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MARIA CLARA SODRÉ– MEDICINA - UFMT 1 RCIU – Restrição de crescimento intrauterino • Ocorre quando o feto, por motivos patológicos, possui crescimento inferior ao normal, restringindo seu desenvolvimento intrauterino. • A origem do problema pode ser fetal, placentária ou materna. • A RCF (restrição de crescimento fetal) está associada a substanciais taxas de morbidade e mortalidade perinatais. • A morbidade perinatal é cerca de cinco vezes maior, devido à maior frequência de hipóxia, aspiração de mecônio, insuficiência respiratória, hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia, hipotermia, hemorragia pulmonar e prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM). ➔ O conceito mais aceito na atualidade é o peso fetal abaixo do percentil 10 para a idade gestacional (IG), estimado pela ultrassonografia (USG) obstétrica na 2a metade da gravidez, com base nas curvas padrão específicas de cada população. A confirmação diagnóstica é realizada, muitas vezes, apenas após o nascimento, quando o peso do recém- nascido (RN) for inferior ao percentil 10 para a IG e este é classificado como pequeno para a idade gestacional (PIG). • O processo de crescimento fetal é dividido em: 1. Hiperplasia: primeiras 16 semanas, aumento na quantidade de células. 2. Fase de hiperplasia e hipertrofia: entre 16 e 32 semanas de gestação, aumenta o número e o tamanho de células 3. Fase de hipertrofia: 32ª semana, aumenta o tamanho celular, maior ganho de gordura. • Pode ser simétrico ou assimétrico. O simétrico caracteriza-se por cabeça e abdome menores. Ocorre geralmente na fase de hiperplasia, por infecções (CMV, rubéola, parvovírus), anomalias, drogas ilícitas etc. • Já o assimétrico é uma consequência de fatores extrínsecos, geralmente se relaciona à disponibilidade inadequada de substratos para o feto. Cabeça possui tamanho preservado, abdome reduzido pelo menor tamanho do fígado e pouco tecido adiposo. • No CIUR simétrico, a circunferência cefálica (CC), a circunferência abdominal (CA) e o comprimento do fêmur (CF) estão todos reduzidos. • No CIUR assimétrico, a CC continua a crescer apropriadamente para a idade gestacional, enquanto a CA e o CF não a acompanham. Essa assimetria torna-se pronunciada após 28 semanas. • Também pode ser misto: trazida por algumas fontes como 5-10% dos casos, sendo consequente a processos de agressão tanto na fase de hiperplasia quanto na de hipertrofia, geralmente no 2o trimestre da gestação. Os principais fatores etiológicos são desnutrição materna e consumo de determinados fármacos, álcool e fumo. O diagnóstico clínico é difícil, sendo geralmente os RN classificados como tipo I ou II. ➔ ETIOLOGIAS FETAIS • Anormalidades estruturais: trissomia do 18, do 13 e do 21. Defeitos cardíacos, agenesia renal etc. • Infecções congênitas: antes da 20ª semana, CIUR simétrico, CMV, toxoplasmose, sífilis e malária. MARIA CLARA SODRÉ– MEDICINA - UFMT 2 • Gravidez gemelar: pode ocorrer tanto em gestações monocoriônicas, quanto nas dicoriônicas, mas é mais comum e grave nas monocoriônicas. • O CIUR seletivo (diferença de peso > 20% entre os gêmeos) incide em um quarto a um terço das gestações gemelares, especialmente nas múltiplas. ➔ ETIOLOGIAS PLACENTÁRIAS • Insuficiência placentária: diminuição da perfusão uteroplacentária, dividido em CIUR placentário precoce e tardio, o que tem aplicações no diagnóstico e na avaliação anteparto. • Anormalidades estruturais: placenta pequena, placenta prévia, placenta circunvalada, inserção velamentosa do cordão, corioangioma e artéria umbilical única. ➔ ETIOLOGIAS MATERNAS • Má nutrição: Se for muito grave pode levar a CIUR. • Doença vascular: Está associada à diminuição da perfusão uteroplacentária e representa 20 a 30% de todos os fetos com CIUR. • As afecções mais frequentes são pré- eclâmpsia grave/precoce (34 semanas), hipertensão crônica com pré-eclâmpsia superajuntada, doença renal crônica e doença vascular do colágeno. • Trombofilias especialmente a síndrome antifosfolipídio (SAF), que está associada a diversas complicações na gravidez, como trombose vascular, perda fetal, abortamento, pré-eclâmpsia, parto pré-termo. • Estilo de vida e uso abusivo de substâncias: O tabagismo materno pode diminuir o peso fetal em 135 a 300 g. • Consumo de cafeína ≥ 300 mg/dia no 3º trimestre, drogas como cocaína, heroína e álcool, e fármacos como anticonvulsivantes e varfarina também podem determinar CIU. • Fatores psicossociais, incluindo o estresse, a ansiedade e a depressão, têm sido apontados como causadores de RCF. Supõe-se que nesses casos ocorra redução do fluxo placentário, entretanto, o mecanismo exato permanece desconhecido. • Qualquer droga que cause efeito teratogênico também é capaz de causar RCF, como drogas antineoplásicas e alguns anticonvulsivantes, como a fenitoína e a trimetadiona. Outros medicamentos também estão envolvidos, como os betabloqueadores, em especial o atenolol, e os esteroides. Os narcóticos e drogas correlatas, além de diminuir a ingestão materna de nutrientes, prejudicam a multiplicação celular do feto. • O álcool é um importante agente teratogênico e acredita-se que o consumo acima de 1 dose diária seja suficiente para prejudicar o crescimento fetal. O álcool e o seu principal metabólito, o acetaldeído, comprometem a circulação uteroplacentária. ➔ COMPLICAÇÕES • A hipoglicemia neonatal relaciona-se à redução dos estoques de glicogênio hepático e miocárdico, ao decréscimo da neoglicogênese hepática e à redução do tecido adiposo. • A hipocalcemia decorre da prematuridade (pelo atraso na introdução de leite para o RN) e da ocorrência de hipóxia (por sobrecarga de fósforo devido à lesão celular, aumento dos níveis séricos de calcitonina e diminuição do fluxo de cálcio para o líquido extracelular quando se corrige a acidose). • A hipotermia ocorre por causa da perda excessiva de calor por escassez de tecido subcutâneo. • A policitemia é consequência da elevação da eritropoetina fetal decorrente da hipóxia crônica intrauterina. Com a hiperviscosidade sanguínea surgem outras complicações, como insuficiência cardíaca, trombose cerebral e insuficiência respiratória. MARIA CLARA SODRÉ– MEDICINA - UFMT 3 • Em decorrência da insuficiência placentária, podem surgir ainda outras anomalias hematológicas, como aumento de hemácias nucleadas, plaquetopenia e leucopenia. • Em relação ao DNPM, quando o tecido cerebral é comprometido pela hipóxia e desnutrição antes de 34 semanas, surgem problemas de adaptação, irritação e dificuldade de concentração. Entretanto, quando a agressão é muito precoce (<26 semanas), os distúrbios são mais graves, com comprometimento do aprendizado, da fala e da escrita. Todas as formas de paralisia cerebral são mais frequentes diante da RCF. ➔ Consequências em longo prazo • A maioria dos RN com RCF no termo recupera suas medidas de estatura e peso na 1a infância. Entretanto, entre aqueles que não se recuperam até 2 anos, cerca de 50% mantêm-se pequenos na idade adulta. O risco de estatura menor é 2,5x maior. Além disso, há associação com fatores de riscos cardiovasculares na vida adulta, como hipertensão arterial, hipertrigliceridemia, HDL baixo e resistência à insulina. • Segundo a hipótese de Barker, essas doenças crônicas teriam origem na vida fetal, na qual a deficiência de nutrientes, mesmo que temporária, reduziria de maneira irreversível o número de células em alguns órgãos, levando a mudanças na distribuição dos diferentes tipos celulares, no feedback hormonal e na atividade metabólica. Essas alterações estariam relacionadas a doenças crônicas na vida adulta, como hipertensão arterial, hipercolesterolemia,doença coronariana e diabetes mellitus. ➔ DIAGNÓSTICO • Todas as mulheres na primeira consulta pré- natal devem ser avaliadas para fatores de risco de CIUR. • Aquelas com fatores de risco maiores devem ser referidas para a mensuração seriada da CA e a realização do Doppler da artéria umbilical, a partir de 20 a 24 semanas • A suspeita inicial se dá quando há discrepância entre o tamanho uterino e a idade gestacional. • Altura do fundo uterino: as medições seriadas representam um método de triagem simples, seguro, barato e razoavelmente acurado para a detecção de fetos PIG. Para a medição, uma fita métrica é aplicada sobre a curvatura abdominal desde a borda superior da sínfise pubiana até a borda superior do fundo uterino, identificado por palpação ou percussão. Entre 18 e 30 semanas de gestação, a altura em centímetros corresponde a uma faixa de 2 semanas de IG. Assim, sendo a medição feita 2 a 3 cm diferente do esperado, pode-se suspeitar de crescimento fetal inapropriado. • A medida do fundo do útero deve ser realizada a cada visita pré-natal a partir de 20 a 24 semanas. • A CA e o peso fetal estimado (PFE) são as medidas mais precisas para o diagnóstico do CIUR. Fala-se em CIUR quando a CA ou o PFE são < percentil 10. • Quando indicada a avaliação seriada do crescimento fetal, essas medidas devem ser feitas em intervalos de 3 semanas. • Pacientes com Doppler anormal das artérias uterinas entre 20 e 24 semanas (definido como índice de resistência [RI] > 0,58, índice de pulsatilidade [PI] > 1,45 ou incisura bilateral) devem ser referidas para avaliação seriada ultrassonográfica do crescimento fetal pela CA e do seu bem-estar pelo Doppler da artéria umbilical, a partir de 20 a 24 semanas. MARIA CLARA SODRÉ– MEDICINA - UFMT 4 ➔ AVALIAÇÃO E MANEJO • Quando o USG sugere RCF, o pré-natal envolve a confirmação do diagnóstico, a determinação da causa e da gravidade do RCF, aconselhamento aos pais, controle dos fatores de risco, monitoramento rigoroso do crescimento e bem-estar fetal e determinação do tempo ideal e da via do parto. • RCF resultante de fatores fetais intrínsecos como aneuploidia, malformações congênitas ou infecção, carrega um prognóstico reservado que muitas vezes não pode ser melhorado por qualquer intervenção. • A RCF relacionada à insuficiência uteroplacentária apresenta melhor prognóstico, mas o risco de desfecho adverso permanece elevado. • O primeiro passo é distinguir entre o feto constitucionalmente pequeno do feto com RCF. Deve ser realizada avaliação anatômica fetal detalhada em todos os casos, uma vez que anomalias congênitas importantes estão frequentemente associadas. • A avaliação do cariótipo fetal é indicada se a RCF estiver associada a anomalias estruturais, marcadores ultrassonográficos de aneuploidia ou RCF grave precoce (menor que o percentil 5 antes das 24 semanas de gestação). • As sorologias maternas são examinadas, mais comumente citomegalovírus ou toxoplasmose, se a RCF estiver associada à história materna ou aos achados ultrassonográficos fetais sugestivos de infecção. • Por mais que não existem evidências que comprovem que o repouso melhora o crescimento fetal ou os desfechos perinatais associados ao CIUR, muitos obstetras orientam repouso em decúbito lateral esquerdo (DLE), a fim de proporcionar uma melhor perfusão (relaciona-se com a cava inferior). • O parto imediato provavelmente é a melhor opção para os fetos com RCF próximos do ou ao termo da gestação. • Havendo oligodrâmnio clinicamente significativo, a maioria dos obstetras recomenda o parto a partir de 34 semanas de gestação. • Se o padrão de batimentos fetais for tranquilizador, poderá ser tentado o parto vaginal. • A incerteza do diagnóstico impede qualquer intervenção até que esteja assegurada a maturação pulmonar fetal. • Quando se detecta RCF em feto anatomicamente normal antes de 34 semanas de gestação, com volume de líquido amniótico e exames de vigilância normais, a recomendação é a observação. Enquanto o crescimento se mantiver, assim como os parâmetros de avaliação da saúde fetal, deverá ser deixada a gravidez seguir seu curso até que o feto atinja a maturidade pulmonar. Nos fetos com menos de 34 semanas e que provavelmente necessitarão de interrupção da gestação, é recomendado o uso de corticosteroides na prevenção de síndrome da angústia respiratória e de hemorragias cerebrais, diminuindo a morbimortalidade perinatal. • A profilaxia com ácido acetilsalicílico em baixa dose utilizada entre 8 e 16 semanas foi capaz de reduzir a incidência de CIUR em 50%, a de parto pré-termo em 60% e a mortalidade perinatal em 60%. • Pacientes com história prévia de CIUR e com alto risco para pré-eclâmpsia também devem fazer uso de ácido acetilsalicílico com início entre 12 e 16 semanas. • Em casos de SAF, a associação de ácido acetilsalicílico com heparina de baixo peso molecular seria eficiente para aumentar o peso do feto. • Em casos de CIUR placentário precoce, a administração de nitroglicerina transdérmica e de citrato de sildenafil esteve associada à redução do PI das artérias uterina e umbilical e da pressão arterial materna.
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