferentes tamanhos, tigelas, escumadeira, colheres, medidores, materiais que auxiliarão no translado do material não contável. Já na Ilha dos contáveis, dois ou três tipos de material que se possa contar: como pedras, rolhas, prendedores de roupa, tampinhas, sementes grandes, nozes. Bandejas com divisórias, como formas de gelo, caixas de ovos, bandejas de bombom.
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