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CÓDIGO CIVIL LINDB – LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942. INTRODUÇÃO A LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), é conhecida como a “lei das leis”, pois não disciplina apenas assuntos do universo civil, mas de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Sua função é reger as normas, indicando como interpretá-las ou aplicá-las, determinando-lhe a vigência e a eficácia. Nesse sentido, a LINDB é uma norma jurídica que visa regulamentar outras normas, composta por apenas 30 artigos. Vale pontuar que se trata de uma norma ATEMPORAL visto que serviu para introduzir diversos códigos e leis. DA VACATIO LEGIS Art. 1º. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. § 1º. Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. § 2º. (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009). § 3º. Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. § 4º. As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. O primeiro ponto a ser abordado é sobre a vigência da lei no tempo, isto é, salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada. Esse é o período chamado vacatio legis. Quando a lei é oficialmente publicada? Quando inserida no Diário Oficial. Ainda sobre a vigência no tempo, nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 meses depois de oficialmente publicada. A vacatio legis pode ser em dias, meses ou anos. Adendo: Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, os prazos acima começarão a correr a partir da nova publicação. Ou seja, o vacatio legis é reiniciado. Por outro lado, as correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. A esse dispositivo, deve ser combinado o §1° do artigo 8° da Lei Complementar 95/1998: Art. 8° A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão. § 1° A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. Ou seja, mesmo que o último dia da vacatio legis caia num fim de semana ou feriado, no dia seguinte, seja útil ou não, a norma entra em vigor, não havendo prorrogação para o próximo dia útil. Caso o prazo seja estabelecido em meses ou anos, deve-se aplicar o §3° do artigo 132 do Código Civil: Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. [...] § 3° Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência. Assim, se uma lei for promulgada no dia 1° de março de 2023 com vacatio legis de um ano, tal prazo restará expirado no dia 1° de março de 2024, e não no dia 29 de fevereiro do mesmo, apesar desse ser ano bissexto. A legislação, portanto, entrará em vigor no dia subsequente, ou seja, 2 de março de 2024. REVOGAÇÃO, LEIS ESPECIAIS E LEIS TEMPORÁRIAS Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Pela leitura do caput, concluímos tranquilamente que o ordenamento brasileiro adotou o Princípio da Continuidade; ou seja, enquanto a lei não for modificada ou revogada, ela continua em vigor. Se uma legislação ficar 500 anos sem sofrer qualquer ato contra seu texto, ela será válida e aplicável. No Brasil, não aplicamos o desuetudo. Ou seja, uma lei não pode ser revogada pelos costumes. Apenas uma lei pode revogar outra norma. Se a lei for temporária, contudo, ela só será aplicável pelo período determinado em seu texto, tendo revogabilidade imediata com o decurso do seu lapso temporal. A revogação pode ser total ou parcial e revogar total ou parcialmente uma lei em vigor. À revogação total, damos o nome de "ab-rogação"; à parcial, chamamos "derrogação". Nessa esteira, muito cuidado ao §2° do artigo 2°: uma lei nova que trata de disposições gerais não revoga a norma que, em tese, está em contrariedade, caso esta seja de uma lei especial. Ambas continuarão vigentes, uma sendo aplicada aos casos gerais e a outra, às situações especiais que regula. REPRISTINAÇÃO Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 3° Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Nos termos do dispositivo acima, a repristinação não é aplicável de maneira automática no Brasil, dependendo de previsão expressa para isso. Suponha que uma lei A está vigente e é revogada por uma lei B. Uma lei C revoga a Lei B anos depois. A lei A não volta a ter vigência, a não ser que a lei C assim diga expressamente. A repristinação não se confunde com o efeito repristinatório. Utilizando o exemplo acima, esse ocorre quando uma lei é declarada inconstitucional. Assim, se o Supremo Tribunal Federal declara a nulidade da lei C, a lei B volta a vigorar em todo o ordenamento. Exceção a essa regra existe se a decisão determinar que seus efeitos devem ser modulados ou se disser expressamente que não haverá restauração da lei revogada. OBRIGATORIEDADE DAS NORMAS Art. 3º. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Nos termos do artigo 3°, presume-se que todos conheçam as normas jurídicas. Assim, ninguém pode alegar desconhecimento da lei para deixar de aplicá-la. Essa presunção, no entanto, é relativa. A lei, quando expressamente declarar, permite ao sujeito alegar erro de direito. Nesse sentido, extraímos do Código Penal, por exemplo, os seguintes artigos: Erro sobre a ilicitude do fato Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. [...] Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: […] II - o desconhecimento da lei; No Código Civil podemos extrair os seguintes artigos, por exemplo: Art. 139. O erro é substancial quando: […] III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico. [...] Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1° Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2° Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civissó aos filhos aproveitarão. Pelo artigo 1.561 acima, se dois irmãos contraem casamento sem saberem que são irmãos, embora o ato seja nulo, como agiram de boa-fé, todos os efeitos até o dia da sentença anulatória serão válidos. INTEGRAÇÃO DAS NORMAS Quando falamos em "integração da norma", conforme previsto na LINDB, estamos dizendo "preenchimento de lacunas, ou colmatação, da norma", nos termos dos comentários que seguem: Por meio da atividade de integração da norma, o juiz dá um complemento à norma. Isso deve ser feito porque o legislador não tem como prever todas as possibilidades fáticas ao editar a norma. Ou seja, os Parlamentares, ao criarem as leis, não conseguem prever tudo o que pode acontecer no mundo real. Por isso há necessidade das regras de integração, pois omissões certamente irão surgir no dia a dia dos aplicadores do Direito e há necessidade de preenchimento desses "buracos". Sendo assim, é vedado que o juiz deixe de julgar alegando lacuna da lei, o chamado non liquet. Vejamos o que diz o artigo 4° da LINDB: Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Então, quando a lei for omissa, o juiz, para cobrir os "buracos" do ordenamento, deve aplicar, em ordem de preferência, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Deve-se atentar para o fato de que esse rol é taxativo. Além disso, tendo por base o dispositivo citado, presume-se que o juiz conheça todas as leis dos casos que lhe são levados (iura novit curia), exceto quando se tratar de direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, nos termos do Código de Processo Civil: Art. 376. A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar. Visto isso, vamos então analisar os métodos de integração da norma: ANALOGIA É o primeiro método de colmatação que deve ser usado pelo juiz nos casos concretos. Só se pode partir para os demais se não houver como se realizar a analogia. A analogia é o preenchimento da lacuna na lei por meio da comparação. Logo, se uma lei não prevê determinado caso específico, busca- se em outra lei a hipótese que preencha o buraco existente. Um caso emblemático no ordenamento pátrio foi o do atual Código de Processo Civil, quando de sua vacatio legis. Assim diz seu artigo 1.045: Art. 1.045. Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial. A Lei Complementar 95/1998, que trata "sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis", não prevê expressamente a possibilidade do prazo de vacatio legis ser previsto em anos ou meses, mas somente em dias. Por tal razão, para que fosse determinado com clareza o dia de publicação do Diploma Processual, utilizou-se por analogia o §3° do artigo 132 do Código Civil: Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. […] § 3° Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência. COSTUMES Os costumes são os usos reiterados realizados por uma comunidade. No entanto, não basta que seja uma prática comum. Ela deve ser longa, por todos realizada, pública e reiterada, devendo haver uma crença geral em sua obrigatoriedade jurídica (apesar de não ser norma tipificada). Ou seja, para que uma prática seja tida como um costume, além de seu longo e reiterado uso público por todos no decorrer de um longo espaço de tempo, deve-se haver convicção por aquela comunidade de que sua observância é obrigatória, como se fosse verdadeira norma jurídica. No entanto, se um costume for contra a lei (ou contra legem), o juiz não poderá aceitá-lo na colmatação do caso concreto. Isso porque nosso ordenamento veda o desuetudo, ou seja, a revogação de uma lei por um costume. No Direito Pátrio, apenas norma revoga norma. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO Os princípios gerais de Direito são regras universalmente aceitas, mas que não necessariamente estão positivadas. No Código Civil, temos três exemplos: os princípios da eticidade, da sociabilidade e da operabilidade. Os princípios gerais de Direito auxiliam no momento de elaboração da norma e orientam a aplicação do ordenamento jurídico. Outros exemplos de princípios gerais são a regra de ninguém ser obrigado a fazer o impossível, ninguém poder ser punido por seus pensamentos ou ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza. EQUIDADE Apesar de não prevista na LINDB, devemos fazer comentários à equidade. A equidade não é meio de integração da norma previsto na LINDB. No entanto, pode ser utilizada em ramos específicos do Direito ou pode haver admissão de sua aplicação em casos particulares. Logo, a equidade só pode ser aplicada quando houver previsão em lei. Isso acontece porque a equidade tem conceito vago. A equidade pode ser utilizada, por exemplo, para que haja redução da pena de multa prevista em cláusula penal, como se vê no Código Civil: Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. A interpretação das normas é diferente da integração. Pela integração, ou colmatação, a lacuna de uma lei é preenchida. Pela interpretação, busca- se o alcance e o sentido de uma lei. O artigo 5° estabelece que, quando interpretar, o juiz deve atender às finalidades sociais da lei. Desse modo, em toda interpretação, o magistrado deve ter em mente o impacto que a norma causará na comunidade. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO O artigo 6° da LINDB é consectário legal do inciso XXXVI do artigo 5° da Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; Assim é a redação do caput do artigo 6° da LINDB: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Dando completude ao alcance do Texto Constitucional, a LINDB definiu em seus parágrafos o que são o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. O Direito Brasileiro consagrou expressamente a regra da irretroatividade das leis. Ou seja, leis novas não alcançam fatos pretéritos. Essa regra, contudo, não é geral. Existe a possibilidade de que a lei tenha efeitos retroativos, desde que haja essa previsão expressa em seu texto normativo e que não sejam prejudicados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Adentrando a conceituaçãode cada instituto, o direito adquirido é aquele direito de ordem patrimonial incorporado ao patrimônio do particular. Importante ressaltar, todavia, que não existe direito adquirido em face do Poder Constituinte, tendo em vista que ele instaura uma nova ordem jurídica que extirpa da ordem jurídica o que lhe é contrário. Por exemplo, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, havia algumas categorias de servidores públicos que recebiam acima do teto constitucional. Eles não puderam alegar "direito adquirido" para manterem as vantagens que recebiam, de modo que seus vencimentos tiveram que ficar dentro do limite constitucionalmente estabelecido. A coisa julgada se trata de característica da decisão judicial contra a qual não cabe mais recurso no mesmo processo. Logo, se uma decisão interlocutória aprecia o mérito de maneira terminativa e contra ela não há interposição de recurso, ela se reveste da característica da coisa julgada. Vale apontar, contudo, que a coisa julgada não pode violar a Constituição. O ato jurídico perfeito, por fim, é aquele que já foi realizado, tendo todos os seus efeitos se exaurido. ULTRATIVIDADE DA LEI Em continuidade aos nossos comentários sobre a LINDB, devemos ressaltar que a ultratividade da lei ocorre quando uma lei já revogada continua produzindo seus efeitos. No Direito Penal temos diversos exemplos. O mais comum é aquele da lei benéfica: se um acusado comete um criem quando vigora uma lei material que lhe favorece e é condenado quando existe uma outra lei mais gravosa à sua situação, o juiz deve aplicar a lei anterior, pois, como aquela ajuda em sua situação, existe ultratividade, devendo ela ser aplicada em favor do condenado. Mas a ultratividade não se limita ao Direito Penal. Por exemplo, se uma pessoa morreu quando estava em vigor o Código Civil de 1916, ainda que seu inventário seja aberto hoje, será aplicado aquele Diploma ao caso. APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO Como regra geral, no território brasileiro só se aplica a lei nacional. Depreendemos assim num primeiro instante que, segundo a LINDB, cada país aplica em seus territórios suas próprias leis, o que importa num reconhecimento inicial da aparente aplicação do princípio da territorialidade. Existem, no entanto, exceções, em que é admitida a aplicação da lei estrangeira em outros Estados, a denominada extraterritorialidade, como veremos a seguir em nossos comentários à LINDB. Logo, podemos afirmar que no Brasil vigora o princípio da territorialidade mitigada (ou moderada). Nesse sentido, vale menção o artigo 17 da LINDB, que admite a aplicação de leis, atos, sentenças e declarações de vontade de outros países: Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Como aplicação da extraterritorialidade em território pátrio, temos na LINDB, por exemplo, a utilização do estatuto pessoal, caso em que deve ser aplicada a lei estrangeira. Vejamos: Art. 7° A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 1° Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. § 2° O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. § 3° Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. § 4° O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. § 5° - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. § 6° O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. § 7° Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. § 8° Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. As regras da LINDB sobre a aplicação da lei no espaço vão do artigo 7° ao 19. A maior parte dessas normas tem muita importância para o Direito Internacional. Observação! Em virtude da Emenda Constitucional 66/2010, o §6° do artigo 7° da LINDB deve ser aplicado observando a nova redação do §6° do artigo 226 da Constituição Federal, que tem o seguinte texto: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […] § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. REGRAS DE CONEXÃO Como visto anteriormente em nossos comentários à LINDB, para que uma lei estrangeira possa ser aplicada no território brasileiro, deve haver uma regra de conexão, a qual é chamada de estatuto pessoal. Pelo estatuto pessoal, conforme vimos no caput do artigo 7°, são aplicadas as leis do país em que domiciliada a pessoa. O estatuto pessoal trata de uma série de assuntos, tais como personalidade, nome, capacidade, direitos de família, direitos sobre os bens particulares, obrigações, sucessões, dentre outros. Além do artigo 7° anteriormente citado, façamos a apresentação dos artigos 8° ao 10, para demonstrar o explicado: Art. 8° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. § 1° Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares. § 2° O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada. Art. 9° Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § 1° Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2° A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. § 1° A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. § 2° A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. No entanto, antes de se aplicar a regra do estatuto pessoal, devemos nos atentar ao que diz a Constituição Federal. Afinal, os países são soberanos, de modo que aplicar uma norma externa que desrespeite nossa Lei Maior e soberanianão é aceitável. Sendo assim, deve ser feita a denominada “filtragem constitucional”, para que se admita a aplicação das leis estrangeiras em nosso país. Suponha que venha residir no Brasil um sujeito que vem de um país que permite que as pessoas se casem múltiplas vezes. Ele tem dez esposas. Aqui no Brasil, só se admite um casamento. Logo, pelo menos nove uniões não serão reconhecidas. Mas em seu Estado de origem, todas são aceitas sem problemas. Nesse mesmo exemplo, como o sujeito fixou domicílio no Brasil, caso venha a falecer, em obediência ao artigo 10, a sucessão seguirá as regras pátrias, de modo que nove esposas não poderão suceder nessa condição. Como podem ver, o tema é polêmico. Corroborando, vide o Tema 529 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal: A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. Feitas essas observações, continuemos nossos comentários à LINDB, analisando outros casos trazidos pela lei e vendo como se dão a aplicação conforme nosso ordenamento. Como veremos, nessas hipóteses é admitida a aplicação da lei estrangeira sem que haja atenção ao estatuto pessoal. Ou seja, a norma externa é aplicada independentemente de onde esteja domiciliada a pessoa. CONFLITOS ENVOLVENDO BENS IMÓVEIS Vejamos o que diz o §1° do artigo 12 da LINDB: Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. § 1° Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. Em complemento, relembremos o que diz o caput do artigo 8°, que trata dos bens em geral, móveis e imóveis: Art. 8° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. Assim, podemos afirmar claramente que, quanto aos bens imóveis, aplica-se a lei do local em que estejam situados. Corroborando o afirmado, vejamos o inciso I do artigo 23 do Código de Processo Civil, que segue no mesmo sentido apresentado: Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - Conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; B. Lugar da obrigação LUGAR DA OBRIGAÇÃO Conforme vimos no caput do artigo 9° da LINDB em nossos comentários anteriores, são aplicadas as obrigações as regras do país em que se constituírem. Para determinarmos onde a obrigação resultante de contrato foi constituída, consideraremos o local onde reside o proponente, nos termos do §2° do artigo 9°: Art. 9° Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. [...] § 2° A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. Contudo, caso a obrigação deva ser cumprida no Brasil e dependa de forma essencial, deve haver observância a esta, sendo admitidas as peculiaridades da lei estrangeira. Por exemplo, se o proponente de uma obrigação contratual realizada no exterior for adquirir um imóvel no Brasil em virtude dela, deve respeitar as formalidades necessárias para que o ato se aperfeiçoe. ANÁLISES ENVOLVENDO SUCESSÃO Inicialmente, ao falarmos de sucessão, devemos nos atentar ao país em que tem domicílio o herdeiro ou legatário, pois ela regula a capacidade para suceder. É o que nos diz o §2° do artigo 10 da LINDB: Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. [...] § 2° A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. Ou seja, se a lei brasileira disser que determinada pessoa tem capacidade para suceder, mas a lei do país em que está domiciliada afirmar que ela não tem, ela não será herdeira ou legatária no Brasil. Em segundo lugar, devemos observar que a sucessão deve obedecer à lei do país em que domiciliado o defunto ou desaparecido, independente dele ter bens no Brasil ou em outros Estados. Isso é o que diz o caput do artigo 10: Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. Caso o falecido ou desaparecido tenha bens no Brasil, contudo, aplica- se a lei brasileira à sucessão dos mesmos, desde que em benefício ao cônjuge ou filhos do de cujus. Logo, se a lei do domicílio do de cujus for mais favorável a eles, essa é a regra que será aplicada, conforme nos diz o §1° do artigo 10 da LINDB: Art. 10. (...) § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA Para que uma decisão estrangeira seja cumprida no Brasil, deve haver previamente homologação do Superior Tribunal de Justiça. A alínea “e” do artigo 15 da LINDB possui uma imprecisão, como explicaremos em nossos comentários. Vejamos: Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar do texto falar em “Supremo Tribunal Federal, devemos obedecer ao que diz a alínea “i” do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - Processar e julgar, originariamente: i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; Ou seja, até a entrada da Emenda Constitucional 45/2004, realmente era o Supremo Tribunal Federal que concedia exequatur às decisões estrangeiras. No entanto, desde a mudança, a competência cabe ao Superior Tribunal de Justiça. O artigo 15 acima citado traz os requisitos para o exequatur, ou seja, a execução de sentença estrangeira no país. Ocorre que o Código de Processo Civil veio a dar tratamento distinto ao tema. Hoje, não apenas sentenças, mas qualquer decisão pode ser aplicada no Brasil caso cumpra as regras, inclusive laudos arbitrais estrangeiros. Vejamos alguns dispositivos do Diploma Processual Civil: Art. 960. A homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado. § 1º A decisão interlocutória estrangeira poderá ser executada no Brasil por meio de carta rogatória. [...] § 3º A homologação de decisão arbitral estrangeira obedecerá ao disposto em tratado e em lei, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições deste Capítulo. Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado. § 1º É passível de homologação a decisão judicial definitiva, bem como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional. § 2º A decisão estrangeira poderá ser homologada parcialmente. § 3º A autoridade judiciária brasileirapoderá deferir pedidos de urgência e realizar atos de execução provisória no processo de homologação de decisão estrangeira. [...] Art. 962. É passível de execução a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência. [...] § 2º A medida de urgência concedida sem audiência do réu poderá ser executada, desde que garantido o contraditório em momento posterior. [...] Art. 963. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão: I - ser proferida por autoridade competente; II - ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia; III - ser eficaz no país em que foi proferida; IV - não ofender a coisa julgada brasileira; V - estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado; VI - não conter manifesta ofensa à ordem pública. Parágrafo único. Para a concessão do exequatur às cartas rogatórias, observar-se-ão os pressupostos previstos no caput deste artigo e no art. 962, § 2°. Nos termos do inciso IV do artigo 963 do Código de Processo Civil, relembrando, deve haver uma filtragem constitucional para que as decisões estrangeiras possam ser cumpridas no Brasil. É importante também a atenção ao que diz o artigo 962 acima: o Diploma Processual Civil atual permite que decisões estrangeiras não definitivas possam ser executadas sem necessidade de que o Superior Tribunal de Justiça as confira o exequatur. Assim, concluímos nesses comentários que atualmente temos regras importantes sobre o tema e que estão fora da LINDB - mas que não retiram a importância dessa legislação por isso. TERRITORIALIDADE X EXTRATERRITORIALIDADE Como vimos em nossos comentários à LINDB, a princípio vigora no Brasil o princípio da territorialidade, ou seja, as leis de cada país são aplicadas em seus respectivos territórios. No entanto, o Estado admite a aplicação de leis e sentenças estrangeiras em seus territórios, ou seja, em certos casos, admitimos a aplicação da extraterritorialidade. Por isso dizemos que no Brasil vigora o princípio da territorialidade mitigada. Dos artigos 7° ao 19 da LINDB, temos regras de grande importância aos direitos internacionais público e privado. Assim, é comum que alguns doutrinadores chamem essa parte de Estatuto do Direito Internacional. Para finalizarmos essa parte, citamos alguns desses artigos que tratam da territorialidade e da extraterritorialidade: TERRITORIALIDADE: Art. 8º. Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. [...] Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. [...] Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. [...] Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. EXTRATERRITORIALIDADE Art. 7º. A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. [...] Art. 9°. [...] § 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. [...] Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. [...] Art. 11. [...] § 1º Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. [...] Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. NORMAS SOBRE SEGURANÇA JURDÍDICA E EFICIÊNCIA NA CRIAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO PÚBLICO Adentramos agora em nossos comentários no estudo dos artigos 20 a 30 da LINDB. Relembrando, a LINDB é uma norma de sobredireito. Portanto, ela tem como objetivo a regulação de outras normas. Como vimos, o campo de aplicação da LINDB se estende para todos os ramos do Direito. Aqui veremos sua utilização em face do Direito Administrativo, explicando, por exemplo, como devem ser feitas as interpretações dessas normas de direito público e como ocorre o uso delas na prática. Os artigos que seguem são amplamente criticados por diversos órgãos, entidades, doutrinadores, dentre outros, por razões diversas. Uma delas é a de que o Projeto de Lei que foi aprovado não contou com a participação da sociedade civil, dos órgãos de controle, de representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público. Então muita atenção ao conteúdo aqui tratado! Vamos lá! PROIBIÇÕES DE DECISÕES COM BASE EM VALORES JURÍDICOS ABSTRATOS No Direito, de uma maneira geral, temos normas-regras e normas princípios, ambas sendo válidas como parâmetro de aplicação das normas. No campo do Direito Administrativo, isso não é diferente. No entanto, como a Administração Pública deve obediência à estrita legalidade, não podendo fazer nada que a lei não permita, a aplicação das normas assume uma feição peculiar. Em regra, quando o administrador público fará uso de uma norma- regra, ele deve aplicá-la com base nos princípios de Direito Administrativo. Ou seja, se a aplicação da regra violar algum dos princípios, ele deve buscar outro modo de aplicá-la. A princípio, isso parece bom. O problema é que os princípios possuem grande caráter de abstração. Ou seja, a depender do caso concreto, o administrador público pode dar a aplicação que quiser a determinada norma- regra dizendo estar amparado em determinada norma-princípio. Não é que isso não aconteça em outros ramos do direito, mas na seara Administrativista, isso é mais flagrante. Assim, editaram o artigo 20 da LINDB, que possui a seguinte redação: Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. Como a supremacia do interesse público é uma das pedras de torque do Direito Administrativo, as consequências práticas analisadas na decisão devem levar em consideração os anseios do povo. Corroborando isso, o parágrafo único acima diz que a motivação deve demonstrar a necessidade e a adequação do ato. Ou seja, ao motivar, o administrador público não pode mais decidir com base apenas em razões principiológicas. Ele deve avaliar, tendo por base os elementos de Direito Administrativo e os que estão nos processos de tomada de decisões, quais serão as consequências práticas da medida. Para alguns, no entanto, o dispositivo é infeliz por não vedar absolutamente a aplicação de valores jurídicos abstratos. Afinal, se o administrador público, com base exclusivamente nesses, tomar uma decisão com análise prévia nos efeitos práticos da mesma, o ato será válido, ainda que sem amparo de normas-regras. Importante apontar que tal decisão se aplica nas esferas administrativa, controladora e judicial. Logo, mesmo o juiz deve levar em consideração os aspectos práticos ao tomar decisões em processos judiciais que refletem no âmbito da Administração Público, como em ações civis públicas. Assim, podemos afirmar que esse dispositivo também objetivo evitaro denominado "ativismo judicial". Afinal, inúmeras são as decisões tomadas pelos Tribunais contra as Administrações Públicas com base em valores jurídicos abstratos, como os princípios constitucionais. Para alguns, com a novidade legal, o Legislador reagiu de maneira retrógrada à força normativa dos princípios constitucionais. CRÍTICAS AO ARTIGO 20 Os artigos 20 a 30 da LINDB, de uma maneira geral, são bastante criticados. Há uma boa corrente que defende que, ao invés de trazerem segurança jurídica, como era o objetivo, fizeram o inverso. Nesse aspecto, sustentam que o Legislador foi infeliz ao introduzir essas novidades na LINDB, a começar pelo próprio artigo 20. Este defende que as decisões de âmbito administrativo não podem ser tomadas com base em "valores jurídicos abstratos". No entanto, diversos novos artigos trazem várias expressões abstratas. Nessa esteira, temos nos novéis dispositivos expressões como “segurança jurídica de interesse geral”, “interesses gerais da época”, "modo proporcional e equânime”, “obstáculos e dificuldades reais do gestor”, “orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado”, dentre outros. Tudo isso em apenas onze artigos. Assim, o próprio Legislador devia ter dado segurança aos novos dispositivos, e não uma maior insegurança, através da introdução de diversos valores jurídicos abstratos na LINDB. Além disso, o artigo pode padecer de vício de inconstitucionalidade. O tema ainda não chegou ao Supremo Tribunal Federal, mas o Tribunal de Contas da União, no Parecer n° 012.028/2018-5, já arguiu a tese. Segundo o órgão, o dispositivo viola o parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal, o qual possui o seguinte texto: Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. Ou seja, segundo o Tribunal, o artigo está invertendo o ônus da prova de maneira irregular, pois ele pertence originalmente ao administrador público. Afinal, o agente público, quando pratica o ato, deve demonstrar quais as outras alternativas possíveis, escolhendo, dentre elas, a melhor. Além dessa, o Tribunal de Contas invoca outra razão: o julgador deve decidir com base nos elementos constantes nos autos. Logo, não pode a norma determinar que o juiz analise as possibilidades para o caso concreto. Ainda de acordo com o órgão, corroborando e trazendo à tona a realidade prática, nem mesmo órgãos administrativos judicantes, como a própria Corte, conhecem a realidade de cada órgão e entidade pública por completo.
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