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A doença meningocócica é uma infecção bacteriana aguda caracterizada por febre transitória, inicialmente com poucos sintomas, sendo difícil o diagnóstico precoce. Pode evoluir como uma doença fulminante, resultando em morte em poucas horas. Existem várias apresentações clínicas da doença: · Meningite isolada – causada pelo meningococo; · Meningococcemia com meningite; · Meningococcemia sem meningite: A principal manifestação da meningite, em 70% dos casos, é o processo inflamatório das leptomeninges (membranas que envolvem o cérebro e medula espinhal). A bacteremia isolada possui incidência de 27%, e a doença fulminante possui incidência de 4%. Etiologia: O principal agente etiológico é a Neisseria meningitidis (meningococo), um diplococo Gram-negativo, aeróbio, capsulado, imóvel, da família Neisseriaceae. Os antígenos da cápsula da Neisseria são polissacarídeos, e são classificados em 12 sorogrupos (A, B, C, E, H, I, K, L, W135, X e Y). No Brasil, prevalecem os sorogrupos B e C. Os sorogrupos A, B, C, Y, W135 e X estão relacionados aa doença invasiva, e são responsáveis pelas epidemias. O meningococo tem a capacidade de permutar o material genético que produz a cápsula, alterando o seu sorogrupo. O reservatório é o homem, e o meningococo coloniza a nasofaringe, aderindo a mucosa através das fímbrias. O portador pode ter uma colonização assintomática, principalmente os escolares, e o irmão mais velho transmite para o irmão mais novo. Permanece períodos prolongados em adolescentes e adultos jovens, principalmente em pessoas vivendo com baixas condições socioeconômicas. Transmissão: · Contato direto pessoa a pessoa; · Através de secreções respiratórias (gotículas, secreções da nasofaringe) de pessoas infectadas, portadoras ou doentes; · A transmissão por fômites não é importante. O período de incubação é de 3-4 dias (média de 2-10 dias). O período de transmissibilidade se dá até a eliminação da nasofaringe, ou até 24 horas do início do antibiótico. A susceptibilidade se dá em qualquer grupo etário, e tem maior risco crianças menores de 5 anos, principalmente as menores de 1 ano. A forma invasiva depende de: · Virulência da cepa; · Condições imunitárias do hospedeiro; · Capacidade de eliminação do agente da corrente sanguínea; · Ação de anticorpos séricos com atividade de bactericida mediada pela ativação do complemento; · Baço, que elimina o meningococo da corrente sanguínea. → Todas as bactérias capsuladas são eliminadas da corrente sanguínea pelo baço. Fatores de risco: · IVAS recente (influenza); · Aglomerações em domicílio, quartéis, alojamentos estudantis; · Tabagismo ativo e passivo; · Asplenia (anatômica ou funcional); · Deficiência de C3, C5 a C9, properdina = fator P (facilita recidivas de meningite). Quadro clínico: É uma doença de início insidioso, inespecífico ou súbito, em que é relatado febre, calafrios, mal estar, mialgia, dor em membros, prostração e um rash maculopapular, petequial ou purpúrico. Além disso, podem aparecer lesões discretas de 1 a 2 mm de diâmetro, mais no tronco e membros inferiores, e mais de 50% dos pacientes apresentam petéquias. O rash maculopapular e petequial são indistinguíveis de outras doenças infectocontagiosas (suas bordas são irregulares). Nos casos fulminantes, ocorre púrpura, isquemia de membros, podendo resultar em óbito em horas (independentemente da terapêutica apropriada). A púrpura pode ocorrer em 16-24% dos casos. Choque + púrpura é conhecido como púrpura fulminans. Os sintomas da meningite meningocócica são indistinguíveis das meningites por outros agentes etiológicos, como pneumococo, Haemophilus influenzae tipo B etc. A meningite meningocócica causa febre, mialgia, náuseas e vômitos devido ao aumento da pressão intracraniana. A tríade (sintomas clássicos) inclui: · Febre; · Rigidez de nuca (meningismo); · Alteração do estado mental. Apenas ¼ dos pacientes apresentam esses sintomas clássicos, geralmente os mais velhos, dificultando o diagnóstico precoce. O paciente que apresentar irritabilidade, convulsões e rash, somados a 2 dos 4 sinais/sintomas clássicos, é característico de meningite meningocócica. A ocorrência maior é no final do inverno, fazendo com que muitos casos sejam confundidos no início com gripe. A doença meningocócica pode incluir as seguintes síndromes: · Síndrome toxêmica: febre alta, mal-estar geral, prostração e, eventualmente, agitação psicomotora. · Síndrome de irritação meníngea: rigidez de nuca, sinal de Kernig, sinal de Brudzinski, sinal de desconforto lombar. · Síndrome de hipertensão intracraniana: cefaleia holocraniana intensa, náuseas, vômitos, fotofobia e confusão mental, crises convulsivas podem aparecer em 30-40% dos casos. Caso suspeito: · Crianças < 1 ano: · Sintomas clássicos podem não ser tão evidentes; · Sintomas inespecíficos: febre, sinais de irritabilidade, choro persistente, gemência, inquietação; · Evolução: abaulamento de fontanela, sonolência, convulsões, vômitos, recusa alimentar ou anorexia, rigidez de nuca, manchas vermelhas na pele. · Crianças > 1 ano e adolescentes: · Febre, cefaleia, vômitos, rigidez de nuca, sinais de irritação meníngea (Kernig e Brudzinski), convulsões e/ou manchas vermelhas no corpo. Meningococcemia: exantema/eritema, além de sinais e sintomas inespecíficos como hipotensão, diarreia, dor abdominal, mialgia, rebaixamento do sensório, dor nas pernas, prostração. A meningococcemia tem alta taxa de mortalidade (40% nas primeiras 24 horas) e alta morbidade, devido a necrose isquêmica de extremidades (lóbulo de orelha, ponta do nariz, pés e mãos, levando a amputações). A sobrevida está relacionada ao diagnóstico e tratamentos precoces. Líquido cefalorraquidiano (LCR) Ele circula entre o encéfalo e a medula espinhal. No RN, temos 6-60 mL, enquanto no adulto, 120-150 mL de líquido circulante. É um ultrafiltrado do sangue, composto por cloreto de sódio, glicose, proteínas, glóbulos brancos e hormônios. É formado nos plexos coroides e reabsorvidos nos vilos aracnoides, produzindo 20 mL/h nos adultos. O equilíbrio entre formação e reabsorção é importante para manter a pressão intracraniana. Suas funções compreendem: · Fornecer nutrientes; · Remover metabólitos; · Proteção, funcionando como um amortecedor. O diagnóstico da meningite é feito pela punção liquórica. Ela é realizada com pacientes em decúbito lateral, entre os espaços de L3-L4, L4-L5, L5-S1, suboccipital ou ventricular (em crianças). Para ter sucesso, o tronco deve estar perpendicular ao leito, e os dois joelhos devem estar na mesma altura. Técnica de coleta do LCR: 1. Explicar o procedimento para o paciente, orientando os riscos e complicações. 2. Posicionar o paciente em decúbito lateral, em posição fetal – fletir a cabeça e a coluna, abrindo os espaços intervertebrais. 3. Identificar e marcar o local da punção: · Palpar cristas ilíacas e traçar linha imaginária entre elas, a qual cruza a linha média ao nível de L4; · Palpar processo espinhoso de L4 e identificar espaço intervertebral L3-L4 ou L4-L5 – escolher um deles para punção. 4. Colocar máscara, luvas estéreis e avental estéril. 5. Fazer antissepsia da pele (povedine ou clorexidina). 6. Colocar campos estéreis. 7. Anestesia da pele (subcutânea) e do trajeto da agulha). 8. Inserção da agulha de punção (com o estilete no seu interior) a 15 graus em sentido cefálico (na direção da cicatriz umbilical do paciente), com o bisel voltado para o plano sagital. 9. Sentir a resistência dos planos atravessados pela agulha: pele, subcutâneo, ligamento supraespinhal, ligamento interespinhal, ligamento amarelo (maior resistência), epidural, dura-mater e subaracnoide. 10. Ao sentir a passagem da resistência do ligamento amarelo, introduzir a agulha de 2/2mm, retirando o estilete para identificar presença ou não de LCR. 11. Medir a pressão de abertura do LCR, assim que esse começar a gotejar. 12. Colher 2-3 mL do LCR por gotejamento espontâneo (3 frascos diferentes). 13. Conferir se o frasco de coleta está identificado com o nome correto do paciente. 14. Recolocaro estilete no interior da agulha e retirar o conjunto agulha-estilete. 15. Limpar a pele e fazer curativo compressivo. Complicações da coleta de líquor: · Infecção; · Herniação cerebral; · Cefaleia pós-punção; · Náuseas e vômitos. → O LCR normal é límpido e incolor (água de rocha). Normal Purulento Hemorrágico Cuidados pós-punção: · Manter a criança em decúbito dorsal horizontal; · Verificar pressão arterial; · Verificar sinais vitais; · Reavaliar curativo. Diagnóstico: O diagnóstico inclui quadro clínico + coleta do LCR. Os exames que podem ser solicitados compreendem: · Culturas (sangue – 2 amostras; LCR); · Raspado das lesões; · Hemograma, PCR, ionograma; · Gasometria, PTF, DHL; · Lactato, glicemia, amilase, BTF; · Ureia, creatinina, TGO/TGP, coagulograma. Os exames de análise do LCR compreendem quimiocitológico, bacterioscopia, prova do látex, tinta da China, cultura com antibiograma. → Parâmetros válidos para crianças maiores de 1 mês. → Bactéria consome glicose no líquor, logo, estará diminuída. Bacterial Meningitidis Score (BMS): Se etiologia viral, ausência de todos os critérios abaixo: · Bacterioscopia positiva; · LCR com neutrófilos > 1.000 células/mm3, proteinorraquia > 80 mg/mL; · Neutrófilos > 10.000 células/mL; · Crise convulsiva. Diagnóstico diferencial: · Meningite: · Haemophilus influenzae; · Streptococcus pneumoniae; · Fungos; · Tuberculose; · Vírus (enterovírus; · Parasitas. · Meningococcemia: · Doenças febris hemorrágicas; · Sepse; · Febre purpúrica brasileira; · Ricketisioses; · Dengue; · Febre amarela; · Hantavirose; · Febre maculosa; · Leptospirose ictero-hemorrágica (doença de Weill); · Malária; · Endocardite bacteriana. Tratamento de suporte: · Ressuscitação hídrica; · Drogas vasoativas para o choque (se necessário, fazer enfaixamento de extremidades); · Anticonvulsivantes; · Antitérmicos; · Antieméticos; · Plasma fresco (se distúrbio de coagulação); · Concentrado de hemácias (se anemia). Tratamento específico: · Iniciar imediatamente antibiótico após coleta do LCR e hemocultura; · Manter isolamento respiratório por 24 horas após início do antibiótico; · Doença de notificação compulsória. · RN – cefotaxima: · 0-7 dias de vida – 100-150 mg/kg/dia, I.V, 12/12h. · > 8 dias de vida – 150-200 mg/kg/dia, I.V, 8/8h. · + ampicilina – 75 mg/kg/dose, I.V, 8/8h (se sepse). · > 1 mês de vida – ceftriaxona 100 mg/kg/dia, I.V, 12/12h, por 7 dias. · Adolescentes – ceftriaxona, 2 g/kg/dose, I.V, 12/12h, por 7 dias. · Corticoide (> 3 meses) – dexametasona, 0,15 mg/kg/dose (máxima de 10 mg), I.V, 6/6h por 4 dias (NICE = National Institute for Health and Clinical Excellence), 15-20 minutos pré-antibiótico. Tratamento do mal convulsivo: · Estágio 1 = estado de mal epiléptico precoce: deve ser com benzodiazepínicos, persistindo as crises, pode ser repetido até 3 vezes, num intervalo até 5 minutos. · Estágio 2 = estado de mal epiléptico estabelecido: fármaco antiepiléptico específico incluindo fenitoína, fenobarbital e valproato de sódio, se as crises persistem ao uso desses medicamentos por mais de 2 horas. · Estágio 3 = estado de mal epiléptico refratário: quando anestesia geral passa a ser formalmente recomendada até que o EEG apresente traçado compatível com surto-supressão ou que haja controle clínico e eletrográfico do estado de mal epiléptico (EME). Complicações: · Doença invasiva: · Pneumonia (8-15%); · Artrites; · Miocardite; · Pericardite e endoftalmite; · Síndrome inflamatória pós infecciosa (< 10%) – febre, artrite, vasculite, conjuntivite, pericardite, poliserosite. · Meningite: · Hidrocefalia; · Paralisia de nervos cranianos; · Edema cerebral; · Abscesso cerebral; · Surdez. Sequelas: · Perda auditiva (12,5%); · Amputação de membros; · Sequelas neurológicas (hidrocefalia); · Cicatrizes cutâneas (necrose de pele, enxerto de pele, amputação). Quimioprofilaxia: · Deve ser realizada frente a suspeita clínica de um caso suspeito; · Não é necessário confirmação diagnóstica para se instituir a quimioprofilaxia dos contatos; · Deve ser administrada preferencialmente em 24 a 48 horas da exposição à fonte de infecção; · Indicações: · Todos os contatos próximos, independente do estado vacinal; · Pessoas que estiveram com o paciente por um período mínimo de aproximadamente 4 horas/dia: · Os familiares, nas creches, quartéis, alojamentos; · Turma de maternal e jardim de infância; · Colegas mais próximos de trabalho ou escola; · Pessoas que compartilham o mesmo dormitório; · Profissionais da área da saúde que realizaram procedimentos invasivos (intubação orotraqueal, passagem de cateter nasogástrico), sem utilização de material de proteção adequado (máscara cirúrgica e luvas). · Medicação: rifampicina. · < 1 mês de idade – 5 mg/kg/dose, V.O, 12/12h, por 2 dias; · > 1 mês de idade a 10 anos de idade – 10 mg/kg/dose, V.O, 12/12h, por 2 dias (dose máxima = 600 mg); · Adolescentes – 600 mg/dose, V.O, 12/12h, por 2 dias; · Apresentação: solução de 20 mg/mL ou comprimido de 300 mg. Vacinação: A vacina polissacarídica contra o meningococo sorogrupos A/C é constituída por polissacarídeos capsulares purificados da N. meningitidis (isolados ou combinados), que foram quimicamente identificados, induzindo uma resposta imunológica de célula T independente. A eficácia em adultos é alta, mas no grupo de menores de 2 anos é baixa. Produz imunidade de curta duração (de 12 a 24 meses). A vacina polissacarídica contra o meningococo sorogrupo B possui baixa eficácia, porque o polissacarídeo da cápsula desse meningococo é fracamente imunogênico, devido à sua semelhança estrutural com tecidos corporais humanos. A vacina conjugada contra o meningococo A, C, W135 e Y é constituída por polissacarídeos capsulares do meningococo. Calendário vacinal:
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