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Medicina Veterinária Preventiva Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Vivian Lindmayer Cisi Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Revisão Técnica: Prof.ª Dr.ª Meire Silva História e Importância da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública Veterinária História e Importância da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública Veterinária • Apresentar para o aluno o papel do Médico Veterinário na Saúde Pública e familiarizá-lo com os principais termos técnicos utilizados em epidemiologia e Saúde Pública. OBJETIVO DE APRENDIZADO • História da Medicina Veterinária Preventiva; • Conceitos e Definições Importantes Utilizados em Epidemiologia e Saúde Pública. UNIDADE História e Importância da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública Veterinária História da Medicina Veterinária Preventiva A Medicina Veterinária surgiu como uma área do conhecimento para promover a saúde dos animais, tentando diminuir prejuízos causados pelas doenças que os atin- giam. No entanto, com o passar do tempo, aumentou-se a luta do homem contra as enfermidades que colocam em risco a saúde dos seus animais e as doenças humanas adquiridas pelo estreito convívio entre eles (COSTA, 2011 apud GOMES, 2017, p. 1). O surgimento da Medicina Veterinária preventiva remonta à Idade Média, na qual a expansão das nações levou aos esforços no controle de doenças animais em larga escala. Dentro dos exércitos, por exemplo, houve a criação de estruturas organizadas de pessoas que curavam os animais devido à importância militar que o cavalo assu- mia (PFUETZENREITER et al., 2004). No Brasil não foi diferente. A Medicina Veterinária surgiu por volta de 1810 pelo Conde de Linhares, Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros da Guerra, que criou o primeiro cargo de Veterinário para orientar tecnicamente o 1° Regimento de Cavalaria do Exército (GERMINIANI, 1998). Você Sabia? As primeiras escolas de Medicina Veterinária brasileiras surgiram em 1910, mas, somen- te no dia 9 de setembro de 1933, o então presidente Getúlio Vargas autorizou a atuação e ensino da Medicina Veterinária. Por conta disso, nessa data, comemora-se o Dia do Médico Veterinário. O Brasil passou por muitas etapas até conseguir a implantação de práticas volta- das para a Medicina Preventiva e a Saúde Pública, devido ao seu tamanho territorial e às dificuldades decorrentes de problemas administrativos, científicos, tecnológicos e industriais (BRASIL, 2017). Uma fase muito importante na história da Saúde Pública Veterinária teve início após a Segunda Guerra, caracterizada pelo trabalho voltado para a população, com o uso da epidemiologia no desenvolvimento de programas de controle de zoonoses pelas agências de Saúde Pública. A Veterinária, com seu direcionamento à coletividade e ações preventivas, au- xiliou na implantação de táticas como: quarentena, sacrifício de animais enfermos e trabalho educacional dos proprietários desses animais em prol da prevenção de enfermidades em humanos (PFUETZENREITER et al., 2004). Como consequência da interação com profissionais da Medicina humana, os mé- dicos veterinários começaram a ocupar várias posições nas áreas técnicas e adminis- trativas da Saúde Pública. Em 1946 a Organização Mundial de Saúde (OMS) criou oficialmente o termo “Saúde Pública Veterinária”, definindo as áreas de atuação 8 9 para a Medicina Veterinária, sendo as principais atribuições: o controle de zoonoses, higiene dos alimentos, trabalhos de laboratório, de biologia e as atividades experi- mentais (BARBOSA, 2014). O Médico Veterinário se incorpora muito facilmente ao grupo de profissionais de saúde por estar habituado a proteger a população contra as enfermidades coletivas. Tendo como referência que as zoonoses representam 75% das doenças infeccio- sas emergentes no mundo, 60% dos patógenos humanos são zoonóticos e 80% dos patógenos que podem ser usados em bioterrorismo são de origem animal, segundo o Conselho Federal de Medicina Veterinária, aumenta a importância e responsabili- dade da Saúde Pública veterinária (CRMV-PR, 2010). No entanto, infelizmente, a maioria da população desconhece a importância do Médico Veterinário como promotor da Saúde humana, reconhecendo somente a Área de clínica e cirurgia. Você Sabia? 75% das doenças humanas emergentes ou reemergentes do último século são zoono- ses, isto é, doenças de origem animal que, além de causarem fatalidades humanas e animais, afetam a economia de países. Assim: Atualmente as principais atribuições do Médico Veterinário na Saúde Pú- blica são: diagnóstico, controle e vigilância em zoonoses; estudos compa- rativos da epidemiologia de enfermidades não infecciosas dos animais em relação aos seres humanos; intercâmbio de informações entre a pesquisa médica veterinária e a pesquisa médica humana; estudo sobre substân- cias tóxicas e venenos provenientes dos animais peçonhentos; inspeção de alimentos e vigilância sanitária; estudo de problemas de saúde re- lacionados às indústrias de produção de alimentos de origem animal, incluindo o destino adequado de dejetos; estabelecimento de interligação e cooperação entre as organizações de Saúde Pública e Veterinária com outras unidades relacionadas com animais; e consulta técnica sobre as- suntos de saúde humana relativos aos animais. (GOMES, 2017) Você vai perceber que, apesar do vasto campo de trabalho, grande parte das atividades desempenhadas pelos profissionais que atuam na área de Medicina Vete- rinária preventiva e Saúde Pública envolvem formas de conhecimento que orientam medidas específicas para a proteção, manutenção e recuperação da saúde animal em favor da saúde humana, por meio do monitoramento, prevenção, controle e erradi- cação das doenças, especialmente as zoonoses. Uma doença de grande preocupação em Saúde Pública no Brasil é a leishma- niose visceral. É uma zoonose com acometimento sistêmico de evolução crônica e potencialmente fatal. Inicialmente, ocorria no meio rural, no entando, recentemente, expandiu-se para as áreas urbanas de médio e grande porte (BRASIL, 2020). 9 UNIDADE História e Importância da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública Veterinária Dentre as causas dessa reconfiguração geográfica, está a migração interna, mui- tas vezes motivada por questões socioeconômicas como secas prolongadas e falta de oportunidade de trabalho (MIRANDA, 2008). Nos deslocamentos de um lugar para o outro, as famílias provenientes de regiões endêmicas levam consigo seus animais de estimação, como, por exemplo, o cão, que pode atuar como reservatório dessa zoonose (FERREIRA, 2020). No Estado de São Paulo, alguns casos recentes chamaram a atenção das autorida- des sanitárias, como a confirmação de mais de 150 casos positivos de leishmaniose visceral em cães no interior do Estado. De acordo com a Organização Pan-America- na de Saúde, em 2016, foram registrados 3.200 casos em seres humanos no Brasil, sendo 119 em São Paulo, com 275 e 11 óbitos, respectivamente. A prevenção e a eliminação desse tipo de doença no homem depende, em grande parte, das medidas adotadas contra essas doenças nos animais (CRMV-SP, 2017, OPAS, 2018). Em relação aos problemas relacionados à promoção, proteção e manutenção da Saúde, quais desafios os médicos de seres humanos e médicos veterinários tem em comum? O mundo tem sofrido importantes mudanças sócio-político-econômicas que geram qua- dros de extrema desigualdade social. Entender essas situações e como enfrenta-las é um desafio de enorme complexidade, que necessita de abordagens diferenciadas por equipes multidisciplinares. Uma característica importante dessa zoonose é que, nos centros urbanos, o cão infectado, mesmo sem a manifestação de sinais clínicos, é o principal reservatório do parasita. Ainda, muitos estudos indicam que, onde há cães contaminados, existe maior número de humanos que são infectados por leishmania (FERREIRA, 2020). Dessa forma, podemos entender a importânciada atuação do Médico Veterinário para o controle dessa doença, pois quando os veterinários fazem o diagnóstico da infecção em cães, é possível estabelecer medidas preventivas para evitar a dissemi- nação da doença tanto para outros cães, como para seres humanos, por exemplo. Antes de iniciarmos o estudo aprofundado na Medicina preventiva, é muito im- portante entendermos os termos técnicos utilizados nessa grande área de conheci- mento, assunto que abordaremos no tópico a seguir. Conceitos e Definições Importantes Utilizados em Epidemiologia e Saúde Pública A epidemiologia é uma Disciplina básica da Saúde Pública voltada para a compre- ensão do processo saúde-doença no âmbito de populações, aspecto que a diferencia, por exemplo, da clínica médica, que tem por objetivo o estudo desse mesmo proces- so, mas em termos individuais (WALDMAN; ROSA, 1998). 10 11 De forma geral, as doenças infecciosas resultam da interação entre o hospedeiro, o agente etiológico e o ambiente. Esse modelo biológico é conhecido como tríade epidemiológica, no qual o hospedeiro é um animal suscetível, os agentes infecciosos são microorganismos (bactérias, vírus, protozoários por exemplo) e o ambiente é o cenário no qual ocorre a exposição dos hospedeiros aos agentes (PANTOJA, 2016). Figura 1 – Na tríade epidemiológica, o hospedeiro é um animal suscetível, os agentes infecciosos são microorganismos, e o ambiente é o cenário no qual ocorre a exposição dos hospedeiros aos agentes Fonte: Adaptado de Getty Images A transmissão de um agente entre hospedeiros é um processo complexo que en- volve diferentes etapas, desde a eliminação de um microorganismo a partir do hos- pedeiro infectado até a entrada do micro-organismo em outro hospedeiro suscetível. Nesse contexto, é importante entendermos o conceito de Cadeia Epidemiológica (ou Cadeia de Transmissão, ou Cadeia de infecção). De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (2010), a cadeia epi- demiológica representa um conjunto de elementos relacionados que demonstra o processo de propagação de doenças transmissíveis em populações animais. Esses elementos constituem: a fonte de infecção, a via de eliminação, a via de transmissão, a porta de entrada e o hospedeiro susceptível. Para entendermos melhor esse conceito, vamos refletir. Como seria a cadeia epidemiológica do vírus da raiva? A fonte de infecção poderia ser um morcego infectado por exemplo. Nesse caso, a via de eliminação do vírus seria a saliva desse morcego, a via de transmissão seria a mordedura e a porta de entrada no novo hospedeiro suscetível, como um bovino, a lesão provocada pela mordedura do morcego. Vale ressaltar que a cadeia epidemiológica dos diversos agentes infecciosos varia de forma considerável. Pode ser tão simples como o contato direto entre superfícies, 11 UNIDADE História e Importância da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública Veterinária tal qual como ocorre na transmissão venéreas de alguns agentes, ou tão complexo como a passagem por hospedeiros intermediários ou vetores até que o agente infecte o hospedeiro definitivo (PANTOJA, 2016). Um exemplo clássico de cadeia epidemiológica mais complexa é a leishmaniose, cujo insetos vetores são os flebotomíneos. Outro conceito de fundamental importância é o da “História natural da doença”. Se o contato agente-hospedeiro for efetivo, ocorrerá infecção que, por sua vez, é definida como a invasão e a posterior multiplicação do agente no tecido do hospe- deiro. A sequência de eventos e a variedade de respostas de animal à infecção são de grande valia para o diagnóstico e controle das enfermidades, sendo descrita em um modelo biológico conhecido como história natural da doença (PANTOJA, 2016). História natural da doença: refere-se à evolução de uma doença no indivíduo através do tempo, na ausência de intervenção. Nas doenças transmissíveis, o período de latência é o tempo que transcorre desde a infecção até que o indivíduo se torne infectado. O período de incubação é o tempo que transcorre desde a infecção até a apresentação dos sinais clínicos (OPAS, 2010). Conhecer o período de incubação de cada doença possibilita a aplicação de me- didas preventivas, como a quarentena. Por meio do isolamento e da observação de animais por tempos maiores do que o período de incubação, tentamos assegurar que o animal não tenha doença clínica ou que as manifestações não clínicas sejam detectadas por testes diagnósticos antes de sua introdução em uma nova população (PANTOJA, 2016). Você Sabia? A Guia de Trânsito Animal (GTA) é o documento oficial para transporte animal no Brasil, e contém informações essenciais sobre a rastreabilidade (origem, destino, finalidade, es- pécie, vacinações, entre outros). Cada espécie animal possui uma norma específica. Para o trânsito interestadual de bovinos e bubalinos destinados à reprodução, por exemplo, deve ser exigida apresentação de atestado negativo a teste de diagnóstico para brucelose. O período de transmissibilidade é definido como o tempo durante o qual o agente é eliminado por secreções e excreções do hospedeiro, de modo a haver transmis- são da doença para outros animais. A fase subclínica das infecções é caracterizada pela ausência de sinais clínicos, embora haja processos patológicos que resultem, frequentemente, em diminuição da produtividade animal. O início dos sinais clínicos, momento denominado horizonte clínico, marca a transição entre as fases subclínica e clínica da doença (WALDMAN, ROSA, 1998; PANTOJA, 2016). De acordo com Waldman e Rosa (1998), o conceito de iceberg, nos mostra que, muitas vezes, boa parte dos casos ficam abaixo do horizonte clínico, ou seja, a ponta 12 13 do iceberg seria a pequena proporção de animais que apresentam a fase clínica. Portanto, a maior parte dos casos não pode ser identificada com fundamento em sinais clínicos. De fato, o grande desafio de sistemas de saúde, seja animal, seja humano, é des- cobrir os agentes causadores de doenças onde quer que eles se encontram. Nesse âmbito, Côrtes (2002) aponta algumas questões básicas que precisam ser respondidas: Onde os agentes se encontram? Como agem? O que provocam? Como persistem na natureza? Como podem ser introduzidos e como se disseminam em uma popu- lação? Onde e quando encontram condições adequadas para desenvolver sua ação? Qual a intensidade de sua ocorrência? Uma das ações que auxiliam na resposta a essas questões é a V igilância Epidemio- lógica, caracterizada como um conjunto de procedimentos de natureza sistemática e permanente, por meio do qual tomamos conhecimento dos eventos relacionados com a presença de doenças e os respectivos meios de combate, em uma determina- da área geográfica (CÔRTES, 2002). Você Sabia? A vigilância epidemiológica foi o tema central da 21ª Assembleia Mundial de Saúde re- alizada em 1968, na qual se estabeleceu a abrangência do conceito, que permitia apli- cação a variados problemas de Saúde Pública. No Brasil, a Campanha de Erradicação da Varíola, em 1996, é reconhecida como marco da institucionalização das ações de vigi- lância no país. Algumas das funções da Vigilância Epidemiológica preconizadas pelo Ministério da Saúde são: coleta de dados, processamento dos dados coletados, análise e inter- pretação dos dados processados, recomendação das medidas de controle apropria- das, promoção das ações de controle indicadas, avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas e divulgação de informações pertinentes (BRASIL, 2005). O cumprimento das funções de Vigilância Epidemiológica depende da disponibi- lidade de dados que sirvam para subsidiar o processo de produção de informação para a ação. A Vigilância utiliza muito, no seu dia a dia e em seu planejamento, “Indicadores de Saúde”. O Indicador de Saúde revela a situação de Saúde (ou um aspecto dela) da população ou de um indivíduo. É montado a partir de dados referenciados no tempo e no espaço e facilitam a análise e o olhar com significânciasobre a realidade, por meio de sua simples leitura ou por meio do acompanhamento dos dados no tempo ( CVS, 2004). A seguir, vejamos alguns dos principais indicadores de saúde utilizados. Morta- lidade refere-se ao conjunto dos indivíduos que morreram num dado intervalo do 13 UNIDADE História e Importância da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública Veterinária tempo. Morbidade refere-se ao conjunto dos indivíduos que adquirem doenças num dado intervalo de tempo em uma determinada população (CVS, 2004). A letalida- de mede a severidade de uma doença e é definida como a proporção de mortes dentre aqueles doentes por uma causa específica em um certo período de tempo (BONITA et al., 2010). Por sua vez, a incidência indica o número de casos novos ocorridos em certo período de tempo em uma população específica, enquanto prevalência refere-se ao número de casos (novos e velhos) encontrados em uma população definida em um determinado ponto no tempo (BONITA et al, 2010). É importante lembrar que dados sobre prevalência e incidência tornam-se mais úteis quando transformados em taxas. Uma taxa é calculada dividindo-se o número de casos pelo número de indivíduos em risco e é expressa como casos por 10n indivíduos. Entende-se por controle de doenças o conjunto de medidas adotadas com o objetivo de reduzir a incidência e/ou prevalência das doenças ou, ainda, erradicá- -las. A erradicação, por sua vez, representa a eliminação da transmissão do agente infeccioso, de tal modo que seja possível suspender as medidas de controle tradicio- nalmente adotadas para o controle da doença em determinada população ou região (SOUZA et al. 2018). Para entendermos melhor esses conceitos, vamos adotar como exemplo os pro- gramas oficiais de controle de doenças de grande impacto em saúde animal do Mi- nistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A fim de assegurar a saúde animal, existem estratégias elaboradas pelo governo Federal em sintonia com a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) que visam a dar suporte a doenças de grande impacto em saúde animal e Saúde Pública. Entre as medidas inseridas em cada plano específico para o controle dessas do- enças, podemos citar: vacinação de animais, base cadastral e auditoria do Sistema Agro-Produtivo, atenção veterinária com vigilância epidemiológica ativa e passiva, educação sanitária e controle do trânsito de animais (MAPA, 2020). Entre os programas de controle oficial, estão: Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa (PNEFA), Programa Nacional de Controle e Erradica- ção da Brucelose e da Tuberculose Animal (PNCEBT), Programa Nacional de Sa- nidade Avícola (PNSA) e Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros (PNCRH), entre outros. Posteriormente, nessa Disciplina, estudaremos os programas de sanidade animal com mais detalhes. O Ministério da Saúde também possui programas de controle de doenças de grande impacto em Saúde Pública, sendo muitas delas zoonoses como, por exemplo, o Programa Nacional de Controle da Malária e Programa Nacional de Controle da Dengue. Em relação à erradicação de doenças na Medicina Veterinária, podemos citar a peste bovina, enfermidade infecto-contagiosa de origem viral altamente contagiosa que afeta animais de casco fendido (principalmente bovinos e búfalos) (CFMV, 2020). 14 15 Foi uma das enfermidades animais de maior impacto na Humanidade. No século 19, na África, a introdução do vírus nas populações de bovinos e em animais selvagens, que nunca tinham tido contato com esse agente, foi responsável por eliminar rebanhos inteiros, causando a fome em diversos países (HEINEMANN; CORTEZ, 2016). Em 1994, a OIE, junto com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) lançaram o Programa de Erradicação Global da Peste Bovina. Em junho de 2011, ambas as Agências declararam a erradicação da Peste Bovina no mundo (HEINEMANN, CORTEZ, 2016). Você Sabia? A peste bovina, causada por um Morbillivirus da família Paramyxoviridae, é uma doença febril aguda, de alta transmissibilidade. É a segunda doença a ser erradicada no mundo (depois da varíola em humanos, em 1980) e a primeira em animais. O mérito é atribuído ao trabalho massivo da comunidade veterinária. O ressurgimento de doenças que se considerava estarem controladas e a identifi- cação de novos agentes infecciosos levam as “doenças emergentes e reemergentes” a figurarem hoje como um dos principais centro das atenções de profissionais da saúde, acadêmicos, agentes de políticas públicas, das instituições governamentais ou não, nacionais ou internacionais (PAZ; BERCINI, 2009). Doença emergente é o surgimento ou a identificação de um novo problema de saúde ou um novo agente infeccioso como, por exemplo, o novo coronavírus (COVID-19), que foi identificado em 2019, em Wuhan, China. É um novo coronavírus, que não havia sido identificado anteriormente em humanos (CRODA; GARCIA, 2020). Doença reemergente é uma doença transmissível previamente conhecida, que reaparece como problema de Saúde Pública após uma etapa de significativo declínio de sua incidência e aparente controle (OPAS, 2010). De forma geral, as doenças reemergentes indicam mudança no comportamento epidemiológico de doenças já conhecidas, que haviam sido controladas, mas que voltaram a representar ameaça à saúde humana. Inclui-se aí a introdução de agentes já conhecidos em novas populações de hospedeiros suscetíveis. Na história recente do Brasil, por exemplo, registra-se o retorno da dengue e do cólera e a expansão da leishmaniose visceral (BOULOS, 2001). Quais são os principais fatores envolvidos na determinação da emergência e reemergência de doenças infecciosas? Alguns motivos apontados por especialistas para o aparecimento das doenças emergentes são, por um lado, as alterações climáticas, o conjunto das atividades humanas que atingem, direta ou indiretamente, o ambiente, com destaque para o crescimento e assentamento populacional, e o uso indiscriminado de antibióticos. 15 UNIDADE História e Importância da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública Veterinária Muitos estudos indicam que 75% das doenças humanas emergentes ou re- emergentes do último século são zoonoses, isto é, doenças de origem animal (ZANELLA, 2016). Nesse sentido, vamos relembrar alguns conceitos importantes. Endemia é a presença contínua de uma enfermidade ou de um agente infeccioso em uma zona geográfica determinada. Por sua vez, epidemia é o termo utilizado para situações em que a doença envolve grande número de indivíduos e atinge uma larga área geográfica (BRASIL, 2018). A definição clássica de zoonoses é a de doenças que são transmitidas de animais para humanos ou de humanos para os animais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define zoonoses como “Doenças ou infecções naturalmente transmissíveis entre animais vertebrados e seres humanos” (OMS, 2020). No entanto, as zoonoses podem ser classificadas de acordo com o sentido da transmissão. De acordo com Vasconcellos (2013), antropozoonoses são doenças primárias de animais que, eventualmente, podem ser transmitidas aos seres huma- nos, como, por exemplo, a raiva. Por sua vez, zooanthroponoses são doenças primárias de humanos e que even- tualmente podem acometer os animais, como, por exemplo, tuberculose em ani- mais, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, bacilo do tipo humano. Por último, amphixenosis, agentes de doenças que se transmitem com igual intensidade entre animais, entre os seres humanos e também entre animais e seres humanos, como, por exemplo, Estafilococose. Posteriormente, veremos maiores detalhes sobre zoonoses e Medidas Preventivas relacionadas! 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Medicina Veterinária do Coletivo: Fundamentos e Práticas O livro Medicina Veterinária do Coletivo: fundamentos e práticas, de autoria de Rita de Cassia Maria Garcia,Néstor Calderón e Daniel Friguglietti Brandespim, é uma obra pioneira no país. Traz diversas questões em saúde, a partir de uma perspectiva multidisciplinar, aborda questões práticas de medicina de abrigos, Medicina Veterinária legal e medicina preventiva: GARCIA, R. C. M.; CLADERÓN, N.; BRANDESPIN, D. Medicina Veterinária do Coletivo: fundamentos e práticas. Campo Limpo Paulista: Integrativa Vet, 2019. Vídeos Da Colonização à Abolição: a História das Epidemias no Brasil 1/2 Esta série de pequenos vídeos traz um pouco da história das principais doenças que abateram o Brasil desde a chegada dos colonizadores portugueses. Fica claro o impacto de doenças com potencial zoonótico que representam um desafio às autoridades sanitárias até os dias de hoje. https://youtu.be/HRTkFCe7xwI A História da Saúde Pública no Brasil – 500 Anos na Busca de Soluções Vídeo elaborado pela FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz), considerada uma das principais Instituições mundiais de pesquisa em Saúde Pública, sobre a história da Saúde Pública no Brasil, traz reflexões importantes para o desenvolvimento do raciocínio crítico do aluno sobre saúde, diferenças sociais no país e, muitas vezes, falta de investimento do governo em Políticas Públicas de Saúde. https://bit.ly/3232W4W Leitura O Papel e a Importância do Médico Veterinário na Saúde Pública De formal geral, a formação do Médico Veterinário está muito focada na clínica (principalmente de pequenos animais) ou na produção animal (de acordo com o perfil regional). No entanto, poucos estudantes têm conhecimento que existe um mercado de trabalho promissor dentro dos serviços de Saúde Pública para o Médico Veterinário. No site do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná, você encontrará excelentes informações a respeito da atuação do Médico Veterinário na Saúde Pública. https://bit.ly/2FziLc7 17 UNIDADE História e Importância da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública Veterinária Referências BARBOSA, D. S. A inserção do Médico Veterinário nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF): novos caminhos de atuação na Saúde Pública. Journal of Management & Primary Health Care, v. 5, n. 1, p. 1-3, 2014. BONITA, R.; BEAGLEHOLE, R.; KJELLSTROM, T. Epidemiologia básica. 2.ed. São Paulo: Santos, 2010. 213p. BOULOS, M. Doenças emergentes e reemergentes no Brasil. Ciência Hoje, v. 29, n. 170, p. 58-60, 2001. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. 5.ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. 816p. ________. 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