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Crianças e Adolescentes em Psicoterapia

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em psicoterapia
a abordagem | 
psicanalítica
*
V JJBSh
/Is origens da psicoterapia 
de crianças e de adolescentes 
na psicanálise
A nie S türm er
Este capítulo apresenta um breve histórico da psicoterapia de crianças e 
adolescentes que nasceu de modificações técnicas baseadas na psicanálise. 
Será feito breve resumo histórico dos principais autores e os eixos teóricos 
psicanalíticos que em basam a clínica psicoterápica com crianças e adoles­
centes, começando com as pioneiras, Herm ine Von Hugh Hellmuth, Anna 
Freud e Melanie Klein. Após, são apresentadas algumas contribuições da Psi­
cologia do Ego e da Psicologia das Relações Objetais cujo corpo teórico en­
riquece a prática da psicoterapia com crianças e adolescentes atualm ente. 
Além disso, aborda o início dessa prática na América Latina.
AS ORIGENS
Freud ao observar seu neto, Ernest, brincando com um carre te l, pen ­
sou sobre a possibilidade de a criança e labo rar suas angústias depressivas 
através do brinquedo.
Para elaborar o afastam ento de sua m ãe, o pequenino transform ava 
a ansiedade de separação vivida de form a passiva em algo ativo por meio 
de sua brincadeira. S im bolicam ente, o carre te l significava sua m ãe, e ele 
tinha o “poder” de colocá-la longe (fo r t) ou perto (da) dele, m inim izando 
assim sua angústia e im potência frente à separação, por meio da capaci­
dade simbólica. Esta criança não chora com a partida da m ãe, pelo con­
trário . transform a essa experiência em jogo. Assim, Freud descreve o m e­
nino brincando:
Condições essenciais 
do psicoterapeuta de 
crianças e adolescentes
A na Cláudia Santos Meira
Como se form a um psicoterapeuta de crianças e adolescentes? O que 
ele deve ter? Como deve ser? Existem condições que são peculiares a 
quem pretende se dedicar ao tra tam en to de jovens pacientes?
Para com eçar a escrever sobre um tem a tão re levante e poder res­
ponder a essas perguntas, busquei a parceria e a in terlocução entrevis­
tando colegas que, com um a disponibilidade adm irável, com partilharam 
comigo as reflexões sobre seu quehacer enquan to terapeu tas de crianças e 
adolescentes, de m odo que agora podem os dizer que este capítulo foi 
escrito a m uitas m ãos.
Então, como se form a um psicoterapeuta? A m aioria já deve ter ou­
vido falar do famoso tripé que sustenta a especialização em psicoterapia de 
orientação psicanalítica. Temos nossa form ação firm em ente ancorada na 
som a dos efeitos que o tratam ento pessoal, a supervisão e a teoria operam 
dentro de nós, em nosso aparelho m ental. É o que possibilita estarm os mais 
instrum entalizados para atender a pacientes em psicoterapia segundo os 
preceitos teóricos da psicanálise. É en tão da ação desses três elem entos que 
surgirão os atributos essenciais para tratarm os desses pacientes.
Proponho aqui que pensem os em ou tra form a que não a de um tripé 
com suportes paralelos e que não se cruzam . Sugiro a form a de três 
círculos - algo sobrepostos um ao outro - com um cam po de intersecção 
en tre eles, para representar, exa tam ente nesse espaço cen tral - que é 
parte tios três e ao m esm o tem po um só - o nosso m undo interno. É ali 
que se posiciona o que de psíquico foi form ado e transform ado a partir da 
vivência de um tra tam en to pessoal, de supervisão da clínica e de nosso
Crianças e adolescentes em psicoterapia 43
em penho no estudo teórico. É desse lugar - que é acim a de tudo da 
ludem do em ocional - que vam os saber, fazer ou ter um a série de quali­
dades que nos perm itirão o exercício efetivo da psicoterapia.
Agora, será que podem os falar dessas qualidades que são com uns 
aos terapeu tas de todas as faixas etárias? C ertam ente que sim. No en ­
tanto, existem atribu tos que devem ser ineren tes aos profissionais que 
atendem especificam ente crianças e adolescentes e peculiaridades pró­
prias da técnica desse atendim ento .
Um psicoterapeuta indaga se é possível fazer esse fracionam ento da 
prática por idade, na m edida em que o inconsciente - que é o objeto de 
nossa atenção - não pode ser fracionado por critérios de idade cronológica, 
líle localiza as diferenças em questões mais egoicas - as preferências, os 
xostos - ou em questões de ordem prática - disposição de tem po, consul­
tório, organização do trabalho. Contudo, alerta que lidam os o tem po todo 
com o infantil de nossos pacientes, independente da idade que têm : “é ele 
lo infantil] que está em jogo, se aquilo que im porta na situação analítica é 
lazer circular o pulsional e a sexualidade infantil, propondo, a partir daí, 
dissolver sentidos coagulados e afrouxar o recalque - na neurose - ou per­
correr os caminhos da constituição psíquica onde aquilo que não se forma 
possa se constitu irá posteriori em pacientes mais graves”.
Em expansão ao que esse terapeuta pontua, falaremos aqui das con­
dições que nos habilitam a percorrer esses caminhos pelo psíquico junto a 
tuna parcela específica dos pacientes, que se distingue, sem dúvida, do adul­
to. Ainda que seja certo que o inconsciente é atem poral e habita com a mes­
ma qualidade a m ente de um menino de 5 anos, um rapaz de 15 e um ho­
mem de 50 anos, existem diferenças que conferem inegavelmente caracte- 
lísticas diversas na dinâmica, na técnica e no olhar lançado, e, então, nos 
ui ibutos que o psicoterapeuta de crianças e adolescentes deve ter.
Logo, este capítulo oferece um mapeamento daquilo que é específico 
do psicoterapeuta, m as tam bém do que o atendim ento às três faixas etárias 
com unga em term os de condições necessárias a quem a ele se dedica.
CARTOGRAFIA DA FORMAÇÃO ^
• Submeta-se a um tratamento pessoal - análise ou psicoterapia. É 
importante estar tranquilo com os séus aspectos infantis e adoles- 
' centos, já que, no contato com os jovens pacientes, muitos conflitos, 
íantasiaN e defesas sorilo temobilizadas. Por sett conteúdo mais
Esse bom menino, contudo, linha um hábito ocasional e perturbador de apa­
nhar quaisquer objetos que pudesse agarrar e atirá-los longe, para um canto, 
sob a cama, de maneira que procurar seus brinquedos e apanhá-los quase 
sempre dava um bom trabalho. Enquanto procedia assim, emitia um longo e 
arrastado “o-o-o-”, acompanhado por expressão de interesse e satisfação (...) 
O que ele fazia era segurar o carretel pelo cordão e com muita perícia 
arremessá-lo por sobre a borda de sua caminha encortinada, de maneira que 
aquele desaparecia por entre as cortinas, ao mesmo tempo que o menino 
proferia seu expressivo “o-o-o-ó”. Puxava então o carretel para fora da cama 
novamente, por meio do cordão, e saudava o seu reaparecimento com um 
alegre “da” (ali). Essa, então, era a brincadeira completa: desaparecimento e 
retorno Freud (1976/1920).
Essa observação é a pedra inaugural do en tend im ento do brincar 
infantil como elem ento básico para a com preensão das ansiedades da 
criança.
Em a análise do pequeno H ans, de 5 anos, foi conduzida p e ­
lo seu próprio pai, superv isionado po r f re u d , que o o rien tava quan to 
às intervenções em relação à fobia do m enino. Esse a ten d im en to po­
de ser considerado o prim eiro m odelo de um a psico terap ia infantil, e 
assim foi consta tado que a in te rp re tação era possível com um a criança 
(Castro, 2004).
No ano de 1908, H erm ine von Hugh-H ellm uth torna-se a prim eira 
psicanalista de criancas. E lacriou e tra to u psicanaliticam ente seu próprio 
sobrinho Rudolph. O m enino veio a assassiná-la, aos 18 anos, asfixian­
do-a, no dia 9 de setem bro de 1924. Esse assassinato ficou abafado por 
m uitas décadas, com o um segredo a ser preservado. Talvez esse fato 
tenha im pedido um m aior avanço da psicanálise e da psicoterapia de 
crianças nos prim eiros anos do século XX. Esse “esquecim ento” (Fendrik, 
p. 102) e o silêncio sobre esse incidente traum ático poderia estar ligado 
ao tem or sobre o fu turo das crianças analisadas por seus pais ou alguém 
que estivesse nesse lugar e da impossibilidade de dar conta do que ocorre 
com transferência (Fendrick, 1991).
Embora H erm ine von H ugh-H ellm uth tenha sido pioneira, ima- 
gina-se que seu trágico destino, por m uito tem po oculto, deva ter 
eclipsado suas contribuições, pois não legou um a sistem atização do seu 
m odo de traba lhar por m eio do jogo (Fendrick, 1991; Ferro, 1995).
O desaparecimento de Hermine von Hug-Hellmuth é contemporâneo ao início 
de Melanie Klein e de Anna Freud, que não poderiam ignorar que a pioneira 
no terreno que ambas iriam disputar entre si tinha morrido assassinada por
iiO M.irio (1«i ( iiiiv«< Kern < rtMro S..... Stürmer & < <>ls,
Y c5V 
f f
( rl«inçus <• .idolcsc <>m ps« otorapui l I
seu jovem sobrinho, em cuja criação tinham sido utilizados critérios inspira­
dos na psicanálise (Fendrick, 1991, p. 19).
Dois nom es se im põem quando se fala em atend im ento psicanalítico 
de crianças: M elanie Klein e Anna Freud. A prim eira, pela sua apaixonada 
defesa da análise “p u ra” e por te r criado um novo m odo de in terpretação 
através do jogo; a segunda, pela sua firme convicção na necessidade de 
um a aliança en tre psicanálise e pedagogia.
Melanie Klein 3U co (o ‘V»wC\ < -
Em 1920, Melanie Klein ouve a com unicação de Herm ine von Hugh- 
-Hellm uth, Sobre a técnica de análise de crianças, e é convidada por Karl 
Abraham para trabalhar em Berlim.
M elanie Klein havia iniciado sua análise com Sándor Ferenczi em 
1916, sendo estim ulada por ele a se dedicar à psicanálise e ao atendim ento 
de crianças, apresentando, em 1919, seu prim eiro trabalho com o membro 
da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, um estudo de caso: O desenvolvi­
mento de uma criança, dedicado à análise de um a criança de 5 anos:
A criança em questão, Fritz, é um menino cujos pais, que são de minha fa ­
mília, habitam na minha vizinhança imediata. Isso permitiu me encontrar 
muitas vezes, e sem nenhuma restrição, com a criança. Além do mais, como a 
mãe segue todas as minhas recomendações, posso exercer uma grande influên­
cia sobre a educação de seu filho (Klein, 1921/1981, p. 16).
Seu primeiro paciente, o pequeno Fritz, com sintomas de inibição in­
telectual, na realidade, veio a se saber mais tarde, era seu filho Erich. Klein 
viria a analisar, posteriorm ente, seus dois outros filhos, Hans e Mellita.
No começo de 1924,,M elanie Klein com eçou um a secu n d a análise 
com Karl .A braham , de quem ado taria algum as ideias para desenvolver 
suas próprias perspectivas sobre a organização do desenvolvim ento se­
xual. Começava a questionar certos aspectos do com plexo de Edipo. Nes­
se m esm o ano, M elanie Klein foi a Viena para fazer um a com unicação 
sobre a psicanálise de crianças e, nessa ocasião, confrontou-se d ire tam en­
te com Anna Freud. O debate estava en tão aberto e tra ta ria do que “de­
via” ser a psicanálise de crianças: um a form a nova e aperfeiçoada de pe­
dagogia, posição defendida por Anna Freud, ou a oportun idade de um a 
exploração psicanalítica do funcionam ento psíquico desde o nascim ento, 
com o queria M elanie Klein?
32 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
A análise com Abraham durou 14 m eses e foi in terrom pida devi­
do a m orte de Abraham , em 1925. Com a m orte de seu analista, M elanie 
Klein deixou Berlim, cujo meio psicanalítico aderia às ideias de Anna 
Freud. Em 1926, a convite de Ernest Jones, Klein se instalou defin iti­
vam ente em Londres (Lindon, 1981).
Em setem bro de 1927, Klein apresen tou um a com unicação, Os está­
dios precoces do conflito edipicino, na qual expunha explicitam ente suas 
discordâncias com Freud sobre a datação do com plexo de Édipo, sobre 
seus elem entos constitutivos e sobre o desenvolvim ento psicossexual 
diferenciado dos m eninos e das m eninas. Com essas posições, o conflito 
se ampliou. As ideias de Klein suscitaram fortes oposições, que tom aram 
um a am plitude considerável com a chegada na Ing laterra dos psicana­
listas expulsos pelo nazism o, en tre os quais Anna Freud e Edw ard Glover, 
que consideravam suas ideias m etapsicológicas uma heresia idêntica às 
de Jung e Rank. D iferentem ente de Anna Freud, M elanie Klein conside­
rava o brincar infantil um a forma de expressão de conteúdos m entais 
inconscientes, sim ilar às associações livres dos adultos. Adultos falam e 
associam, enquanto crianças brincam e trazem à tona seus conflitos, an ­
siedades e fantasias, e esse m aterial seria suscetível de in terpre tação no 
quadro da situação transferencial.
Klein com eçou a traba lhar com crianças em 1919 e logo observou 
que, ao brincar, as crianças expressavam suas ansiedades e fantasias, d an ­
do acesso à sexualidade infantil e à agressividade: em to rno dessas fan ta­
sias podia se in stau rar um a relação transferencial-contratrasferencial en ­
tre a criança e o analista. Guiou-se pelo m étodo de in terp re tação dos 
sonhos de Freud, dando significado ao brinquedo da criança, aplicando o 
princípio básico da associação livre (L indon,1981). Como atendeu crian­
ças pequenas e pré-verbais, com preendeu a força das fantasias incons­
cientes prim itivas da m ente infantil, que aparecem nas sessões através 
das personificações nos jogos. A personificação e a distribuição de papéis 
no a to de brincar, baseada nos m ecanism os de dissociação e projeção, são 
o lastro para as transferências (Klein, 1 929 /1981).
Para Klein, a transferência é a espinha dorsal do tra tam en to , inclu­
sive a negativa, que in terpretava, se necessário, desde as prim eiras ses­
sões. Em 1923, analisou Rita, com 2 anos e 9 meses, e usou a caixa ind i­
vidual pela prim eira vez. O setting institu ído é m uito sem elhan te ao que 
se utiliza ainda hoje. É com esse caso que ela dá um passo definitivo no 
desenvolvim ento da técnica do jogo, passando a analisar seus pacientes 
em seu consultório, pois a té en tão tratava as crianças em suas casas. Klein
Crianças e adolescentes em psicoterapia 33
chegou à conclusão de que a transferência só poderia ser estabelecida e 
m antida se o consultório ou a sala de jogos fosse sentido com o algo 
separado da vida em casa (Lindon, 1981).
Em 1932, Klein publicou sua primeira obra-síntese de seus historiais 
clínicos, A psicanálise de crianças, na qual expunha a estrutura de seus futuros 
desenvolvimentos teóricos, sobretudo o conceito de posição (posição esqui- 
zoparanoide e posição depressiva), assim como sua concepção am pliada da 
pulsão de morte, expressada pela inveja prim ária (Zimerman, 2001).
A discordância en tre Anna Freud e M elanie Klein não parava de 
crescer. Klein defendia a ideia de que o tra tam en to de um a criança pode­
ria ser parte in tegrante de sua vida, visto que toda a criança passava por 
um a neurose infantil. Já Anna Freud achava que tra ta r era necessário 
apenas quando a neurose se m anifestava em sintom as e restringia o tra ta ­
m ento de crianças apenas à expressão do m al-estar parental.
Em julho de 1942, a tensão no seio da Sociedade Britânica de Psicaná­
lise atingiu um ponto crítico pelas divergências quanto às questões teóricas e 
técnicas entre os partidários de Klein e os de Anna Freud. Assim começou o 
período das Grandes Controvérsias, inaugurado por um ataque violento de 
Edward Glover contra a teoria e a prática dos kleinianos (Glover, 1981). Os 
confrontos assumiram tal intensidade que, em novembro de 1946, depois de 
intermináveis negociações, marcadas principalmente pela renúncia de Edward 
Glover à Sociedade Britânica de Psicanálise surgiram três grupos: kleinia­
nos, annafreudianos e independentes. Além disto, destas controvérsias, surgi- 
ram duas escolas da psicanálise: a Psicologia do Ego, do qual Anna Freud foi 
precursora, e, do outro lado, a Psicologia das Relações Objetais, fundada 
pelas ideias de Melanie Klein.
Nesse campo de batalha entre as duas “divas” da psicanálise infantil 
está Donald Woods W innicott, que participava do middle group, ou grupo 
independente, e tam bém trouxecontribuições originais à psicanálise infan­
til. Não se pode negar a influência de Klein no pensam ento de W innicott, 
sobretudo, em relação à im portância do m undo interno e o poder da fanta­
sia. Ambos tratam os aspectos pré-edípicos da personalidade da criança. 
(Kahr,1999). Enquanto M elanie Klein destaca o papel da m ãe internaliza­
da, o ponto de vista da inveja, agressividade, voracidade e das experiências 
psicóticas do bebê, Winnicott prioriza a im portância da relação da criança e 
sua mãe n\il, ou “m;K* ambiente*”, os ;isp<rtos saudáveis e a necessidade de 
ser am ado. Discorda de Klein ao não aceitar o conceito de pulsão de morte e 
en tender a agressividade hum ana como reação à invasões am bientais e ao 
sentido do vndadeiro self. Enfatiza que os conflitos ligados à perda de comi-
V p r & o e . > S O
3 4 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
nuidade do self são os aspectos que seriam levados para a transferência. Tal 
como Klein, Winnicott considera um ego rudim entar desde o nascimento, 
sendo que as relações objetais iniciam a partir desse momento.
Toma em prestado de Klein o papel do jogo como m eio de ingressar 
no m undo infantil, m as com visão diferenciada, pois, para ele, o brincar 
não é apenas pulsional, enfatizando que o verdadeiro jogo é criativo e 
ocorre na área dos fenôm enos transicionais. O brincar é prazeroso e sa­
tisfaz, e quando há elevado grau de ansiedade ou de carga pulsional, o 
jogo é interrom pido ou é usado com o descarga. Além disso, W innicott faz 
um a abordagem própria da técnica do brinquedo, quando, por exemplo, 
utiliza o “jogo do rabisco” (Squigle) para se com unicar com alguns de 
seus pacientes. C onsidera a psicoterapia como um espaço transitional, o n ­
de a criança terá a oportunidade de desenvolver sua criatividade.
Anna Freud COouóJJ^O' -y v o
Em 1927, publicou sua obra O ti'atamento psicanalítico das crianças, 
onde relata tratam entos de crianças entre 6 a 12 anos. Enfatizava que os 
filhos estavam ligados aos pais reais e atuais e, por isso, não eram capazes de 
desenvolver neurose de transferência e tão pouco de associar livremente. 
Sustentava que não poderia haver um a repetição enquanto a criança ainda 
estivesse vivenciando suas ligações originais (Ferro, 1995). Para ela, as crian­
ças não teriam tam bém motivações para se tratar, e seus sofrimentos esta­
riam mais ligados aos sentim entos e conflitos de aprovação/desaprovação 
com seus pais reais. Em função disso, instituiu um período preparatório, no 
qual criava uma aliança com o ego da criança e a induzia para aceitação da 
análise, ao mesmo tem po que valorizava a utilização do sonho, das fantasias 
diurnas e dos desenhos, mas limitava a utilização do jogo. Aliava fins 
educativos e pedagógicos ao tratam ento .
Anna Freud tem ia a deterioração das relações da criança com seus 
pais se fossem analisados seus sentim entos negativos a respeito deles; 
en tão tentava m an ter um a situação positiva. As situações negativas se- 
riam resolvidas por m étodos não-analíticos (Ferro, 1995).
Anna Freud criou em 1925 o Kinderseminar (Seminário de Crianças), 
que se reunia no apartam ento da Berggase. Depois das experiências infelizes 
de Hermine von Hugh-Hellmuth, tratava-se então de formar terapeutas 
capazes de aplicar os princípios da psicanálise à educação das crianças.
Além disso, um a de suas m aiores contribuições foi a criação e o de 
senvolviincnto da llam sp tead Child T herapy Clinic em l.ondres.
Crianças e adolescentes em psicoterapia 35
Q uanto a Anna Freud, seu pai não hesitou em analisá-la por duas 
vezes: en tre 1918 e 1920 e en tre 1922 e 1924. Nessa época, nas décadas 
iniciais dos tra tam en tos psicanalíticos, não era anôm alo pais tratarem 
seus próprios filhos ou parentes.
PSICOLOGIA DO EGO
Heinz H atm ann, psicanalista austríaco, m igrou para os Estados Uni­
dos como m uitos outros psicanalistas eu ropeus perseguidos pelo nazis­
mo, onde, ju n tam en te com Kris, Loew enstein, R appaport e Erickson, 
liindou a corrente psicanalítica denom inada “Psicologia do Ego”. Esses 
autores se fundam entaram nos últim os trabalhos de Freud e tam bém se 
alicerçaram nos trabalhos de Anna Freud (Zim erm an, 1999).
Anna Freud focou p rincipalm ente nos aspectos do id e ego, explo­
rando os efeitos da pressão pulsional no desenvolv im ento do ego. Segue 
Freud en ten d en d o que o ego tem início corporal, co nsiderando que no 
início da vida há um a fase anobjeta l. Um a das suas principais con tribu i­
ções teórico clínicas, a in d a m uito usada na a tua lidade , foi a elabora- 
ç;ao do seu diagnóstico m etapsicológico (perfil desenvo lv im ental). Ela 
en tend ia que a ênfase no ego encam inha o indivíduo p ara um a a d a p ta ­
ção à realidade.
M argareth M ahler, por sua vez, propôs um a d im ensão adicional, 
além da influência de A nna Freud, q u an d o enfatizou seus estudos dos 
processos de sep a ração /in d iv id u ação da criança em re lação à m ãe. 
M ostrou a com plexidade dessa tarefa , levando em con ta aspectos mais 
prim itivos, concebendo um ego incip ien te na fase sim biótica, e que nes­
sa fase existiriam rud im en tos de relações objetais. M ahler valoriza a 
mãe com o elem ento do p ar sim biótico e seu papel para d iscrim inar e 
d iferenciar o bebê de si próprio e desenvolver um a noção de coerência 
de self (L iekerm an e U rban, 2000). E laborou fases do processo sep a ra­
d o /in d iv id u a ç ã o , que é base para en ten d e r os transto rnos borderline 
(M ahler, 1982).
TEORIA DAS RELAÇÕES OBJETAIS
A perspectiva teórica das relações objetais valoriza os vínculos en tre 
objetos. Nesse m odelo relacional, a visão dos fenôm enos é enfocada
36 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
com o processos interativos en tre se lfe objeto, que levam ao surgim ento de 
novos elem entos (G reem berg e M itchell, 1994).
Consiste num m odelo de aparelho psíquico que supõe um a relação 
objetai desde o início da vida. A partir da relação com os objetos prim á­
rios, será in ternalizado um objeto colorido pelas fantasias provocadas por 
essas experiências. Os objetos in ternalizados estarão, portan to , sujeitos 
às deform ações operacionalizadas pela vida fantasm ática da criança e 
não corresponderão às características dos objetos reais externos.
O tem a das relações objetais recebeu a contribuição de vários au to ­
res, em bora seja frequentem ente utilizado para descrever a abordagem 
desenvolvida por M elanie Klein.
C ontrad izendo Freud, Klein sugeriu que o bebê pode te r um ego 
pouco desenvolvido desde o nascim ento , fazendo uso de m ecanism os 
de defesa prim itivos, possuindo um a capacidade ru d im en ta r de ap reen ­
são de aspectos desde seu nascim ento . As fantasias prim itivas do bebê 
em ergem in terferindo nas percepções e nas in terações com a m ãe e com 
seus cuidadores. A p a rtir daí, a criança in terna lizará “p a rte s” de objetos 
arcaicos que serão distinguidos en tre “bons e m aus”. Essas prim eiras 
relações objetais, se io /b eb ê , se dão com objetos parciais (posição es- 
q u izoparano ide), e na m edida em que houver m aior in teg ração e coesão 
do ego infantil, a criança estabelece um a relação com objetos totais, 
en tran d o na posição depressiva. Klein su sten ta que o m undo in terno da 
criança é criado a p a r tir desses processos e é a chave para a saúde m en­
tal (Liekerm an e U rban, 2000). No desenvolvim ento desse m odelo teó ­
rico, a exitosa elaboração da posição depressiva será g aran tia de m aior 
saúde m ental, com prevalência de m ecanism os neuró ticos sobre psicó­
ticos (Ferro, 1995).
A vida psíquica é dom inada pelo jogo das fantasias inconscientes e 
das defesas a ela conectadas. O te rap eu ta se torna alvo dessas fantasias, e
o paciente externaliza o que acontece em seu m undo in terno ao projetar 
na atualidade da transferência (Ferro, 1995).
A descrição da identificaçãoprojetiva descrita por Klein (como m e­
canism o para livrar a m ente de angústias penosas, evacuando-os para o 
ex terior e para den tro de outro que se torna receptor do processo) to r­
na-se uma aquisição indiscutível para a psicanálise. Bion, m ais tarde , m u­
da esta perspectiva, en tendendo e am pliando a identificação projetiva 
com o um a forma de com unicação prim itiva de em oções (Ferro, 1995). 
Portanto, a teoria k leiniana, com alguns conceitos e desenvolvim entos 
originais, deu ascensão à “escola das id a ç o rs dc objeto", na qual estão
Crianças e adolescentes em psicoterapia 37
incluídos pensadores com o Donald W innicott, Michael Balint, Ronald 
Fairbain e Wilfred Bion. E ntretanto , quando esses pensadores concorda­
ram com Klein sobre a ativ idade precoce do ego, tam bém , ao contrário de 
Klein e com um a consciência das contribuições de Anna Freud, enfati­
zaram a dependência to tal desse ego na ausência da susten tação externa 
da mãe (Likierman e U rban, 2000).
H erbert Rosenfeld, Donald Meltzer, A ntonino Ferro, Anne Alvarez e 
Francis Tustin, para c itar alguns dos pensadores contem porâneos dentre 
outros, tam bém foram beber na fonte das principais linhas de desenvol­
vimento do trabalho de Klein, am pliando alguns conceitos que vêm enri- 
c|iiecer ainda mais a teoria psicanalítica, inaugurando o que se denom ina 
atualm ente de “psicanálise vincular” (Z im erm an, 1999).
AMÉRICA LATINA E BRASIL
Na Am érica L atina, m ais p recisam en te na A rgentina, Arm inda 
A berastury identificada com as ideias de M elanie Klein, trad u z iu sua 
obra para o caste lhano , desenvolvendo a análise de crianças.
Entre 1948 a 1952, Arm inda dirigiu no Institu to de psicanálise da 
APA um sem inário sobre esse tem a, form ando um a geração de analistas 
dc crianças. Em 1957, apresen tou um a com unicação sobre a sucessão dos 
"estágios” duran te os prim eiros anos de vida, definindo um a “fase genital 
prévia”, an terio r à fase anal no desenvolvim ento libidinal, que, conform e 
('la, seria início do com plexo de Édipo. Conform e A berastury (1982), a 
lase anal se estru tu raria depois da oral e fálica, por consequência e como 
solução dos conflitos criados nessa fase. Além disso, focou seus estudos 
sobre as dificuldades de sono nos lactentes, bem como os transto rnos que 
acom panham a dentição.
Em seu livro Psicanálise da criança, enfatiza que sua técnica teve suas 
ui7.cs da técnica e laborada por M elanie Klein, mas, pela sua experiência 
perm itiu-se realizar um a série de m odificações no tocante à form a de 
conduzir as entrevistas com pais, e destaca as fantasias de “doença e cura” 
que a criança apresenta nas prim eiras horas de jogo. Sem dúvida, essa é 
uma das suas contribuições técnicas mais originais e que levam o psico- 
lerapeu ta a en tender que a criança “sabe que está enferm a e que com ­
preende e aceita o tra tam en to ” (Aberastury, 1982, p .l 11).
As ideias de Aberastury, ju n tam en te com Eduardo Kalina e M auricio 
Knobcl, tiveram forte influência sobre a psicoterapia de crianças e adoles
38 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
centes na década de 1970 no Brasil, m ais especificam ente no Rio de J a ­
neiro e Rio Grande do Sul.
Nesse m esm o período, Dr. Fábio Leite Lobo assum ia a direção do 
Instituto de Psicanálise do Rio de Jane iro e trazia um a postu ra mais aber­
ta, com atitudes pioneiras, vindo a oferecer um a am pliação da p rá ti­
ca psicanalítica a não-m édicos. Foi nesse período que E duardo Kalina e 
Arminda A berastury desem barcavam no Rio de Janeiro , a fim de oferecer 
um curso de teoria e clínica psicanalítica. Surpresa foi que m uitos profis­
sionais se in teressaram pelo tem a, sendo a m aioria deles psicólogos. 
Aberastury, que já se envolvia com estudos sobre a criança, havia pu­
blicado um trabalho in titu lado “O m undo adolescente”, e, desse m odo’ 
iniciava um a fase de estudos sobre o tem a.
Em se tra tan d o de adolescentes, os trabalhos sobre esse tem a no 
Brasil tiveram desenvolvim ento significativo em 1970. A inda em plena 
d itadura m ilitar e sem possibilidade de expressar suas angústias frente ao 
m al-estar social, o adolescente brasileiro, se sentindo sem horizontes, vol­
ta va-se para as drogas, alienando-se do m undo real. Ju n to a isto, estavam 
os pais assustados e confundidos frente a esse quadro que incluía, essen­
cialm ente, a drogadição e a sexualidade. Em consequência disso, multi- 
plicaram -se os psicoterapeutas dedicados a a tender adolescentes e suas 
famílias (Freitas, 1989).
Em 1971, Luis Carlos Osorio, no Rio G rande do Sul, e Carlos 
( astellar, no Rio de Janeiro , partic iparam da I Reunião Panam ericana de 
Psiquiatria e Adolescência e do II Congresso Argentino de Psicopatologia 
Inlanto Juvenil, o rganizado pela ASAPPIA (Associação A rgentina de Psi­
quiatria e Psicologia da Infância e A dolescência). A partir desses contatos, 
■any.e a ideia de criar a APPIA (Associação de Psiquiatria e Psicologia da 
Inl/inna e Adolescência), que foi fundada em 1972. Esta instituição 
tn ina \e revolucionária não apenas por te r am pliado questões científicas, 
m. e. tam bém por 11 ter funcionado como um espaço que incentivava e refe- 
irndava a prática psicoterápica, principalmente aos médicos e psicólogos 
mio psicanalistas” (Freitas, 1989).
A influência teórica da época era basicam ente a de M elanie Klein e 
A uninda Aberastury, am bas não eram m édicas nem psicólogas. O tra ta ­
m ento de crianças era realizado por psicólogas que supervisionavam e se 
analisavam com psicanalistas de form ação m édica.
I louve bastante resistência das sociedades psicanalíticas filiadas à IPA 
em abrir sua formação para psicólogos. Esse “fechamento” resultou que a 
“classe excluída” fosse buscar sustentação em grupos de estudos, supervisão
Crianças e adolescentes em psicoterapia 39
e análise com psicanalistas que os apoiavam, fundando uma sociedade exclu­
siva para psicólogos. Nesse sentido, as APPIAs se constituíam de nomes con­
ceituados da psicologia, psicanálise e psiquiatria, e abriam espaço para dife­
rentes discussões tanto políticas quanto teóricas (Freitas, 1989).
O ESPAÇO DA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA
Conform e assinalado neste capítulo sobre As origens da psicoterapia 
na psicanálise, em toda a história da psicanálise houve cisões, rupturas, 
cm virtude de diferenças teóricas ou políticas, ou ainda, devido às d ispu­
tas por espaço no m ercado de trabalho.
Aqui no Brasil, m ais especificam ente, constituiu-se m uito árdua a 
luta dos psicólogos para serem reconhecidos como capazes de exercer a 
lunção de psicoterapeutas, pois essa área ficava restrita à m edicina.
Nesse hiato que se colocou en tre esta “autorização”, foram se consti­
tuindo vários cursos de form ação de psicólogos, alguns se fortalecendo e 
se to rnando referência no ensino da psicoterapia. Em pesquisa realizada 
por Selister (2003), em Porto Alegre existem mais de 50 instituições d e ­
dicadas ao ensino da psicoterapia. Nesta investigação, descreve que a 
docência da psicoterapia psicanalítica é exercida essencialm ente por 
mulheres, psicólogas, form adas há m ais de 20 anos.
Com a Resolução n° 14 /2000 , o Conselho Federal de Psicologia regu­
lam entou os cursos de form ação e a prá tica e a experiência dos psicólogos 
formados em cursos de especialização não ligados ao m eio universitário. 
Conforme Castro (2004), “essa resolução destaca como imprescindível para 
realização da psicoterapia que o psicólogo seja obrigado a se submeter a 
ama especialização em nível de pós-graduação a esse exercício profissional, 
visto que a prática da psicoterapia é o produto de interação complexa entre 
a formação, o compromisso com atualização continuada e o cliente”.
Desta m aneira, a psicoterapia de orien tação psicanalítica tem um 
espaço que vai se solidificando com o decorrer dos tem pos: tom a como 
sustentação a teoria psicanalítica e osprogressos desenvolvidos por seus 
pensadores, e, a partir daí, constituiu-se em um a técnica própria que dá 
conta de um cam po e um “fazer” que é específico.
D uarte (2003) ap o n ta que, no início dos cursos de form ação de 
psicólogos as d iscip linas da á rea clínica eram m in istradas por m édi­
cos, o que ofereceu um a base sólida; por o u tro lado, não favoreceu a 
iden tid ad e profissional d o psico teu ipeu ta , sendo que os prim eiros pro
4 0 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
fissionais “tiveram que dar um pulo, sem elhante ao processo de adoção” 
(D uarte, 2003, p. 22). Esse aspecto a inda se faz p resen te a té hoje, pois 
não fomos, na área da Psicologia Clínica, filhos de psicólogos, mas sim 
tivem os um a origem m édica. Em bora esses profissionais tenham tido 
m uita d isponib ilidade, “não foram poucos os que não aceitavam os novos 
profissionais” (D uarte, 2003 p .22).
D uarte (2003, p. 23) ainda apon ta que em sua longa experiência 
profissional, se observa um a seleção natural, onde sobreviverão aqueles 
indivíduos e grupos que se form aram a partir de um a base consistente, 
fundada principalm ente em princípios éticos.
Cada psicoterapeuta através do tripé formação, supervisão e tratam en­
to pessoal se instrum entaliza e se desenvolve para a realização de uma práti­
ca ou ciência/arte (Castro, 2004), que envolve, além de atualização perm a­
nente do estudo e teoria, a intuição, a em patia e a capacidade e a plasticidade 
do ego em se colocar “junto com” o outro, seja sentindo, brincando, dese­
nhando ou jogando, no caso de crianças ou adolescentes, para depois se 
afastar, processar e devolver para o paciente aquilo que foi vivido na sessão 
terapêutica em doses homeopáticas, exercendo a função “continente” (Bion).
Cada vez mais, o psicoterapeuta de O rientação Psicanalítica necessi­
ta se apossar de sua identidade, ciente de que sua form ação estará cal­
cada em um a base sólida tan to ética quan to teórica e técnica.
Tendo esses aspectos integrados dentro de si, aquele que exerce a 
psicoterapia certam ente estará sedim entando uma técnica específica, tendo 
como modelo pioneiras da psicanálise infantil como Anna Freud e Melanie 
Klein, que souberam “ousar” e “brigar” pelo que acreditavam. O psicotera­
peuta estará então auxiliando aquele que nos pede ajuda para se conhecer e 
sc encam inhar para atingir a liberdade para ‘Vir a ser o que se é” (Bion).
Tal como nossos pacientes, assim tam bém a psicoterapia tem cam i­
nhado em direção ao “vir a ser” o que realm ente “é”, ocupando um espaço 
singular como instrum ento de ajuda para o indivíduo da sociedade atual.
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Crianças e adolescentes em psicoterapia 41
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___ . Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001.
44 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
primitivo e pela natureza mais arcaica das fantasias, o m aterial tra ­
zido pode estim ular ansiedades inconscientes e form ar pontos ce­
gos.
• Busque um a autorização pessoal, através de seu tra tam en to , que 
lhe indique que você está em condições de se tornar um psicote- 
rapeuta de crianças e adolescentes. Dentre ou tros indicadores, 
estarem condições significa que nossos traços de ca rá te r possibilita­
rão - e até facilitarão - o envolvim ento com esses pacientes e tudo 
o que isso implica.
P • Faça um a form ação específica que garan ta um conhecim ento pro- 
í ' fundo sobre o “m undo infantil”, sobre os m eandros do desenvolvi­
m ento em ocional e psicossexual, a form ação da personalidade, o 
que é esperado para cada e tap a e a psicopatologia da infância. 
Com a Resolução n° 14/2000 , o Conselho Federal de Psicologia 
regulam entou os cursos de form ação, a prática e a experiência dos 
psicólogos form ados em cursos de especialização não-ligados ao 
meio universitário. Essa resolução destaca com o im prescindível 
para a realização da psicoterapia que o psicólogo se subm eta a 
um a especialização em nível de pós-graduação, visto que a prática 
da psicoterapia é o produto de in teração com plexa en tre a form a­
ção, o com prom isso com atualização continuada e o paciente.
• Conheça a dinâm ica do processo adolescente para perceber o que 
está acontecendo, em que m om ento do desenvolvim ento o jovem se 
encontra, se os sinais que está apresentando são próprios do pe­
ríodo, para diferenciar o que é próprio dessa faixa etária e o que já se 
tornou psicopatológico, a intensidade e a frequência dos sintomas.
• Leia os au tores clássicos - Freud, M elanie Klein, Anna Freud, 
Donald W innicott, M argaret M ahler - mas tam bém os contem po­
râneos, que am pliaram as ideias pioneiras. Leia m uito, esteja sem ­
pre se atualizando e utilize de cada teoria aquilo que ela tem de 
melhor, m an tendo um a coerência in terna. C onhecer as teorias e os 
autores nos possibilita dar conta das diferentes dem andas que por 
certo surgirão nos atendim entos.
• Aprenda bem os conceitos, tenha dom ínio das teorias, de cor e sal­
teado, e depois se esqueça deles. Som ente a segurança fornecida 
por eles é que nos perm ite tran sita r com liberdade pelo desconhe­
cido, pelo novo. Dito de ou tra form a, internalizeos conceitos de ta l 
modo que sua prática seja espontânea e natural, e que suas inter 
vençftes não sejam produto de um discurso intelectualizado.
Crianças e adolescentes em psicoterapia 45
*
Lance mão da leitu ra de publicações atuais, pois as situações inusi­
tadas a que os pacientes nos expõem não estão previstas nos livros. 
Estudam os nos livros o que norm alm ente ocorre, m as com crianças 
e adolescentes costum am os ser pegos de surpresa com m uita fre­
quência, em situações que sim plesm ente nunca nos ensinaram o 
que fazer, com o agir ou reagir.
Supervisione sempre, não só quando inserido em um curso formal ou 
quando as horas de supervisão contarem para o mínimo exigido no 
currículo. Outrossim, supervisione até o mom ento em que tiver segu­
rança de conseguir vislumbrar o que há para além de seu próprio 
inconsciente, sem ficar cegado por conflitos ainda não-resolvidos. 
Disponibilize-se em ocional, in terna e tem poralm ente para estar de 
fa to com as crianças e os adolescentes. Precisamos gostar genu ina­
m ente deles, de es ta r e de trab a lh ar com eles. Tenha curiosidade, 
respeite-os e leve-os a sério . Com unique-se com eles de m odo a ser 
acessível e com preendido, sem, no en tan to , se infantilizar nem in- 
fantilizá-los, porque a diferença é fundam ental.
Adquira a capacidade de regressão, sem elhante à de um a m ãe 
quando recebe seu bebê e desenvolve um a preocupação m aterna 
prim ária , pela qual se tem em patia para se colocar no lugar do 
paciente que vem buscar ajuda, com a condicão de dependência da C 
criança e com o desejo de independência do ado lescen te . Estabele­
cer um bom vínculo e um a firm e aliança terapêutica com o pacien­
te dá a base para que ele se sinta à vontade para expressar suas 
mais profundas dores.
Seja espontâneo ao brincar, tenha disponibilidade afetiva e prazer 
com a atividade, com o sen tar no chão, en tra r no m undo da crian­
ça, jogar sem um a pressão ex terna ou formal para isso. Logo, será 
necessária um a plasticidade de ego , pois tem os que brincar de ver- 
dade, nos envolverm os com as ativ idades propostas pela criança, 
en trando em paticam ente em seu universo de faz-de-conta. Uma 
terapeu ta alerta: “sem essa condição, podem os te r um adu lto ten ­
tando se com unicar com um a criança e, m uitas vezes, esperando 
que a criança se com unique com o um adulto. Q uando nós conse­
guim os regred ir (de forma saudável), podem os nos com unicar 
através da linguagem infantil, até porque um dia já fom os criança; 
já a criança ainda não chegou à fase ad u lta”.
Produza a capacidade de regredir e de voltar ao normal várias ve­
zes du ran te um a m esm a bcssAo. Efetue uma regressão a serviço de
4 6 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
ego para poder se soltar física, m entai e em ocionalm ente, para 
brincar na “língua” da criança, sem , todavia, p erd er o funciona­
m ento secundário do pensam ento , que nos possibilita com preen­
der e in terpretar. É preciso lidar com a situação de brincar e, ao 
\ P '’/V'y m esm o tem po, en tender e trab a lh ar com o paciente. Vamos “inter- 
' p re ta r b rincando”, sugere um a terapeuta.
• Seia criativo para buscar recursos, e não apenas os verbais que pro- 
^ ' piciem o acesso ao m undo in terno do paciente. O silêncio nas ses­
sões é fenôm eno comum na adolescência, e, para dar conta disso, é 
preciso tolerância; porém, talvez mais do que isso, é preciso criati­
vidade para encontrar formas diversas das tradicionais para pene­
tra r pelas brechas que o jovem não tão facilmente nos abre.
• Apure um o lhar psicanalítico voltado para a com unicação não-ver- 
bal, que se dá através de toda atividade lúdica, nos mínim os d e ­
talhes, em cada gesto, em todo m ovim ento. Trabalhe com o sim bó­
lico e o im aginário. O brincar é fundam ental para que a criança 
com unique e sim bolize seus conflitos. Então, com preenda o que^o 
jogo está querendo dizer e decodifique, m ostrando o entendim cn- 
to a ela, conform e a sua capacidade. A in terpretação se dá no pró­
prio brinquedo.
• C om preenda as m odalidades de com unicação não-verbais, parale­
las ao uso da palavra. Algumas form as de expressão de fantasias 
são, por vezes, violentas, baru lhen tas, envolvem sujeira com tin ­
tas, argila e água, trazendo aspectos bastan te regressivos ao 
setting. Uma terapeu ta lem bra: “as fantasias m ais prim itivas não 
são de na tu reza verbal; são inicialm ente corporais, depois visuais 
e, som ente m ais tarde , serão traduzíveis em palavras”.
Preserve a capacidade de to lerar o ataque dos pacientes e sobreviva 
a eles. D urante a infância e a adolescência, a m anifestação de senti­
mentos hostis é mais franca do que no adulto, que encontra na re­
pressão um apaziguam ento. O m aterial trazido é m uito rico, mas 
carregado de primitivismo e agressividade, que inclui m uita movi­
m entação corporal da dupla. Uma terapeuta sugere um a m etáfora 
para isso: que perm itam os que os pacientes nos usem de sparring - 
aquele saco de treinar boxe, o que não significa, naturalm ente, acei- 
tar um a conduta atuadora ou a descarga pelo ato, sem um a conten­
ção adequada e um trabalho interpretaiivo. As crianças são convida 
das no setting ;t “tudo desenhar, falar, brincar; a tudo representar, 
mas nem tudo t a / n ”, como bem define outra terapeuta.
, v
Crianças e adolescentes em psicoterapia 47
• Tolere os m om entos de não-saber que, sem dúvida, com crianças e 
adolescentes, vivenciam os com mais frequência do que quando
, \CV° atendem os adultos. Seja verdadeiro e honesto, pois as crianças são 
’ j c v ^ m uito perspicazes, e os adolescentes se especializam em encontrar
* O nossos pontos fracos, nossos pontos cegos. Tenha tranquilidade 
para tra ta r de assuntos que podem ser considerados tabus, como 
, v * . s r sexo, drogas, hom ossexualidade, doenças, m orte.
À ^ • P repare seu consultório para receber a dem anda dos pacientes.
\ Isso quer dizer que talvez ele não possa te r tantos enfeites, m uito
vidro ou porcelana, a ponto de que o apego ou cu idado com esses 
objetos im peçam de perm itir a expressão do m undo in terno d a ­
quele que, na m aior parte das vezes, vai explorar todas as possi­
bilidades do am biente. Crie um desprend im ento para propiciar a 
ação da criança nas brincadeiras, ou a ten d e r à sua dem anda de 
m ovim entação dos móveis da sala para realizar algum jogo ou 
dram atização.
• Seja to leran te para suportar que o consultório fique sujo ou ba­
gunçado d u ran te a sessão psicoterápica. Q uanto m ais regressivo o 
funcionam ento psíquico da criança e do adolescente, mais dis­
postos terem os de estar a serm os usados e explorados, ju n to com o 
am biente físico. Por isso, não podem os ser obsessivos dem ais, pois 
terem os de botar a mão na massa, às vezes sim bolicam ente, às 
vezes, concretam ente . rNlecessitamos pintar, m exer em argila e usar 
a m assa de m odelar.
• Tenha o m esm o desprendim ento para situações com o te r de lim par 
um a criança que urinou ou outra que defecou; às vezes, elas pe­
dem que as levem os ao banheiro; ou tras, contudo, elas fazem suas 
necessidades no m eio de nossa sala e tem os de lidar com isso. 
Precisamos discrim inar o que é um a taque ao vínculo, um sintom a 
de incontinência, um a angústia excessiva; assim com o o que é um 
ataque de birra, um a agitação psicom otora e um a desagregação 
psicótica. Uma m esm a ação pode esta r com unicando níveis m uito 
d iferentes de funcionam ento m ental.
• Avalie sua disposição física, pois não podem os nos furtar de sentar 
no chão, em cadeiras baixas, jogar bola e suar m uito; a criança 
brinca, pula, corre, joga, se atira e, se nos propom os a lhe oferecer 
um espaço de expressão, temos que deixá la Inzer isso e - ainda - 
tem os que 'acom panha la nesses m ovim entos. Além disso, a crian- 
çn poile teu tn r nos atacar, nos a tira r objetos, lançar um a bola com
V 0
48 Mariada Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
força ou se jo g a r em nosso colo. Pacientes m ais regressivos p re­
cisarão ser contidos e, para tu d o isso, necessitam os de força físi­
ca e saúde.
• Distribua seus pacientes em horários que lhe sejam absolutam ente 
confortáveis. A tender som ente crianças em um tu rno inteiro pode 
ser m uito desgastante. A tender vários adolescentes silenciosos em 
horários seguidos ao alm oço pode exigir um esforço desnecessário. 
Pense nisso e saiba sem pre porque está decidindo por um a defi­
nição e não por outra, em cada aspecto do setting, do contrato, da 
condução do tratam ento .
• Seja mais com preensivo e m aleável ao avaliar situações da rea ­
lidade de cada família, como com binações de horários e férias, 
sem por isso esquecer as regras técnicas que nos balizam . Uma 
psicoterapeuta de adolescentes, en trevistada para este capítulo, 
propõe a brincadeira do elástico como um a figura de linguagem
^ descrever o m ovim ento dos jovens: “os adolescentes vão es-
do para ver se a rreb en ta . Assim fazem com os pais: esticam 
ate chegar quase a arrebentar. Este é o nosso trabalho na clínica: 
deixá-los experim entar a área da ilusão de que tudo podem e até 
onde podem ir. Q uando estão quase rom pendo o setting, caindo no 
precipício, a gente puxa, ev itando que eles caiam ”.
• Dê-se liberdade para, se julgar necessário em determ inadas situações, 
ter atitudes mais ativas, sem ficar imobilizado pelas regras tradicio­
nais que m arcam o setting e o contrato terapêutico. Crianças e ad o ­
lescentes são pacientes imprevisíveis. É como expressa um terapeu­
ta: “sinto que, quando vejo um a criança, preciso lubrificar a cintura, 
ganhar um pouco mais de jogo de cintura”. Necessitamos, ao mesmo 
tempo, de flexibilidade e firmeza para nos adaptar e ajustar a nossa 
técnica, de acordo com o que nos é apresentado pela criança e pelo 
adolescente, sem, no entanto, com prom eter o tratam ento.
• M antenha a m esm a liberdade e flexibilidade para m anejar s itua­
ções inusitadas. Lidamos com inúm eras surpresas no setting, como 
quando um a criança não quer en tra r sozinha na sala e, d iferente 
do que esperávam os, ter que fazer um a consulta com a m ãe ju n to ; 
ou trazerem am igos para a sala de espera, virem com aparelhos de 
música, com brinquedos de casa, com anim ais de estim ação, en tre 
ou tras m anifestações no com portam ento . Se as tom arm os sim ples­
m ente com o atuação ou resistência, perderem os o valor com uni­
cativo que elas trazem .
Crianças e adolescentes em psicoterapia 49
• Tenha em m ente que, em geral, os pacientes não nos falarão d ire­
tam ente de seus problem as, conflitos, angústias, dúvidas e m e­
dos - como pequenos adultos - , m as estarão falando de si e de seus 
objetos in ternos quando, aparen tem en te , falarem de outras pes­
soas quaisquer. Por isso, esteja a tualizado nos program as jovens e 
infantis, pois, m esm o que não possam os - ou não queiram os - ficar 
em frente à TV, devem os ter conhecim ento dos personagens, heróis 
e vilões dos desenhos, filmes e novelas, para poder com preender o 
sim bolism o que, m uitas vezes, faz com que eles ocupem o cenário 
das sessões.
• Preveja a partic ipação mais d ireta (e concreta) de terceiros no set­
ting. Assim, nos envolverem os sem pre com os pais e, m uitas vezes, 
com os irm ãos e os m eio-irm ãos, avós, babás, m adrastas e padras­
tos. Trabalham os com um campo estendido, conform e define um a 
psicoterapeuta infantil. Lidar com as transferências e resistências 
dos pais, dos fam iliares e da criança gera um peso adicional, o que 
exige m uito de nossa m ente.
• Conceba um a psicoterapia de crianças e adolescentes som ente 
com a participação dos pais. A m edida dessa partic ipação será ava­
liada e conduzida por nós, mas é fundam ental que estejam os in ter­
nam ente dispostos para tudo o que essa presença tácita nos impõe. 
Os pais são coparticipantes desse tra tam en to ; en tão , precisam os 
firm ar tam bém com eles um a forte aliança terapêutica.
• Lembre que existe um a história in teira a ser con tada por eles e 
com preendida por nós. Logo, terem os um olhar mais individual e, 
ao mesmo tem po, um olhar m ais am plo, no contato com a família. 
Ali, çolocam -se em cena transferências e co n tra transferências cru­
zadas que dem andarão nosso o lhar tan to a ten to quan to sensível. 
Olham os a criança e o adolescente inseridos em seu contexto fa­
miliar, identificando as dinâm icas relacionais que estão ocorrendo 
e com preendendo seu papel nessa dinâm ica.
• Conserve a capacidade de ser em pático e paciente com a família 
que está envolvida, p reocupada e, m uitas vezes, fazendo um uso 
inconsciente dessa criança com o um sintom a. Devemos saber que 
eles tam bém sofrem , se a trapalham . No tra tam en to de adultos, 
não tem os con tato com os pais, m aridos ou filhos reais; já na psi­
coterapia com crianças e adolescentes, esse contato se impõe com o 
fundam ental. Com efeito, a proxim idade nos põe à prova: enfren 
tantos as resistências, os boicotes, as m anipulações dos pais que se
50 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
sentem narcisicam ente feridos, fracassados, equivocados, desafia­
dos, desvalorizados, e tem os de lidar com isso.
• Perm aneça em um a posição de escuta aberta e receptiva. A ava­
liação é um m om ento para conversar com os pais e com a criança, 
e não pode parecer um inquérito ou o preenchim ento de uma ficha 
de anam nese. Identifique as “encom endas” - é de suporte, de 
orientação, de proteção, de parceria, de confrontação, de d en ú n ­
cia? - através do pedido de tra tam en to , para, en tão , poder m ode­
lar o tipo de contato que se tem com os pais, poder orientá-los e 
trabalhar, quando necessário, sua resistência em buscar um tra ta ­
m ento para si próprios.
• Fique a ten to para a m anutenção da neutra lidade. Não se posicione 
a favor ou contra a criança ou os pais. Renuncie à idealização, 
especialm ente quando ela tem como corolário a desvalorização 
dos pais e evite prom over ou corresponder à dissociação en tre os 
pais e o terapeu ta . Resista ao im pulso de ser m aternal, super- 
pro tetor ou professoral. Deixe em suspenso o afã pedagógico, como 
define um a terapeu ta , pois a criança e o adolescente podem ten tar 
incitar esse lado em nós.
• Passe pela vivência do m étodo de observação da relação mãe-bebê, 
proposto por Esther Bick, que propicia a experiência de um lugar 
interm ediário en tre a presença e a distância. Na m edida em que - 
na observação - conseguim os não interferir, aprendemos a aceitar e 
a to lerar que a família encon tre suas próprias soluções. Assim, 
evitam os atitudes m oralistas e supergoicas com os pais, e podere­
mos to lerar que eles escolham em que escola colocar seu filho, em 
que m édico levar, em que curso matricular. Não en tre em com pe­
tição com eles.
• Aceite que - quando os pais não querem , não conseguem ou não 
perm item - não vam os conseguir tra ta r e a judar a todos aqueles 
que nos buscam . Amiúde, verem os um quadro de psicose ou de 
perversão se estru tu rando , sem poder fazer nada. Isso é ex trem a­
m ente difícil, mas é real. Necessitam os de m uita tolerância à frus­
tração, pois lidarem os com inúm eras interferências dos pais, m es­
mo quando tem os um paciente que visivelm ente está sofrendo 
e quer ajuda.
• Identifique o tipo e a severidade da psicopatologia dos pais. Temos 
pais confusos, neuróticos, mas tam bém pais abusadores, perversos, 
psiewpatas; mães descuidadas, complicadas, mas tam bém mães nar-
Crianças e adolescentes em psicoterapia 51
cisistas, negligentes, m altratan tes. Às vezes, os pais erram , porque 
aquilo é o m áxim o que conseguem ; reconhecem , se sentem cul­
pados e buscam m udar. Outras vezes, eles erram porque sim ples­
m ente não se im portam ; não há culpa, não há preocupação, não 
existe um o lhar voltado parao filho.
• Esteja preparado para denunciar casos de abuso e m altrato . O Có­
digo de Ética dos Psicólogos traz, em seus Princípios F undam en­
tais, que basearem os nosso trabalho no respeito e na prom oção da 
liberdade, da d ignidade, da igualdade e da in tegridade do ser h u ­
m ano, contribu indo para elim inar quaisquer form as de negligên­
cia, discrim inação, exploração, violência, crueldade e opressão.
• Suporte situações em que - ju s tam en te quando está m elh o ran ­
d o - o pacien te ser re tirado da psico terap ia pelos pais que não 
podem ou não querem mais pagar, ou porque acham que ex a ta ­
m ente aquilo que avaliam os com o um a m elhora ou evolução é 
um a piora. Uma criança subm issa que com eça a se m ostrar e se 
posicionar, ou um ado lescen te bonzinho que com eça a se rebelar, 
desestab ilizam um a dinâm ica confortavelm ente in sta lad a n aq u e­
la fam ília. Nossa condição de in terv ir ju n to aos pais é lim itada 
pelo lugar que ocupam , já que eles partic ipam do tra tam en to , 
m as, ao m esm o tem po, não são nossos pacien tes e dem andam um 
tipo específico de in tervenção.
• Trabalhe com os pais a responsabilidade pela condução que eles 
decidem dar para a vida de seu filho e as consequências de atos 
como um a in terrupção , até o lim ite que eles perm itirem . Porém, 
elabore a sensação de estar de mãos atadas em situações como não 
poder fazer um a últim a sessão p ara se despedir, pois esses pacien­
tes não podem vir ao consultório sozinhos. É d iferen te tratarm os 
um adulto que vem por vontade e iniciativa próprias, que se loco­
move sozinho e que nos paga ele m esm o por seu tratam ento . 
Necessitam os m uita to lerância para lidar com as resistências da 
família em relação à m elhora do filho.
• Reflita sobre os processos de identificação e contraidentificação, 
com os aspectos transferenciais e contratransferenciais. Dialogue 
m uito com esses fenôm enos - que são inerentes à clínica - e saiba 
usá-los tan to em relação à criança, quanto em relação aos pais. 
I.ide com pressões das famílias e da escola para um a m elhora 
rápida dos sin tom as que trouxeram o paciente para terap ia, sem se 
deixai capturai poi dem andas equivocadas.
r>2 Marici da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
• Leve em conta que tratar de crianças e adolescentes exige mais do 
que o horário de consultório. Por isso, precisam os de tem po para 
en trar em contato com a escola, falar com os professores, com a 
fonoaudióloga, a nutricionista, o neurologista, o pediatra ou o 
psiquiatra, que tam bém os tratam . Além desses contatos, coloque-se 
à disposição para recebê-los no consultório ou para devolver de 
m aneira apropriada um entendim ento que os instrum entalize a li­
dar de forma mais adequada com aquele que é objeto de nossa a ten ­
ção. Não podem os habitar um a ilha quando se trata de atender a um 
indivíduo que ainda tem m últiplos objetos de dependência.
• Suponha o psiquismo do paciente sempre integrado com seu corpo. 
Muitos determ inantes orgânicos ou fisiológicos podem estar envol­
vidos em um sintoma como enurese, encoprese, gagueira ou obesi­
dade. Além disso, informe-se sobre medicações psiquiátricas, que po­
dem ser de grande ajuda quando bem avaliadas, bem indicadas e bem 
acompanhadas; mas também podem ser um veneno se todos esses 
cuidados não forem tomados. Devemos reconhecer nossos limites.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O percurso que traçam os para nossa carreira profissional nos reserva 
algum as surpresas. Uma terapeu ta recorda: “voltando ao início de m inha 
carreira, vejo que naquela época me sentia mais à vontade com crianças 
do que com adultos, pois sentia que poderia ser mais espon tânea e livre 
com elas. Seu inconsciente seria m ais perm eável, através do jogo e do 
brincar - o que ainda acho que é verdadeiro . Hoje, vejo que o trabalho 
com crianças e adolescentes é m uito m ais complexo e difícil”.
Essa prática nos reserva grandes surpresas, inevitáveis descobertas e 
um a riqueza que, talvez, som ente com ela seja possível. “Temos a possibi­
lidade de ver o desabrochar de m uitas potencialidades quando dim inuem 
os sintom as e quando, m esm o com crianças m uito pequenas, eles re to ­
mam a vertente saudável de suas vidas, assum indo seus desejos e se res­
ponsabilizando por suas escolhas e a to s”.
Na intensidade do contato que se estabelece entre terapeuta e as 
crianças e os adolescentes que vêm a tratam ento, temos a possibilidade de 
vivcnciar algumas situações ímpares e revivenciar outras situações que dor­
mitavam bem acomodadas no interior de nosso inconsciente. Muitas vivên- 
( ias jazem bem acomodadas, mas tantas outras sobrevivem mal-elaboradas,
Crianças e adolescentes em psicoterapia 53
insuficientemente trabalhadas, longe dos olhos analíticos. O trabalho com 
esses jovens pacientes, todavia, faz levantar nossas repressões, da mesma 
lorma que eles nos tiram da cômoda poltrona de terapeutas, onde, com 
adultos, repousamos nosso saber e nosso fazer m ediado pela fala.
As crianças e os adolescentes dem andam outros níveis de com uni­
cação, nos convidam a graus diversos de funcionam ento e nos incitam a 
um m odo de fazer m uito particular. D esacom odados, seguim os por dois 
caminhos: ou abandonam os a clínica dessa faixa etária ou aceitam os seu 
cham am ento e nos lançam os nessa aven tu ra que é passar - ju n to deles - 
por todos os cam inhos em curva de um a prática tão rica, tão viva. Nas 
palavras de uma te rap eu ta , traba lhar nessa clínica é “estar conectado 
com a criança e com o adolescente que um dia fomos, revivendo a magia 
de descobrir o m undo e a si m esm o ju n to com nosso pacien te”.
Através deles, m antem os a flexibilidade para estarm os abertos ao 
novo, ao im previsto, ao inusitado e às surpresas que cada sessão pode 
trazer, conservando a capacidade de nos surpreenderm os com tudo isso, 
já que lidam os com pessoas em pleno potencial de desenvolvim ento.
As orientações aqui apresen tadas são um re trato das percepções de 
quase 50 terapeu tas que, a partir de relatos individuais sobre sua prática, 
integraram um só texto, o que, de certa form a, espelha tam bém como se 
dá a form ação de um psicoterapeuta de crianças e adolescentes: passa­
mos por inúm eras experiências, aprendem os, lemos, escutam os, escre­
vemos. Um dia, toda essa equipagem com eça a adquirir um a form a in­
tegrada e a fazer todo sentido dentro de nós. Tornam o-nos psicoterapeu- 
tas de crianças e adolescentes aos poucos e, talvez, nunca term inem os a 
nossa form ação - que é in terna , acim a de tudo - , de m odo que possivel­
m ente sejam os para sem pre um vir-a-ser.
Encerro esse percurso com o testem unho de um a te rap eu ta , que dá 
voz às im pressões de m uitos daqueles que a essa atividade se entregam : 
“acredito que a experiência de psico terapeuta nos equipa com excelência 
para trabalharm os m elhor com adultos tam bém . A oportun idade ím par 
de acom panharm os um paciente em terap ia - em um m om ento privile­
giado de form ação e estru tu ração da personalidade - é um diferencial. Ao 
m esm o tem po, às vezes, é ex trem am ente cansativo, pois precisam os estar 
a ten tos às mais diversas formas de linguagem , com preendê-las, trad u ­
zi-las e torná-las inteligíveis aos pequenos. M uitas vezes me pergunto: até 
quando vou a ten d er crianças? Parece que, quan to mais me questiono, 
mais aum enta o núm ero de encam inham entos de crianças e m ais eu vejo 
os pacientes m elhorando, tendo alta. Acho que é um a paixão".
A clínica com crianças e 
adolescentes: o processo
psicoterápico
A nie S türm er 
M aria da Graça Kern Castro
Escrever sobre os conceitos que são centrais no processo e na relação 
terapêutica na psicoterapia com crianças e adolescentes não é tarefa fácil. 
Peculiaridades envolvem essas faixas etárias e diferenciam os tra tam en ­
tos dos de adultos. Três fatores são específicos de tra tam entos com crian­
ças e adolescentes. Em prim eiro lugar, esses pacientes, por serem legal­
mente m enores e dependen tes de suas fam ílias1, sofrem, de form a mais 
aguda, a participação e a interferência de terceiros, pais ou responsáveis, 
no vínculo psicoterápico. O cam po psicoterápico bipessoal se to rna mais 
complexo pela ressonância das transferências paternas e m aternas que se 
entrecruzam . Isso exige m aior flexibilidade do psico terapeuta e m uita 
.itenção às questões de neutra lidade e de sigilo. A inclusão dos pais ou 
responsáveis em um a psicoterapia busca oferecer o suporte necessário à 
m anutenção do tra tam en to , assim como com preender ansiedades e m o­
dos de funcionam ento de cada família.
Um segundo fator diferencial se prende à solicitação do tratam ento . 
No caso de crianças, geralm ente, a busca do atendim ento é realizada pelos 
ulultos responsáveis. M uitas vezes, vêm mobilizados por indicações ou 
ingestão da escola ou de médicos. R aram ente as crianças pedem ajuda 
direta, em bora encontrem formas de m obilizar ansiedades e a atenção, im ­
pulsionando a família a buscar auxílio psicoterápico. A tualm ente, cons­
tatam os que inúm eras crianças solicitam explicitam ente aos pais a busca de 
psicoterapia. Pensamos que essa nova postura deve-se ao fato de que esse 
tipo de tratam ento passou a ser mais difundido nos meios de com unicação 
poi meio de filmes e novelas Além disso, "estar em psicoterapia" é algo
78 Maria cia Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
m uito valorizado por alguns pacientes que com entam sobre essa experiên­
cia como algo positivo com seus amigos e colegas. Assim sendo, fazer 
psicoterapia é algo m uito mais próxim o à realidade das crianças, a tu a l­
m ente do que há décadas.
Os adolescentes em sofrim ento psíquico costum am buscar o próprio 
tratam ento, por um a iniciativa pessoal. A partir da década de 1990, os 
jovens têm vindo espontaneam ente para psicoterapia, em contraste com 
décadas anteriores em que eram , na m aioria dos casos, encam inhados por 
pais, escola ou amigos (Castro, 2 0 0 0 ). Os adolescentes em tratam ento 
psicoterápico referiram ter procurado psicoterapia por m otivação pessoal, 
mas tam bém apontaram im portantes fatores, como incentivo e apoio de 
nam orado, amigos e da família para a busca. Os motivos da procura de 
psicoterapia foram variados e personalizados para cada entrevistado, mas 
53% dos entrevistados referiram tem as ligados à depressão, à tristeza e /o u 
a perdas reais. A fala dos adolescentes m ostrou que o fator desencadeante 
da busca de tratam ento foram processos de perda e luto atuais, que podem 
ter reavivado perdas anteriores (Pinto et al., 2001).
Há ainda um terceiro fator a ser considerado que está relacionado às 
form as com unicativas do m aterial das sessões2. A criança e o adolescente 
ainda não usam a palavra no m esm o nível que o adulto , u tilizando outras 
formas com unicativas, além da expressão verbal. Crianças, p redom inan­
tem ente, usam o brincar como form a de m anifestar seus estados m entais. 
Por vezes, a com preensão do m aterial lúdico se torna m uito difícil, tan to 
pelo conteúdo - rem etendo a níveis m ais profundos das fantasias incons­
cientes - quanto pelos m odos de expressão no setting. O jogo e o brincar, 
denunciando algo desconhecido que é da ordem do inconsciente, podem 
ser considerados narrativas (com ou sem palavras) que, aos poucos, vão 
organizando a experiência infantil.
Os adolescentes, por se encontrarem às voltas com transformações no 
corpo e maior pressão pulsional, estão envolvidos com redefinição da ima­
gem corporal, as ressignifícações identificatórias e oscilações entre atividades 
m asturbatórias e início da vida sexual genital. Por essas peculiaridades pró­
prias da etapa, costum am , além da palavra, usar formas comunicativas pré 
e paraverbais nas sessões, que podem incluir expressões lúdicas, gestos, 
movimentação e tam bém comunicação pelo vestuário, por tatuagens e 
outras expressões corporais. Uma forma primitiva de com unicar aspectos 
nao representados pode ser as tão com uns atuações. Assim, ao trabalhar com 
crianças e adolescentes, o psicoterapeuta tem que estar m uito atento ao im 
previsto, ao “fator surpresa” (Caron, 1996), que surge nas sessões.
Crianças e adolescentes em psicoterapia 79
Como psicoterapeutas de crianças e de adolescentes, som os, fre­
quentem ente , surpreendidos por situações inusitadas que nos exigem 
soluções adequadas para cada m om ento que se apresenta. Para tom ar a 
m elhor atitude, ser sensato , valendo-se da técnica de que dispom os, é 
necessário, além do gosto por traba lhar com essas faixas etárias, constru ir 
uma traje tó ria profissional que implica o já conhecido tripé da form ação: 
um tra tam en to pessoal, que du ra rá anos, an tes e depois da form ação, 
bem com o a supervisão e um a base teórico-clínica de qualidade, que nos 
tornará instrum entalizados com esse tipo de paciente. No transcurso de 
seu ofício, cada psico terapeuta vai, aos poucos, constru indo um estilo 
próprio de trabalhar que, com o passar do tem po, se to rna um a m aneira 
de ser, personalizada e única. Através do tra tam en to pessoal, o terapeu ta 
entra em contato com o seu jeito de ser, de funcionar, possibilitando que 
reconheça suas reações. Um m elhor conhecim ento de com o seu m undo 
interno funciona contribu irá para as percepções e o en tend im en to dos 
relacionam entos e do m undo interno de seus pacientes (Lanyado e 
llorne, 2000).
As regras técnicas são sempre as mesmas que regem o processo, mas o 
terapeuta desenvolverá um estilo próprio, preservando as necessárias carac­
terísticas da relação terapêutica, que protegem o setting, com um contrato e 
uma clara aplicação destas regras que o norteiam (Etchegoyen, 1987).
Considerando as com plexidades expostas acim a, no presen te capí­
tulo abordarem os os conceitos-chave que são centrais no processo te ra ­
pêutico com crianças e adolescentes, a saber: relação terapêu tica e o de­
senvolvimento do vínculo; os fenôm enos de transferência; contra trans- 
lerência e aspectos resistenciais; fenôm enos que ocorrem entrelaçados, 
lazendo parte do cam po psicoterápico.
As ilustrações e os casos clínicos usados neste texto m ostram como 
trabalham os e esperam os passar aos leitores algum as das ricas experiên­
cias vividas nos settings, m esm o tendo consciência de que algum as delas 
sao inefáveis e ex trem am ente difíceis de serem colocadas em palavras.
O campo psicoterápico
O riundo da Física, o conceito de “cam po” foi trazido p ara a psico­
logia, pela teoria da Gcstalt, mas foi Kurt Lewin (1965) quem aprofundou 
uma teoria do cam po to tal, na qual propôs que o com portam ento hum ano 
t derivado da to talidade de fatos coexistentes, e que esses têm o caráter 
d«’ um cam po dinâm ico, no qual cada parte depende de um a inter-relação
80 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
com as dem ais partes que configuram o todo. A to talidade dos fenôm enos 
é mais com plexa e am pla do que a som a das partes.
Na Psicanálise, o conceito de “cam po” foi traba lhado pelo casal Ba- 
ranger (1968). O cam po psicanalítico se refere a situações em que os 
fatos psíquicos são com preendidos através de seus significados no contex­
to de relações intersubjetivas, no qual o par terapêu tico não pode ser 
visto como duas pessoas isoladas, m as como um a estru tu ra , p roduto dos 
in tegrantes da relação, que estão envolvidos num processo dinâm ico e 
criativo, cujo funcionam ento resulta da in teração e dos aspectos incons­
cientes, tan to do paciente quanto do terapeu ta. Nesse funcionam ento 
em ocional, o setting age como um a m oldura desse cam po, que contém o 
encontro de duas subjetividades. Assim sendo, a situação terapêu tica 
pode ser vista como um conjunto da constituição do cam po em ocional de 
am bos, com as fantasias inconscientes básicas da dupla,in term ediada 
pelo interjogo das identificações projetivas e introjetivas do par.
Os problemas e vantagens da com preensão da situação terapêutica 
devem ser colocados a partir da concepção de um campo transferencial-con- 
tratransferencial, e que o entendim ento dos fatos psíquicos está relacionado 
ao seu sentido no contexto das relações intersubjetivas (Ferro, 1995).
Q uando se tra ta de psicoterapias de crianças e adolescentes, o campo 
psicodinâm icQ-se tom a mais_comple:xo pela presença do psicoterapeuta, do 
paciente e dos seus pais, tendo que ser levadas em conta as fantasias in­
conscientes dos pais. Estas configuram , jun to com o paciente (criança ou 
adolescente) e o psicoterapeuta, um a estru tura singular, que poderá exer­
cer um a presença contínua no cam po psicoterápico, prom ovendo efeitos no 
paciente e no terapeuta. No transcurso do processo terapêutico, o psico­
terapeuta ressignificará sua própria criança e adolescência e seus pais em 
sua história pessoal. Ao mesmo tem po, na relação vincular do par tera­
pêutico, o filho, no seu tratam ento, tam bém dá novos sentidos a situações 
edípicas e narcisistas não resolvidas da história individual de cada um dos 
seus pais e do par conjugal, exercendo contínuas reestruturações que, por 
sua vez, vão reincidir na psicoterapia do filho (Kancyper, 2002). O caso que 
segue nos m ostra essa situação:
Suzana e sua fam ília
18 horas. E o horário da sessão de Suzana. Abro a porta c quem me 
espera é Márcia, sita mãe. Ela adentra a sala dizendo: ‘‘lloje eu é que 
vim" Por instantes, fico atônita. Deveria eu atende la? O correto mio
c r - W A t - * - f r>rrO^> \
q C^CX-
'V-vO I lA O ^ -—
Crianças e adolescentes em psicoterapia 81
seria preservar o setting e o horário de Suzana, já que as duas mantêm 
uma relação simbiótica e marcar outro horário para Márcia? Todos 
esses pensamentos circulam em minha mente enquanto Márcia se ins­
tala na poltrona. Entendo, então, que preciso enxergar a Márcia 
“criança”, que está insegura com o afastam ento da filha, pue aos pou- 
cos se separa dela à medida que o tratam ento progride e observo uma 
necessidadc de reforçar a aliança terapêutica. Márcia está desconfiada, 
pois a filha tem apresentado resistências em comparecer às sessões, re­
clama que não quer vir, e isso a tem deixado muito insegura a meu 
respeito e em relação ao tratamento. O pai tem estado distante e não 
vinculado ao tratam ento, cuja responsabilidade deixou para a esposa. 
Neste momento, trabalhamos seus anseios e dúvidas e, ao mesmo tem ­
po, nos demos conta: “Onde está o pa i?”. Na relação das duas fa ltou a 
entrada de Paulo, o pai; esse não se colocou como um terceiro para 
estabelecer a separação entre mãe e filha.
No processo psicoterápico, a te rapeu ta significa esse “terceiro”, que 
irá se colocar “en tre” a pacien te e sua m ãe; m as será suficiente? Aí entram 
as nuances do tra tam en to de crianças e adolescentes. D iferentem ente do 
tratam ento de adultos, Paulo, o pai, pode e deve ser cham ado para p ar­
ticipar m ais ativam ente da psicoterapia de sua filha, Suzana, sem pre que 
houver necessidade para o tra tam en to evoluir. Cada um tem um a história 
que se intercàm bia com a de Suzana; cada um dos pais, e o casal, têm 
fantasias sobre o tra tam en to de sua filha, que acabam afetando o campo. 
Dessa m aneira, o te rap eu ta a ten to a essas com plexidades vai discrim i­
nando aspectos dos pais e da filha, sem com isso configurar um tra ­
tam ento psicoterápico dos pais.
A psicoterapia com crianças (e em alguns casos com adolescentes) 
não pode ser confundida com uma psicoterapia familiar, mas, em inúm eras 
ocasiões, precisamos com preender e explicitar as ansiedades e o funcio­
nam ento do grupo fam iliar ou crenças que, m uitas vezes, são transgeracio- 
nais e se atravessam na psicoterapia individual com a criança ou jovem 
(Castro e Cimenti, 2000). O que se passa no campo psicoterápico se asse­
m elha a um quebra-cabeça de múltiplos encaixes, no qual as m esm as peças 
agrupadas de uma forma original criam um cenário em que vão se criando 
novas com preensões. A seguir, serão abordados alguns fenôm enos, partes 
do quebra-cabeça, que constituem e ocorrem no campo psicoterápico.
82 Maria da Graça Kern Castro, Anie Stürmer & cols.
A relação terapêutica
A constante relação envolvendo te rap eu ta e paciente está no cerne 
de toda psicoterapia psicanalítica. A relação terapêutica é um vínculo ge­
nuíno e com características próprias e discrim inadas dos relacionam entos 
com uns da vida do paciente. Configura-se num a relação que é singular e 
intransferível, no rteada pelos princípios teórico-clínicos que fundam en­
tam a prática, assim com o pela continência em ocional do te rapeu ta e por 
sua habilidade de m an ter um espaço para sim bolizações e o pensar a 
respeito do que está sendo com unicado pelo paciente, no “aqui e agora” 
de cada sessão. O produ to é um particu lar encontro de m entes e em oções 
do par terapeu ta e paciente (Ferro, 2000).
Alguns aspectos diferenciam a relação terapêu tica das dem ais na 
vida do paciente, fora do consultório. Em prim eiro lugar, não é um a re la­
ção natu ral e espontânea; ela vai sendo constru ída no vínculo, baseada 
num contrato com algum as norm as a serem seguidas. O utro aspecto é 
que se dá num espaço específico, onde ocorrem os encontros: o setting. O 
paciente irá sem pre no m esm o consultório , m esm o horário , nos mesmos 
dias, criando-se assim um a atm osfera de expectativa quan to ao que o 
espera em um a sessão. O enquadre supõe en tão um con tra to no qual são 
explicitadas as com binações e a form alização do vínculo terapêutico . O 
setting represen ta um m arco externo para o desenro lar do processo que é 
esiru tu ran te da psicoterapia, já que supõe as norm as e os papéis do 
paciente e os do terapeu ta . Implica tam bém um a aliança de trabalho, 
ressonância em pática e sintonia en tre as partes.
Com a criança ou com o adolescente com bina-se sobre a frequência e 
duração das sessões, faltas, férias e tam bém sobre as questões de paga­
m ento dos honorários pelos seus responsáveis legais. Enfatiza-se a ques­
tão do sigilo e confidencialidade dos dados das sessões.
Nas psicoterapias envolvendo m enores, além desse contrato com o 
paciente, é necessário o contrato com os responsáveis, geralm ente os 
pais. Esses têm que se responsabilizar pela cooperação, em m anter as 
condições externas de levar, buscar e cum prir horários das sessões e es- 
larem disponíveis sem pre que necessário, além de se responsabilizarem 
financeiram ente pelos honorários. O enquadre, depois de configurado, é 
um dos pilares que auxilia a to rnar a relação “terapêu tica”. Im portante, 
além desse enquadre formal, é o “setting in terno” do psicoterapeuta, ou 
seja, a disponibilidade de sua m enfe continente para en tra r em contato 
com ou tra m ente e sua receptividade em ocional, que serão os instru
Crianças e adolescentes em psicoterapia 83
m entos indispensáveis para a criação e m anutenção do processo te ra ­
pêutico.
Um terceiro aspecto, que discrim ina esse vínculo em relação aos 
demais é que não existe a reciprocidade que encontram os em outras for­
mas de relacionam ento. Ela é assim étrica, com papéis e funções dife­
renciadas para paciente e psicoterapeuta. Este estará disponível para ou­
vir e in terag ir com a criança ou adolescente, mas, por ou tro lado, a sua 
vida pessoal e em ocional não é dividida com o paciente, sendo a priva­
cidade do terapeu ta resguardada (Lanyado e Horne, 2000).
No entanto, sabe-se que, sempre evidenciaremos aspectos de nossa per­
sonalidade que estarão sendo m ostrados nas m aneiras de trabalhar com o 
paciente, ou seja, é impossível m anter a ficção, uma “neutralidade” total.
<'.rianças e adolescentes tendem a captar os aspectos da personalidade do 
terapeuta e, a partir disso, tam bém poderão agir. Im portante é estarmos

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