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Nacionalismo versus Pan-africanismo



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Nacionalismo versus Pan-africanismo: O embate ainda presente no caminho do continente africano
Jouberth W. Nunes Godoy[footnoteRef:1] [1: Mestrando em Estudos Africanos pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.] 
	O período imediato às independências das colônias anglófonas e francófonas em África, fez aquecer um interessante debate sobre o caminho a ser seguido tanto pela visão nacional, quanto continental, por parte destes países. O pan-africanismo como movimento ideológico, inicia fora do continente africano nos últimos minutos do século XIX, tendo como mentores intelectuais académicos da diáspora nas Caraíbas e nos Estados Unidos da América. Esse movimento de unidade centrado na negritude, negligenciando assim a região do Magrebe, é internalizado no continente africano também por intelectuais que estavam a estudar em suas metrópoles. 
	No entanto, após o início do processo de independências no continente a partir da década de 1960, o que se percebe é uma divergência entre as concepções ideológicas de unidade e governança, com a prática destas. Estes novos países, mais precisamente o Gana, liderado por um intelectual defensor do pan-africanismo, se vê em uma situação complexa, entre a visão continental e as lutas políticas locais para a integridade territorial desta nova nação. 
	Este debate toma forma e é colocado em xeque, quando da criação da Organização da Unidade Africana em 1963. Idealizada como a instituição de promoção da união dos povos africanos, o que se observa é o embate entre pan-africanistas e nacionalistas. Assim, neste primeiro momento, o argumento pan-africanista é vencido, devido a negligência para com o básico do conceito de nação, sua construção. Objetivando uma unidade negra no continente, seus mentores se esquecem da necessidade em construir a identidade nacional e somente após isto, a construção de uma identidade continental.
	De fato, a vitória inicial dos nacionalistas se dá, porque o que estava em jogo no momento dentro destes países, era a luta contra a dominação branca, a consolidação de suas independências e a preservação de seus limites geográficos, sendo tais objetivos, superiores ao projeto pan-africano de unidade. E por aproximadamente quatro décadas o institucionalismo supranacional africano se estendeu sem conseguir ser uma voz única e forte para o continente, necessitando ser reformulado no início do século XXI, resgatando novamente o debate sobre o pan-africanismo frente aos interesses individuais e nacionais dos Estados. 
	Inusitadamente o líder a resgatar esse debate e a proposta da união dos povos africanos, Muammar al-Gaddafi, era presidente de um país que inicialmente fora excluído do movimento pan-africano, por estar no magrebe e não ter a mesma luta dos povos negros subsaarianos. Mesmo que a busca pela unidade africana por al-Gaddafi tenha que ser considerada dentro de seu projeto internacional de luta contra o imperialismo estadunidense, é este processo que reformula o institucionalismo africano e questiona sobre a forma de lidar com o pan-africanismo no século XXI e em um continente tão divergente como a África. 
	Esta nova instituição, a União Africana, a partir de 2002, surge com um propósito de longo alcance, objetivando o desenvolvimento económico, a boa governança e de forma inovadora, o fortalecimento de lideranças jovens para o continente. O pan-africanismo obviamente saiu de sua posição de xeque que se encontrava há meio século, mas seus movimentos ainda carecem de força. O desenvolvimento econômico se consolida nessas duas primeiras décadas, como fator motivador da cooperação e da integridade em África. Os ganhos vislumbrados a partir destas integrações, se mostraram superiores às desconfianças nacionais anteriormente existidas entre os Estados. 
	No entanto, a sociedade civil que carece desta percepção de unidade para a consolidação do projeto pan-africano, ainda não fora abraçada pelos policymakers seja em âmbito nacional ou continental. Logo, o pan-africanismo de hoje e do futuro, deverá corresponder ao apelo de liberdade de consciência e de expressão, a um desenvolvimento pacífico e igualitário da sociedade em harmonia com o meio ambiente, bem como a construção de um Estado legítimo e representativo.
	Assim como o pan-africanismo conseguiu se reinventar desde sua concepção inicial, o nacionalismo africano também sofreu com a reinterpretação pejorativa que este movimento adquiriu ao longo dos anos. A luta xenofóbica e religiosa, tomou espaço do puro sentido de luta pela unidade e independência proposto pelo nacionalismo africano.
Sendo a integração africana uma disputa de xadrez, o pan-africanismo está sem sua rainha contra um nacionalismo ainda com rainha, bispos e peões. Apesar disto, a luta popular e o engajamento da massa jovem no Sudão, provou que a opressão seja internacional ou interna nos países africanos, também estão com seus dias contados. E parte destes jovens, a decisão e a construção de um possível caminho pan-africano para o continente. Somente com a chegada de um peão ao fim do tabuleiro e sua real transformação em rainha, podem fazer com que o pan-africanismo vire a jogada em um continente ainda em disputa ideológica.
Referências:
BADEJO, D. Global Organizations: The African Union. New York: Chelsea House Publishers, 2008.
KATZ, S. Pan-africanismo e democracia ainda são possíveis em África?. Le Monde Diplomatique. 2020. Disponível em: < https://diplomatique.org.br/pan-africanismo-e-democracia-ainda-sao-possiveis-em-africa/>.
PINTO, J. África: do pan-africanismo ao nacionalismo, Jornal Econômico. 2019. Disponível em: < https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/africa-do-pan-africanismo-ao-nacionalismo-505672>.