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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Centro de Ciências Sociais e Aplicadas Curso de Ciências Econômicas CONTRIBUIÇÕES DA ECONOMIA COMPORTAMENTAL NO ENTENDIMENTO DE FRAUDES FINANCEIRAS: UMA INTERPRETAÇÃO DO CASO MADOFF Ana Flávia do Nascimento Rezende 41750039 Orientadora: Roberta Muramatsu SÃO PAULO, SP 2021 Ana Flávia do Nascimento Rezende 41750039 CONTRIBUIÇÕES DA ECONOMIA COMPORTAMENTAL NO ENTENDIMENTO DE FRAUDES FINANCEIRAS: UMA INTERPRETAÇÃO DO CASO MADOFF Monografia apresentada ao curso de Ciências Econômicas do Centro de Ciências Sociais da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientadora: Profa. Dra. Roberta Muramatsu. SÃO PAULO, SP 2021 DEDICATÓRIA Com amor e saudades, em memória de meu pai Vicente Paulo de Rezende. AGRADECIMENTOS Aos orixás que me guiam, Iansã, Oxóssi, Yemanjá, Ogum, Oxaguiã e Oxum Opará. Obrigada por me manterem de pé em todos os momentos. Asè! À minha amada mamãe, Joana D’arc, que com nome de heroína fez de mim a mulher que sou hoje. Sou profundamente grata por todo amor e ensinamento que me proporcionou. Obrigada por ter me envolvido desde sempre no meio acadêmico (saudades de ir pra UFAM comer pipoca de microondas), por ter me ensinado desde sempre que a educação é o melhor caminho, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Obrigada por todo o apoio incondicional que sempre me deu, mesmo nas maiores loucuras. Ao meu irmão, Luís Neto, obrigada pelo amor e carinho que sempre teve comigo, pelas tardes de recreio que você perdia com seus amigos, enquanto ficava sentado comigo no balanço da educação infantil, me vendo comer misto quente com coca cola. Obrigada por ter me ensinado a ter força perante as dificuldades da vida, a ter resiliência e humor. Obrigada, principalmente, pelo amparo na maior mudança que passei até hoje. Você é responsável por grande parte da formação do meu caráter e de quem eu sou hoje. Às minhas filhas, Angélica, Bruna e Fernanda, que são a força motriz na minha vida, a razão de tudo. Espero que possa ser um exemplo tão significativo na vida de vocês, quanto minha mãe é na minha. Obrigada por terem suportado meu distanciamento durante o período de finalização da monografia. Ao professor Sylvio Puga, que me permitiu o primeiro contato com as Ciências Econômicas, durante as aulas de história do pensamento econômico, no curso de Ciências Sociais da UFAM. Obrigada por fomentar em mim o desejo de ser economista. Às minhas queridas amigas, Raíssa Ferreira e Yasmin Lopes, que me deram todo apoio na minha mudança para São Paulo. O apoio emocional de vocês e os colos que recebi foram primordiais para que eu não desistisse. Às minhas amigas Giovanna Coelho e Paola Abreu, que sempre estiveram presentes e me ajudando a manter de pé, durante períodos em que imaginei que não fosse conseguir. Vocês foram e são essenciais na minha vida. Aos amigos que a faculdade me proporcionou, em especial Jean Carlos e Mariana Salim. Vocês fizeram com que a carga fosse mais leve e divertida. Obrigada pelas noites na Maria Antônia, obrigada pelos dias de estudo e, principalmente, pelos surtos compartilhados. À minha amiga Camila Varago, obrigada por estar comigo nesta caminhada. Obrigada pelas mensagens diárias durante a redação da monografia, pelo compartilhamento de conhecimento, por me levantar todos os dias durante este processo. Mais que nunca, merecemos um vinho! À minha orientadora, Roberta Muramatsu, obrigada por me abrir as portas para um universo tão incrível quanto o da Economia Comportamental. Agradeço pelos puxões de orelha e todas as sugestões de melhoria. Sou extremamente grata também por toda a delicadeza e carinho com que são dados os puxões, eles foram essenciais para o desenvolvimento deste trabalho. Este período de conexão foi muito importante durante este processo. E a mim, agradeço a força de vontade, por nunca ter me permitido ir pelo caminho mais fácil, por não ter desistido e por ter chegado até aqui. “Não faria muito mais sentido a economia ser baseada em como as pessoas se comportam, e não em como elas deveriam agir?” Dan Ariely RESUMO Este artigo busca apresentar um entendimento maior acerca das pirâmides financeiras e das razões que levam indivíduos a entrarem nestes esquemas. Para tanto, serão brevemente discutidas as origens das pirâmides financeiras e apresentados alguns casos de tais esquemas, ao redor do mundo e no Brasil. Com base em uma vasta literatura, trabalho irá analisar de modo pormenorizado os conceitos e resultados empíricos da economia comportamental que são relevantes para o mercado financeiro, como racionalidade limitada e as heurísticas e vieses cognitivos que podem induzir a erros no processo de tomada de decisões e como estas contribuem de maneira significativa nesta análise, utilizando como base para junção dos conceitos, o caso de fraude financeira orquestrado por Bernard Madoff. Palavras-chave: Economia comportamental, pirâmides financeiras, esquemas Ponzi, heurísticas, vieses cognitivos, racionalidade limitada, Bernard Madoff. ABSTRACT This article seeks to present a greater understanding of financial pyramids and the reasons that lead individuals to join these schemes. Therefore, the origins of financial pyramids will be briefly discussed and some cases of such schemes, around the world and in Brazil, will be presented. Based on a vast literature, the work will analyze in detail the concepts and empirical results of behavioral economics that are relevant to the financial market, such as limited rationality and cognitive heuristics and biases that can lead to errors in the decision-making process and how these contribute significantly to this analysis, using as a basis for joining the concepts, the case of financial fraud orchestrated by Bernard Madoff. Keywords: Behavioral economics, financial pyramids, Ponzi schemes, heuristics, cognitive biases, bounded rationality, Bernard Madoff. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1: Representação dos dois sistemas ............................................................ 18 Gráfico 1: Aversão à perda ....................................................................................... 27 Gráfico 2: Excesso de confiança ............................................................................... 32 Sumário 1. Introdução ......................................................................................................... 5 2. História e origem das pirâmides financeiras ..................................................... 9 2.1 Esquema Ponzi .......................................................................................... 9 2.2 Pirâmides financeiras no mundo: MMM e D.M.G. Grupo .......................... 10 2.3 Pirâmides financeiras no Brasil: Fazendas Reunidas Boi Gordo e Telexfree ........................................................................................................ 12 3. Economia comportamental ............................................................................. 14 3.1 O que é a economia comportamental? ..................................................... 14 3.2 Racionalidade limitada ............................................................................. 16 3.3 Heurísticas e vieses cognitivos ................................................................. 20 3.3.1 Heurística da representatividade..................................................... 22 3.3.2 Heurística da ancoragem ................................................................. 23 3.3.3 Heurística da disponibilidade ........................................................... 24 3.4 Aversão à perda ....................................................................................... 25 3.5 Efeito manada .......................................................................................... 28 3.6 Efeito halo ................................................................................................. 29 3.7 Excesso de confiança ............................................................................... 31 3.8 Teoria da perspectiva e efeito framing ...................................................... 33 4. Interpretação do caso Madoff sob a ótica da economia comportamental ....... 37 4.1 Crise de 2008 e a queda de Bernard Madoff ........................................... 37 4.2 Como a economia comportamental pode explicar o caso Madoff? ............ 40 5. Implicações e conclusões acerca das pirâmides financeiras .......................... 43 6. Bibliografia ...................................................................................................... 46 5 1. INTRODUÇÃO Pirâmides financeiras são práticas comerciais em que, na maioria dos casos, não existe a venda de um produto ou serviço vinculado e depende exclusivamente da entrada de novos investidores, sendo que estes novos recursos entrantes são utilizados para o pagamento daqueles que estão no topo do sistema. São esquemas fraudulentos nos quais seus idealizadores prometem um grande retorno financeiro em prazos de tempo curtíssimos, frente aos investimentos praticados no mercado. No Brasil, a lei 1521/51 versa sobre o crime de pirâmide financeira, prevendo multa e prisão de seis meses a dois anos. Não somente em nosso país, mas em diversos outros ao redor do mundo, o esquema fraudulento de pirâmides financeiras constitui crime contra a economia popular. “LEI Nº 1.521, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1951. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes e as contravenções contra a economia popular, Esta Lei regulará o seu julgamento. Art. 2º. São crimes desta natureza: [...] IX - Obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes); X - Violar contrato de venda a prestações, fraudando sorteios ou deixando de entregar a coisa vendida, sem devolução das prestações pagas, ou descontar destas, nas vendas com reserva de domínio, quando o contrato for rescindido por culpa do comprador, quantia maior do que a correspondente à depreciação do objeto Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinquenta mil cruzeiros. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%201.521-1951?OpenDocument 6 Parágrafo único. Na configuração dos crimes previstos nesta Lei, bem como na de qualquer outro de defesa da economia popular, sua guarda e seu emprego considerar-se-ão como de primeira necessidade ou necessários ao consumo do povo, os gêneros, artigos, mercadorias e qualquer outra espécie de coisas ou bens indispensáveis à subsistência do indivíduo em condições higiênicas e ao exercício normal de suas atividades. Estão compreendidos nesta definição os artigos destinados à alimentação, ao vestuário e à iluminação, os terapêuticos ou sanitários, o combustível, a habitação e os materiais de construção.” A lucratividade deste modelo de ‘negócio’ advém justamente da indicação de novas pessoas entrantes no esquema, havendo ou não venda de produtos ou serviços envolvida. Recentemente, o Brasil acompanhou o caso da Telexfree, no qual existia a venda do serviço de telefonia VOIP, porém a maior parte da receita auferida pela empresa consistia justamente na entrada de novos membros, que precisavam pagar uma taxa para participar do negócio e as pessoas recebiam um percentual de comissionamento em cima desta taxa, pela rede formada abaixo de si. As pirâmides se tornam insustentáveis no ponto em que, para que continue havendo lucro, torna-se necessário que sempre haja novos entrantes no esquema, afim de remunerar os que estão no topo e atingiram o prazo para recebimento do retorno neste ‘investimento’. Hoje temos no mundo quase 8 bilhões de pessoas, sendo, portanto, finito o número de habitantes. Ora, se no mundo existe um número limitado de pessoas, em um panorama no qual o esquema consiga captar todo este montante, ainda assim se caracteriza como sendo insustentável. Neste cenário hipotético, mesmo com um número extraordinário de participantes, em um determinado momento não haveria mais a entrada de novos membros e, supondo que todos os envolvidos solicitassem o resgate de seus investimentos, o esquema ruiria. Não havendo mais a aderência de novas pessoas, deixa de haver, portanto, a entrada de recursos suficientes afim de arcar com a remuneração dos investidos iniciais, que se encontram no topo da pirâmide (NICÁCIO, 2019). Nos últimos anos o Brasil vivenciou um boom de fraudes financeiras, como esquemas Ponzi e pirâmides, o que levou à uma mobilização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em 2020, o número de denúncias recebidos pela autarquia foi 75% maior que no ano anterior (O GLOBO, 2021), fazendo com que fosse desenvolvida 7 uma cartilha orientando a população quanto a estes golpes. 2020 foi um ano atípico, visto que a economia, não somente a brasileira, mas do mundo inteiro, foram impactadas negativamente por conta da pandemia. O número exponencial de desempregados, economias ruindo e as incertezas quanto ao futuro tornaram as pessoas mais suscetíveis à promessa de rentabilidades atraentes. O cenário ideal para que golpistas atuem na criação de novos esquemas e captando cada vez mais investidores para esta rede fraudulenta. A pandemia do novo coronavírus aliado à um cenário de Selic em baixa, o que gera menos rentabilidade em ativos de renda fixa, podem ter ajudado no aumento exponencial do número de processos referente à Pirâmides Financeiras, que em 5 anos saltou de 47 para quase 700, um aumento de mais de 1.300% entre os anos de 2015 e 2020 (CNN, 2021). Neste sentido, é perceptível como estas pessoas são lesadas pelos fraudadores, que fazem com que percam, muitas das vezes, as reservas financeiras de uma vida. O estudo acerca das pirâmides financeiras tem sua relevância justamente ao tratarmos das implicações causadas por tais esquemas fraudulentos. Nos referimos a pessoas que, muitas das vezes, colocam em xeque as economias de toda uma vida em prol de um retorno financeiro atrativo e rápido. Dada sua importância na atualidade, este trabalho irá concentrar a atenção sobre a análise de um famoso escândalo financeiro causado por uma pirâmide, o caso Bernie Madoff, que voltou à mídia recentemente após o seu falecimento, na prisão. Madoff foi responsável por uma das maiores fraudes financeiras do mundo, baseada em esquemas do tipo Ponzi, que perdurou por mais de 20 anos e gerando perdas estimadas em 65 bilhões de dólares aos seus investidores, impactando negativamente a vida de todos os envolvidos. Para além disto, salienta-se que Madoff não fraudou apenas investidores comuns, mas também investidores institucionais, como os bancos Santander e HSBC, tendo gerado perdas no montante de US$2,87 bilhões e US$1 bilhão, respectivamente (REUTERS, 2008). Esquemas Ponzi são sistemas criminosos que continuam, dia após dia, fazendo novas vítimas, dentre estas inclusive pessoas com conhecimentode mercado, porém que mantém suas emoções muito ligadas à gestão de seu capital e fazendo com que a confiança excessiva em determinado gestor e/ou produto resultem em perdas financeiras e sociais. O estudo e entendimento das razões que levam 8 investidores a entrarem em tais esquemas, é importante para a identificação de suas origens, com o objetivo de evitar possíveis emaranhamentos e perdas financeiras significativas. Este trabalho visa interpretar o comportamento de investidores e sua euforia diante de investimentos excepcionalmente atrativos, entendendo através dos elementos de heurísticas e vieses cognitivos o fluxo de entrada de novos participantes em pirâmides financeiras e a confiança excessiva destes em determinados consultores financeiros. Utilizando de revisão de literatura, nacional e estrangeira, sob a ótica de autores dedicados ao estudo da economia comportamental, o presente artigo pretende analisar mecanismos subjacentes à psicologia do investidor que explicam em parte porque os indivíduos do mundo real têm dificuldade de identificar esquemas fraudulentos e recorrentemente entram em pirâmides financeiras. O ponto de partida desta pesquisa é a conjectura de que a análise proposta é interessante porque oferece um contraponto à análise econômica tradicional, inspira discussões sobre contextos e razões que tornam os agentes mais vulneráveis a manipulações e abre espaço para debates sobre regulações para proteger investidores que inevitavelmente possuem racionalidade limitada, reagem emocionalmente e são frequentemente influenciados por julgamentos e decisões feitas por outros indivíduos. Esta monografia está dividida em quatro seções, sendo que na primeira iremos analisar com um olhar mais profundo a história e origem das pirâmides financeiras, estudando primeiramente a história de Charles Ponzi, fazendo em seguida um overview acerca de pirâmides ao redor do mundo, como a desenvolvida por Sergey Mavrodi na Rússia e o caso D.M.G. Grupo Holding S.A., ocorrido na Colômbia. Ao final desta seção, serão analisados dois casos de pirâmides que tiveram grande impacto no cenário nacional: Fazendas Reunidas Boi Gordo e Telexfree. A segunda seção tratará sobre o eixo deste trabalho, a Economia Comportamental. Através do estudo baseado em autores que são referência no tema, conseguiremos ter entendimento acerca de conceitos como heurísticas e vieses e racionalidade limitada, para que seja possível seguirmos para a terceira seção, na qual iremos analisar o caso Madoff sob a ótica da Economia Comportamental. 9 A quarta e última sessão será dedicada às conclusões acerca das pirâmides financeiras e as implicações para o cenário econômico. 2. HISTÓRIA E ORIGEM DAS PIRÂMIDES FINANCEIRAS 2.1 ESQUEMA PONZI As pirâmides financeiras têm origem um tanto quanto nebulosas e datam de longo tempo. Apesar de haver registros anteriores, o esquema fraudulento de pirâmides financeiras se tornou popular na década de 20 através do estelionatário Charles Ponzi, que desenvolveu um dos maiores golpes financeiros do século, com prejuízos aos investidores estimados em 50 bilhões de dólares. Os esquemas de tipo Ponzi tem a capacidade potencial de se sustentar por mais tempo através de mecanismos de persuasão dos participantes a “reinvestir” o próprio capital ou até aumentar suas participações. Estes sistemas muitas vezes conseguem se sustentar sem necessidade de manter um grande crescimento em número de participantes. Já os sistemas piramidais clássicos tendem a ficar insustentáveis e se esgotar num período de tempo relativamente curto, devido à sua dependência de altas e constantes taxas de crescimento para continuarem ativos. (BITTENCOURT. 2015, p. 24) Charles Ponzi nasceu na Itália e nos anos 1910 emigrou para os Estados Unidos, onde viu uma grande oportunidade de fazer dinheiro através da venda de selos postais vindos do exterior. Através de uma correspondência que Ponzi recebeu da Espanha, ele identificou que nos Estados Unidos conseguiria vender o selo por um valor bem superior aos preços praticados no exterior. A promessa de ganhos elevados, através de um retorno de 50% do capital investido em um prazo de 45 dias, fez com que um número significativo de pessoas próximas a Ponzi realizassem aportes de capital no esquema. Charles Ponzi, porém, não realizava o fluxo de compra e venda dos selos e, conforme os prazos findavam, pagava os investidores iniciais com a entrada de recursos financeiros de novos investidores, estes ávidos pelo alto retorno prometido. Como diz o dito popular: Ponzi descobria um santo para cobrir outro. 10 João Pedro Caleiro define as pirâmides financeiras como sendo investimentos sem lastro real ou seja “[...] quando o serviço ou produto oferecido ou não existe de fato ou não é a fonte principal dos recursos obtidos pela empresa” (CALEIRO, 2013). De acordo com esta definição, é notório o entendimento acerca do esquema desenvolvido por Charles Ponzi como uma pirâmide financeira. A alta rentabilidade oferecida por Ponzi fez com que ele acumulasse, no período de 1918 a 1920, milhões de dólares. Apesar de não investir todo o recurso que entrava dos investidores nos selos, que eram o produto prometido, Ponzi realizava algumas compras do material, o que o ajudava, junto ao dinheiro entrante, a pagar os investidores do topo da pirâmide. Os altos juros pagos pelo esquema chamaram a atenção de um jornal, o Boston Post, que iniciou uma investigação acerca de tais investimentos. Foi descoberto então que deveria haver cerca de 160 milhões de selos em circulação para amparar os investidores, porém a realidade é que havia 27 mil. Com a notícia em circulação, os investidores solicitaram a devolução do seu dinheiro, momento no qual a maioria destes não obteve o recurso de volta. Com a intervenção do Governo Federal, Ponzi foi preso e deportado para a Itália em 1934, onde começou a trabalhar em uma companhia áerea, sendo transferido para o Brasil nos anos 40, país no qual permaneceu até sua morte, em 1948. (SUPER, 2016) A ideia de liberdade financeira permeia os desejos da maioria das pessoas e, ao falarmos de ganhos elevados com pouco ou nenhum capital de giro para se iniciar um negócio, seduz alguns, que desenvolvem esquemas parecidos, sejam estes em maior ou menor grau de elaboração. Neste sentido, Charles Ponzi foi o precursor de diversos esquemas de pirâmides financeiras ao redor do mundo inteiro. 2.2 PIRÂMIDES FINANCEIRAS NO MUNDO: MMM E D.M.G. GRUPO Esquemas fraudulentos no âmbito financeiro são bastantes comuns ao redor de todo o mundo e apesar dos esforços imputados pelos órgãos regulamentadores e mídias, diversas pessoas ainda entram em pirâmides financeiras, sofrendo com a perda de capital (MASSARO, 2012). 11 Em meados dos anos 90, a Rússia presenciou a pirâmide financeira criada por Sergey Mavrodi, em conjunto com seu irmão Vyacheslav Mavrodi e Olga Melnikova. A empresa, batizada de MMM, iniciou suas atividades atuando com comércio exterior, através da importação de computadores e artigos para escritórios. Após ter sido acusada, em 1992, pela polícia fiscal de evasão fiscal, a empresa mudou seu ramo de atuação para o setor financeiro. Em 1994, a MMM desenvolveu seu esquema Ponzi e, com a promessa de rentabilidades anuais que giravam em torno de 1.000%, atraiu entre 10 a 15 milhões de investidores (ODUNSI, 2018). Estima-se que Mavrodi faturou cerca de 2 bilhões de dólares durante os 5 anos de existência da empresa (KOTKOVETS, 2020). Em 1994, a polícia fiscal da Rússia fechou os escritórios da empresa e Mavrodi foi preso em julho do mesmo ano, porém no ano seguinte, candidatou-se à deputado, afim de obter imunidade parlamentar (MASSARO, 2012). A MMM não atuou somente na Rússia, expandindo suas operações, atuando com criptomoedas, através da empresaMMM Global, encerrando finalmente seu sistema após a morte de Sergey, em abril de 2018 (KOTKOVETS, 2020). Saindo da Europa e vindo para a América do Sul, um caso de bastante relevância na Colômbia foi a pirâmide financeira criada por David Murcia Guzan, através da empresa DMG Grupo Holding S.A. e arrecadava dinheiro dos investidores através da movimentação de cartões pré-pagos (DIAZ, 2014). A operação transcorria através do pré-pagamento de bens e/ou serviços comercializados ou prestados pelas diversas empresas do grupo, que iam da comercialização de produtos naturais (Hosset Stylelife, Produtos naturais) à construtora DMG Constructores (CAYCEDO E JACCAR, 2008). Para participar do esquema, cada cliente deveria efetuar a compra de dois cartões pré-pagos, com investimento mínimo de 100.000,00 pesos e recebia, como em sistema de cashback um percentual em pontos que, apesar de não ter um padrão, podia chegar a até 100% do valor investido inicialmente. Além disto, cada cliente assinava um contrato de 6 meses para a prestação de serviços como promotor das marcas vinculadas à holding (DIAZ, 2014). Murcia declarou que suas vendas diárias giravam entre 2 a 3 bilhões de pesos nas cobranças de cartão e de 1 a 1,5 em vendas. Os demonstrativos contábeis apontam um lucro líquido de 38 bilhões de pesos no ano de 2007. Além do esquema 12 piramidal, Murcia atuava com lavagem de dinheiro para o narcotráfico, através das frentes guerrilheiras das FARC de onde adveio o capital inicial para implementação das atividades da empresa (GALVEZ E GALLEGO, 2016). Em dezembro de 2009, David Murcia Guzman foi condenado pela justiça colombiana a 30 anos de prisão e ao pagamento de uma multa de 12,5 milhões de dólares. Em 2010 foi extraditado para os Estados Unidos em 2010, onde responde por lavagem de ativos a favor de traficantes de drogas (GLOBO, 2010) 2.3 PIRÂMIDES FINANCEIRAS NO BRASIL: FAZENDAS REUNIDAS BOI GORDO E TELEXFREE No Brasil, podemos citar alguns exemplos de pirâmides financeiras como o caso Boi Gordo e Telexfree. As Fazendas Reunidas Boi Gordo é um caso brasileiro de pirâmide financeira bastante relevante, visto que configura dentre os cinco maiores esquemas já desenvolvidos no país. Fundada em 1988, pelo empresário Paulo Roberto de Andrade e decretou falência em 2004, deixando um prejuízo aproximado de R$ 2,5 bilhões para 30 mil investidores, após investigação da CVM, Câmara dos Deputados, Tribunal de Contas da União e pela Justiça (COSTA, 2012). Andrade desenvolveu um modelo de negócios baseado em contratos de investimentos nos quais o dinheiro aplicado na entrada dos novos investidores deveria ser direcionado à engorda do gado, onde prometia um retorno de 42% ao final de um período de 18 meses, percentual este bastante elevado frente aos demais investimentos da época (COSTA, 2012). Tal rentabilidade atraiu um número elevado de investidores, que inicialmente tinham conhecimento do sistema através de propaganda boca a boca. 10 anos depois, em 1988, a empresa abriu capital na bolsa e passou a ser regulamentada pela CVM, tendo a liberação da autarquia para negociar CICs (Contratos de Investimento Coletivo), tendo sua rentabilidade baseada no ganho do peso do animal e na variação do preço da arroba no mercado (FOLHA, 2001). Neste ínterim, o negócio tomou maiores proporções e saiu do marketing boca a boca inicial para propagandas veiculadas no horário nobre, nos intervalos da novela o Rei do Gado, em 1996. A relação com a novela consistia não somente nas propagandas 13 do investimento, mas bem como na utilização das terras das fazendas para as gravações da mesma. Contudo, os recursos entrantes através do novo fluxo de investidores, era direcionado não somente para a remuneração dos mais antigos no esquema, mas também era desviado para a compra de novas terras e enriquecimento do núcleo controlador da empresa (COSTA, 2012). Em 2001, houve um alto índice de solicitações de resgates por parte dos investidores, o que gerou uma quebra no caixa da empresa que não conseguiu arcar com a alta incidência de resgates, levando a um pedido de concordata em 2001 e decretando falência no ano de 2004. Em 2001, através da deliberação 376, a CVM decretou colocação irregular dos Contratos de Investimentos Coletivos (CICs) referente aos papéis negociados pela empresa (CVM, 2001). Paulo Roberto de Andrade foi multado pela autarquia em R$ 20 milhões e recebeu a proibição de exercer cargo de administrador de companhias abertas pelo período de 20 anos. O processo de falência corre na justiça desde 2002 e a disputa envolve 30 mil investidores, com uma dívida atualizada em valores que chegam a R$ 5 bilhões (FOLHA, 2020). A Telexfree foi acusada judicialmente de desenvolver uma das maiores fraudes financeiras no Brasil e teve suas atividades suspensas a nível mundial em maio de 2014, após levantar cerca de 1 bilhão de dólares com o esquema de pirâmide. Telexfree, nome fantasia da empresa Ympactus Comercial S/A, representante da Telexfree USA, que tinha sua sede administrativa localizada no Espírito Santo e com presença a nível nacional, atuou com telefonia VOIP através de vendas diretas, na qual os vendedores deveriam criar uma rede pela qual seriam remunerados. Cada um dos novos entrantes deveria pagar uma taxa de USD50,00 (na conversão da taxa de câmbio à época, cerca de R$100,00) para se tornar divulgador. A remuneração advinha justamente destes novos vendedores e quem estava no topo de cada rede, recebia um percentual em cima dos entrantes. Apesar de haver a prestação do serviço contratado, o esquema de pagamento era a maior fonte de receita da empresa. Isto junto às promessas de altos retornos financeiros, fez com que os órgãos competentes analisassem mais a fundo as atividades da empresa. De acordo com a SAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico) "a oferta de ganhos altos e rápidos 14 proporcionados principalmente pelo recrutamento de novos entrantes para a rede, o pagamento de comissões excessivas, acima das receitas advindas de vendas de bens reais e a não sustentabilidade do modelo de negócio desenvolvido pela organização sugerem um esquema de pirâmide financeira, o que é crime contra a economia popular, tipificado no inciso IX, art. 2º, da Lei 1.521/51" A empresa foi acusada e condenada judicialmente a pagar uma multa de 3 milhões de reais por danos morais coletivos. De acordo com os autos da sentença, o que caracterizou a atuação da Telexfree como pirâmide financeira e não como Marketing Multi Nível, foi justamente o fato do caixa da empresa ser composto basicamente dos recursos advindos da entrada de novos divulgadores e não da prestação de serviços “[...] o que injeta recursos na rede Telexfree é predominantemente a venda de kits de contas 99Telexfree[...] conforme análise pericial, 72% da receita oriunda dos novos cadastramentos foi realizada através de benefícios gerados pela própria rede, ou seja, não implicaram em receita real em espécie para a empresa ré.” (BRASIL, 2015, p.64). 3. ECONOMIA COMPORTAMENTAL 3.1 O QUE É A ECONOMIA COMPORTAMENTAL? A economia comportamental é um campo da economia relativamente novo e é pautada principalmente na junção com a psicologia e no olhar individual que esta segunda ciência traz sobre cada ser humano, tornando visível seu contraste com a economia tradicional. Neste sentido, é uma linha de pesquisa em economia caracterizada pelo compromisso no desenvolvimento de modelos psicologicamente mais próximos da realidade. A economia tradicional se baseia, sobretudo, na questão da racionalidade humana, tendo desenvolvido modelos simplificados e previsíveis, facilitando desta forma a análise acerca das interações entre os agentes econômicos. Contrária a esta ideia, a EC nos fala que os indivíduos não tomam decisões com base apenas em sua racionalidade,mas também tem esse processo influenciado por comportamentos distintos, ou seja, “tomam decisões contrárias ao seu próprio bem- estar, principalmente ao agir de forma automática, em decorrência de hábitos ou até mesmo por inércia” (PAIXÃO, 2017, P. 16) 15 Ao tratarmos do termo racionalidade no âmbito econômico, queremos dizer que os agentes sempre tomarão suas decisões com base na maximização da satisfação. Simon (1955) desenvolveu o modelo de racionalidade limitada, no qual apresentava falhas nos modelos simplificados da realidade, utilizados pela economia tradicional, posto que os indivíduos demandam complexidade em seu processo de tomada de decisões. Herbert Simon iniciou os estudos acerca deste assunto no final dos anos 40, abordando sobre as limitações da racionalidade. Utilizando de tópicos da ciência da psicologia e inserindo esta visão em análises econômicas, Simon trouxe à tona a contrariedade entre a economia tradicional, que preza por modelos simplificados da realidade em seus estudos, sempre com foco na maximização da utilidade. Desta forma, o autor buscava entender comportamentos não explicados satisfatoriamente pela economia tradicional, sendo tratados, portanto, como anomalias. (SBICCA, 2014) Na mesma linha de pesquisa, Kahneman e Tversky (1974) propuseram uma abordagem de heurísticas e vieses, que busca justamente examinar como os atalhos mentais influenciam a tomada de decisões. Cada ser humano é único e está sujeito à influência do ambiente no qual se encontra e às armadilhas mentais às quais está sujeito. Kahneman define as heurísticas como atalhos cognitivos ou regras práticas para simplificar decisões. As heurísticas podem levar aos vieses cognitivos, que são erros sistemáticos de pensamento. São conceitos intrínsecos à economia comportamental, visto que se referem justamente à individualidade dos agentes econômicos. Mais precisamente, Kahneman e Tversky endossam um modelo de racionalidade limitada que depende do reconhecimento da existência de dois modos de pensamento. Em seu best-seller Rápido e Devagar, Kahneman explica que nosso cérebro utiliza dois sistemas de processamento, que serão destrinchados mais abaixo, sendo que o sistema 1 é rápido, paralelo, automático, inconsciente e direcionado por emoções e associações, enquanto o segundo sistema utilizado é mais lento, sequencial, deliberativo, se baseando em regras e utilizando cálculos conscientes e racionais no processo de tomada de decisões. Apesar do sistema 2 ser o lado abstrato mais consciente e racional, o sistema 1 finda sendo o responsável por 90% de nossas escolhas, visto que estas são tomadas de maneira mais rápida e baseadas em nossas emoções e percepções (KAHNEMAN, 2011). 16 A discussão acima é aplicável ao comportamento do investidor, principalmente pelo fato de cada investidor ser único. Neste ponto da análise, não nos referimos somente aos investidores comuns, mas também aos investidores institucionais. Ao tratarmos dos investidores comuns, devemos considerar o fator emoção que estes possuem com seu capital alocado, o que torna o processo de tomada de decisões ainda mais sensível às heurísticas e vieses cognitivos, uma vez que a informação a que tais agentes têm acesso é, na maioria das vezes, imperfeita e, conforme supracitado, o tempo para a tomada de decisões é frequentemente escasso e cercado de incertezas sobre o amanhã. No que tange aos investidores institucionais, o excesso de confiança em determinadas instituições pode levar aos vieses cognitivos, ou seja, erros sistemáticos de pensamento e tomada de decisões. 3.2 RACIONALIDADE LIMITADA De acordo com a economia tradicional, ceteris paribus, todas as coisas exógenas à variável alterada em determinado modelo permanecem constantes, de maneira a simplificar a realidade, facilitando as análises de cunho econômico. Em 1955, o economista Herbert Simon propôs o modelo de racionalidade limitada, que vinha como contraponto aos axiomas da economia tradicional, baseados em modelos simplificados da realidade e pautados na racionalidade perfeita, hipótese na qual os indivíduos buscam a maximização da utilidade. Na análise de Simon (1965), estamos expostos a realidades muitas vezes incompreensíveis e, neste sentido, o autor considera as limitações inerentes a cada indivíduo em seu comportamento, o que nos leva ao ponto que a racionalidade não ocorre de maneira completa e simplificada. A posteriori, Tversky e Kahneman (1979) desenvolveram estudos acerca do tema, onde computaram que o comportamento racional proposto pela economia tradicional não necessariamente se aplica à realidade. Isto posto, Kahneman (2011) apresenta os modelos sistêmicos separados que fomentam o pensamento cognitivo, sendo estes os sistemas 1 e 2, supracitados anteriormente e que iremos ver com mais detalhes em seguida. 17 No sentido mais puro da palavra, cognição é a aquisição de conhecimento e necessita de alguns fatores tais como pensamento, linguagem, percepção, memória, raciocínio, dentre outros e o entendimento acerca do sistema cognitivo humano é extremamente relevante no ponto em nos auxilia no processo de tomada de decisões. Logo no início do capítulo que trata sobre os sistemas, Kahneman traz dois exercícios simples que nos trazem a reflexão acerca da diferenciação entre ambos. Uma foto de uma mulher aparentemente enraivecida e um problema matemático de multiplicação. No primeiro exemplo, nosso cérebro pressupõe diversas afirmações sobre a imagem de maneira bastante ágil, já na multiplicação apresentada, em um primeiro momento nossa mente apercebe-se da necessidade de um raciocínio mais lento para a resolução do cálculo e dispendendo esforço e tempo para tanto. O sistema 1 proposto por Kahneman (2011) traz uma afirmação acerca da maneira automática e impulsiva com a qual nosso cérebro toma decisões consideradas simplificadas, tendo desta forma os vieses e heurísticas atribuídos a este sistema, que tem a memória associativa intrinsecamente ligada a ele, fazendo com que haja interpretações ágeis acerca das situações que ocorrem em nosso dia a dia. Na nomenclatura proposta pelo autor, o sistema 1 seria o ‘pensar rápido’, sendo responsável por decisões simplificadas do dia a dia, como por exemplo as suposições acerca da foto. De acordo com o autor, o primeiro sistema não demanda esforço ou controle voluntário de nossas mentes, sendo o responsável por nos direcionar em decisões simplificadas. Ao tratarmos do sistema 2, nota-se o perfil mais analítico do mesmo, que é mais lento e consciente e faz com que disponhamos de foco e concentração maiores ao tratarmos das análises. O sistema 2, inclusive, costuma ser ativado quando o indivíduo se depara com cálculos complexos, como o apresentado por Kahneman (2011) em seu exemplo inicial. Este é o que utilizamos quando nos deparamos com questões mais confusas e que dependem de um uso maior da racionalidade. 18 Quadro – Representação dos dois sistemas Fonte: Laina Fries (2017) Os dois sistemas têm funções relevantes no processo de tomada de decisões, porém Kahneman (2011) ressalta sobre a utilização deles nas situações adequadas a cada um. Apesar de ser um sistema mais intuitivo, o autor explica acerca dos padrões de ideias complexos formados pelo primeiro sistema, ao ponto em que o sistema 2 é responsável pela ordenação no processo de construção dos pensamentos em série. Exemplificando em ordens de complexidade, Kahneman descreve diversas atividades executadas pelo sistema 1, que partem desde o a percepção acerca da distância entre dois objetos até a compreensão sobre sentenças e cálculos simples, como 2+2 e reforça a automaticidade da mente humana na execução dessas ações. Seguindo nesta linha, Kahneman (2011) lista uma série de ações que demandam maior atenção do indivíduo e apontaque quando esta atenção sofre um desvio tais ações são interrompidas. Desde a concentração na fala de uma pessoa específica ao se encontrar em um ambiente barulhento, até o preenchimento de uma declaração de imposto, é possível a percepção da diferença entre as atividades supracitadas no sistema 1, que são automáticas e as do sistema 2 não são realizadas no piloto automático, sendo, portanto, operações realizadas pelo nosso cérebro de maneira mais estruturada. Um dos apontamentos realizados por Kahneman (2011) se refere ao fato de os dois sistemas funcionarem sempre que o indivíduo está desperto, porém o sistema 1 atua de maneira automática e o sistema 2 se encontra, de acordo com as palavras do autor, mais confortável e demandando pouco esforço. De acordo com o livro Rápido e Devagar, o sistema 1 fornece para o sistema 2 impressões, intuições e sentimentos que se tornam crenças e ações voluntárias. Outra questão reforçada no texto é no que tange ao funcionamento desta comunicação entre ambos. Quando esta funciona da 19 maneira devida, o sistema 2 segue as ‘orientações’ do primeiro sistema da forma como estas foram repassadas. Porém, caso ocorra algum conflito no sistema 1, como por exemplo alguma situação para a qual ele não obtenha uma resposta satisfatória de forma automática, o segundo sistema é então acionado para a resolução deste problema. Isto posto, dada a automatização de pensamento gerada pelo sistema 1, heurísticas e vieses cognitivos são tradicionalmente vinculados como sendo os atalhos mentais gerados por ele. A palavra-chave que vincula os dois modos de pensar definidos por Kahneman com o conceito de heurísticas e vieses é substituição. Para o autor, o sistema 2 atua, em muitas das vezes, de maneira tida como preguiçosa. Desta forma, o sistema 1 que é automático e está sempre alerta, ao se deparar com questionamentos difíceis, busca realizar a substituição destas perguntas complexas por outras que tenham o mesmo teor, porém que sejam mais simples de responder. Kahneman (2011) define os dois tipos de perguntas como sendo a pergunta-alvo (de maior complexidade) e pergunta heurística (atalho buscado pelo sistema 1) e apresenta diversos exemplos para facilitar o entendimento acerca dessa diferenciação e como nosso sistema cognitivo atua neste processo de simplificação dos questionamentos. Um dos exemplos descritos pelo autor é: Pergunta-Alvo ‘Como devem ser punidos consultores financeiros que se aproveitam dos aposentados?’. A pergunta heurística, que facilitaria a resposta à esta questão é ‘Quanta raiva eu sinto quando penso em predadores financeiros?’. A pergunta heurística demanda muito menos complexidade na elaboração de uma resposta, que pode ser feita de maneira automática e geralmente são baseadas em evidências empíricas. A abordagem proposta por Kahneman integra a psicologia e análise de cada indivíduo à ciência econômica e busca obter um maior entendimento acerca do julgamento humano e do processo de tomada de decisões frente as situações adversas a que somos expostos. Tais estudos concederam ao psicólogo o Prêmio Nobel de Economia no ano de 2002 e tem sido cada vez mais fomentados entre os agentes econômicos. Quando se relaxa o conjunto de pressupostos psicologicamente irrealistas da teoria econômica de escolha racional, a percepção acerca dos contextos intrínsecos ao indivíduo, que permeiam o processo de tomada de decisões, torna-se 20 extremamente relevante a busca por melhores explicações e possivelmente previsões de problemas decisórios de relevância econômica. O entendimento proporcionado pela economia comportamental exige uma revisão profunda dos conhecimentos adquiridos anteriormente, trazendo à luz as necessidades, desejos e ações individuais. 3.3 HEURÍSTICAS E VIESES COGNITIVOS A palavra heurística vem do grego heuristiké e significa 1. Ciência ou arte que leva à invenção e descoberta dos fatos (MICHAELIS). As heurísticas são um método investigativo pautado na aproximação dos fatos, sendo uma forma mais simplificada e ágil de encontrar respostas para questionamentos difíceis. Entretanto, por mais que tais respostas pareçam adequadas, uma análise racional latente pode, neste sentido, entregar respostas imperfeitas. Em seu livro Rápido e Devagar, Duas Formas de Pensar (2011), Daniel Kahneman aponta a capacidade que a mente humana possui para atuar de duas maneiras, sendo uma destas rápida e intuitiva e a outra mais lenta, porém com uma lógica mais acentuada. A esta maneira mais intuitiva do pensar, os atalhos mentais construídos através de experiências empíricas, Tversky e Kahneman definiram como sendo heurísticas do pensamento, que podem levar o indivíduo à vieses cognitivos, incorrendo desta forma em erros no processo de tomada de decisão. Neste sentido, Tversky e Kahneman (1982) trazem à tona pontos relevantes no que tange sobre o estudo das heurísticas e vieses. Para os autores, uma análise profunda acerca destas limitações intelectuais é necessária para que sejam conhecidas formas de aperfeiçoar o processo de tomada de decisões. Além disto, torna-se possível o entendimento acerca dos processos psicológicos que regem o julgamento e as conclusões tomadas pelos indivíduos. Ora, o conhecimento e o entendimento são fatores primordiais que permitem o reconhecimento de situações nas quais tais erros sistemáticos levam os indivíduos a cometerem falhas em suas análises, sendo, portanto, essencial o estudo que leva estas pessoas a identificarem estes equívocos, evitando que incorram nestas 21 impropriedades, buscando sempre resultados positivos em seus investimentos (KAHNEMAN E RIEPE, 1998). Pautados nos estudos de Simon, Tversky e Kahneman deram início então à abordagem conhecida como heurísticas e vieses e, através de diversas pesquisas, aperceberam-se do fato que existem diversos efeitos recorrentes dentro do processo de tomada de decisões, o que os levou a desenvolver a Teoria dos Prospectos. Esta teoria propõe, através de experimentos científicos, que o processo de tomada de decisão dos indivíduos não está imune a respostas não racionais. Ou seja, os decisores não apresentam um comportamento que seja sempre consistente perante situações de risco, o que nos traz de volta às limitações da abordagem econômica inspirada na hipótese de racionalidade plena. Tais inconsistências comportamentais, definidas por Tversky e Kahneman como as heurísticas, foram discriminadas pelos autores de acordo com os tipos de heurísticas, que possuem ascendência inclusive de nossas memórias e histórico emocionais. Tversky e Kahneman (1974) afirmaram que "as pessoas se baseiam em um número limitado de princípios heurísticos que reduzem as tarefas complexas de avaliar probabilidades e predizer valores para operações de julgamento mais simples". Neste contexto, entende-se a nomenclatura de atalhos mentais para as heurísticas, posto que nosso sistema cognitivo busca simplificar e solucionar da maneira mais adequada, ainda que muitas das vezes, errônea, questões complexas que surgem aos indivíduos. A estes erros que ocorrem, de maneira regular e previsível, no processo de tomada de decisões e são decorrentes das heurísticas, os autores se referem como sendo vieses cognitivos. Dentro do estudo das heurísticas, os autores identificaram padrões sistemáticos que levam à desvios da racionalidade, de forma inconsciente, no processo de tomada de decisão. Tais padrões são conhecidos como vieses cognitivos e decorrem dos gatilhos mentais supracitados, dentre outros já descriminados por Tversky e Kahneman, através de seus experimentos. O entendimento acerca das heurísticas e vieses cognitivos auxiliam o indivíduo a identificar como reconhecê-los, evitando desta forma que sejam tomadas decisões equivocadas, sendo bastante utilizado no mercado financeiro, através dasfinanças comportamentais, estudo que 22 tem sido fomentado dentro das instituições financeiras, fazendo com que estas tenham resultados escalonados (MILANEZ, 2003). Tversky e Kahneman (1974) apontam três principais heurísticas responsáveis pelos vieses cognitivos, incorrendo em erros de julgamento, sendo estas a representatividade, disponibilidade e ancoragem. Gilovich e Griffin (2002) falam sobre as principais heurísticas descritas: Quando perguntamos a alguém para avaliar a frequência relativa do uso de cocaína pelos atores de Hollywood, pode-se estimar um valor pela facilidade com que exemplos de usuários de drogas que são celebridades, são recuperados da memória – heurística da disponibilidade. Quando alguém avalia qual é a probabilidade que um dado ator cômico é um usuário de cocaína, pode-se estimar a similaridade entre o referido ator e um usuário típico de cocaína – heurística da representatividade. E esta mesma pergunta também pode ser respondida, iniciando-se com um valor saliente (p.ex., 50%) e ajustando este valor para baixo para se chegar a uma resposta final. Tais heurísticas e os vieses cognitivos decorrentes destas, tem sido amplamente abordados pelo campo das finanças comportamentais, afim de explicar o comportamento de investidores perante situações atípicas. O entendimento acerca dos atalhos mentais que incorrem em erros de julgamento no processo decisório nos ajudará na análise acerca da pirâmide financeira orquestrada por Bernard Madoff. 3.3.1 HEURÍSTICA DA REPRESENTATIVIDADE A heurística da representatividade versa sobre decisões equivocadas, que foram pautadas no uso da intuição, utilizando a similaridade com o meio do qual o indivíduo se origina. Os autores apontam algumas razões pelas quais os decisores utilizam este atalho mental, como a falta de entendimento acerca de estimativas básicas, tais como o desconhecimento no que tange a estatísticas e o tamanho da amostra analisada, visto que estas pessoas creem que a pequena amostragem na qual se baseiam representa toda a população da qual foi extraída (TVERSKY E KAHNEMAN, 1974). Tversky e Kahneman (1974) propõem o seguinte exercício para um melhor entendimento sobre a heurística da representatividade, que consistia em entender como as pessoas avaliariam as probabilidades do Sr. X estar envolvido em cada uma 23 dessas ocupações descritas e como elas ordenam as ocupações em termos de probabilidade: Foi apresentado o Sr. X, que foi descrito com as seguintes características: meticuloso, introvertido, manso, solene. E o conjunto de ocupações: agricultor, vendedor, piloto, bibliotecário, médico. A heurística da representatividade induz as pessoas a assemelharem o indivíduo apresentado com o estereótipo de cada profissão e ordena as mesmas pelo grau que o Sr. X representa estes estereótipos (TVERSKY E KAHNEMAN, 1974). Um apontamento importante feito pelos autores após este experimento, indica que os erros induzidos pela heurística da representatividade consistem no julgamento através da probabilidade, fazendo com que sejam ignorados fatores relevantes na análise. Dentro deste conceito, os vieses encontrados são a ilusão de validade, onde o excesso de confiança em suas próprias previsões faz com que haja dificuldade em perceber a validade dos eventos e situações. A insensibilidade à previsibilidade, é outro viés decorrente da representatividade e dificulta que o indivíduo faça uma avaliação racional dos eventos, mesmo quando tem acesso a informações relevantes. Já a concepção errônea de caso é o viés que influencia o indivíduo a enxergar o acaso como sendo um processo de autocorreção em busca do ponto de equilíbrio. 3.3.2 HEURÍSTICA DA ANCORAGEM O gatilho mental seguinte é o da ancoragem, sendo este uma influência que o indivíduo recebe pelo valor de uma referência baseada em antecedentes históricos (âncora) para que se possa tomar uma ação decisória. Racionalmente falando, a decisão deveria ser tomada desconsiderando-se valores que sejam desproporcionalmente altos ou baixos. Paiva (2013) fala que para que se chegue ao nível mais próximo da exatidão, torna-se necessária a consciência acerca de valores extremos praticados e a busca por valores que balanceiem a âncora (valor) inicial. De maneira simplificada, a heurística da ancoragem é a confiança excessiva em uma referência do passado ou em um ponto exclusivo no processo de tomada de decisão. 24 No livro Julgamento sob incerteza: heurísticas e vieses, os autores Kahneman e Tversky (1974), realizaram um experimento denominado Roda da Fortuna, onde foi solicitado dos participantes que estimassem várias quantidades, as quais seriam declaradas em porcentagens. Foi determinado, para cada questão, um valor inicial entre 0 e 100 e, então, girava-se a roda da fortuna na presença dos participantes. A estes foi solicitado que indicassem se o valor inicial era muito alto ou muito baixo, para em seguida indicar sua estimativa, movendo-se para cima ou para baixo a partir desse valor. Grupos diferentes receberam valores de partida diferentes, que tiveram relevância significativa nas estimativas de cada indivíduo. Trazendo em percentuais o resultado do experimento, grupos que receberam entre 10% e 65% como pontos arbitrários, no questionamento sobre a porcentagem de países africanos na ONU, apresentaram estimativas medianas em suas respostas de 25% e 45%. Em seu experimento, Kahneman e Tversky (1974) puderam identificar que valores iniciais aleatórios e não informativos, apesar de insuficientes em termos de dados estatísticos, tem capacidade para influenciar as escolhas do tomador de decisões, induzindo a erros no que tange a estimativas de valor. 3.3.3 HEURÍSTICA DA DISPONIBILIDADE Quando o decisor utiliza de lembranças de fatos, prevendo sua repetição no futuro no processo de tomada de decisões, Tversky e Kahneman (1974) chamam este atalho mental de heurística da disponibilidade. Esta ocorre quando a concentração do indivíduo está em um ponto específico ao invés de uma visão mais ampla e macro da situação ocorrida anteriormente. A heurística da disponibilidade pode levar a alguns vieses cognitivos, como por exemplo a correlação ilusória, que faz com que sejam buscadas correlações entre informações que sejam mais comuns ao decisor. Outro viés decorrente da heurística da disponibilidade é o que advém da ocorrência de uma quantidade superior de exemplos, auxiliando, portanto, no julgamento decisório. 25 O experimento realizado por Tversky e Kahneman (1974) afim de ilustrar a heurística da disponibilidade apresentava aos participantes de diversos grupos, listas com nomes de personalidades conhecidas, entre homens e mulheres: Em uma demonstração elementar desse efeito, foi lida para os participantes de um experimento uma lista de personalidades muito conhecidas de ambos os sexos e lhes foi pedido para julgar se a lista continha mais nomes de homens do que de mulheres. Listas diferentes foram apresentadas a diferentes grupos de participantes. Em algumas delas, os homens eram relativamente mais famosos do que as mulheres, e em outras as mulheres eram relativamente mais famosas do que os homens. Em cada uma das listas, os voluntários julgaram erroneamente que a classe (sexo) com o número de personalidades mais famosas era a mais numerosa. (Tversy e Kahneman, 1974, p. 15) Esta heurística pode incorrer no viés decorrente da recuperabilidade de exemplos e este é o viés que faz com que o indivíduo realize julgamentos baseados em uma quantidade maior de exemplos aos quais tenha sido exposto. Outro viés consequente da heurística da disponibilidade é o da imaginabilidade, onde a pessoa avalia a situação através de respostas acerca de determinadas regras, pautada na possibilidade da ocorrência de eventos não armazenados em sua memória.Já o viés da correlação ilusória direciona o tomador de decisões na busca de familiaridade nas informações, gerando esta correlação (LACERDA, 2010). 3.4 AVERSÃO À PERDA Dentro da teoria da perspectiva, Tversky e Kahneman (1979) que será destrinchado mais abaixo, identificaram através de estudos o conceito de aversão à perda, como sendo o viés cognitivo que decorre das heurísticas e faz com que os indivíduos atribuam maior relevância às perdas que aos ganhos o que, no ambiente de mercado financeiro, induz investidores a correr mais risco em busca de cobrir eventuais prejuízos. No campo da psicologia, a dor da perda é duas vezes mais latente que o prazer adquirido com o ganho. 26 Afim de ilustrar o conceito, Tversky e Kahneman (1979) propuseram a seguinte questão: Jogo de cara ou coroa Resultado Cara – Você perde $100,00 Resultado Coroa – Você ganha $150,00 OU Resultado Cara – Você perde $100,00 Resultado Coroa – Você ganha $250,00 Considerando uma resposta intuitiva, a maioria das pessoas não aceitaria a aposta 1, apesar de um resultado positivo, existe o custo psicológico da perda. Paralelamente, em seus experimentos o autor aponta que o ponto de equilíbrio nesta aposta, seria o cenário 2, onde a possibilidade de ganho é 2,5x maior que a perda provável. Kahneman (2011) comenta que “Quando diretamente comparadas ou ponderadas em relação umas às outras, as perdas assomam como maiores do que os ganhos.” [...] e, biologicamente falando “Organismos que tratam ameaças como mais urgentes do que as oportunidades têm uma melhor chance de sobreviver e se reproduzir.” O gráfico abaixo demonstra o valor psicológico de ganhos e perdas e Kahneman (2011) destaca que o formato em S representa a sensibilidade decrescente do indivíduo para ambas as situações, contudo, a mudança abrupta da inclinação da função no ponto de referência demonstra justamente que a reação às perdas é predominantemente mais forte que a reação aos ganhos indicados. 27 Aversão à perda: Fonte: Daniel Kahneman (2011) No âmbito das finanças comportamentais, é importante frisar sobre a diferenciação entre aversão à risco e aversão à perda, salientando que as pessoas não têm medo do risco em si, mas sim da perda em que pode incorrer determinada decisão. Neste sentido, também é entendível que os indivíduos são mais propensos ao risco quando se encontram em uma situação na qual estão perdendo e avessos ao mesmo risco em um cenário de ganho (ARAÚJO E SILVA, 2007). Neste sentido, é perceptível a irracionalidade presente no processo de tomada de decisões frente a este viés cognitivo, que faz com que as pessoas deixem de lado embasamentos estatísticos e dados históricos. Tomemos como exemplo uma situação trivial, como viajar de carro ou de avião. Araújo e Silva (2007) apresentam a seguinte afirmação: analisando-se dados estatísticos, uma viagem de avião é mais segura que a de carro, porém um número significativo de pessoas prefere a viagem de carro. Exemplificando o mesmo conceito no mercado financeiro, investidores optam pela compra de ações quando estas tem tido altas significativas e realizam o movimento contrário quando as mesmas estão em queda no mercado, ou seja, vendem as ações. 28 3.5 EFEITO MANADA No mundo animal existe um comportamento bastante comum, observado em grupos como alcateias, rebanhos e cardumes que é definido como comportamento de manada e se refere à ação em conjunto tomada por estes grupos sem nenhuma organização feita de maneira antecipada. Bertrand Russel disse que “o medo coletivo estimula o instinto de rebanho e tende a produzir ferocidades para com aqueles que não são considerados membros do rebanho.” Não somente entre lobos, ovelhas e peixes, dentre outros animais, este comportamento também pode ser visto entre os humanos. Aplicado à raça humana, o conceito psicológico de efeito manada sugere que “o indivíduo tende a seguir o comportamento e/ou as decisões de um grupo, tendo em mente que é melhor errar em grupo do que sozinho” (SOUZA, 2017). Em seu livro Previsivelmente Irracional, o psicólogo Dan Ariely ilustra o efeito de manada tendo como base situações que podem ocorrer em uma fila de restaurante. Ariely (2008) convida o leitor a se imaginar passando por um restaurante, onde vê duas pessoas aguardando na fila. Automaticamente, seu cérebro supõe que é um bom restaurante e você se coloca na fila, que agora conta com três pessoas. Conforme outros indivíduos passam pelo restaurante e veem a fila de pessoas esperando para entrar, estes também partem do pressuposto da qualidade oferecida pelo estabelecimento e a fila aumenta progressivamente. O efeito de manada ocorre quando os indivíduos passam a supor que determinada coisa ou situação é positiva ou negativa de acordo com o comportamento de outra pessoa e não com base em informações. Toch (1988) fala que o comportamento de grupo é fortemente influenciado pela perda de responsabilidade individual. Bastante explorado no campo das finanças comportamentais, o efeito de manada é bastante recorrente no mercado financeiro e demonstra o comportamento de investidores ao tomarem decisões pautados somente no comportamento do grupo, sem considerar suas próprias análises e conhecimento de mercado (SANCHES, 2013). No ambiente de mercado financeiro e, principalmente em situações de crise, este comportamento é considerado uma anomalia de mercado e a irracionalidade presente nos investidores, levando a uma movimentação de larga escala, incorre em mecanismos de defesa como o circuit breaker em casos de volatilidade anormal (ROMANO, 2020). Romano comenta ainda que o excesso de informação disponível gera alguns efeitos negativos, como por exemplo, em uma situação de risco, o 29 investidor alia o comportamento defensivo a um alto grau de ansiedade, transformando o comportamento racional em impulsivo. Esse efeito é evidente quando as pessoas fazem o que os outros estão fazendo, em vez de usar suas próprias informações ou tomar decisões independentes. A ideia de pastorear tem uma longa história em filosofia e psicologia de massa. É particularmente relevante no domínio das finanças, onde tem sido discutido em relação à irracionalidade coletiva dos investidores, incluindo as bolhas do mercado de ações (Banerjee, 1992). Em outras áreas de tomada de decisão, como política, ciência e cultura popular, o comportamento de manada é por vezes referido como ‘cascatas de informação’” (Bikhchandi, Hirschleifer, & Welch, 1992). O entendimento e conhecimento acerca do efeito manada, principalmente no âmbito das finanças comportamentais tem sua relevância no ponto em que comportamentos enviesados e irracionais, levam a um cenário no qual os preços oscilam longe do ponto de equilíbrio e de maneira completamente injustificada dados os seus fundamentos, sendo, portanto, ineficientes (HACHICHA, 2010). 3.6 EFEITO HALO Na primeira parte de seu livro Rápido e Devagar, o autor Daniel Kahneman (2011) nos apresenta o conceito de “Coerência Emocional Exagerada”, também conhecido como efeito halo, que é um dos vieses cognitivos relevantes no campo das finanças comportamentais e que terá bastante influência em nosso trabalho. Conhecido pela psicologia há mais de 100 anos, o efeito halo foi descrito pelo psicólogo americano Thorndike (1920), que durante a Primeira Guerra observou a relação entre oficiais de comando e seus subordinados e identificou que os membros mais altos e bonitos também eram vistos como mais inteligentes e melhores soldados, influenciando as decisões de acordo com uma ‘tendência de mercado’. O efeito halo descreve sobre como uma primeira impressão, seja esta positiva ou negativa, causada por algo ou alguém, é capaz de influenciar as nossas avaliações posteriores sobre esta coisa ou pessoa. É um termobastante utilizado no campo da psicologia e reforça a simplicidade automática gerada pelo sistema 1, que muitas vezes difere a forma como a coisa é apresentada por este sistema da coisa real (KAHNEMAN, 2011). Um exemplo simples apresentado pelo autor logo no início da discussão é quando ele se refere ao fato de um indivíduo que tenha apreço pela 30 política do presidente, provavelmente também terá simpatia por sua voz e/ou aparência. Ou seja, “a tendência a gostar (ou desgostar) de tudo que diz respeito a uma pessoa — incluindo coisas que você não observou — é conhecida como efeito halo.” (KAHNEMAN, 2011). Este é um viés utilizado por nossa mente para realizar uma definição acerca de algo em sua totalidade, porém dispondo de poucas informações. Kahneman (2011) atenta para o fato de que o efeito halo pode ter um viés não somente positivo, como negativo também e isto incorre em erros de julgamento no processo de tomada de decisões. Exemplificando, se o indivíduo considera um jogador como bonito e atlético, automaticamente será direcionado a crer que ele também será um excelente jogador. Caso o mesmo jogador seja considerado feio, o julgamento no que tange à capacidade técnica dele, será enviesado a julgá-lo como um mau jogador, independente do conhecimento que a pessoa tenha sobre o jogador. O autor fala que o efeito halo “contribui para a coerência porque nos inclina a equiparar nossa visão de todas as qualidades de uma pessoa com nosso julgamento de um único atributo que é particularmente significativo.” (KAHNEMAN, 2011). Rosenzweig (2007) fala sobre a influência do efeito halo na percepção que temos acerca do desempenho de uma empresa. Quando uma empresa vai bem, tendemos a achar que é por sua estratégia brilhante, um CEO visionário, empregados motivados e cultura organizacional vibrante. Quando há crises, a estratégia era equivocada, o CEO era arrogante, as pessoas eram acomodadas e a cultura pesada. Quando a performance cai, tendemos a achar que a estratégia estava equivocada, o CEO tornou-se arrogante, as pessoas ficaram preguiçosas e a cultura pesada demais (ROSENZWEIG, 2007). Um apontamento importante feito por Kahneman (2011) fala sobre a sequência em que as características são apresentadas e a influência que isto tem sob o julgamento. O autor reforça o fato de que esta sequência é muitas vezes determinada pelo acaso e, mesmo estando sujeito a isto, o efeito halo nos faz subjugar as demais informações a que o indivíduo terá acesso sobre determinada situação, incorrendo em erros de julgamento e de decisão. A automatização de julgamento criada pelo sistema 1, quando confrontada com informações que vão em desacordo com a primeira impressão, geram desconforto nos pensamentos e diminuem a clareza dos pensamentos, levando a pessoa a uma ilusão de compreensão. 31 3.7 EXCESSO DE CONFIANÇA Overconfidence, ou excesso de confiança, em português é o termo cunhado por Tversky e Kahneman (1982) no artigo Intuitive Prediction: Biases And Corrective Procedures e esclarece acerca do viés cognitivo que faz com que indivíduos tendam a realizar julgamentos e estimar probabilidades quando possuem um conhecimento aquém do necessário para tanto. Este viés ocorre “Quando os julgamentos de confiança são maiores do que as freqüências relativas das respostas corretas” (GIGERENZER, HOFFRAGE e KLEINBÖLTING, 1991). Griffin e Varey (1996) descrevem a ocorrência de dois tipos de overconfidence. O primeiro ocorre quando a pessoa tende a superestimar a probabilidade de um resultado favorável e é chamado de excesso de confiança otimista. Já o segundo ocorre quando não há boas probabilidades de um resultado positivo, porém o tomador de decisão superestima seu próprio conhecimento. Tversky e Kahneman (1982) evidenciam que este enviesamento tende a aumentar proporcionalmente com a ignorância do tomador de decisões. Paralelamente, a partir do momento em que a pessoa detém informações relevantes referentes à situação problema, o enviesamento deixa de ocorrer. Para ilustrar o excesso de confiança, em 1977 Fischhoff conduziu um estudo, amplamente divulgado, que tinha por objetivo entender a aptidão para a extrema confiança. Os pesquisadores fizeram a estudantes de graduação perguntas do tipo: Absinto é (a) um licor ou (b) uma pedra preciosa? E os convidou a julgar o quão confiante eles estavam que suas respostas estavam certas. O grau de 54 excesso de confiança foi surpreendente. Os sujeitos que indicaram que estavam 100% certos de que suas respostas estavam certas estavam em média, corretos 70-80% das vezes (FISCHHOFF, SLOVIC e LICHTENSTEIN, 1977). “Quando a proporção correta é menor do que a probabilidade subjetiva (confiança) diz-se que ocorre excesso de confiança e quando é maior há baixa confiança” (PULFORD, 1997). 32 Excesso de confiança: Fonte: Pulford (1997) Os autores dedicados ao estudo deste viés, identificaram alguns fatores relevantes que influenciam o excesso de confiança. Tversky e Kahneman (1974) e Lichtenstein, Fischhoff e Phillips (1982) apontam que o acesso à informação é um destes fatores. Em um cenário no qual os tomadores de decisão possuem mais informações disponíveis para análise do problema, a probabilidade de acreditarem que estão fazendo as melhores escolhas aumentará exponencialmente. Ao mesmo tempo, a complexidade da escolha também aumentará, visto a quantidade de informações extras incluídas na questão. Desta forma, entende-se que quanto mais informação disponível, mais confiança o indivíduo terá em sua escolha, porém tenderá à uma decisão menos acurada. Outro efeito apontado por Lichtenstein, Fischhoff e Phillips (1977) através de estudos, demonstram que quando o indivíduo se encontra diante de situações de difícil julgamento, o excesso de confiança tende a aumentar e, paralelamente, em situações de menor complexidade o excesso de confiança reduzia significativamente. A este efeito, que foi denominado hard-easy effect Gigerenzer, Hoffrage e Kleinbolting (1991) explicam que “Ocorre quando o grau de excesso de confiança aumenta com a dificuldade das questões, onde a dificuldade é medida pela porcentagem de respostas corretas”. 33 A este viés, podem ser atribuídas vantagens e desvantagens, como por exemplo uma maior motivação, aumento no grau de aspiração e fortalecimento de defesas em casos de feedbacks negativos (TAYLOR E BROWN, 1988). Oposto à estas vantagens descritas, Kahneman e Lovallo (1993) apontam que essas ilusões positivas podem ser nocivas ao indivíduo, visto que o direcionam a um julgamento pobre, à perseguição de objetivos não racionais e às negociações não adequadas. Estas ilusões positivas geram uma avaliação, costumeiramente errônea, acerca de suas habilidades frente à determinadas situações (KAHNEMAN E LOVALLO, 1993). 3.8 TEORIA DA PERSPECTIVA E EFEITO FRAMING Uma das teorias mais difundidas e influentes na economia tradicional, é a Teoria da Utilidade Esperada, proposta por Daniel Bernoulli e fala sobre a maximização de utilidade que advém da perfeita racionalidade do indivíduo. Desta forma, de acordo com os racionalistas, o homem possui total adaptação às adversidades que surgem durante as mais diversas situações. Essa facilidade em se adaptar, permite à pessoa que utilize sua racionalidade de maneira ilimitada no processo de tomada de decisões (FRIES, 2017). Cusinato (2003) explica que Bernoulli trouxe à tona uma visão na qual o valor atribuído à determinado bem ou riqueza não seria propriamente seu valor monetário, mas sim a utilidade que tal elemento traria à pessoa. “[...] os economistas [...] atribuem ao homem econômico uma onisciência racional absurda, tornando-o senhor de um sistema de preferências completo e congruente que lhe permite: a) escolher sempre as várias alternativas com que se defronta; b) saberem que consistem elas; c) realizar avaliações cuja complexidade é ilimitada, a fim de determinar que alternativas são mais desejáveis, e d) executar complicadíssimos cálculos de probabilidade que não amedrontam nem apresentam qualquer mistério (p. XXI).” (SIMON, 1979 apud FIGUEIREDO, 2013, p. 18). Em 1944, o economista Morgenstern e o matemático Neumann, pautados na teoria proposta por Benoulli, escreveram a Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico, acrescentando ao modelo matemático uma série de axiomas que fundamentariam o conceito de racionalidade econômica (FRIES, 2017). 34 Como uma alternativa crítica à Teoria da Utilidade Esperada, Kahneman e Tversky (1979), desenvolveram a Teoria da Perspectiva. Em seu livro Rápido e Devagar, Kahneman (2011) conta que no início dos anos 70 recebeu de Tversky um ensaio do economista suíço Bruno Frey e ficou com a sentença de abertura marcada em sua mente. A sentença falava que “O agente da teoria econômica é racional e egoísta e seus gostos não mudam.” (KAHNEMAN, 2011). O autor apercebeu-se, então, da discordância entre sua área de conhecimento e de seus colegas economistas, posto que a psicologia evidência desde que nem sempre os agentes serão completamente racionais ou completamente egoístas. Após a leitura do artigo de Frey, Tversky e Kahneman deram início então a pesquisas acerca do processo de tomada de decisões, obtendo assim o embasamento necessário para proporem a Teoria das Perspectivas. Em seus estudos, os autores notaram que a teoria de Bernoulli não apresentava respostas para situações nas quais indivíduos diferentes optavam por decisões diferentes, quando expostos aos mesmos questionamentos. Em um dos exemplos apresentados em seu livro, Kahneman fala que o modelo não explica a aversão ao risco de uma das pessoas e a preferência pela busca ao risco da outra. Kahneman (2011) expõe ao leitor a seguinte situação: Anthony e Betty possuem níveis diferentes de riqueza e aos dois foi oferecida a mesma escolha, baseada em aposta e segurança. A atual riqueza de Anthony é um milhão A atual riqueza de Betty é quatro milhões A aposta: chances iguais de terminar possuindo um milhão ou 4 milhões OU A coisa segura: possuir dois milhões com certeza Anthony e Betty possuem referências diferentes acerca da riqueza e, de acordo com a teoria proposta por Bernoulli, ambos deveriam optar pela mesma escolha. Para Betty, ambas opções são desvantajosas, visto que ao escolher a aposta ela incorre no risco de manter sua riqueza ou perder três quartos dela e, escolhendo a segurança, 35 ela necessariamente irá perder metade do valor que possuía inicialmente. Já para Anthony, a opção que busca a segurança seria a que maximizaria sua utilidade, visto que, tal alternativa, seu capital seguramente dobraria de valor. Já a opção da aposta traria para ele a possibilidade de triplicar sua fortuna, ou fazer com que ela caísse pela metade. A teoria proposta por Bernoulli implica que ambos tomariam a mesma decisão, provavelmente a de segurança, mesmo se encontrando em posições e com pontos de referência diferentes. Ao analisar a situação sob a ótica de Betty, Kahneman identifica que, neste caso, a escolha feita por ela tenderia à busca pelo risco, posto que na segurança ela necessariamente veria seu capital reduzido pela metade. A este erro de percepção de Bernoulli, Kahneman chama de ‘cegueira induzida pela teoria: uma vez você tendo aceitado uma teoria e a utilizado como ferramenta em seu pensamento, é extraordinariamente difícil notar suas falhas.’ (KAHNEMAN, 2011). Como uma alternativa à abordagem tradicional de escolha sob risco, Tversky e Kahneman entenderam então que uma situação que propõe resultados incertos, trazem uma maior probabilidade de indivíduos tomarem decisões diferentes, de acordo com seus pontos de referência. Neste sentido, os autores também identificaram que o sentimento de perda é mais pujante que o de ganho, nos trazendo então o conceito de Aversão a Perda, citado anteriormente neste trabalho, e demonstrando que, quando estamos em uma situação em que ambas as escolhas são ruins, como no caso de Betty, somos mais propensos ao risco. A este movimento de busca ao risco, os autores batizaram de Efeito Reflexão (CVM, 2014). Dentro da Teoria da Perspectiva, os autores apresentaram também o Efeito Framing, ou Enquadramento, que explica sobre como as escolhas são influenciadas pela maneira como o problema é apresentado (enquadrado) ao indivíduo. Também foi identificado um maior impacto na decisão, quando o problema apresentado evidencia as perdas ou ganhos (CVM, 2015). 36 Um exemplo apresentado por Tversky e Kahneman (1979) para explicar o efeito framing, falava sobre a comunicação referente ao impacto de uma epidemia. Na situação proposta, uma doença infectou 600 pessoas e os participantes deveriam escolher de acordo com as opções abaixo: PROGRAMA A: 200 pessoas são salvas; PROGRAMA B: 1/3 de chances de as pessoas serem salvas e 2/3 de chances de as pessoas morrerem. Sob essa perspectiva, a maioria das pessoas escolhe o programa A. Reformulando a forma como a questão foi apresentada, temos os dois programas: PROGRAMA C: 400 pessoas morrem; PROGRAMA D: 2/3 de chances de as pessoas serem salvas e 1/3 de chances pessoas morrerem. Quando foram expostas aos programas C e D, a maioria das pessoas optou pelo programa D. Percebe-se que as soluções propostas aos problemas são as mesmas, o que varia é exatamente a forma como são apresentadas. Quando os participantes se depararam com a palavra MORTE, que remete à perda, nota-se o viés de aversão à perda, fazendo com que estes escolham o segundo programa. Cardoso e Riccio (2005) atentam para o fato de que o viés decorrente do framing em uma situação de escolha pode gerar preferências assimétricas para os indivíduos, dependendo da forma que o cenário for manipulado. A análise realizada no que tange aos conceitos da economia comportamental nos propiciará o entendimento necessário para seguirmos ao próximo capítulo, que tratará de uma análise mais aprofundada acerca do caso Madoff sob a ótica da Economia Comportamental. 37 4. INTERPRETAÇÃO DO CASO MADOFF SOB A ÓTICA DA ECONOMIA COMPORTAMENTAL 4.1 CRISE DE 2008 E A QUEDA DE BERNARD MADOFF No ano de 2008, o mundo vivenciou uma crise financeira causada pela bolha imobiliária nos Estados Unidos, iniciada em 2007 e que levou à falência de um dos principais bancos do país, o Lehman Brothers, gerando grandes incertezas e levando a maior recessão econômica a nível global desde a Segunda Guerra Mundial (EXAME, 2018). Durante o período de 2002 a 2007, os Estados Unidos viram sua economia passar por uma larga expansão, que foi fomentada principalmente pelo mercado imobiliário. Através de uma política monetária expansionista, o Federal Reserve reduziu a taxa básica de juros do país de 6,5% em 2001 para 1% em 2003 e 2004, estimulando agressivamente o financiamento imobiliário (EVANS, 2011). Tais hipotecas eram ofertadas, inclusive, para famílias de baixa capacidade financeira, conhecidas também como hipotecas subprime. A busca por financiamento imobiliário levou a um aumento expressivo no preço dos imóveis e, com empréstimos calculados em cima do novo valor das casas e a uma taxa de juros em torno de 10%, houve um aumento no consumo. Entretanto, não havia instrumentos financeiros suficientes para suprir o crescimento exponencial das hipotecas e as instituições findavam realizando a venda de títulos lastreados em hipotecas, para venda no mercado de capitais. Este derivativo foi uma forma encontrada pelos bancos de não ir em desencontro ao acordo de Basileia, que determina que os bancos mantenham reserva de capital
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