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SEGURANÇA E QUALIDADE NA CADEIA PRODUTIVA DOS ALIMENTOS Autoria: Rafaela Karen Fabri Indaial - 2021 UNIASSELVI-PÓS 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão de Conteúdo: Equipe Produção de Materiais Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: F124s Fabri, Rafaela Karen Segurança e qualidade na cadeia produtiva dos alimentos. / Ra- faela Karen Fabri. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 208 p.; il. ISBN 978-65-5646-217-2 ISBN Digital 978-65-5646-218-9 1. Sistema alimentar. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 610 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA ......................................................................... 7 CAPÍTULO 2 SEGURANÇA ALIMENTAR ............................................................ 81 CAPÍTULO 3 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS ................................. 157 APRESENTAÇÃO O presente livro discutirá e apresentará os principais aspectos relacionados à segurança e qualidade na cadeia produtiva de alimentos. No contexto de um sistema alimentar globalizado, não somente consideraremos a dimensão higiênico-sanitária da qualidade, mas também a extrapolaremos. Nesse sentido, outras dimensões da qualidade serão discutidas e contempladas, tais como o impacto de toda a cadeia produtiva na qualidade nutricional e na sustentabilidade dos alimentos produzidos e disponibilizados ao consumo. Discutiremos os impactos na saúde e no ambiente dos modos de produção, como, por exemplo, da monocultura – dedicada em grande parte à produção de milho e soja para alimentação animal, e consequentemente, dos agrotóxicos necessários a esse cultivo. Ainda, discutiremos a influência das diferentes etapas do sistema alimentar na saúde da população, nas relações de trabalho, na preservação e uso de alimentos culturalmente referenciados, na segurança alimentar e nutricional dos indivíduos e na soberania alimentar das populações. Desse modo, destacamos a importância de uma percepção abrangente de saúde e sustentabilidade, com foco no coletivo e não somente no individual. Você será convidado a refletir sobre a necessidade de modificações e aprimoramentos no sistema alimentar que está dado. Para tanto, apresentaremos os conceitos necessários para a compreensão do sistema alimentar e suas interseções, discutiremos a epidemiologia das doenças transmitidas por alimentos, assim como sua regulação e controle por meio das boas práticas, certificações e selos de qualidade. Apresentaremos o incremento, ao longo dos anos, dos casos de doenças transmitidas por alimentos, suas principais fontes de contaminação e os principais microrganismos envolvidos. Nesse cenário, são discutidas a variedade e complexidade dos determinantes das doenças transmitidas por alimentos, os quais estão associados a questões ambientais, sociais e econômicas, relacionados a aspectos coletivos e individuais e inseridos no âmbito público e privado. Serão apresentados os sistemas de controle de qualidade, tais como o Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle e os parâmetros críticos dos diferentes sistemas e ferramentas a serem considerados e controlados na produção, colheita, armazenamento, transporte e comercialização de insumos. Desse modo, este livro possibilitará que você seja capaz de atuar na implementação e aplicação desses mecanismos de controle da qualidade contribuindo para a garantia da segurança alimentar em toda a cadeia produtiva de alimentos. Discutiremos o direito do consumidor à informação e, como consequência, a necessidade da rotulagem dos alimentos, bem como a adoção de certificações, tais como aquelas propostas pela Organização Internacional de Normalização (ISO), de forma que esse direito seja preservado, as dúvidas dos consumidores sejam sanadas e os padrões de qualidade exigidos sejam unificados e verificados. Por fim, desafiamos você, caro pós-graduando, a refletir sobe a saudabilidade e sustentabilidade do atual sistema alimentar, apresentando modos de produção, distribuição, comercialização e consumo mais saudáveis e sustentáveis. Com isso, temos o intuito de estimulá-lo para que atue como profissional responsável e ético considerando a realidade atual e os impactos do sistema alimentar no ambiente e na saúde da população. Bons estudos! Professora Rafaela Karen Fabri. CAPÍTULO 1 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: compreender as características do sistema produtivo de alimentos na atualidade; identifi car e reconhecer os impactos do sistema produtivo de alimentos para a saúde, segurança alimentar e nutricional e soberania alimentar; identifi car e reconhecer os impactos do sistema produtivo de alimentos para o ambiente; refl etir sobre as modifi cações necessárias ao sistema agroalimentar e produtivo de alimentos frente aos desafi os globais relacionados à alimentação; reconhecer as diferentes dimensões da qualidade; ampliar a visão sobre qualidade no processo produtivo de alimentos. 8 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 9 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Este capítulo está dividido em duas seções principais. A primeira seção Características do processo produtivo de alimentos de origem animal e impactos no sistema alimentar, segurança alimentar e nutricional e soberania alimentar contextualizará o cenário produtivo de alimentos na alimentação contemporânea. Serão apresentadas as infl uências da globalização no modelo de produção atual, com enfoque no modelo de produção brasileiro. Serão apresentados os impactos do sistema produtivo predominante (industrializado/globalizado) para o sistema alimentar, saúde, segurança alimentar e nutricional, soberania alimentar e ambiente. Essa discussão será o cerne deste capítulo e é de fundamental importância para refl etir sobre o papel do profi ssional inserido na cadeia produtiva de alimentos, buscando uma visão mais ampliada e holística de todo o processo produtivo e, consequentemente, atuar como um diferencial no mercado de trabalho frente às necessidades emergentes da atualidade. Ainda nesta seção, serão apresentados conceitos teóricos importantes para a melhor compreensão do conteúdo abordado neste capítulo. Estes serão retomados e abordados ao logo do texto. A segunda seção apresentada no capítulo Diferentes dimensões da qualidade na cadeia produtiva de alimentos abordará a qualidade na cadeia produtiva de alimentos. Nesta seção, você será apresentado aos diferentes aspectos (higiênico- sanitários, simbólicos, sustentáveis, nutricionais, dentre outros) necessários para a garantia da qualidade na cadeia produtiva de alimentos. 2 CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO PRODUTIVO DE ALIMENTOS DE ORIGEM ANIMAL E IMPACTOS NO SISTEMA ALIMENTAR, SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E SOBERANIA ALIMENTAR O modelo de produção adotado (convencional, orgânico, agroecológico; de produção animal intensiva ou extensiva;transgenia); o processamento (quantidade de etapas de processamento, grau de processamento, equipamentos utilizados etc.); a logística de distribuição (distância percorrida pelo produto); as 10 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS escolhas alimentares; as relações de trabalho e comercialização (relações sociais e econômicas, justas ou não, com ou sem exploração etc.) podem impactar direta e indiretamente no sistema alimentar. Assim, esta seção apresentará um panorama em relação aos impactos do sistema produtivo predominante na atualiadade para a saúde, segurança alimentar e nutricional, soberania alimentar, ambiente e sistema alimentar como um todo, de modo que se compreenda urgências apontadas pela literatura em relação às modifi cações necessárias, tendo em vista a busca por uma alimentação mais saudável e sustentável. Nesse sentido, é importante que você tenha em mente que, independentemente do tipo de alimento – de origem animal ou não – o sistema produtivo de alimentos predominante na atualidade é baseado em um sistema intensivo de produção. Portanto, as características desse tipo de sistema serão o foco deste capítulo. Assim, este trará discussões sobre questões como monoculturas, alimentos transgênicos, uso de agrotóxicos, exploração do trabalho (da mão de obra), dentre outras características de um sistema intensivo de produção. É importante que você entenda a relação dessas questões com a cadeia produtiva de alimentos de origem animal e não as veja como questões desvinculadas dele. Ao abordarmos a produção de soja e milho transgênicos e o uso de agrotóxicos nesses cultivos, você precisa entender a relação desse tipo de produção com o sistema de produção intensivo e cadeia produtiva de alimentos de origem animal, tendo em vista o principal uso de soja e milho para produção de ração, por exemplo. Assim, esta seção tem o intuito de gerar refl exões no sentido de pensar o papel do profi ssional inserido na cadeia produtiva de alimentos, considerando a responsabilidade deste, inclusive ética, frente aos problemas globais contemporâneos relacionados à alimentação, saúde, ambiente e sociedade. Para uma melhor compreensão do conteúdo que será estudado é necessário um conhecimento prévio de alguns conceitos e defi nições que serão abordados neste capítulo. Desse modo, sempre que estiver na dúvida, retorne a esta página para relembrar. Recapitulando: • Alimentos ultraprocessados: Monteiro et al. (2010) prouseram uma classifi cação dos alimentos com base na natureza, grau e propósito do processamento dos alimentos. De acordo os autores, os alimentos são classifi cados em quatro grupos: (1) alimentos (in 11 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 natura e minimamente processados); (2) ingredientes culinários (substâncias extraídas dos alimentos); (3) alimentos processados; e (4) alimentos ultraprocessados. Este quarto grupo compreende alimentos constiuídos por formulações industriais feitas tipicamente com cinco ou mais ingredientes. Esses ingredientes muitas vezes compreendem substâncias e aditivos usados na fabricação de alimentos processados como açúcar, óleos, gorduras e sal, além de antioxidantes, estabilizantes e conservantes. Em geral, têm pouca ou nenhuma participação os alimentos do grupo 1. Essa classifi cação é utilizada no Guia Alimentar para População Brasileira (BRASIL, 2014). • Cadeia produtiva de alimentos: são diversas as defi nições que poderiam ser utilizadas ao fazer referência à cadeia produtiva de alimentos, podendo estas serem mais ou menos amplas. De acordo com a Associação Brasileira De Normas Técnicas (ABNT, 2006, s.p.), a cadeia produtiva de alimentos consiste na “sequência de etapas e operações envolvidas na produção, processo, distribuição, estocagem e manuseio do alimento e seus ingredientes, desde as matérias-primas até o consumidor fi nal”. A Organização Mundial da saúde (OMS) também defi ne cadeia produtiva como todas as fases da produção e fornecimento de produtos agrícolas, até o local do consumo do alimento, sendo essas interligadas entre si (WHO, 1996). Desse modo, ao pensar em cadeia produtiva de alimentos deve-se considerar todo o processo, desde a produção de alimento no campo até a chegada à mesa do consumidor. • Sistema alimentar: na abordagem de sistemas alimentares é necessário considerar todos os determinantes do consumo alimentar a partir das relações estabelecidas entre os diferentes agentes participantes da cadeia: produtores, distribuidores e consumidores. Consiste em um conjunto de processos que inclui agricultura, pecuária, produção, processamento, distribuição, abastecimento, comercialização, preparação e consumo de alimentos e bebidas (SOBAL; KETTEL; BISOGNI, 1998; OLIVEIRA, THÉBAUD-MONY, 1997). • Segurança alimentar e nutricional: realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade sufi ciente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006a). • Sustentabilidade: consiste em um termo complexo com múltiplas dimensões (social, econômica, ambiental), geralmente discutida 12 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS em termos de satisfação das necessidades da geração atual sem comprometer as necessidades das gerações futuras (SAPEA, 2020). Assim, o desenvolvimento sustentável é defi nido como um padrão de desenvolvimento no qual o crescimento da economia e a geração de riquezas estão atrelados à conservação do meio ambiente e ao manejo adequado dos recursos naturais. Propõe uma nova postura ética em termos sociais e ambientais, a fi m de que as necessidades do tempo presente sejam satisfeitas sem comprometer as futuras gerações (BRASIL, 2012a). O desenvolvimento, dessa forma, deve obedecer, no mínimo, aos três pilares da sustentabilidade – sustentabilidade social, ambiental e de viabilidade econômica. Todas as atividades precisam estar apoiadas nesses três elementos, ou seja, o crescimento econômico não pode estar desvinculado de melhorias nas estruturas sociais e condições ambientais (SACHS, 2004). • Soberania alimentar: trata do direito dos povos ao acesso a alimentos saudáveis e culturalmente apropriados, produzidos através de métodos ecologicamente corretos e sustentáveis, e seu direito de defi nir seus próprios sistemas de alimentação e agricultura. Prioriza as economias e mercados locais e nacionais e incentiva a agricultura camponesa e familiar, a pesca artesanal, o pastoreio e a produção, distribuição e consumo de alimentos com base na sustentabilidade ambiental, social e econômica. Assegura que os direitos de uso e manejo de nossas terras, territórios, águas, sementes, gado e biodiversidade estejam nas mãos daqueles que produzem os alimentos. A soberania alimentar requer novas relações sociais livres de opressão e desigualdade entre homens e mulheres, povos, grupos raciais, classes sociais e gerações (VIA CAMPESINA, 2007). • Sociobiodiversidade: alimentos gerados a partir de recursos da biodiversidade nativa, de ocorrência natural de cada região para a produção de alimentos, considerando também sistemas socioculturais. São voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares, tendo em vista a promoção da Segurança alimentar e Nutricional (GIRARDI et al., 2018; BRASIL, 2017a). • Organismo geneticamente modifi cado (OGM): são também denominados de transgênicos e consiste em qualquer organismo cujo material genético (DNA/RNA) tenha sido modifi cado por qualquer técnica de engenharia genética, de uma forma que não ocorre naturalmente por meio de cruzamentos e/ou de recombinação natural (UNIÃO EUROPEIA, 2001).Durante este 13 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 capítulo, algumas vezes será utilizado o termo “possivelmente transgênicos” ao fazermos referência a alimentos industrializados contendo derivados de soja ou milho. Isso porque, apesar da obrigatoriedade de rotulagem de alimentos transgênicos, conforme Decreto n° 4.680/2003 (BRASIL, 2003a) e Portaria nº 2.658/2003 (BRASIL, 2003b), nem sempre os alimentos citados contêm o símbolo de transgênico (T com triângulo amarelo) em sua embalagem, mesmo o alimento contendo derivados de milho ou soja. Ademais, a maioria da produção de soja e milho, no Brasil, é transgênica. A legislação brasileira de rotulagem de transgênicos em vigor determina a obrigatoriedade de rotulagem informando ao consumidor sobre a presença de organismo geneticamente modifi cado, caso sua presença seja detectada acima do limite estabelecido por lei de 1% do produto. Essas informações também deverão constar no documento fi scal, de modo que estes acompanhem o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva (BRASIl, 2003a). 2.1 ASPECTOS GERAIS E CONTEXTUALIZAÇÃO EM RELAÇÃO AO SISTEMA PRODUTIVO DE ALIMENTOS NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Ao longo dos anos, tem-se observado modifi cações nas formas de produção (CAVALLI, 2011) e consumo de alimentos no Brasil (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003). Os autores se referem à infl uência do processo de industrialização e globalização nas relações de produção e consumo na sociedade contemporânea. Esses processos, por um lado, proporcionaram o incremento tecnológico referente à mecanização; técnicas de conservação; armazenamento; transporte e comunicação. Consequentemente, proporcionou a disseminação dos alimentos entre regiões e países diferentes, promovendo o intercâmbio entre culturas e o acesso à ampla gama de alimentos (POULAIN, 2012; HERNANDEZ, 2005; MALUF, 2007; POPKIN, 2006). Por outro lado, aponta-se os efeitos da globalização na perda da identidade cultural, uniformização dos modos de vida rural e urbana, uniformização de produtos, dentre eles os alimentos, bem como a desvalorização do conhecimento agrícola tradicional (AZEVEDO, 2003; POULAIN, 2012). 14 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Dentre as consequências desse processo de industrialização e globalização observa-se a padronização da alimentação, caracterizada pelo aumento no consumo de alimentos industrializados, de alta densidade energética e altas quantidades de açúcar, gorduras (principalmente trans), sódio e aditivos alimentares (POPKIN 2006; 2015; GARCIA, 2003; CONTRERAS; GRACIA- ARNÁIZ, 2005; DIEZ-GARCIA, 2011; BRASIL, 2011; POPKIN; ADAIR; NG, 2012; POULAIN, 2012; WHO, 2013; NG et al., 2014; BRASIL, 2014; HAWKES; POPKIN, 2015), bem como pelo consumo de alimentos (industrializados ou não) com excesso de resíduos de agrotóxicos e presença de organismos geneticamente modifi cados (OGM) (APOTEKER, 2011). O padrão de consumo alimentar atual também resulta das modifi cações no hábito de cultivar e cozinhar alimentos em casa (SMITH; NG; POPKIN, 2014) e da substituição das compras de produtos frescos e in natura em feiras e mercados locais, para compra de alimentos embalados processados, em grandes redes de supermercado (POPKIN, 2006; 2015) – estimulando a cadeia longa de comercialização de alimentos. Além de alterações no perfi l alimentar são observadas alterações no perfi l nutricional da população. A literatura aponta aumento dos índices de sobrepeso e obesidade na população ocorrendo em paralelo com índices ainda elevados de fome e doenças carenciais (os dados referentes a esse tema são mais explorados adiante). Estimativas demonstram que o modo de produção e consumo atual irá interferir na redução da disponibilidade de alimentos no futuro, podendo agravar a situação de fome e desnutrição (SPRINGMANN et al., 2016). Para entendermos melhor alguns aspectos/características do modus operandi da cadeia produtiva de alimentos, que impactam direta ou indiretamente no sistema agroalimentar, buscamos contextualizar essas características predominantes relacionadas à produção comercialização/distribuição e consumo de alimentos. É importante compreender que não buscaremos abarcar toda a complexidade da cadeia produtiva de alimentos, principalmente diante das particularidades da mesma para cada tipo de alimento, mas sim gerar refl exões sobre modelos predominantes considerando os impactos para saúde e ambiente. Buscou-se estruturar o raciocínio desta primeira seção do capítulo da produção ao consumo, porém é importante fi car claro que essas etapas se interelacionam e acontecem de modo integrado. Iniciaremos com as modifi cações relacionadas à produção no campo, principalmente após a Revolução Verde iniciada no Brasil em meados de 1960. Verifi cou-se um distanciamento do produtor das práticas agrícolas básicas e tradicionais, a exemplo do cuidado com o solo, rotação e diversifi cação de culturas, dentre outras questões (DAL SOGLIO, 2016). Isso porque ocorreu um massivo processo de industrialização e mecanização da agricultura, com a produção de alimentos em larga escala, sob a justifi cativa de acabar com a fome. 15 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 Intensifi cou-se a produção baseada em monoculturas com uso intensivo do solo, produção de insumos para a indústria de alimentos e ração animal (a exemplo do milho e soja), uso de aditivos químicos e de plantas geneticamente modifi cadas (CAVALLI, 2001; GLIESSMAN, 2014). Nesse sentido, nos últimos 20 anos, a área plantada de soja passou de 11 milhões de hectares para 34 milhões de hectares no Brasil (aumento de 300%), o que coloca o Brasil na segunda posição de maior produtor mundial de soja, com produção total de 114 milhões de toneladas na safra de 2018/2019 (EMBRAPA, 2019). A produção total do milho de primeira e segunda safras para o ano de 2020 é estimada em 100 milhões de toneladas (CONAB, 2020). Soma-se a isso, o fato de que 94% da soja e 85% do milho no Brasil são transgênicos (JAMES, 2016). Por outro lado, para as áreas plantadas de feijão e arroz observou-se uma redução de 40 e 50%, respectivamente, se comparadas a safra de 1996/1997 com a safra de 2016/2017 (CONAB, 2017). Em paralelo, cresce também o uso de pesticidas no mundo e no Brasil. Considerando a venda destes entre 2000 e 2010, houve um aumento de 100% em âmbito mundial e de 200% para o mesmo período no Brasil. E cerca de 20% de todo agrotóxico comercializado no mundo é consumido no Brasil (BOMBARDI, 2017). Como resultado, no ano de 2011, o uso de agrotóxico nas lavouras era de aproximadamente 12 l/ha. O uso de agrotóxicos nas lavouras tende a ser ainda maior para os próximos anos diante da crescente liberação de agrotóxicos estimulada mais recentemente pelo governo brasileiro. Em apenas um ano (2019- 2020), 624 agrotóxicos foram liberados para uso (BRASIL DE FATO, 2020). O crescente uso de agrotóxicos pela agricultura brasileira relaciona- se, dentre outros fatores, com o aumento de monoculturas dependentes de insumos químicos, principalmente o glifosato (CARNEIRO et al., 2015), diante da expansão no plantio de soja e milho transgênicos (JAMES, 2016; CARNEIRO et al., 2015). A modifi cação genética teve o intuito de desenvolver plantas mais resistentes a pragas e/ou tolerante a herbicidas (principalmente glifosato e 2,4- D), de modo que os agrotóxicos utilizados eliminassem as pragas sem afetar a planta. Porém, com o tempo, as pragas, ervas “daninhas”, fungos e insetos foram criando resistência ao uso dos agrotóxicos (desenvolvendo as chamadas “superpragas”), necessitando cada vez mais desses insumos para combatê-las (CAVALLI, 2001; NODARI; GUERRA, 2001; HARVIE; MIKKELSEN; SHAK, 2009; BAWA; ANILAKUMAR, 2013; BONNY, 2016). É importante destacar que, no Brasil, a transgenia foi desenvolvida para a criação dessas plantasresistentes, ou seja, a transgenia teve uma aplicação agronômica. Assim, nenhum cultivar já desenvolvido e liberado no Brasil tem função nutricional, por exemplo, diferente de outros países. 16 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS O gráfi co a seguir apresenta dados referentes ao uso de glifosato em diferentes cultivos nos Estados Unidos entre os anos de 1993 e 2019, demonstrando a relação do crescente uso deste com a expansão dos cultivos de soja e milho. GRÁFICO 1 – USO DE GLIFOSATO EM DIFERENTES CULTIVOS DE 1993 A 2019 FONTE: Heinrich Böll Foundation (2015, p. 46) Sobre a transgenia: Atualmente, existem mais de 200 variedades GM (geneticamente modifi cada) diferentes aprovadas para consumo humano e animal em muitos países. A maioria das modifi cações foi realizada por motivações agronômicas, ou seja, com o intuito de tornar a planta mais resistente a pragas e tolerante a agrotóxicos. Apesar disso, existem algumas modifi cações genéticas que foram realizadas por outros motivos. No entanto, deve fi car claro que todas as modifi cações genéticas realizadas e utilizadas no Brasil e a maioria no mundo são por motivações agronômicas, ou seja, para tornar as plantas mais resistentes a insetos, pragas, fungos etc. A primeira modifi cação genética desenvolvida e aprovada foi em 1994 nos Estados Unidos. A FDA (Food and Drug Administration) aprovou modifi cação genética que tinha o objetivo de retardar a maturação do tomate após colheita (BAWA; ANILAKUMAR, 2013). Já a primeira planta GM criada para atender a um objetivo nutricional foi o arroz dourado (golden rice), desenvolvida visando reduzir ou eliminar a defi ciência de vitamina A nas populações e países da África e Ásia, locais onde o arroz é base da dieta. No entanto, ainda é questionável a efi cácia dessa vitamina A no combate à defi ciência de anemia, por ter uma baixa biodisponibilidade do betacaroteno 17 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 (NESTLE, 2001). Estudos têm demonstrado que o conteúdo de betacaroteno do arroz dourado é de curta duração e reduz conforme o tempo de armazenamento, pois o betacaroteno no arroz dourado é instável na presença de oxigênio, degradando-se rapidamente sob condições normais de armazenamento, comprometendo, assim, os benefícios nutricionais propostos por esse OGM (SAMBUICHI et al., 2017). O estudo conduzido por Sambuichi et al. (2017) demonstrou que o arroz dourado reteve apenas 60% dos seus níveis originais de betacaroteno após três semanas de armazenamento e apenas 13% após 10 semanas. Com base neste e em outros estudos, em maio de 2018, a FDA enviou uma carta à empresa criadora do arroz dourado (International Rice Research Institute) concluindo que este alimento GM não atende aos requisitos nutricionais para justifi car uma alegação de teor nutricional (FDA, 2018). Outros exemplos de alimentos transgênicos produzidos (fora do Brasil) com fi m não agronômico e comercializados são: cravos (melhoria no tempo de prateleira devido à redução do acúmulo de etileno); maçã (produzir menos polifenoloxidade, enzima que faz com que o interior da fruta oxide e se torne marrom); melão (atraso no amadurecimento). Outras informações sobre transgênia e aplicações desta na agricultura podem ser encontradas em estudos de Vercesi et al. (2009). Você poderá aprofundar a leitura em: Vercesi et al. (2009). Uso de ingredientes provenientes de OGM em rações e seu impacto na produção de alimentos de origem animal para humanos. Revista Brasileira de Zootecnia. Disponível em https://www.scielo.br/scielo. php?pid=S1516-35982009001300044&script=sci_arttext. Outra informação interessante em relação à transgenia no Brasil diz respeito a outras modifi cações genéticas além de soja, milho e algodão. Em 2011 foi aprovada a comercialização de um feijão geneticamente modifi cado resistente ao vírus do mosaico dourado (CTNBIO, 2018). No entanto, após testes e experimentação científi ca sob condições naturais no campo verifi cou-se que a primeira geração de sementes apresentou 30% de plantas suscetíveis ao vírus do feijão. Desse modo, a comercialização dele foi suspensa impedindo seu uso e consumo (NASSAR, 2014). Em 2017, também foi liberada para plantio uma cana-de-açúcar GM, modifi cada geneticamente para se tornar resistente à broca da cana (CTNBIO, 2018). 18 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Retomando a questão em relação ao uso de agrotóxicos no Brasil, do total de 852 milhões de litros de agrotóxicos utilizados nas lavouras no ano de 2011, 40% foi para cultura de soja e 15% para o milho. Outras culturas com maior uso de agrotóxico foram: algodão (28,6 l/ha), cítricos (23 l/ha), tomate (20 l/ha), uva (12 l/ha), banana (10 l/ha), arroz (10 l/ha), trigo (10 l/ha), mamão (10 l/ha) e girassol (7,4 l/ha) (PIGNATI et al., 2017). Dentre as pesquisas nacionais quanto ao uso de agrotóxicos nos alimentos destaca-se a pesquisa realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), denominada de PARA – Pesquisa de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos. Dados em relação à presença de agrotóxicos em amostras de 25 alimentos analisados pela ANVISA no ciclo de plantio de 2013-2014 indicaram que a maioria (58%) dos alimentos analisados continha resíduos de algum dos agrotóxicos pesquisados. Os alimentos analisados na safra 2013-2014 foram: abacaxi, abobrinha, alface, arroz, banana, batata, beterraba, cebola, cenoura, couve, feijão, goiaba, laranja, maçã, mamão, mandioca (farinha), manga, milho (fubá), morango, pepino, pimentão, repolho, tomate, trigo (farinha) e uva (BRASIL, 2016). Em análise mais recente realizada pela ANVISA em 4.616 amostras de 14 alimentos de origem vegetal (ciclo 2017-2018), 51% continha resíduos de agrotóxicos. Dessas, 45% estavam insatisfatórias (contendo resíduos acima do limite permitido para a cultura, não permitidos para a cultura e/ou resíduos proibidos para a cultura). Os alimentos analisados na safra 2017-2018 foram: arroz, abacaxi, laranja, manga, goiaba, uva, alface, chuchu, tomate, pimentão, alho, batata-doce, beterraba e cenoura (BRASIL, 2019a). Para ter acesso a todo o material referente à pesquisa PARA realizada pela ANVISA acesse o site Portal Anvisa Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), íntegra do relatório: Ano 2017-2018: https://cutt.ly/YhRr3nC. Ano 2013-2014: https://cutt.ly/ShRr82h. 19 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 Ao ler o material é importante refl etir e ter em mente que: • Somente alguns alimentos são analisados. Os agrotóxicos estão presentes tanto nos alimentos in natura como industrializados. • Somente alguns agrotóxicos são analisados. Desse modo, outros agrotóxicos (não analisados) podem estar presentes nos alimentos analisados. • A ANVISA, ao fazer a classifi cação da toxicidade dos agrotóxicos, não considera o consumo acumulativo destes. Ou seja, não considera a combinação de diferentes agrotóxicos no organismo e os seus efeitos para a saúde e não considera o consumo a longo prazo de um ou mais agrotóxicos presentes nos alimentos. Além disso, diversos agrotóxicos classifi cados como de baixa toxicidade no Brasil são classifi cados como tóxicos pela União Europeia. • A ANVISA não analisa a presença de glifosato. O glifosato, apesar de estar presente principalmente nas culturas de soja e milho transgênicos, também pode ser utilizado em outros alimentos, a exemplo do seu uso para dissecação do arroz. Além disso, é um agrotóxico classifi cado como tóxico pela União Europeia (CARNEIRO et al., 2015; PIGNATI et al., 2017). • Além do consumo de agrotóxicos em alimentos in natura, é importante lembrar que o consumo de agrotóxicos também ocorre por meio de alimentos industrializados (não avaliados pela Anvisa). E os subprodutos de soja e milho transgênicos estão presentesna maioria desses alimentos. De acordo com estudo realizado por Cortese et al. (2018b), foram identifi cadas 101 nomenclaturas distintas para produtos e subprodutos de soja e milho. A maior parte da variedade (63,8%) e da quantidade (64,5%) dos alimentos mais consumidos pelos brasileiros pode conter pelo menos um desses ingredientes GM. Ainda, segundo estudo conduzido por Cortese (2018a), a maioria dos produtos analisados não são devidamente rotulados como transgênicos. De um total de aproximadamente 5500 produtos industriaizados analisados, 50,1% continham os mesmos derivados de soja e milho presentes em produtos que possuíam a declaração de transgênico no rótulo, no entanto, somente 4,7% do total de produtos (n = 5048) faziam essa declaração no rótulo. 20 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS No Brasil, o cultivo da soja transgênica (resistente ao glifosato) contribuiu para aumentar mais de 150% o consumo deste herbicida, que também é utilizado na cultura de milho transgênico. Apesar de o milho compor uma das avaliações da Anvisa, o glifosato (agrotóxico mais utilizado nas culturas transgênicas) não está entre os agrotóxicos avaliados, o mesmo acontece para o arroz. A problemática em relação ao uso de agrotóxicos no Brasil se acentua, pois, além do uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras brasileiras, muitos destes já são de uso proibido na União Europeia (UE) em virtude dos malefícios já comprovados para a saúde – dos 50 mais utilizados nas lavouras brasileiras, 22 são proibidos na UE. Outro ponto que merece destaque relaciona-se à análise de riscos dos agrotóxicos permitidos no Brasil para a liberação dos mesmos e a delimitação do LMR (limite mínimo de resíduo) permitido, que não considera o somatório dos diferentes tipos de agrotóxicos permitidos para cada cultura e os efeitos cumulativos no organismo e ambiente. Ainda, considera somente os efeitos agudos e não crônicos do uso e consumo de agrotóxicos. Assim, população e ambiente são expostos aos efeitos biocumulativos dos agrotóxicos (CARNEIRO et al., 2015). Esse processo de industrialização da agricultura e pecuária levou a uma crescente desconexão entre a produção/cultivo/criação, produtor, sociedade, ambiente, identidade e cultura alimentar. Apesar de estar atrelada à modernidade, à globalização e ao crescimento econômico, a industrialização dos sistemas produtivos levou à massifi cação e padronização da produção em monocultivos e sistemas intensivos, impactando diretamente a biodiversidade (CAVALLI, 2001; ALLEN et a0l., 2014; DAL SOGLIO, 2016). Consequentemente, ocorreu um desequilíbrio ecológico generalizado que intensifi ca a ocorrência de pragas e a redução da fertilidade dos solos, demandando agrotóxicos e fertilizantes. Agricultores, cada vez mais dependentes de pacotes tecnológicos para concessão de crédito e cultivo, perdem a autonomia dos processos de produção. Contaminação das águas, salinização do solo, acúmulo de metais pesados e liberação de gases por fertilizantes e agrotóxicos; erosão dos solos por falta de cobertura vegetal e de estrutura e a drástica redução da biodiversidade ampliam a suscetibilidade às catástrofes ambientais (MACHADO; SANTILI; MAGALHÃES, 2008; SAVCI, 2012). Gera-se, assim, um ciclo vicioso que afeta produtores e consumidores, ambiente e saúde. Essa mesma sistemática de produção intensiva, massifi cada, altamente industrializada e globalizada referida para a agricultura é aplicada também na criação animal. Atualmente, os espaços para criação animal no sistema intensivo são, na maioria, não maiores que 20 a 50 cm. Os animais recebem grandes quantidades de antibióticos e alimentação à base de soja transgênica, produzida em particular, no Brasil. Apesar de os sistemas intensivos de produção terem como bases os processos que estão sendo descritos neste capítulo, é importante destacar que cada tipo de cultivo (no caso da agricultura) e de criação animal, 21 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 aquicultura e pesca terá particularidades na sua cadeia produtiva. A seguir estão descritos os subsistemas para a cadeia produtiva de carne bovina brasileira, segundo Buianain e Batalha (2007): • Subsistema de apoio: formado pelos fornecedores dos insumos considerados básicos e agentes transportadores. Nota: os aspectos pontuados no capítulo sobre monoculturas de soja e milho (e os impactos destas), a transgenia e uso de agrotóxicos associados a essas culturas que são destinadas, em sua maioria, à alimentação animal; o desmatamento para as monoculturas; a perda da biodiversidade associada a esse tipo de cultivo se aplicam principalmente a esse subsistema. • Subsistema de produção da matéria-prima: composto pelas empresas rurais que geram, criam e engordam os animais para o atendimento às necessidades das indústrias que irão realizar a primeira transformação. Nota: aspectos pontuados no capítulo referente à criação intensiva de animais em pequenos espaços; uso excessivo de água para criação animal; contaminação da água e ambiente pela emissão de gases de efeito estufa; uso de medicamentos e uso de mão de obra escrava nas fazendas se aplicam principalmente a esse subsistema. • Subsistema de industrialização: formado pelas indústrias de primeira transformação, responsável pelo abate dos animais e produção de peças de carne, conforme as necessidades dos demais agentes da cadeia e indústrias de segunda transformação, que irão incorporar a carne em seus produtos ou agregam valor a ela. Nota: aspectos referentes à criação de animais em pequenos espaços; questões de contaminação – aspectos higiênico-sanitários (o estudo sobre esses aspectos será aprofundado no Capítulo 2); mão de obra escrava ou condições inadequadas de trabalho se aplicam principalmente a esse subsistema. • Subsistema de comercialização: composto por atacadistas ou exportadores (possuem o papel de agentes de estocagem e/ou de entrega); varejistas (responsáveis pela venda direta da carne ao consumidor fi nal, como, por exemplo, supermercados e açougues) e restaurantes coletivos e comerciais, que produzem refeições, disponibilizando preparações à base de carne bovina. Nota: pode existir um ou mais subsistema de comercialização como parte da cadeia de um mesmo produto, o que pode aumentar as etapas da cadeia produtiva desse produto, podendo refl etir na qualidade fi nal deste. Ainda, pode aumentar as distâncias percorridas pelo alimento – causando maior emissão de gases pelo transporte a longas distâncias e maior possibilidade de contaminação ao longo da cadeia. Aspectos relacionados ao desperdício de alimentos, abordados neste capítulo, 22 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS também se relacionam com esse subsistema. No caso dos restaurantes, a política de compras adotada pode determinar os sistemas produtivos que serão incentivados (mais ou menos saudáveis, mais ou menos sustentáveis). • Subsistema de consumo: formado pelos consumidores, responsáveis pela aquisição, preparo e utilização do produto fi nal. Nota: as relações de consumo serão melhor trabalhadas no Capítulo 3. No entanto, assim como o subsistema anterior (comercialização), pode ser considerado um dos determinantes dos sistemas produtivos que serão mais ou menos incentivados. O agronegócio corporativo brasileiro (monoculturas como de soja, milho, pastagens para produção animal), por sua vez, tem sido responsável pelo grande desmatamento no país; grilagem de terra; expulsão de pequenos agricultores; assassinatos de líderes camponeses e indígenas, além de fortes impactos na saúde são algumas das consequências deste modelo de produção típico do agronegócio corporativo brasileiro (HEINRICH BÖLL FOUNDATION, 2015). Nesse cenário de agricultura e pecuária brasileiros ainda é importante destacar os problemas relacionados à concentração de terras, que consiste comoum dos maiores desafi os para a produção sustentável de alimentos no Brasil (KEPPLE, 2014). Isso porque, menos de 1% do número de estabelecimentos agropecuários ocupava cerca de 44% da área cultivável brasileira em 2006 (BRASIL, 2009a). Essas grandes áreas no país são destinadas principalmente à criação bovina (BRASIL, 2009a) e monocultura de soja (GARRETT; LAMBIN; NAYLOR, 2013), milho e algodão, o que vem aumentando a desigualdade que caracteriza a propriedade da terra no Brasil (BRASIL, 2009a), refl etindo diretamente em questões de soberania e segurança alimentar e nutricional (item 2.2 deste capítulo). As preocupações dos consumidores com a segurança alimentar e com dietas mais saudáveis têm se intensifi cado por uma série de problemas relacionados à indústria da carne. Ainda, há uma preocupação de parte da população com a redução no consumo de carne (por questões de saúde e ambiental) e também uma tendência dos consumidores nos países industrializados a se preocuparem com a qualidade da carne – em relação a sua origem, modo de produção, presença de selos de qualidade. Há ainda um ceticismo em relação aos sistemas de controle de qualidade e a preocupação da indústria da carne com os efeitos adversos gerados sobre o meio ambiente, saúde e bem-estar dos animais. Por outro lado, ainda se observa aumento no consumo de carne em diversos países, demonstrando uma tendência antagônica (HEINRICH BÖLL FOUNDATION, 2015; FIESP, 2010). 23 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 Diversos autores referem o elevado impacto ambiental associado à criação animal para a produção de carne e de produtos derivados, contribuindo para as alterações climáticas, degradação do solo, emissão de gases, contaminação da água e perda da biodiversidade (STEINFELD et al., 2006; HEDENUS; WIRSENIUS; JOHANSSON, 2014; RUVIARO et al., 2016). Atualmente, é crescente o questionamento e refl exões críticas realizados por movimentos sociais, ONGs, grupos de ativistas, dentre outros grupos, em relação a aspectos éticos por trás da indústria da carne, considerando os matadouros com linhas de produção com uso de mão de obra pouco qualifi cada, condições precárias de trabalho e trabalho escravo, para além de questões de higiene. Para complementar a leitura sobre esse tema e sua complexidade, sugerimos a leitura dos seguintes materiais: • LEDA, M. C. Do boi à carne: os desafi os e controvérsias de um sistema produtivo e alimentar. NORUS, v. 6, n. 10, p.163-201. Disponível em: https://cutt.ly/IhYxzZq. • FLORIT, L. F.; GRAVA, D. S. Ética ambiental e desenvolvimento territorial sustentável: uma análise com base na categoria de especismo. Ambiente e sociedade, v. 19, n. 4, p. 39-58, 2016. Disponível em: https://cutt.ly/OhYxxME. • FELIPE, S. T. Carnelatria: escolha omnix vorax mortal, Ecoânima, 378 páginas. Infelizmente, ainda é comum encontrarmos trabalho escravo atualmente, inclusive relacionado à mão de obra utilizada na cadeia produtiva de alimentos. Esse é um fato que não pode ser ignorado. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo menos 12,3 milhões de pessoas são submetidas ao trabalho forçado em todo o mundo, e no mínimo 1,3 milhão na América Latina. Em 2005, foi lançado o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo que reunia empresas brasileiras e multinacionais que assumiram o compromisso de não negociar com locais que exploram o trabalho escravo. A gestão do Pacto era realizada pelo Comitê de Coordenação e Monitoramento, composto pelo Instituto Ethos, o 24 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Instituto Observatório Social (IOS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONG Repórter Brasil. Os signatários do Pacto devem cumprir 10 compromissos (linhas de ação) para enfrentamento do trabalho escravo em suas cadeias produtivas. O cumprimento desses compromissos é monitorado anualmente, e a depender do nível de comprometimento de um signatário ele é mantido, suspenso ou excluído do Pacto. No início de 2014, o Pacto já contava com mais de 400 signatários que, juntos, representavam mais de 35% do PIB brasileiro. Para saber mais sobre o trabalho escravo e condições inadequadas de trabalho, seja nas fazendas, indústria da carne, bem como de outros alimentos como café e soja, consulte os links a seguir e conheça algumas denúncias já realizadas, relacionadas a esse tipo de trabalho: • https://cutt.ly/chYxmWp. • https://cutt.ly/shYxQlk. Em decorrência desses aspectos pontuados no capítulo, associados a um sistema produtivo agropecuário intensivo, a produção de animais tornou- se o centro do debate científi co sobre alimentação sustentável. Nesse sentido, discute-se sobre os impactos ambientais favoráveis associados a uma redução no consumo de carne. Segundo Hallström, Carlsson-kanyama e Börjesson (2015), a adoção de uma dieta sem produtos animais poderia reduzir até 50% da emissão de gases e uso da terra. Estudo conduzido por Baroni et al. (2006) comparou diferentes tipos de dietas e forma como os alimentos consumidos eram produzidos. Os resultados demonstraram que uma dieta onívora, baseada em produtos orgânicos, teve menor impacto ambiental que uma dieta vegetariana composta por alimentos produzidos de maneira convencional (com agrotóxicos). Já a alimentação vegana foi a que representou menor impacto independente da forma de produção. Assim, percebe-se que altas taxas de consumo de produtos de origem animal favorecem uma agricultura industrializada. Ainda, aumentos no consumo de carne (principalmente nos países emergentes como China e Índia), por sua vez, e conforme já referido, estimulam o crescimento acelerado na produção de soja. Estima-se que 90% da soja produzida no mundo tenha como destino a fabricação de farelo (como fonte de proteínas) utilizado em rações animais. Nesse sentido, é importante que você perceba que a cadeia produtiva de soja e milho estão diretamente relacionadas à cadeia produtiva de origem animal. Ainda, o quanto esse sistema prejudica a promoção da segurança alimentar e soberania 25 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 alimentar, ao contrário, estimula a degradação ambiental e produz malefícios para a saúde (aspectos que serão abordados na seção 2.2). Além das preocupações com a liberação de gases prejudiciais ao ambiente, a criação animal nos sistemas intensivos gera grande discussão pelo fato da alimentação ser baseada em cereais como o milho e a soja, o que exige grandes áreas para o cultivo. Os principais países com esse tipo de cultivo são Estados Unidos, Brasil e Argentina. Esses países, juntos, foram responsáveis por 82% da produção e 81% das exportações do grão de soja em 2014. A China consiste no principal importador, seguido da União Europeia (11% das importações). O Brasil, além de estar entre os maiores exportadores de soja também apresenta um crescimento no consumo de carne (HEINRICH BÖLL FOUNDATION, 2015). Ademais, é importante ressaltar que, para além desses grupos que compõem as estatísticas para aumento ou redução no consumo de carne, há alguns países/indivíduos em situação de fome que não têm acesso (físico e fi nanceiro) a alimentos frescos, saudáveis e de qualidade, não tendo a possibilidade de escolher entre dietas com e sem carne. Para atenuar a agressão ambiental causada pela criação animal, autores sugerem o sistema de agrofl orestas, no qual ocorre a integração dos animais com produção de alimentos e fl oresta, sendo esse sistema apontado como uma possibilidade sustentável para o sistema produtivo (mais detalhes desse sistema serão abordados no Capítulo 3) (BALBINO; BARCELLOS; STONE, 2011). Atrelado a esses sistemas, também são necessárias políticas públicas de controle e sistemas de monitoramento efi cazes na cadeia produtiva. Da mesma forma, a criação de peixes e frutos do mar com base em um sistemaintensivo de produção também é considerada insustentável e contribui para a redução da biodiversidade das espécies marinhas (TURCIOS; PAPENBROCK, 2014). Nesse sentido, a ONU aponta a necessidade de manutenção e proteção da biodiversidade dos ambientes marinhos, ameaçados pela poluição e pesca predatória e em larga escala (intensiva) (ONU, 2017). São necessárias políticas internacionais para a proteção ambiental na produção de frutos do mar e sistemas de certifi cação para as empresas. É importante ressaltar que, no Brasil, os incentivos para industrialização da pesca também ocorreram na década de 1960 (assim como a Revolução Verde para a agropecuária). Em 1967, foi estabelecido o Código de Pesca, a partir do qual deu-se a concessão de estímulos ao desenvolvimento da pesca industrial. Nesse período preodominava a ideologia desenvolvimentista, baseada na produção industrial e concentração de capitais. Assim, ocorreu um desenfreado incremento da pesca industrial e exploração dos recursos pesqueiros. 26 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS De acordo com Oliveira e Silva (2012), a partir de dados da Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) referentes aos três primeiros anos após a vigência do Código de Pesca já indicavam a consolidação do modelo de pesca industrial por grandes empresas. Anterior ao código, a pesca artesanal era responsável por 83,6% do pescado nacional, enquanto a pesca industrial era responsável por 16,4%. Já no ano de 1970, ambos eram responsáveis por aproximadamente 50% cada . Esse processo resultou a diminuição dos cardumes costeiros (ou seja, aqueles que não estão em alto mar) e, consequentemente, afetou a vida das comunidades pesqueiras artesanais. Ainda, o grande incentivo fi scal dirigido às indústrias acarretou a queda de valor de troca do pescado. Com isso, muitos pescadores artesanais foram forçados a abandonar a atividade pesqueira (OLIVEIRA; SILVA, 2012). Pesquisadores apontam que o sistema alimentar tem potencial para nutrir a humanidade e ser ambiental, econômica e socialmente sustentável. No entanto, modifi cações no sistema produtivo de alimentos são urgentes (WILLETT; ROCKSTRÖM; LOKEN, 2019). Estas demandam tanto modifi cações no modo de produção em si, como também das relações de consumo, exigindo produtores e consumidores com uma visão mais holística do sistema como um todo. A produção mundial de alimentos é a maior pressão causada por seres humanos na Terra, ameaçando ecossistemas e a estabilidade do sistema terrestre (WILLETT; ROCKSTRÖM; LOKEN, 2019). O impacto combinado da mudança climática, escassez de energia e de água, poluentes do meio ambiente, mudança demográfi ca da população global, segurança alimentar e aumento das doenças pandêmicas coloca um estresse indevido no sistema alimentar do planeta (KHOO; KNOOR, 2014). De modo geral, o próprio processo de industrialização (independentemente do tipo), a transformação da matéria bruta pode levar a um desperdício de energia e de nutrientes. Isso porque, muitas vezes, o nutriente inerente ao alimento é retirado, a exemplo do processo de refi namento, mas posteriormente são adicionados industrialmente para que se tenha o produto fi nal desejado. Como exemplo cita-se o processo de refi no de grãos que passam da sua forma mais integral (maiores teores de nutrientes) para sua forma mais refi nada (menor teor de nutrientes) e são utilizados como base para produção de biscoitos, pães, dentre outros alimentos industrializados. Estes, além da adição de gorduras, sal e aditivos, podem sofrer adição de vitaminas e minerais visando recuperar nutrientes perdidos no processamento (OGHBAEI; PRAKASH, 2016; MONTEIRO et al., 2010; BRASIL, 2014). Desse modo, os produtos gerados por esse processo de produção e industrialização intensivos, globalizados e massifi cados não respeitam aspectos ambientais, sociais, de justiça e equidade. Portanto, não pode ser considerado 27 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 nem saudável e nem sustentável. Mais do que isso, o modo de consumo global de alimentos e seu impacto sobre as doenças crônicas não transmissíveis requer soluções globais com foco no sistema alimentar (IAASTD, 2009; HAWKES; POPKIN, 2015). Modifi cações na dieta, mesmo que em nível individual, podem ter grande potencial para infl uenciar a demanda por alimentos de modo a reduzir o impacto negativo sobre o sistema alimentar global (RILEY; BUTTRISS, 2011; USA, 2015), bem como atuar na valorização de alimentos regionais, associados à cultura e sociobiodiversidade de um local, reaproximando a produção ao consumo de alimentos. Na fi gura a seguir são apresentadas etapas da cadeia produtiva, resumindo as principais características de um sistema intensivo de produção apresentadas neste capítuo e que comprometem cada uma dessas etapas. FIGURA 1 – RESUMO DE ASPECTOS DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS QUE COMPROMETEM SAÚDE E AMBIENTE FONTE: A autora Para refl etir! Quantas vezes você, como indivíduo (consumidor) e como profi ssional, inserido na cadeia produtiva de alimentos, pensou sobre? 1. Qual a origem do produto consumido/produzido? Quem produziu? Foi um pequeno produtor ou uma grande empresa multinacional? É um alimento que faz parte da cultura de produção do seu local de origem? Apoia comunidades locais? Os trabalhadores envolvidos foram adequadamente remunerados? São ofertadas condições mínimas de trabalho? Há trabalho escravo envolvido? Ou superexploração do trabalho? É um sistema de produção de monocultura ou um sistema que trabalha com rotação de cultura, preservação do solo; é um sistema que se preocupa com o bem-estar 28 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS animal e produção extensiva, livre? Ou a produção intensiva – maior número em pouco espaço físico? Qual o desmatamento envolvido para a produção animal? A alimentação animal apoia um sistema que favorece a degradação ambiental, a exemplo das rações a base de soja e milho? 2. O que está presente no alimento? Quais os ingredientes presentes? Quais os ingredientes ocultos presentes? Tem adição de agrotóxicos ou aditivos alimentares? Tem adição de gordura vegetal hidrogenada, excesso de sal, açúcar, dentre outros ingredientes pouco ou nada nutritivos? Faz sentido aquele ingrediente estar presente naquele alimento? É um ingrediente necessário? Ou foi produzido por uma agricultora orgânica de base agroecológica, possui somente os ingredientes necessários para o produto? Qual a quantidade de antibióticos administrados na criação animal? Existe o uso irregular destes? Quais os resíduos nos produtos destinados ao consumo humano? 3. Quais as condições de produção daquele alimento no decorrer da cadeia? Respeita os modos de produção e saber fazer locais? Respeita as normas de higiene? As normas de higiene são adaptadas aos pequenos produtores ou empreendedores familiares? Respeitam as tradições e cultura em relação ao modo de fazer do produto? 4. Qual a logística de distribuição do produto e desperdício ao longo da cadeia? Qual o local de produção do alimento? Qual o caminho percorrido por esse alimento até chegar ao consumidor? Quantos “atravessadores” estão envolvidos na cadeia de produção/comercialização do alimento? Qual valor pago ao produtor de base e qual o valor pago pelo consumidor? Trata-se de um comércio justo? Quais as condições de transporte do alimento versus distância percorrida? Quanto se desperdiçou do alimento? 5. O que é considerado para a seleção dos produtos e locais de compra? Compras são realizadas em feiras e pequenos mercados locais ou são realizadas em grandes redes? É um produto importado ou local? Faz parte da sociobiodiversidade? É um produto que está na sua sazonalidade, ou seja, respeita o ciclo de produção? 29 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 Ao refletir sobre essas questões é possível perceber o distanciamento entre produção / consumo e produtor / consumidor resultante desse processo de globalização e industrialização. Vamos pensar em alguns exemplos de casos: 1. Você trabalha em uma empresa de alimentos minimamente processados. Um dos alimentos é uma cenoura que será ralada e embalada para fi car pronta para o consumo – salada de cenoura. Você saberia dizer, considerando todo o sistema alimentar, quais os processos relacionados à produção dessa salada, o “que tem” nessa salada de cenoura? A princípio, com um olhar superfi cial, parece ser somente cenoura. Porém, podemos pensar, por exemplo, quais sistemas produtivos estão sendo incentivados (origem, modo de produção, mão de obra envolvida) até chegar à empresa onde será trabalhada. Assim, aquilo que parecia ser somente “salada de cenoura” pode ser: salada de cenoura com diferentes tipos de herbicidas e fungicidas, neurotóxicos que poluem o ambiente e degradam o solo. Obs.: essa refl exão pode ir ainda mais além, considerando todos os cinco pontos mencionados anteriormente. 2. Vamos pensar agora em um produto com um pouco mais de ingredientes, como um bolo de laranja. Quais ingredientes são necessários? Será que os ingredientes presentes em um bolo de laranja industrializado (rotulado como “bolo de laranja caseiro”) são os mesmos de um bolo de laranja feito em casa? Para um bolo de laranja são necessários os seguintes ingredientes: farinha de trigo, açúcar, suco de laranja, ovos, manteiga e fermento em pó. Já em um bolo industrializado podemos encontrar os seguintes ingredientes: farinha de trigo enriquecida com ferro e ácido fólico, ovo integral, açúcar, gordura vegetal, calda, açúcar invertido, umectante: sorbitol (INS 420) e glicerina (INS 422), fécula de batata, óleo de milho, glucose, farinha de soja integral, laranja desidratada (0,34%), sal, emulsionantes: mono e diglicerídeos de ácidos graxos (INS 471), éster de ácidos graxos com poligliceol (INS 475) e estearato de potássio (INS 470), estabilizante: monoestearato de glicerina (INS 471), lecitina de soja (INS 322), fermentos químicos, bicarbonato de sódio (INS 500ii) e pirofosfato dissódico (INS 450i), conservadores: propionato de cálcio (INS 282) e ácido sórbico (INS 200), melhorador de farinha alfa-amilase (INS 1100) e acidulante ácido cítrico (INS 330). Será que todos esses ingredientes são necessários? Por que são adicionados? Qual o impacto do consumo destes para a saúde e sustentabilidade? Qual o papel do rótulo na informação ao consumidor? Ainda, trazendo um pouco a discussão que será abordada no Capítulo 3, muitas vezes encontramos esses produtos industrializados em embalagens com rótulo de “produto caseiro”. Poderíamos considerar um alimento caseiro com esses ingredientes? Não seria uma propaganda enganosa? Michael Pollan traz em seu livro: evite alimentos que contêm ingredientes que sua avó não reconheceria como comida, alimentos que contêm ingredientes que uma criança não consegue ler direito ou que contêm ingredientes que não costumamos ter na 30 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS dispensa (POLLAN, 2008). 3. Quanto você costuma considerar aspectos de sazonalidade e origem na seleção/produção de alimentos? Vamos pensar em uma fruta que costuma fazer parte de cardápios, dietas e encontramos facilmente no supermercado em todo o Brasil: mamão. Agora, vamos considerar que você mora no sul do país. Dados do IBGE de 2012 demonstram que a produção de mamão é, em sua maioria (aproximadamente 60%), no Nordeste, enquanto a produção na região Sul é de apenas 0,4%. Desse modo, a aquisição do produto por indústria, restaurantes, supermercados, alimentação escolar, restaurante universitário, dentre outras, demanda uma aquisição em larga escala. Pensando nisso, a aquisição desse produto estimula uma cadeia longa de comercialização (Produção Nordeste � Ceasa São Paulo � Ceasa Curitiba Ceasa Santa Catarina) que, por sua vez, tem impacto ambiental tanto no sentido de poluição (“pegada de carbono” pelo transporte) quanto em relação ao desperdício (alimento, insumos, energia, mão de obra) ao longo dessa cadeia. Um terço dos alimentos produzidos para consumo humano são perdidos ou desperdiçados globalmente, o que equivale a cerca de 1,3 bilhão de toneladas por ano (BRASIL, 2018). O país é considerado um dos dez que mais desperdiçam comida em todo o mundo. O desperdício ao longo da cadeia produtiva era em torno de 26 milhões de toneladas no ano de 2004, das quais aproximadamente 10% ocorriam no plantio e colheita, 50% nas etapas de manuseio e transporte e 10% após a aquisição pelo consumidor (SESC, 2003; INSTITUTO AKATU, 2004). Desse modo é importante questionar: Qual a necessidade do consumo diário/semanal desse alimento? Ele valoriza alimentos da sociobiodiversidade do estado de Santa Catarina? Quais outros alimentos poderiam ser estimulados para incentivar a produção local, pensando em benefícios à saúde e ao ambiente? 4. Vamos imaginar que você atua como gestor responsável pela política de compras de um supermercado (subsistema de comercialização), principalmente do setor responsável pela aquisição de produtos de origem animal. Quanto você conhece sobre a rastreabilidade dos produtos adquiridos? Você sabe se a carne adquirida é proveniente de fazendas que utilizam mão de obra escrava? Sabe se a propriedade já teve o seu nome vinculado à lista suja de trabalho escravo? Sabe o desmatamento envolvido para a criação e expansão da propriedade? Qual o impacto ambiental dos processos utilizados na propriedade? Qual a alimentação do animal? Como é o espaço de confi namento do animal? Como é o abate do animal? Quanto de stress o animal sofreu nesse processo? Quais as condições higiênico-sanitárias do ambiente? Esses seriam alguns questionamentos que poderiam ser feitos pensando na aquisição de produto de qualidade considerando suas diversas dimensões. Você pode tentar pensar em outros aspectos que poderiam ser considerados com base no que está sendo apresentado no capítulo. 31 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 Para fi nalizar esta seção, as fi guras 2 e 3 trazem duas refl exões referentes a características de produtos provenientes do sistema alimentar atual. FIGURA 2 – CHARGE SOBRE CARACTERÍSTICAS DOS PRODUTOS ALIMENTARES NA ATUALIDADE (A) FONTE: Nestle (2013, p. 102) FIGURA 3 – CHARGE SOBRE CARACTERÍSTICAS DOS PRODUTOS ALIMENTARES NA ATUALIDADE (B) FONTE: Nestle (2013, p.125) 32 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 2.2 EFEITOS DO SISTEMA PRODUTIVO DE ALIMENTOS NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA PARA SAÚDE, SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E SOBERANIA ALIMENTAR Para a compreensão desta seção é importante retomar os conceitos apresentados no início do capítulo e perceber que saúde, segurança alimentar e nutricional (SAN) e soberania alimentar são conceitos que se inter-relacionam. Promover a soberania auxilia na promoção da SAN e vice-versa, contribuindo para a melhoria da saúde – todos são fundamentais para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada. Assim, ao fi nal desta seção é importante que você compreenda o porquê e como o modelo de produção de alimentos predominante atualmente impacta direta e indiretamente na saúde, segurança e soberania alimentar. Na seção seguinte serão abordadas questões ambientais. Segundo a FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations –, o sobrepeso e obesidade continuam a aumentar em todas as regiões do mundo. Em 2018, aproximadamente 40 milhões de crianças menores de cinco anos estavam acima do peso. Em 2016, 131 milhões de crianças de 5 a 9 anos, 207 milhões de adolescentes e 2 bilhões de adultos estavam com excesso de peso. Por outro lado, a fome afeta 821 milhões de pessoas em todo o mundo e 17,2% da população mundial (1,3 bilhão de pessoas) se encontramem níveis moderados de insegurança alimentar, ou seja, não têm acesso regular a nutrientes e comida sufi ciente – mesmo que não estejam necessariamente sofrendo de fome. Essa situação também coloca essas pessoas em maior risco de várias formas de desnutrição e problemas de saúde. O somatório de pessoas em níveis moderados e graves de insegurança alimentar totaliza, aproximadamente, 26,4% da população mundial (cerca de 2 bilhões de pessoas) (FAO, 2019). A desnutrição foi a principal causa subjacente de morte em crianças com menos de cinco anos, causando 45% de todas as mortes de crianças no mundo em 2013 (FAO, 2014a; WHO, 2004). Ainda, o modo de consumo atual irá interferir na redução da disponibilidade de alimentos no futuro, podendo agravar a situação de fome e desnutrição (SPRINGMANN et al., 2016). No Brasil, o número de brasileiros com excesso de peso cresceu 23% em 10 anos, atingindo em média 53% da população em 2016 (BRASIL, 2017a). Diante desse cenário devemos refl etir: O que está sendo produzido e 33 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 consumido? Quais as características desses alimentos? Quais os ingredientes presentes? (algumas dessas questões já foram apresentadas na seção anterior, mas vamos retomar os principais pontos apresentados). De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008-2009, o brasileiro consumia em média 182,9 g/dia de feijão e 160,3 g/dia de arroz. Já o consumo de sucos/refrescos/suco em pó e refrigerantes era de aproximadamente 250 g/dia de e de sopas e caldos, inclusive desidratados, era de 50 g/dia. A maioria dos alimentos consumidos fora do domicílio era: salgadinhos industrializados; salgados fritos e assados; pizzas; sorvetes; refrigerantes; tanto para área urbana como rural. Ainda, o consumo de refrigerantes aumentou em 250% e o de alimentos processados em 140% de 2002/2003 para 2008/2009, no entanto, para o mesmo período, a média de aquisição de arroz e feijão caiu 40,5% e 26,5% respectivamente (BRASIL, 2011). A FAO evidencia a importância de modifi cações profundas no sistema alimentar para que índices de sobrepeso, obesidade e fome não sigam aumentando (ONU/WFP, 2015; FAO, 2016). Observa-se uma crise global com o problema da fome acontecendo em paralelo ao aumento da obesidade. Ambos possuem diversos determinantes (que não são foco deste capítulo), porém são agravados pela crescente crise ambiental. Apesar de os problemas relacionados ao excesso de peso ocorrerem mais frequentemente do que os relacionados à desnutrição (WHO, 2008), ambos ainda são alarmantes. Em paralelo ocorre o aumento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como doenças cardiovasculares, câncer, diabetes (WHO, 2010). Estima- se que as DCNT foram responsáveis por 63% (36 milhões) de todas as mortes no ano de 2008 (WHO, 2010). Estudos têm demonstrado a relação do consumo de alimentos industrializados (alimentos com elevadas quantidades de açúcar, sódio, gorduras, principalmente trans, aditivos alimentares) (WHO, 2013). Ainda, a presença de ingredientes possivelmente transgênicos e de agrotóxicos nesses alimentos podem estar contribuindo para o aumento de DCNT (SWANSON et al., 2014). O consumo de gordura trans está diretamente associado ao surgimento de doenças cardiovasculares (WANG; HU, 2017; FDA, 2015). Diante dos seus malefícios e ausência de evidências científi cas em relação a um consumo seguro de gordura trans, a Food and Drug Administration (FDA) determinou o seu banimento pela indústria de alimentos nos EUA no ano de 2015 (FDA, 2015). No Brasil, prevê-se a eliminação da gordura trans nos alimentos industrializados até 2023, conforme resolução RDC 332/2019 (BRASIL, 2019b). Do mesmo modo, o açúcar simples associa-se principalmente ao risco aumentado de excesso de peso, obesidade e cárie dentária, além de sua associação com diabetes e doenças cardiovasculares, enquanto a ingestão 34 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS elevada de sódio está associada a diversas DCNT, dentre elas hipertensão, doenças cardiovasculares e acidentes vasculares cerebrais (WHO, 2013; 2015). Os aditivos alimentares representam um desafi o para a saúde pública pelas doenças associadas ao seu elevado consumo (POLÔNIO; PERES, 2009; SCAPIN; FERNANDES; PROENÇA, 2017; BELLOIR; NEIERS; BRIAND, 2017), uma vez que estão presentes em grande parte dos alimentos industrializados (BRASIL, 2014). Em relação aos alimentos transgênicos, diversos pesquisadores afi mam que, até o momento, não existe um consenso na comunidade científi ca sobre os riscos para a saúde (HILBECK et al., 2015). Já a Organização Mundial da Saúde refere que todos os alimentos geneticamente modifi cados, atualmente, disponíveis no mercado internacional foram aprovados em avaliações de segurança, não sendo demonstrado nenhum efeito na saúde humana em relação ao seu consumo (WHO, 2020). No entanto, sabe-se que esse assunto é controverso e as principais preocupações se relacionam aos potenciais riscos dos cultivos de OGM para a saúde humana e animal e para o meio ambiente, além de aspectos éticos, relacionados a SAN, direito à propriedade intelectual, rotulagem, direito de escolha do consumidor (MARGULIS, 2006; SÉRALINI; CELLIER; DE VENDOMOIS, 2007; BAWA; ANILAKUMAR, 2013), interesses políticos e econômicos que envolvem seu cultivo, aprovação e utilização, dentre outros fatores (NODARI; GUERRA, 2001). Diferente do que foi pontuado pela OMS, autores destacam a falta de evidências científi cas e estudos toxicológicos de longo prazo que garantam que alimentos GM sejam seguros para a saúde, tendo em vista os resultados confl itantes dos estudos existentes até o momento (DOMINGO ROIG; GOMEZ ARNAIZ, 2000; DOMINGO; BORDONABA, 2011; SNELL et al., 2012; ZDZIARSKI et al., 2014). Soma-se a isso, a ausência de estudos que estabeleçam um percentual seguro de consumo destes alimentos (CORTESE, 2018a). Nesse sentido, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança e a lei de Biossegurança referem que a aplicação do Princípio da Precaução é uma obrigação legal no processo de análise de risco dos OGM (SECRETARIAT OF THE CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY, 2000; BRASIL, 2005). Segundo o princípio de precaução, diante de ameaça ou risco de danos sérios ou irreversíveis para saúde e ambiente e na ausência de evidências científi cas, medidas de precaução devem ser utilizadas (UNITED NATIONS, 1992; SECRETARIAT OF THE CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY, 2000). Estudos que referem os malefícios dos OGMs para a saúde destacam associação com obesidade (SHAO; CHIN, 2011), danos às membranas mucosas da superfície do jejuno, com achatamento e distorção das vilosidades (IBRAHIM; 35 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 OKASHA, 2016), efeitos danosos ao fígado e rins, além de distúrbios hormonais e elevada ocorrência de tumores (SÉRALINI et al., 2014). Estudos realizados em humanos associam o consumo de alimentos geneticamente modifi cados ao desenvolvimento de doença celíaca (SAMSEL; SENEFF, 2013a) e indução de crescimento de células de câncer de mama (THONGPRAKAISANG et al., 2013). Ainda, destacam-se as difi culdades em estabelecer correlação entre o consumo de produtos contendo derivados de alimentos GM e o aumento da incidência de doenças, como diabetes e obesidade. Shao e Chin (2011) referem a ausência de rotulagem adequada e de rastreabilidade que permitam identifi car a quantidade e tipos de alimentos que contenham produtos GM existentes no mercado (SHAO; CHIN, 2011). Para compreender melhor a conceituação, aplicação, controvérsias, impactos para saúde e ambiente dos OGM, recomendamos a leitura de: CORTESE, R. D. M. Análise da rotulagem de alimentos elaborados a partir de organismos geneticamente modifi cados: a situação do Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação e Nutrição. Universidade Federal de SantaCatarina. Disponível em: https://cutt.ly/bhYvXWT. Acesso em: 2 nov. 2020. Os malefícios do consumo de alimentos contendo OGM também têm sido referidos em função do crescente uso de agrotóxicos associados a cultivos GM (ANTONIOU et al., 2012; SWANSON et al., 2014; KIM; KABIR; JAHAN, 2017). Em relação aos agrotóxicos, os estudos trazem evidências mais robustas quanto aos malefícios deste. Mostafalou e Abdollahi (2017), em estudo de revisão, demonstram que há evidências sobre o possível papel das exposições a pesticidas com o surgimento de diversas doenças: câncer, alzheimer, parkinson, esclerose lateral amiotrófi ca, asma, bronquite, infertilidade, defeitos congênitos, transtorno de défi cit de atenção e hiperatividade, autismo, diabetes e obesidade, infertilidade e câncer. Diante das alterações nos modos de vida, vinculadas ao aumento na produção e consumo de alimentos poucos saudáveis, redução na prática de atividade física e consequente aumento de doenças crônicas não transmissíveis, ações para promoção de alimentação saudável têm sido apontadas como prioridade global e perpassam por ações que envolvem toda a cadeia produtiva. 36 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Para entender como todas essas questões se relacionam com soberania alimentar, retomemos o seu conceito. Por soberania alimentar entende-se: O direito dos povos a alimentos saudáveis e culturalmente apropriados, produzidos através de métodos ecologicamente corretos e sustentáveis, e seu direito de defi nir seus próprios sistemas de alimentação e agricultura. Isso coloca aqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos no coração dos sistemas e políticas alimentares [...]. A soberania alimentar prioriza as economias e mercados locais e nacionais e incentiva a agricultura camponesa e familiar, a pesca artesanal, o pastoreio e a produção, distribuição e consumo de alimentos com base na sustentabilidade ambiental, social e econômica. Garante a renda de todos os povos e os direitos dos consumidores de sua alimentação e nutrição. Assegura que os direitos de uso e manejo de nossas terras, territórios, águas, sementes, gado e biodiversidade estejam nas mãos daqueles que produzem os alimentos. A soberania alimentar implica novas relações sociais livres de opressão e desigualdade entre homens e mulheres, povos, grupos raciais, classes sociais e gerações (VIA CAMPESINA, 2007, p. 1). Retomando o que foi abordado na contextualização, hoje, sabe-se dos efeitos negativos para saúde, ambiente e segurança e soberania alimentar de uma tecnologia atrelada somente a interesses do mercado. A produção de sementes transgênicas, por exemplo, interfere diretamente na soberania alimentar. Do total de 94 variedades de plantas transgênicas liberadas no Brasil, mais de 90% pertencem a grandes empresas estrangeiras, e, difi cilmente, um produtor encontra sementes de soja, milho e algodão não transgênicas. Ademais, a maioria dos produtos e subprodutos derivados da soja e/ou milho é destinada para a ração animal e produtos industrializados, não foram desenvolvidas novas plantas mais nutritivas e saborosas, não se acabou com a fome e o uso de agrotóxicos não diminuiu, pelo contrário, aumentou (ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA, 2020). Desse modo, o sistema produtivo atual não pode ser considerado social e economicamente justo, tanto pela exploração da mão obra e dependência do pequeno agricultor às empresas detentoras de tecnologias, quanto pela desvalorização do produtor e produto (PLOEG, 2008). Ao analisarmos o conceito de soberania alimentar é possível perceber que a produção de sementes transgênicas infringe a autonomia dos povos quanto à determinação do que e como produzir. A tecnologia de produção das sementes geneticamente modifi cadas é um monopólio de poucas empresas transnacionais detentoras da patente dessas sementes. Os agricultores, ao adquirirem essas sementes, precisam pagar royalties à empresa que desenvolveu a semente e fi cam proibidos de utilizá-las em safras seguintes, bem como vender ou compartilhar com outros agricultores. Isso os obriga, de certa forma, a adquirir as sementes anualmente, tornando-se cada vez mais dependentes dessas empresas. Essa dependência também se dá pelo fato de que as empresas 37 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 detentoras da tecnologia das sementes geneticamente modifi cadas são as mesmas que comercializam os agrotóxicos necessários para o seu cultivo (HEINRICH BÖLL FOUNDATION, 2015; SPENDELER, 2005; TRAAVIK; HEINEMANN, 2007). Vale ressaltar que os herbicidas usados nas plantações transgênicas, como o glifosato e o 2,4-D, classifi cados como potenciais cancerígenos pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde são os agrotóxicos mais vendidos (BRASIL, 2015). Além disso, o agricultor que cultiva soja convencional ou orgânica também está sujeito a pagar royalties e multa se sua produção tiver sido contaminada por sementes geneticamente modifi cadas (SPENDELER, 2005; TRAAVIK; HEINEMANN, 2007). Além de compreender o signifi cado de soberania alimentar é importante, como profi ssional atuante na promoção da segurança e qualidade da cadeia produtiva, entender o signifi cado de Segurança Alimentar e Nutricional. Essa abordagem é importante, principalmente, em virtude do atual quadro brasileiro, no qual elevados índices de pobreza convivem com altas prevalências de excesso de peso e obesidade, no entanto, preocupações nesse sentido são previstas em âmbito mundial. O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está presente na Declaração Universal de Direitos Humanos criada em 1948 (ONU, 2009), previsto em tratados internacionais como no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e foi incorporado à Constituição Brasileira em 2010 (BRASIL, 2010). Visando auxiliar a garantia desse direito, em 2006 foi criada a LOSAN – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – que consolidou o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2006a). Ao se consolidar como lei, a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional passa a ser dever do Estado por meio de políticas e programas que favoreçam sistemas alimentares promotores da SAN. Por SAN entende-se: Realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade sufi ciente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006a, s.p.). Em termos práticos, diversas políticas e programas referendam a promoção da SAN em diferentes níveis da cadeia produtiva de alimentos e a importância de parcerias entre os diferentes setores envolvidos e diferentes profi ssionais. Diez- Garcia (2011) ressalta que vários segmentos sociais devem estar engajados a criar condições concretas e simbólicas que promovam um ambiente externo favorável a produzir mudanças individuais sustentáveis. Destaca, ainda, a necessidade de adoção de políticas que ampliem a disponibilidade e reduzam o custo de alimentos saudáveis. 38 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS De acordo com a Organização Mundial da Saúde (por meio da Estratégia Global para uma Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde), as alterações no modo de vida, vinculadas a sistemas produtivos que favorecem o aumento do consumo de alimentos poucos saudáveis, redução na prática de atividade física e consequente aumento de doenças crônicas não transmissíveis demandam ações relacionadas à alimentação que englobe aspectos nutricionais (excessos e carências), à promoção da SAN, considerando disponibilidade e acesso a alimentos saudáveis e segurança do alimento no que diz respeito à inocuidade destes (WHO, 2004). Em consonância, a 4ªDiretriz da Política Nacional de Alimentação e Nutrição faz referência à promoção de práticas alimentares e estilo de vida saudável (BRASIL, 2012b). A FAO, por sua vez, tem incorporado fortemente questões de sustentabilidade em suas recomendações (aspectos de sustentabilidade serão mais aprofundados no Capítulo 3). Traz, ainda, o conceito de dieta sustentável: dieta economicamente justa, nutricionalmente adequada, segura e saudável, culturalmente aceitável e de baixo impacto ambiental, para preservação e manutenção da saúde da população e do ambiente (FAO, 2012). Frente ao cenário de perda da biodiversidade (impulsionado pelo cultivo de sementes transgênicas, monoculturas e uso intensivo de agrotóxicos), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) ressalta a importância dos agricultores familiares, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais para a promoção da SAN e soberania alimentar, conservação das variedades de sementes crioulas, bem como preservação do conhecimento e das práticas de gestão de recursos da agrobiodiversidade (CONSEA, 2014). Muitas sementes tradicionais e crioulas de milho, por exemplo, já não existem mais em virtude da contaminação por sementes transgênicas. Estudo conduzido por Cortese et al. (2018b) demonstra que, diariamente, há um consumo muito grande de uma variedade de produtos que podem conter componentes OGM, muitas vezes sem ter consciência desse consumo. Além dos alimentos que compõem as preparações, muitos ingredientes de adição, como molhos e temperos industrializados, também podem conter ingredientes GM. Nesse sentido, os autores destacam as difi culdades para a identifi cação da presença desses ingredientes nos alimentos industrializados pela população. Apontam que essa difi culdade ocorre pela grande quantidade de produtos contendo esses ingredientes, diferentes nomenclaturas destes e pouca informação disponibilizada à população, além de lacunas existentes na legislação brasileira de rotulagem de alimentos GM (CORTESE et al., 2017; CORTESE et al., 2018b). No Quadro 1 são apresentados alguns alimentos consumidos pela população brasileira e os ingredientes possivelmente transgênicos presentes nestes alimentos. 39 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 QUADRO 1 – ALIMENTOS MAIS CONSUMIDOS PELA POPULAÇÃO BRASILEIRA E INGREDIENTES DERIVADOS DE SOJA E MILHO POSSIVELMENTE TRANSGÊNICOS PRESENTES NESSES ALIMENTOS Para compreendermos melhor a presença de ingredientes possivelmente transgênicos na alimentação do brasileiro, imagine a seguinte refeição: Café da manhã – bolo industrializado de qualquer sabor ou feito a partir de mistura para bolos + leite com cappuccino ou café com leite em pó. Almoço – arroz, feijão, bife de carne bovina, batata frita, salada de alface e tomate + 1 copo de suco à base de soja ou refrigerante tipo cola + tempero de salada + azeite. Somente nessas duas refeições podem estar presentes os seguintes ingredientes possivelmente transgênicos: Café da manhã – bolo industrializado de qualquer sabor ou feito a partir de mistura para bolos (maltodextrina, amido de milho, xarope de glicose, lecitina de soja) + leite com cappuccino ou café com leite em pó (lecitina de soja, proteína isolada de soja). Almoço – arroz, feijão (feijão transgênico), bife de carne bovina (animal pode ter recebido alimentos à base soja e milho), batata frita, salada de alface e tomate + 1 copo de suco à base de soja (extrato de soja, proteína de soja) ou refrigerante tipo cola (amido de milho, maltodextrina) + tempero de salada (óleo de soja, maltodextrina) + azeite (óleo de soja). Outros alimentos e bebidas que estão entre os mais consumidos pela população e podem conter ingredientes transgênicos: Cerveja: cervejas que não são puro malte podem ter adição de milho. Salgados fritos e assados: podem conter proteína de soja e amido de milho (exemplo de salgados recheados com salsicha e/ou recheio “engrossado” com amido), óleo/ gordura vegetal de soja. Pão de queijo: amido de milho e gordura vegetal. Salgadinhos industrializados: óleo vegetal, amido de milho, maltodextrina, xarope de milho, fi bra de milho, fermento químico, lecitina de soja. Sanduíche pronto para aquecer: gordura vegetal, farinha de soja, proteína de soja, maltodextrina, amido de milho, xarope de milho, lecitina de soja, proteína de milho, óleo de soja. Chocolate: gordura vegetal, xarope de glicose, lecitina de soja, amido de milho, extrato de soja. Pizza: óleo de soja, amido de milho. FONTE: Adaptado de Cortese (2016) 40 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Desse modo, percebe-se que as modifi cações necessárias no sistema alimentar e cadeia produtiva de alimentos demanda valorizar alimentos que fazem parte da tradição e cultura; agriculturas e práticas tradicionais e variedades locais, de modo a ajudar na preservação da biodiversidade (FAO, 2012). Para tal, faz- se necessário políticas públicas centradas nesta problemática, associadas a ações comunitárias e privadas que auxiliem no respeito aos direitos dos cidadãos (à saúde, alimentação adequada; sem comprometer demais direitos também garantidos em constituição). A seguir, vamos pensar em exemplos de política em âmbito federal que infl uenciaram modifi cações no sistema alimentar: 1. O caso da farina de trigo No Brasil, o cultivo do trigo foi, em determinado momento, impulsinado por subsídios governamentais. Desse modo, os produtos e subprodutos derivados do trigo, como pão francês, macarrão, pizza tiveram o preço reduzido ao longo da história brasileira relacionada a esse produto. Com o “barateamento” dos produtos e menores incentivos para outros cultivos nacionais (a exemplo da mandioca), os derivados do trigo passaram a ser consumidos não só nas regiões do Brasil com hábitos alimentares de ascendência europeia, como também por populações da região da Amazônia; local onde a mandioca, o milho e seus subprodutos faziam parte do hábito alimentar. Esse processo contribuiu para descaracterização da alimentação e dos alimentos produzidos nessas regiões (lembrando que aspectos culturais estão presentes tanto no conceito de soberania alimentar como de segurança alimentar e nutricional) (MALUF, 2007). Assim, a dinâmica cultural pode ser impulsionada por incentivos governamentais e, dependendo destes, valorizar ou desvalorizar produtos regionais, por exemplo. 2. O caso dos agrotóxicos Outro exemplo seria a opção governamental de isenção fi scal sobre o comércio de agrotóxico. Essa medida não somente estimula sistemas produtivos do tipo agronegócio corporativo com uso intenso de agrotóxicos, como também deixa de arrecadar impostos sobre a compra destes e, consequentemente, destinar esse recurso para fi ns de saúde pública, como também sobrecarrega o sistema de saúde com intoxicações agudas, aquelas decorrentes da aplicação do mesmo. Sob esse aspecto é importante destacar que ainda existe as intoxicações crônicas decorrentes do uso e consumo de agrotóxico, sendo os custos destas para a saúde difíceis de mensurar. Autores apontam que os custos sociais associados ao uso dos agrotóxicos podem variar entre US$ 11 e 89 milhões considerando apenas o custo de intoxicação aguda. Por outro lado, o total de benefícios fi scais concedidos aos agrotóxicos, em 2017, foi próximo a R$ 10 bilhões (desses, 41 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 63,1% referentes a ICMS, 16,5% IPI, contribuições sociais Pis/Pasep e Cofi ns, com 15,6% e imposto de importação de 4,8%) (SOARES; CUNHA; PORTO, 2020). Estudos em relação aos malefícios dos agrotóxicos para a saúde foram compilados por Cortese (2018a) e podem ser observados no Quadro 2. QUADRO 2 – MALEFÍCIOS DO GLIFOSATO (AGROTÓXICO UTILIZADO NAS LAVOURAS DE SOJA E MILHO TRANSGÊNICOS) PARA A SAÚDE Autores/Ano País Tipo de estudo Principais resultados Van Bruggen et al. (2018)- Estudo de re- visão Correlações entre o aumento do uso de glifosato e doenças humanas: vários tipos de câncer, danos nos rins e condições mentais como transtorno de défi cit de atenção e hiperatividade, autismo, doença de Alzheimer e Parkinson. Além disso, relaciona o uso intensivo de glifosato com mudanças nos microbiomas, as quais podem comprometer os mecanismos de resistência, com impactos negativos sobre a saúde humana, das plantas e dos animais. Mesnage et al. (2017) França Experimental in vivo O consumo crônico de níveis extremamente baixos de uma formulação à base de glifosato (Roundup®) esteve associado a alterações do proteoma e do metaboloma do fígado, o que indica alterações hepáticas, anatomorfológicas e bioquímicas patológicas neste órgão. Gallegos et al. (2016) Argentina Experimental in vivo A exposição precoce a um herbicida à base de glifosato durante o período gestacional e a lactação provocou alterações na atividade locomotora e ansiedade na prole de ratos. Podem ser consequência de alterações no sistema nervoso e de neurotransmissores, alterando mecanismos que regulam a atividade locomotora e a ansiedade. Mesnage et al. (2015) França Estudo de revisão Herbicidas à base de glifosato têm efeitos tóxicos crônicos (teratogênicos, tumorigênicos e hepatorrenais) causados pela desregulação endócrina e estresse oxidativo, que levam a alterações metabólicas, dependendo da dose e do tempo de exposição. Thongprakaisang et al. (2013) Tailândia Experimental in vitro Glifosato promoveu o crescimento de células de câncer de mama via receptores de estrogênio (hormônio- dependente). O efeito estrogênico do glifosato e da genisteína (fi toestrógeno da soja) na mulher na pós- menopausa pode induzir o crescimento de células de câncer. 42 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Samsel e Seneff (2013a) EUA Artigo de revisão Glifosato foi apontado como o fator causal mais importante na doença celíaca, devido a seus efeitos no desequilíbrio de bactérias intestinais. Também inibe enzimas do citocromo P450, envolvidas na desintoxicação de toxinas ambientais. As defi ciências de ferro, cobalto, molibdênio, cobre e outros metais associados com a doença celíaca foram atribuídas à capacidade do glifosato de quelar estes elementos. O glifosato também implicou defi ciências em triptofano, tirosina, metionina e selenometionina associadas à doença celíaca. Samsel e Seneff (2013b) EUA Artigo de revisão Glifosato teve efeito na inibição do citocromo P450, com função de desintoxicação de xenobióticos, aumentando os efeitos nocivos de resíduos químicos de origem alimentar e toxinas ambientais. Esteve associado à infl amação de sistemas celulares em todo o corpo, interrupção da biossíntese de aminoácidos aromáticos por bactérias intestinais, implicando o surgimento de doenças associadas à dieta ocidental, como obesidade, diabetes, desordens gastrointestinais, doença cardíaca, depressão, autismo, infertilidade, câncer e Alzheimer. Mesnage, Ernay e Séralini (2013) França Experimental in vitro Glifosato esteve associado à perturbação do sistema endócrino das células hepáticas, embrionárias e placentárias. Cavalli et al. (2013) Brasil Experimental in vivo Glifosato esteve associado à disfunção endócrina e perturbação das funções reprodutivas masculinas, induzindo estresse oxidativo e causando morte celular mediada por cálcio em testículo de ratos, comprometendo a fertilidade masculina. Séralini et al. (2012; 2014) França Experimental in vivo Alterações metabólicas em ratos alimentados com milho GM NK603, com ou sem aplicação do herbicida Roundup®. Os autores avaliaram mais de 100 parâmetros ao longo de 2 anos em 200 ratos e encontraram uma mortalidade mais alta e frequente em ratos que consumiram o milho com aplicação de herbicida. Também foi observado o desenvolvimento de tumores mamários e problemas hipofi sários e renais nas ratas fêmeas e defi ciências crônicas hepato-renais nos machos. Koller et al. (2012) Áustria Experimental in vivo Glifosato provocou efeitos citotóxicos e genotóxicos em células do epitélio bucal e danos ao DNA de trabalhadores expostos. Clair et al (2012) França Experimental in vivo Em concentrações baixas-disfunção endócrina e diminuição de 35% da testosterona e em elevada concentração provocou toxicidade testicular aguda em ratos, induzindo apoptose nas células germinais. FONTE: Adaptado de Cortese (2018a) 43 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 3. Políticas de crédito Os incentivos fi nanceiros desde as primeiras políticas de créditos atendem prioritariamente a monoculturas do tipo commodities (HAWKES; POPKIN, 2015; AQUINO; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017). No Brasil, de acordo com Anuário Estatístico do Crédito Rural entre os anos de 2002 e 2012 foram investidos 840,3 bilhões de reais para o setor do agronegócio corporativo, enquanto 91,6 bilhões foi utilizado para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Por outro lado, o investimento em linhas de crédito para o fortalecimento da agroecologia, por meio do PRONAF Verde foi de 367 milhões, de 2004 a 2011 (AQUINO; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017). Isso demonstra o caráter de modernização produtivista da política agrícola brasileira, direcionada a grandes produtores, ao mercado externo e ao subsídio às indústrias produtoras de insumos químicos, sementes geneticamente modifi cadas e maquinário agrícola (AQUINO; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017; SAMBUCHI et al., 2017). Assim, o sistema produtivo de alimentos dominante na atualidade impossibilita a garantia da soberania alimentar como direito dos povos, também vai de encontro ao que seria o sistema necessário para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional e garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada. Percebe-se que a promoção da SAN vai além do combate à fome por meio da maior oferta de alimentos, englobando fatores relacionados à produção, disponibilidade e acesso, sendo destacada a intersetorialidade para sua garantia. Para reforçar a refl exão em relação aos impactos da alimentação para além de questões nutricionais, observe as fi guras a seguir, as quais abordam os aspectos econômicos e sociais das escolhas alimentares. FIGURA 4 – REFLEXÃO SOBRE OS IMPACTOS DA ALIMENTAÇÃO/ ESCOLHAS ALIMENTARES EM DIFERENTES DIMENSÕES (SOCIAIS, ECONÔMICAS E DE SAÚDE), COMPROMETENDO A SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (A) FONTE: Nestle (2013, p. XVI) 44 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS FIGURA 5 – REFLEXÃO SOBRE OS IMPACTOS DA ALIMENTAÇÃO/ ESCOLHAS ALIMENTARES EM DIFERENTES DIMENSÕES (SOCIAIS, ECONÔMICAS E DE SAÚDE), COMPROMETENDO A SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (B) FONTE: Nestle (2013, p. 3) *Food and Drug Administration: A Food and Drug Administration é uma agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, um dos departamentos executivos federais dos Estados Unidos. 2.3 EFEITOS DO PROCESSO PRODUTIVO DE ALIMENTOS NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA PARA O AMBIENTE Dadas as características dominantes de produção e consumo de alimentos na sociedade contemporânea têm-se um quadro preocupante não 45 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 somente para a saúde, como também para o ambiente (WHO, 2012; 2015; FAO, 2013). Os refl exos do sistema produtivo atual de alimentos para o ambiente já foram previamente abordados neste capítulo. No item 2.1 foi apresentado um panorama em relação às características predominantes no sistema produtivo de alimentos para que você pudesse identifi car alguns aspectos do sistema produtivo e alimentos sob os quais se faz necessárias intervenções, considerando as demandas atuais e futuras em termos de saúde (item 2.2) e ambiente (item 2.3). Assim, esta seção retomará e traráalguns dados relacionados aos impactos para a sustentabilidade, principalmente ambiental, sabendo, no entanto, que a sustentabilidade perpassa por questões sociais, econômicas, políticas, culturais etc. Pensando em questões ambientais, os problemas associados aos danos causados pelas práticas atuais do sistema produtivo de alimentos incluem: mudanças climáticas, esgotamento dos recursos naturais, poluição, degradação ambiental e impactos adversos da degradação ambiental, incluindo a desertifi cação, a seca, a degradação das terras, a escassez de água, perda da biodiversidade, dentre outros (FAO, 2016; LANG, 2012). No modelo de produção agrícola atual, reduzido à perspectiva do agronegócio corporativo (produto da Revolução Verde), a modernização da agricultura é vista como prioridade. Porém, regras ecológicas de gestão da natureza passam a ser consideradas desnecessárias, exacerbando problemas relacionados à produção e suprimento de alimentos (GLIESSMAN, 2001; ASSIS, 2006). Apesar de essas alterações serem recentes, visto que no Brasil o início da revolução verde tem aproximadamente 60 anos, os danos de saúde, sociais, econômicos e ambientais são crescentes e o modo de produzir alimentos na alimentação contemporânea tornou-se insustentável (GLIESSMAN, 2001; BARONI et al., 2006; AUESTAD; FULGONI, 2015). A ONU tem demonstrado preocupação com a tendência crescente de extinção de diversas espécies e os problemas decorrentes das modifi cações climáticas. As mudanças climáticas se constituem um dos maiores desafi os da atualidade, colocando em risco a sobrevivência de muitas sociedades e seres vivos e estão associadas à emissão de gases de efeito estufa nas diferentes etapas da cadeia produtiva de alimentos: manejo do solo no setor agrícola, na produção pecuária e transporte (FAO, 2016; DAL SOGLIO, 2016). Soma-se a esses fatores, o uso crescente dos agrotóxicos e fertilizantes químicos no sistema produtivo agrícola brasileiro, bem como o plantio de sementes transgênicas (CARNEIRO et al., 2015), desperdício de alimentos em toda a cadeia (BRASIL, 2018), dentre outras. Em relação aos alimentos transgênicos, a seção anterior demonstrou as controvérsias em relação aos efeitos negativos destes para a saúde diante da 46 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS complexidade do assunto, da realização de pesquisas sobre a temática, confl itos de interesse, dentre outros fatores já mencionados anteriormente. No entanto, as evidências científi cas quanto aos malefícios do uso de agrotóxicos e a crescente presença destes nos cultivos de alimentos transgênicos já são mais consolidadas. A fi gura a seguir apresenta os efeitos para o ambiente e retomados alguns dos efeitos para a saúde. FIGURA 6 – PREOCUPAÇÕES EM RELAÇÃO AO CULTIVO E CONSUMO DE ALIMENTOS TRANSGÊNICOS DIANTE DOS IMPACTOS PARA AMBIENTE E SAÚDE FONTE: A autora Nodari e Guerra (2001) referem a ameaça que os OGMs representam à biodiversidade, tanto pelo aumento no uso de agrotóxicos nas lavouras como pela contaminação de sementes crioulas por meio da polinização ou contato de grãos não transgênicos. De acordo com a FAO (2014b), a contaminação de alimentos para consumo humano e animal com OGM está aumentando com o crescimento da produção. Essa contaminação pode ocorrer em diferentes fases do processo produtivo de alimentos: produção no campo; compra de sementes contaminadas; colheita; transporte e armazenamento; processo de industrialização do alimento; processamento e embalagem de alimentos derivados. Nesse sistema, os agricultores são cada vez mais dependentes de pacotes tecnológicos para concessão de crédito e cultivo, perdendo a autonomia dos processos de produção (afeta a soberania alimentar, seção 2.2). Ainda, há a contaminação das águas, salinização do solo, acúmulo de metais pesados e liberação de gases por fertilizantes e agrotóxicos (SAVCI, 2012). Outra consequência é a erosão dos solos por falta de cobertura vegetal e de estrutura e a 47 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 perda da biodiversidade. No entanto, a melhoria da nutrição, segurança alimentar, saúde e soberania alimentar, bem como resgate da cultura e produtividade dos solos dependem dessa biodiversidade. Estudos apontam que a diversidade genética das plantas agrícolas reduziu em 75% ao longo do último século, sendo que o Brasil detém de 15 a 20% da biodiversidade mundial (CORADIN; SIMINSKI; REIS, 2011; BIODIVERSITY INTERNATIONAL, 2013; FAO, 2015). Todos esses processos mencionados ampliam a suscetibilidade às catástrofes ambientais (MACHADO; SANTILI; MAGALHÃES, 2008) e gera um ciclo vicioso que afeta produtores e consumidores, ambiente e saúde. Diante desse cenário, a sustentabilidade ambiental tem sido considerada pela ONU como o pilar para o desenvolvimento, sendo primordial nas ações de desenvolvimento socioeconômico e erradicação da pobreza. A mudança climática pode ser considerada uma pandemia por causa de seus efeitos amplos na saúde dos seres humanos e nos sistemas naturais dos quais dependemos (isto é, na saúde planetária). Essas três pandemias – obesidade, subnutrição e mudança climática – representam a sindemia global que afeta a maioria das pessoas em todos os países e regiões do mundo. As três co-ocorrem no tempo e no local, interagem entre si para produzir sequelas complexas e compartilham fatores sociais subjacentes comuns (SWINBURN et al., 2019), agravando-se ainda mais quando outras pandemias, a exemplo do COVID-19, acometem a população (AGÊNCIA BRASIL, 2020b). Visando às modifi cações no sistema alimentar, em janeiro de 2016, passaram a vigorar os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), contendo 165 metas para o Desenvolvimento Sustentável até 2030 que devem ser incorporadas por todos os países (ONU, 2017). Os 17 ODS são: 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas. 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e promover uma agricultura sustentável. 3. Garantir uma vida saudável e promover o bem-estar de todos em todas as idades. 4. Garantir uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem. 5. Alcançar a igualdade de gênero e capacitar todas as mulheres e meninas. 6. Garantir a disponibilidade e gestão sustentável dos recursos hídricos e saneamento para todos. 7. Garantir o acesso a serviços acessíveis, viáveis, sustentáveis e energia para todos. 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho digno para todos. 9. Construir infraestruturas resilientes, promover industrialização e a inovação. 48 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 10. Reduzir a desigualdade dentro e entre os países. 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentável. 12. Garantir padrões sustentáveis de consumo e produção. 13. Tomar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos. 14. Conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos para o desenvolvimento sustentável. 15. Proteger, restaurar e promover a utilização sustentável dos ecossistemas, gerir de forma sustentável fl orestas, combater a desertifi cação, reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. 16. Promover sociedades pacífi cas e inclusivas, proporcionar acesso à justiça efi caz para todos responsáveis e inclusivas em todos os níveis. 17. Reforçar os meios de implementação e revitalizar a Parceria Global para o Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015). Dentre os objetivos do desenvolvimento sustentável é importante destacar o objetivo 2, que aborda diretamente a relação entre a promoção da SAN e métodos produtivos sustentáveis de alimentos. Dentre as metas para 2030, pretende-se duplicar a produtividade agrícola e os rendimentos para os métodos produtivos em pequena escala,de agricultores familiares; especialmente com mão de obra feminina. Pretende-se promover o acesso seguro e igualitário à terra e demais recursos e insumos, conhecimento, serviços fi nanceiros e mercados (ONU, 2015). Do mesmo modo, o Acordo de Paris de 2015 levou à União Europeia almejar redução de 40% nas emissões de gases de efeito estufa em comparação aos níveis de 1990. Os dados apresentados evidenciam a importância de ações (em nível individual, coletivo e político) que englobem todos os aspectos mencionados neste capítulo em todas as etapas da cadeia produtiva de alimentos – da produção ao consumo (ver defi nição de cadeia produtiva para relembrar as etapas, sabendo ainda que o sistema produtivo de cada alimento terá particularidades em cada uma dessas etapas). Nesse sentido, e considerando a busca por qualidade algo constantemente associado à cadeia produtiva de alimentos, a próxima seção abordará as diferentes dimensões da qualidade, buscando relacionar tudo o que foi discutido nesta seção com o conceito de qualidade. 3 DIMENSÕES DA QUALIDADE NA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS O termo qualidade em alimentos possui diferentes conceituações, muitas vezes dependente da etapa da cadeia produtiva a que se refere, área de 49 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 conhecimento e profi ssional envolvido (COSTA; NASCIMENTO; PEREIRA, 2011; HANSEN, 2005). Geralmente é abordado com conotações positivas (HARVEY; MCMEEKIN; WARDE, 2004), atrelada a um atributo com capacidade de distinguir e determinar a natureza do produto (CUNHA, 2007). Muitas vezes, ao longo da história, a qualidade esteve atrelada somente ao produto/serviço fi nal. Com o passar do tempo, passou a ser observada de forma segmentada, em todos os processos até chegar ao cliente, atendendo às expectativas e gerando satisfação (MACHADO, 2012). Essa seção trará alguns aspectos conceituais em relação à qualidade e suas diferentes dimensões. O fato de a globalização e industrialização terem alterado as formas de produção, processamento e transporte de alimentos também levou ao surgimenro de novas formas de pensar a qualidade na cadeia produtiva. O consumidor passou a ter mais acesso e informação aumentando as exigências quanto aos processos de produção. Levou às empresas a investir em sistemas e ferramentas de controle e garantia da qualidade de seus produtos, adequando-se ainda às novas normas e padrões de qualidade postos pelos clientes e consumidores do mercado globalizado (VIEIRA, 2009). O mundo globalizado e o mercado competitivo demandam cada vez mais produtividade por parte das empresas, sem, no entanto, perder a qualidade nos produtos e serviços prestados. A aquisição de alimentos seguros e de qualidade é direito do consumidor e um dever que deve ser cumprido em todas as etapas da cadeia produtiva, uma vez que nem todos os aspectos de qualidade são visíveis no momento da compra (TALAMINI; PEDROZO; SILVA, 2005; BRASIL, 2009b). Também é direito do consumidor o acesso a informações corretas, claras e fi dedignas sobre as características dos produtos, por exemplo, por meio da rotulagem correta e do rastreamento da cadeia produtiva (esse assunto será mais discutido nos capítulos posteriores). Episódios relacionados à qualidade higiênico-sanitária, como os casos de gripe aviária, doença da vaca louca, dentre outras situações de contaminação dos alimentos contribuíram para que os consumidores fi cassem mais atentos em relação à segurança e qualidade do alimento e estimulou as empresas a focarem na qualidade dos produtos, buscando atender às exigências e segurança do consumidor (SILVA; AMARAL, 2004). No entanto, espera-se que a qualidade no processo produtivo ultrapasse questões higiênico-sanitárias. As preocupações sobre alimentação foram impulsionadas por diferentes fatores, como questões de saúde pública, incluindo a obesidade e desnutrição (POPKIN, 2011). Além disso, por problemas desencadeados pelo tipo de produção de alimentos, como o uso de agrotóxicos (MORGAN; SONNINO, 2010) e o desperdício dos alimentos (BRASIL, 2020; BUTTEL; MCMICHALE, 2009). 50 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Para atingir a qualidade não somente do produto fi nal, mas de todo o processo produtivo, existe a necessidade de compreender de forma integrada o sistema alimentar. Ainda, é importante compreender que a qualidade deve englobar aspectos que vão além dos higiênico-sanitários, incluindo também questões simbólicas e culturais, nutricionais, sociais, sustentáveis. Nesse sentido, como profi ssional inserido na cadeia produtiva de alimentos é importante refl etir: O que eu considero como qualidade na cadeia produtiva? O que eu considero como alimento de qualidade? Eu estou considerando todas as demandas atuais necessárias para evitar um colapso do sistema alimentar (pensando em saúde, soberania alimentar, segurança alimentar e nutricional e ambiente)? Eu estou considerando o impacto das minhas ações/decisões em todas as etapas da cadeia e o refl exo delas no sistema alimentar? Eu estou realizando ações pensando na qualidade em termos pontuais ou eu conheço todos os processos envolvidos nas demais etapas da cadeia produtiva de alimentos? Sabe-se que a coordenação e as intervenções ao longo da cadeia produtiva não são tarefas fáceis e devem atender aos requisitos de qualidade em toda cadeia, bem como estar em sintonia com as exigências do consumidor. No entanto, diferentes profi ssionais inseridos ao longo da cadeia precisam ter consciência do seu papel, também na educação e conscientização do consumidor, tendo em vista as emergências atuais já referidas. Por exemplo, um restaurante demanda uma grande quantidade de alimentos, portanto, suas escolhas têm refl exos em todas as etapas anteriores à compra do alimento em si, bem como refl ete também nas etapas posteriores. A partir do momento em que esse restaurante opta por comprar alimentos agroecológicos produzidos localmente, respeitando a sazonalidade e a biodiversidade, o bem-estar animal, evitando alimentos que contêm ingredientes transgênicos, dentre outros aspectos também já pontuados, pode contribuir para que se altere essa lógica de produção e consumo que impacta negativamente no sistema alimentar. Diversos fatores interferem nas oscilações de aquisição, consumo e no comportamento do consumidor. Nesse sentido, a pesquisa do Brasil Food Trends apresenta que seriam as exigências dos consumidores em 2020, sendo estas agrupadas em cinco categorias: sensorialidade e prazer; saudabilidade e bem- estar; conveniência e praticidade; confi abilidade e qualidade; sustentabilidade e ética (Quadro 3). Ademais, o mercado de carnes também vem crescendo, na contramão de recomendações para redução do consumo de carnes frente aos seus impactos ambientais e para a saúde (ABERC, 2009). 51 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 QUADRO 3 – TENDÊNCIA DOS CONSUMIDORES EM ALIMENTAÇÃO TENDÊNCIA EXEMPLOS Sensorialidade e prazer Alimentos premium, receitas regionais, alimentos étnicos, alimentos gourmet. Saudabilidade e bem-estar Alimentos funcionais, para dietas e controle do peso (light/diet), orgânicos, naturais e com eliminação de aditivos químicos. Conveniência e praticidade Pratos prontos, alimentos para micro-ondas, alimentos em pequenas porções (snacking, fi nger food). Confi abilidade e qualidade Garantia de origem, selos de qualidade, certifi cados de sistemas de gestão de qualidade e segurança, rotulagem informativa, sustentabilidade e ética, embalagens recicláveis, selos ambientais FONTE: Adaptado de Fiesp/Ital (2010) É importante destacar que algumas tendências dos consumidores contribuem de modo favorável para redução dos impactos negativos da alimentação para o sistema alimentar, no entanto, outras tendências, se forem erroneamente exploradas em um sistema produtivo pautado somentena lógica de lucro e produtividade impactam negativamente para todos os aspectos já abordados neste capítulo. Por exemplo, a busca por praticidade pode levar à produção/ comercialização de frutas in natura, descascadas e embaladas, aumentando o impacto ambiental pela produção de plástico. Outro exemplo seria a produção de alimentos prontos para o consumo com elevados teores de sódio, açúcar, aditivos, gordura trans, cujos impactos negativos para o sistema alimentar já foram referidos neste capítulo. Alimento light, ou com alguma outra alegação nutricional, nem sempre signifi ca um alimento de melhor qualidade nutricional, se analisado o alimento como um todo, principalmente em se tratando de alimentos ultraprocessados (BRASIL, 2014; MACHADO et al., 2019; RODRIGUES et al., 2016). Estudo conduzido por Nishida (2016) identifi cou que o teor de sódio dos alimentos industrializados classifi cados como diet e light foi 43% maior do que o dos alimentos convencionais. Estudo de Rodrigues et al. (2016), no qual foram investigados 535 produtos alimentícios destinados a crianças, 270 (50,5%) apresentaram alegações nutricionais em seus rótulos. Esses produtos infantis com alegações de nutrientes tinham um conteúdo nutricional semelhante ou pior do que os produtos similares sem alegações de nutrientes. Para análise, os autores consideraram informações referentes à energia, carboidratos, proteínas, fi bras, sódio e conteúdo de gorduras totais e ácidos graxos saturados. Em ambos os casos teremos alimentos que não podem ser considerados de qualidade, se pensarmos na qualidade considerando suas diferentes dimensões. Observa-se também uma preocupação por parte dos consumidores quanto 52 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS ao consumo de alimentos com origem conhecida, seja devido à busca por uma alimentação mais saudável ou então por uma questão de consciência ambiental e retorno da cultura local. Nestes casos, a qualidade do alimento sob todos os seus aspectos é de grande importância. Os alimentos regionais são apontados como mais saudáveis, tradicionais e autênticos (ILBERY; KNEASEAF, 1998; PESTEIL, 2006; PIENIAK et al., 2009; ZUIN; ZUIN, 2009). Fabri et al. (2015) ressaltam os aspectos simbólicos vinculados à produção e consumo de alimentos e preparações regionais importantes para promover dietas saudáveis. Nota-se também uma transição de qualidade associada ao alimento, refl exo desse novo perfi l de consumidor, a exemplo do crescente mercado de alimentos orgânicos. Os produtos naturais e orgânicos vêm sendo uma tendência alimentar no âmbito mundial, resultado da busca por bem-estar e saúde e um perfi l de desconfi ança em relação à cadeia produtiva de alimentos. Enquanto que, por um lado, a indústria de alimentos tenha proporcionado diversas facilidades alimentares aos consumidores, esta começou a utilizar de forma signifi cativa produtos químicos, como agrotóxicos (DIAS et al., 2015) e aditivos alimentares, desencadeando problemas à saúde humana e ao meio ambiente. Os malefícios causados por alguns agrotóxicos já foram apresentados. O quadro a seguir apresenta estudos analisados por Kanematsu (2017), indicando possíveis prejuízos à saúde em relação ao consumo de determinados aditivos alimentares. De acordo com os estudos apresentados, o consumo de aditivos alimentares, como corantes (amaranto, vermelho allura, nova coccina, amarelo tartrazina, carmosina e azul brilhante), edulcorantes (aspartame e sucralose), glutamato monossódico e benzoato de sódio podem causar prejuízos à saúde. QUADRO 4 – ESTUDOS SOBRE OS MALEFÍCIOS DOS ADITIVOS ALIMENTARES PARA A SAÚDE Aditivo Autores (ano) Local População Prejuízos à saúde Corante (amaranto, vermelho allura e nova coccina) Tsuda et al. (2001) Japão Camundongos Genotoxidade. Corante (amarelo tartrazina e carmosina) Amin e Haimed Elsttar (2010) Egito Ratos albinos Aumento nos níveis de ureia, creatinina, proteína total, albumina no sore, dentre outros parâmetros. 53 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 Corante (amaranto/ eritrosina) Mpotoukas et al. (2010) Grécia Humanos Potencial tóxico para linfócitos. Corante (amarelo tartazina) Gao et al. (2011) China Camundongo Ratos albinos Efeito adverso na memória e aprendizagem, com dano cerebral. Edulcorantes (aspartame) Schernhammer et al. (2012) EUA Humanos Risco de linfoma de Hodgkin e mieloma. Pase et al. (2017) EUA Humanos Aumento do risco de acidente vascular cerebral e demência Bergstrom, Cum- mings e Skaggs (2007) EUA Ratos albinos Diminuição da liberação de dopamina. Glutamato Monossódico Quines et al. (2014) Brasil Ratos winstar Maior sensibilidade para desenvolver comportamentos de ansiedade e depressão. Shi et al. (2013) China Humanos Distúrbios do sono. Shi et al. (2012) China Humanos Diminuição da hemoglobina (anemia). Collison et al. (2009) Arábia Saudita Camundongo Quando combinado com a gordura trans, o glutamato monossódico aumentou a gordura abdominal e casos de dislipidemia. Ortiz et al. (2006) México Ratos winstar Toxicidade no fígado e rim. Mix de corantes arti- fi ciais e benzoato de sódio McCann et al. (2007) Reino Unido Humanos (crianças) Comportamentos hiperativos. FONTE: Adaptado de Kanematsu (2017) Ao pensar em qualidade é importante considerar as suas diferentes dimensões em toda a cadeia produtiva: • Qualidade higiênico-sanitária: relaciona-se diretamente ao controle da contaminação e melhoria da higiene como um todo por meio de ações de boas práticas e segurança na preparação dos alimentos, na higiene ambiental e pessoal. O controle sanitário consiste no controle da sobrevivência e multiplicação dos perigos biológicos em todo processo. O alimento deve estar isento de elementos tóxicos e seu consumo não deve provocar problemas 54 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS gastrointestinais, dentre outros sintomas, ao consumidor (SILVA JR., 2005). • A dimensão simbólica da qualidade relaciona-se, dentre outros aspectos, ao signifi cado que o indivíduo atribui ao alimento como parte de suas relações culturais e sociais, individuais ou em grupo (POULAIN, 2012). • Já uma alimentação que contemple aspectos da dimensão sustentável deve ser nutricionalmente adequada, economicamente justa, culturalmente aceitável, de baixo impacto ambiental para preservação/manutenção da saúde da população e do ambiente (FAO, 2012). O tripé da sustentabilidade considera aspectos ambientais, sociais e econômicos. A sustentabilidade ambiental é a preocupação com a racionalização do aporte de recursos, com a limitação no uso de recursos esgotáveis ou danosos ao ambiente; de práticas de reciclagem; de conservação de energia; redução do volume de resíduos; desenvolvimento de pesquisas que façam uso de tecnologias ambientalmente mais adequadas e na implementação de políticas de proteção ambiental. A sustentabilidade social preza por um desenvolvimento baseado em equidade na distribuição da renda, de modo a melhorar os direitos e as condições da população, ampliando a homogeneidade entre os padrões de vida. A sustentabilidade econômica consiste na gestão mais efi ciente dos recursos e investimento público e privado e efi cácia econômica, pensando em termos macrossociais e não somente no lucro empresarial (SACHS, 1993). • Qualidade regulamentar: relaciona-se a obrigações que qualquer produto deve respeitar em relação à legislação vigente para o processo produtivo deste. Todas as normas relacionadas ao produto em todas as etapas da cadeia precisam ser consideradas (PROENÇA et al., 2005). • Dimensão sensorial da qualidade: características dos alimentos capazes de provocar prazeres e sensações visuais, táteis, gustativas e olfativas no indivíduo (PROENÇA et al., 2005). • Qualidade nutricional: refere-se a aspectos relacionados à aptidão de um alimentoem satisfazer às necessidades fi siológicas do ser humano em termos de nutrientes (PROENÇA et al., 2005). Estudo conduzido por Gomes (2019) analisou a percepção sobre “alimentos de qualidade” de diferentes atores inseridos na cadeia produtiva de alimentos. Foram identifi cadas, nas falas destes, aspectos relacionados às diferentes dimensões da qualidade, sendo as dimensões nutricional, sustentável, higiênico- sanitária e sensorial as mais presentes, no entanto, muitas vezes, a percepção de qualidade esteve relacionada à inserção do ator na cadeia produtiva. Por exemplo, agricultores referiram alimentos de qualidade com atributos relacionados a aspectos da produção no campo (ex.: sem agrotóxico), já atores inseridos no processamento referiram atributos higiênicos-sanitários. Assim, na abordagem de sistemas alimentares é necessário considerar todos os determinantes do consumo alimentar a partir das relações estabelecidas 55 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 entre os diferentes agentes participantes da cadeia: produtores, distribuidores, gestores, consumidores e demais atores, em toda a cadeia produtiva, ao se pensar em segurança e qualidade de alimentos. A fi gura a seguir apresenta diferentes aspectos que precisam ser considerados ao pensar em qualidade. Algumas ferramentas e normas relacionadas ao controle de qualidade e que abordam diferentes dimensões da qualidade serão abordadas no próximo capítulo. FIGURA 7 – DIFERENTES ASPECTOS/DIMENSÕES DA QUALIDADE FONTE: A autora 1 Sobre os sistemas alimentares e a adoção de medidas efi cazes na cadeia produtiva de alimentos para o cumprimento do direito à alimentação e promoção da Segurança alimentar e Nutricional e Soberania Alimentar é CORRETO afi rmar que: a) ( ) Deve-se estimular sistemas alimentares que favorecam a produção e consumo de soja e milho e seus subprodutos, tanto para ração animal como para consumo humano em países desenvolvidos, para aumentar o consumo de proteína 56 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS animal e ajudar a acabar com a fome. b) ( ) Os sistemas alimentares devem se desenvolver de maneira que estimule a produção de alimentos em grandes propriedades do tipo monocultura para a produção intensiva de alimentos. c) ( ) Os sistemas alimentares devem se basear em uma agricultura que não comprometa a sua capacidade de satisfazer às necessidades futuras. A perda de biodiversidade, uso insustentável da água e contaminação dos solos e da água são problemas que comprometem a capacidade contínua dos recursos naturais. d) ( ) Os sistemas alimentares devem apoiar as grandes propriedades para aumentarem sua receita, para investimento em insumos e máquinas importadas. e) ( ) Os sistemas alimentares devem se concentrar no aperfeiçoamento das sementes e em assegurar que os agricultores recebam um conjunto de insumos que possa aumentar a produtividade, replicando o modelo de processos industriais. 2 A crescente produção e consumo de alimentos contendo ingredientes transgênicos e agrotóxicos é preocupante tanto para a saúde quando para o ambiente, de modo que ações para a redução dos mesmos nos alimentos precisam ser tomadas. Com relação aos transgênicos e agrotóxicos, assinale V para verdadeiro e F para falso. ( ) O Brasil é um dos países que mais planta transgênicos no mundo, com destaque para o cultivo de soja, milho, trigo e algodão transgênicos. ( ) As culturas transgênicas liberadas para consumo no Brasil foram desenvolvidas para duas fi nalidades principais: para se tornarem tolerantes a herbicidas e/ou resistentes a insetos; ou para aumentar o teor nutricional dos alimentos. ( ) Em virtude da grande produção agrícola, do baixo custo e diferentes fi nalidades para a indústria alimentícia, ingredientes provenientes de produtos e subprodutos derivados de culturas transgênicas são amplamente utilizados na composição de alimentos industrializados. ( ) Não há consenso na comunidade científi ca em relação à segurança do consumo de transgênicos para a saúde humana. No entanto, estudos já demonstram os malefícios deste e por isso recomenda-se a adoção do Princípio de Precaução. 57 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 Ademais, já existem vários estudos que associam o consumo de agrotóxicos presentes nos alimentos transgênicos ao desenvolvimento de vários tipos de câncer, infertilidade, atrasos no desenvolvimento motor, desregulação hormonal, anomalias congênitas e alergias. ( ) Dentre os impactos dos transgênicos ao meio ambiente, destaca-se a contaminação de sementes e de lavouras não transgênicas e a contaminação de espécies de plantas selvagens, implicando na perda da biodiversidade. ( ) A legislação de rotulagem de transgênicos em vigor determina que qualquer alimento que contenha ou seja produzido a partir de transgênicos, independentemente da quantidade, seja obrigatoriamente rotulado com o símbolo T, acompanhado de uma expressão que identifi ca o ingrediente transgênico do alimento. ( ) O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) é coordenado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e tem por objetivo avaliar os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal e a presença de ingredientes transgênicos nos alimentos industrializados. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – V – V – V – F – F . b) ( ) F – V – F – F – F – V – V. c) ( ) V – V – V – F – F – F – V. d) ( ) F – V – F – F – F – F – V. 3 Alimentação saudável, Segurança Alimentar e Nutricional, Soberania alimentar, Alimentação sustentável, Qualidade são diferentes terminologias utilizadas no campo da alimentação e produção de alimentos. Estas se sobrepõem e se complementam, de modo que precisam ser trabalhadas de modo conjunto e articulado, considerando uma visão holística de todo o sistema alimentar. Analise as afi rmativas a seguir e marque V para verdadeiro e F para falso. ( ) A Revolução Verde ocorreu na década de 1960 e é considerada um marco da modernização da agricultura. Teve como principal justifi cativa, a necessidade de acabar com a fome no mundo por meio do aumento da produção e incentivo à compra de pacotes agrícolas e tecnológicos, avanço da mecanização e redução na mão de obra. No entanto, hoje, enquanto índices de sobrepeso 58 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS e obesidade aumentam na população brasileira, a fome é o número na lista dos 10 maiores riscos para a saúde. Desta forma, observa-se que a Revolução Verde não só não acabou com a fome como também desarticulou pequenas propriedades agrícolas, transformou as relações sociais, introduziu monoculturas em larga escala para a produção de alimentos, pacotes tecnológicos que têm envenenado e empobrecido a biodiversidade, introdução e avanço de monoculturas geneticamente modifi cadas, como a soja, milho, algodão etc. ( ) Incentivar o consumo de peixes pode favorecer a dimensão nutricional da qualidade, no entanto, se não for considerado o sistema produtivo da pesca e as características culturais da população, as dimensões sustentáveis e simbólicas, respectivamente, podem ser comprometidas. ( ) O sistema produtivo de alimentos de origem animal, bem como a industrialização dos alimentos estão diretamente relacionados ao estímulo à produção de soja e milho transgênicos, tendo em vista que produtos e subprodutos de soja e milho estão presentes principalmente na ração animal e alimentos ultraprocessados. ( ) A produção de alimentos transgênicos afeta a soberania alimentar, porém impacta positivamente na promoção da Segurança alimentar e Nutricional, uma vez que favorece a dimensão de acesso da segurança alimentar e nutricional por auxiliar no combate à fome. ( ) Para a promoção de uma alimentação saudável, segurança alimentare nutricional e soberania alimentar é importante pensar em ações saudáveis e sustentáveis em toda a cadeia produtiva de alimentos e os atores dessa cadeia precisam agir de forma integrada, ética e consciente. ( ) A soberania alimentar não se relaciona à capacidade dos povos de defi nir o que será produzido. ( ) Ao pensar na qualidade na cadeia produtiva de alimentos, uma visão holística e que englobe as diferentes dimensões da qualidade favorece sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – V – F – V – F – F. b) ( ) F – V – F – F – F – V – V. c) ( ) V – V – V – F – F – F – V. d) ( ) V – F – V – V – V – F – F. 59 IMPACTOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ALIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA Capítulo 1 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES É importante que, ao fi nal deste capítulo, você tenha compreendido as principais características do sistema produtivo atual de alimentos que impactam a saúde, ambiente e sociedade como um todo. Para tal, alguns conceitos apresentados são de extrema relevância, dentre eles, os conceitos de segurança alimentar e nutricional, soberania alimentar e qualidade. Ao pensar em atuar na promoção da segurança e qualidade na cadeia produtiva de alimentos, uma visão holística que contemple as diferentes dimensões presentes nesses conceitos é fundamental, sejam elas: culturais, sustentáveis, nutricional, simbólica, sanitárias; tendo em vista a promoção de sistemas alimentares também saudáveis e sustentáveis não somente de modo individual, mas também coletivo. É importante que o profi ssional pense na cadeia produtiva como um todo, bem como refl exos da sua ação para todo o sistema alimentar. Assim, uma produção de alimentos no campo que não considere modos de produção com menores impactos para saúde, ambiente, segurança alimentar e nutricional e soberania alimentar não pode ser considerado de qualidade, do mesmo jeito que não pode ser considerado saudável e sustentável. Produzir alimentos de qualidade pensando na qualidade sustentável, nutricional e simbólica requer pensar em produção agroecológica, com rotação de cultura; produção de alimentos que não faça o uso de ingredientes transgênicos; que considera o bem- estar animal e manutenção das espécies; que não estimule o transporte a longas distância e que valorize alimentos locais; que seja feita com base em alimentos sazonais, valorizando a agrobiodiversidade e a cultura local; que não resulte em alimentos com altos teores de sódio, açúcar, gordura principalmente trans e aditivos alimentares. O processo produtivo em toda a cadeia deve considerar o uso de recursos naturais e diminuição no uso de recursos não renováveis; reduzir o desperdício ao longo da cadeia; ser isento de contaminantes físicos, químicos e biológicos ao longo da cadeia (qualidade higiênico-sanitária). O consumo deve ser pensado visando reduzir todos os impactos negativos ao longo da cadeia, considerando uma alimentação baseada em vegetais produzidos de modo sustentável e que estimule o desenvolvimento de um sistema alimentar mais saudável e sustentável. Trata-se de um processo complexo, porém necessário diante dos impactos da cadeia produtiva em todo o sistema alimentar e refl exos desta para todos os seres. Para essa atuação diferenciada é fundamental conhecer as “urgências” em todas as etapas da cadeia. Este capítulo buscou apontar diferentes aspectos ao longo da cadeia produtiva de alimentos que precisam ser repensados de modo integralizado e multidisciplinar pelos diferentes atores envolvidos. 60 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS REFERÊNCIAS ABERC – Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas. Manual ABERC de práticas de elaboração e serviço de refeições para coletividades. 9. ed. São Paulo: ABERC, 2009. 274 p. 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A primeira seção, Epidemiologia das principais Doenças Transmitidas por Alimentos, contextualizará aspectos históricos e contemporâneos em relação às principais doenças que são transmitidas pelos alimentos, bem como os agentes etiológicos. Também serão apresentados aspectos epidemiológicos dessas doenças, principalmente no Brasil. Ainda nessa primeira seção serão apresentados conceitos teóricos considerados importantes para a compreensão do capítulo como um todo. Estes serão retomados e abordados ao logo do texto. A segunda seção apresentada no capítulo é referente aos Aspectos regulatórios para a cadeia produtivade alimentos e Boas Práticas. Será apresentado um panorama abordando diferentes regulamentações para diferentes etapas da cadeia produtiva de alimentos. O foco das regulamentações abordadas será em relação a aspectos higiênico-sanitários e regulamentares da qualidade. Ressalta-se que esse é um assunto complexo e amplo e que o intuito do capítulo não é esgotar as legislações vigentes, mas apresentar aquelas consideradas relevantes. Por fi m, a terceira seção sobre Rotulagem, certifi cações e selos de qualidade abordará alguns aspectos de direito do consumidor e rotulagem nutricional. Ao longo das seções serão retomados aspectos relacionados a diferentes dimensões da qualidade apresentadas no Capítulo 1, sejam elas nutricionais, higiênico- sanitárias, simbólicas e sensoriais. Após o estudo dos capítulos 1 e 2, você terá subsídios para atuar na cadeia produtiva de alimentos buscando a oferta de alimentos mais saudáveis e sustentáveis, com o conhecimento de ferramentas e sistemas de qualidade que possam auxiliar nesse processo. Além disso, compreenderá a importância do cumprimento da legislação para a garantia da qualidade, sem perder a visão crítica em relação a elas. 2 EPIDEMIOLOGIA DAS PRINCIPAIS DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS A globalização do comércio de alimentos, a crescente população mundial, 84 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS as mudanças climáticas e os sistemas alimentares em rápida mudança têm um impacto na segurança dos alimentos. O acesso a quantidades sufi cientes de alimentos seguros e nutritivos é essencial para promoção da saúde e manutenção da vida (FAO, 2020). Com as mudanças no padrão alimentar da população brasileira (já apresentados no Capítulo 1), associadas ao aumento do número de refeições fora de casa, aumenta também a responsabilidade de todos os envolvidos no processo produtivo de alimentos, na garantia de um alimento seguro, que não cause nenhum prejuízo ao consumo humano. As Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) são causadas pelo consumo de bebidas ou alimentos contaminados por micro-organismos patogênicos em uma quantidade sufi ciente para causar danos à saúde do consumidor (BRASIL, 2020). No entanto, as DTA vêm aumentando signifi cativamente em âmbito mundial se constituindo uma importante causa de morbidade e mortalidade em todo o mundo, se tornando um problema econômico e de saúde pública em muitos países (BRASIL, 2020). Diversos são os determinantes que podem contribuir para a crescente incidência dessas doenças, como aumento da população; existência de grupos de indivíduos vulneráveis ou mais expostos; desordenado processo de urbanização; produção de alimentos em larga escala e controle defi ciente dos órgãos públicos e privados no que diz respeito à qualidade do processo produtivo de alimentos e, consequentemente, destes. Soma-se a esses fatores, outros determinantes que contribuem para a emergência das DTA: crescente aumento de refeições feitas fora de casa, consequentemente, uma maior exposição a alimentos prontos destinados ao consumo coletivo, consumo de alimentos nas ruas, além de mudanças ambientais (BRASIL, 2010). O alimento percorre um longo caminho desde o momento da sua produção até ser consumido. A contaminação dos alimentos e bebidas pode ocorrer por condições inadequadas de higiene em diferentes etapas do processo produtivo do alimento (antes do produto chegar ao consumidor), bem como pela manipulação inadequada do alimento pelo consumidor, seja ele indivíduo ou restaurante, por exemplo. Todas as etapas estão sujeitas a falhas que podem ocasionar perigos para o consumo. Esses perigos podem ser físico, químico e/ou biológico. Assim, os alimentos estão expostos à contaminação em todas as etapas da cadeia de produção (WHO, 1996) e têm determinantes para além dessas etapas. Silva Junior (2010) cita a escolha inadequada de ingredientes, produtos, técnicas inadequadas de preparo, má conservação dos alimentos, falta de cuidados para prevenção do desenvolvimento microbiológico e a falta de conhecimento sobre DTA como fatores que contribuem para o aumento destas. Além da higiene inadequada, outros fatores que contribuem para DTA são: acesso inadequado às redes de água potável (podendo levar à ingestão de água contaminada); tratamento de lixo inadequado – gerando focos de insalubridade 85 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 propícios para proliferação de agentes contaminantes; ambientes insalubres – próximos de esgotos e aterros sanitários públicos e áreas expostas a lixo, dentre outros. Esses cuidados se intensifi cam ao pensarmos no comércio de “alimentos de rua”, os quais muitas vezes se encontram localizados em locais com condições insalubres e com pouca estrutura (FAO, 2009a). Pode-se observar a grande variedade e complexidade dos determinantes causadores de DTA, uma vez que estão associados a questões ambientais, sociais, econômicas; relacionados a aspectos coletivos e individuais, público e privado. Para uma melhor compreensão do conteúdo que será abordado neste capítulo é de extrema importância um conhecimento prévio de alguns conceitos e defi nições. Desse modo, sempre que estiver com dúvida, retorne esta página para relembrar. Relembrando alguns conceitos e defi nições: • Boas práticas de manipulação de alimentos: procedimentos que devem ser adotados no processo produtivo de alimentos a fi m de garantir a qualidade higiênico-sanitária e a conformidade dos alimentos com a legislação sanitária (BRASIL, 2004). • Cadeia produtiva de alimentos: sequência de etapas e operações envolvidas na produção, processo, distribuição, estocagem e manuseio do alimento e seus ingredientes, desde as matérias- primas até o consumidor fi nal (ABNT, 2006). • Contaminantes de alimentos: substâncias de origem biológica, química ou física, estranhas ao alimento e nocivas à saúde humana ou que comprometam a sua integridade (BRASIL, 2004). • Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA): síndrome geralmente constituída de anorexia, náuseas, vômitos e/ou diarreia, acompanhada ou não de febre, relacionada à ingestão de alimentos ou água contaminados (BRASIL, 2019). • Manipuladores de alimentos: qualquer pessoa que manipula alimentos embalados ou não, utensílios, equipamentos ou superfícies em contato com os alimentos e que deve cumprir as exigências de higiene alimentar (WHO, 2006; BRASIL, 2004). • Matéria-prima alimentar: substância de origem vegetal ou animal no seu estado bruto. Para ser utilizada precisa passar por processo de tratamento e/ou transformação de natureza física, química ou biológica (SANTA CATARINA, 1987). De acordo com Silva Junior (2010), consiste no produto que será processado e manipulado 86 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS para fi ns de consumo, como os produtos crus in natura e os alimentos parcialmente preparados (SILVA JUNIOR, 2010). • Qualidade higiênico-sanitária: refere-se à inocuidade do alimento de modo que este seja isento de perigos químicos, físicos e biológicos, de modo que o seu consumo não seja tóxico, ou seja, o alimento deve estar isento de elementos tóxicos de modo que o seu consumo não cause problemas ao consumidor (SILVA JUNIOR, 2010; PROENÇA et al., 2005). Contempla ações de higiene e de controle sanitário. Relacionam-se às boas práticas e segurança na preparação dos alimentos, higiene ambiental e pessoal, relacionado ao controle da sobrevivência e multiplicação dos perigos biológicos, englobando ações que visam melhorar os processos e atribuir segurança na preparação dos alimentos. • Qualidade regulamentar: normas e procedimentos que devem ser respeitadas, relacionadas à legislação de alimentos vigente (PROENÇA et al., 2005). • Segurança alimentar: consiste em um conjunto de medidas que asseguram que os alimentos não causem dano ao consumidor, quando preparados ou consumidos conforme o esperado (WHO, 2006). Relaciona-seao termo em inglês “food safety”, diferente do termo food security – cujo signifi cado associa-se ao termo em português “Segurança alimentar e nutricional” (ver Capítulo 1). Assim, é importante fi car claro que segurança alimentar e segurança alimentar e nutricional são conceitos diferentes. Para entender mais sobre esses termos e as relações entre eles, acesse https://www.nature.com/scitable/knowledge/library/food-safety-and- food-security-68168348/. • Surto de DTA: episódio em que duas ou mais pessoas apresentam os mesmos sinais/sintomas após ingerir alimentos e/ou água da mesma origem (BRASIL, 2019). 2.1 DOENÇAS TRANSMITIDAS PELOS ALIMENTOS – HISTÓRICO, AGENTES ETIOLÓGICOS, CARACTERÍSTICAS Conforme já mencionado anteriormente, as DTA podem ter diversos determinantes, relacionados direta ou indiretamente com a cadeia produtiva de alimentos. As seções seguintes deste capítulo terão como foco DTA relacionadas 87 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 ao processo produtivo de alimentos, bem como normas e procedimentos, selos e certifi cações também associados à cadeia produtiva de alimentos; além de aspectos de rotulagem de alimentos. É importante fi car claro que essa abordagem não exclui as demais possibilidades associadas a DTA, conforme abordado resumidamente na seção anterior. As DTA podem ser de natureza tóxica ou infecciosa, causadas pelo consumo de alimentos ou bebidas contaminados. Assim, pode ser causada por bactérias, vírus, parasitas, toxinas, príons, agrotóxicos, substâncias químicas e metais pesados. A contaminação química pode levar ao envenenamento agudo ou doenças de longo prazo, como o câncer. As doenças transmitidas por alimentos podem levar à incapacidade duradoura e morte. Exemplos de alimentos não seguros incluem alimentos pouco cozidos de origem animal, frutas e vegetais contaminados com fezes e mariscos crus contendo biotoxinas marinhas (WHO, 2020). De acordo com Silva Junior (2010), as DTA estão relacionadas a: 1- Higiene inadequada de utensílios e equipamentos. 2- Práticas inadequadas de manipulação dos alimentos. 3- Contaminação cruzada entre alimentos crus e cozidos. 4- Uso de alimentos contaminados. 5- Exposição prolongada dos alimentos a temperatura/tempo inadequados. 6- Refrigeração inadequada. 7- Consumo de alimentos crus ou mistura com os prontos. 8- Manipulador contaminado. Nesse sentido, ressalta-se a importância de práticas higiênicas para impedir a contaminação dos alimentos por microrganismos ou parasitas da água; ar; moscas; insetos e pragas, a fi m de assegurar sua qualidade sanitária. As principais manifestações de DTA são os sintomas digestivos, podendo causar diarreia grave ou infecções debilitantes, como a meningite (WHO, 2020). Além disso, outras manifestações (extraintestinais) são possíveis, ocorrendo nos rins, fígado, sistema nervoso central, dentre outros (BRASIL, 2019). Esses sintomas dependem, dentre outros fatores, das características do agente contaminante. Os agentes etiológicos mais comuns causadores de DTA são: Salmonella, Campylobacter e Escherichia coli entero-hemorrágica. Esses patógenos afetam milhões de pessoas anualmente, resultando muitas vezes em casos graves e fatais (BRASIL, 2020; 2019; SILVA JUNIOR, 2010). Vamos compreender um pouco mais as características de cada um deles. Patógenos – Bactérias: • Salmonella spp. 88 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Atualmente, o gênero Salmonella é constituído de duas espécies geneticamente distintas: S. entérica e S. bongori. A S. entérica, por sua vez, está dividida em seis subespécies: enterica, salamae, arizonae, diarizonae, houtena e indica. Cada uma dessas espécies ainda possui os chamados sorovares ou sorotipo. O hábitat natural das salmonelas pode ser dividido em três categorias, com base na especifi cidade do hospedeiro e padrão clínico por ele determinado (BRASIL, 2011a): • altamente adaptadas ao homem, incluindo S. Typhi e S. Paratyphi A, B e C, agentes da febre entérica (febres tifoide e paratifoide); • altamente adaptadas aos animais, representadas por S. Dublin (bovinos), S. Choleraesuis e S. Typhisuis (suínos), S. Abortusequi (equinos), S. Pullorum e S. Gallinarum (aves), responsáveis pelo paratifo dos animais. A S. Dublin e S. Choleraesuis também podem afetar humanos em situações específi cas como pacientes com doenças crônicas, idosos, imunocomprometidos, podendo levar a um quadro de septicemia mais grave do que aquele causado pela S. Typhi; • atingem homem e animais, representadas pelas salmonelas denominadas de salmonelas zoonóticas. São responsáveis por quadro de gastrenterite (enterocolite) ou por doenças de transmissão alimentar possuindo elevado índice de morbidade e mortalidade. De acordo com o Ministério da Saúde, a principal via de transmissão de Salmonella spp. está na cadeia alimentar. Sua presença em animais criados com objetivo comercial aponta esse microrganismo como o mais incidente e relevante agente etiológico de enteroinfecções (BRASIL, 2011a). Produtos agrícolas não processados, como hortaliças e frutas, e os alimentos de origem animal, como carnes cruas, o leite e os ovos são os principais veículos transmissores de salmonelas (OMS, 1988). As salmonelas são eliminadas em grande número nas fezes, contaminando o solo e a água. A sua sobrevida pode ser de anos, dependendo do ambiente em que se encontra. Particularmente na matéria orgânica, como fezes secas, as salmonelas podem resistir por um longo período. Assim, podem resistir por mais de 28 meses nas fezes de aves, 30 meses no estrume bovino, 280 dias no solo cultivado e 120 dias na pastagem, podendo ainda ser encontradas em efl uentes de água de esgoto, como resultado de contaminação fecal. A contaminação dos produtos agrícolas geralmente é de origem fecal, seja pela exposição à água contaminada, pela exposição direta, como leite e ovos, e pelas operações de abate, como no caso das carnes. Em produtos secos, como chocolate, cacau em pó, especiarias ou leite em pó, e em produtos congelados, como os sorvetes, a bactéria também pode sobreviver por períodos prolongados (BRASIL, 2011a; SILVA JUNIOR, 2010). Apesar da longa sobrevida, a Salmonella spp. é sensível ao calor, não resistindo a temperaturas superiores a 70 °C. Lembre-se, por exemplo, da grande 89 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 preocupação com o consumo de maionese (feita com ovo cru) ou do próprio consumo de ovo com a gema mole. Salmoneloses resultantes da contaminação por ovo cru ao longo da história levaram, por exemplo, à proibição do uso de molho de maionese caseira em restaurantes, bem como a oferta de ovos crus. Esses casos reforçam a importância do encurtamento da cadeia de alimentos e aproximação entre consumidor e fornecedor. É importante conhecer o produtor de alimentos, os cuidados empregados na produção agrícola, aspectos de saúde dos animais criados, ou ainda, as condições sanitárias das granjas e local de abate. Costalunga e Tondo (2002) analisaram surtos de DTA ocorridos no Rio Grande do Sul, entre 1997 a 1999, e verifi caram que a maionese caseira era a principal preparação associada aos surtos em função da contaminação por Salmonella spp. Esses aspectos reforçam ainda mais a necessidade de valorização da cadeia curta de comercialização, de trabalhar próximo ao fornecedor, tanto por meio de visitas técnicas, quanto auxiliando este para melhorias e adequações necessárias (as cadeia curtas de comercialização serão estudadas no Capítulo 3). Apesar de a bactéria salmonela ser sensível ao calor, essa termoresistência é inversamente proporcional à atividade de água. Assim, a inativação da bactéria ocorre em temperatura de pasteurização, porém em alimentos com atividade de água ≥ 0,95. Quando a atividade da água é inferior, a termoresistência aumenta. As salmonelas também possuem resistência a sal, ácido, processos de dessecação, congelamento e defumação, sendoo tempo de resistência variável conforme o alimento e características desses processos. Por exemplo, alimentos com alto teor de proteína e gordura favorecem a sobrevivência da bactéria. Processos de salmoura (com percentual de sal igual ou superior a 9,0) têm efeito limitado na sobrevivência das salmonelas e a sobrevivência da bactéria pode ser de meses, mesmo em salmouras de 20%. O mesmo acontece com alimentos com alta quantidade de proteína ou gordura (BRASIL, 2011a). Assim, as salmonelas também têm alta capacidade de sobrevivência em alimentos como carne seca defumada (salmoura; defumação; proteína) e pescado (salmoura, no caso do bacalhau; proteína). O efeito bactericida das condições ácidas também é variável, dependendo do ácido que é utilizado no processo. Os ácidos acético e propiônico são mais inibitórios que os ácidos lático e cítrico (BRASIL, 2011a). A manifestação clínica (sintomas) inclui quadros entéricos (relativos ao intestino) agudos ou crônicos. Com a ingestão do alimento contaminado, os microrganismos penetram por via oral, invadindo a mucosa intestinal e submucosa, resultando em enterocolite aguda. De modo geral, ocorre a presença de diarreia moderada, sem a presença de sangue. Porém, pode ocorrer a perda de sangue nas fezes e tenesmo. A febre é outro sintoma que se manifesta em 50% dos casos, com duração aproximada de dois dias, bem como cólicas leves e intensas. Ainda, possui manifestações extraintestinais como infecções septicêmicas, osteomielite, artrite, hepatite, dentre outras. A bactéria tem a capacidade de permanecer e se 90 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS disseminar pelo organismo e pode ser de extrema gravidade, principalmente para indivíduos subnutridos ou com defi ciências do sistema imune (BRASIL, 2011a; WHO, 2020). Para ler um pouco mais sobre contaminação e surtos por Salmonella spp. acesse: • Surto alimentar por Salmonella enteritidis no Noroeste do Estado de São Paulo, Brasil: http://dx.doi.org/10.1590/S0034- 89101995000200007. • Surto de salmonella mata 3 e deixa 558 infectados nos Estados Unidos: https://oglobo.globo.com/mundo/surto-de-salmonella- mata-3-deixa-558-infectados-nos-estados-unidos-17631921. • Ocorrência de Salmonella sp. em surtos de doenças transmitidas por alimentos no Rio Grande do Sul em 2000: https:// www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/19909/000460638. pdf?sequence=1. • Infecções por salmonella typhimurium associadas a produtos com amendoim: https://www.sbmfc.org.br/infeccoes-por- salmonella-typhimurium-associadas-a-produtos-com-amendoim/. • Detecção de Salmonella spp. em alimentos e manipuladores envolvidos em um surto de infecção alimentar: http://revistas.ufba.br/index.php/rbspa/article/viewArticle/598. • BRF recolhe 164 toneladas de carne de frango por possível presença de Salmonella: https://www.consumidormoderno.com. br/2019/02/13/brf-recolhe-164-toneladas-de-carne-de-frango-por- possivel-presenca-de-salmonella/. • Carne de peru intoxica 90 com salmonela: https://www. gazetadopovo.com.br/agronegocio/pecuaria/aves/carne-de-peru- intoxica-90-com-salmonela-2r4ozenwm4zdw7m0zctoh0ec7/. • Campylobacter As principais fontes de transmissão são leite cru, aves cruas ou malcozidas e água potável (WHO, 2020). A infecção por Campylobacter causa dor abdominal aguda, diarreia, náusea, dor de cabeça, dor muscular e febre. Os sintomas duram aproximadamente sete dias e o microrganismo é eliminado nas fezes após terem cessado os sintomas (BRASIL, 2011b). 91 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 • Escherichia coli Bactéria que causa doença entero-hemorrágica, cuja transmissão está associada ao consumo de leite não pasteurizado, carne malcozida e frutas e vegetais frescos (WHO, 2020). • Listeria A ocorrência da doença em consequência da contaminação pela Listeria é relativamente baixa, porém as consequências são graves e, por vezes, fatais para a saúde, principalmente entre bebês, crianças e idosos. Também pode levar ao aborto em mulheres grávidas ou à morte de bebês recém-nascidos. São classifi cadas entre as infecções mais graves transmitidas por alimentos. A Listeria pode estar presente em produtos lácteos não pasteurizados e em vários alimentos prontos para consumo e pode crescer a temperaturas de refrigeração (WHO, 2020). • Vibrio cholerae Infecta as pessoas através de alimentos ou água contaminados. Alimentos como arroz, legumes, mingau de milho e vários tipos de frutos do mar têm sido implicados em surtos de cólera. Os sintomas incluem dor abdominal, vômitos e diarreia aquosa abundante, que podem levar à desidratação grave e possivelmente à morte (WHO, 2020). O tratamento de DTA provenientes de contaminação por bactérias é realizado com uso de antimicrobianos, como antibióticos. No entanto, o uso excessivo de antibióticos tanto em humanos como em animais tem sido associado ao surgimento e disseminação de bactérias resistentes, tornando o tratamento de doenças infecciosas mais inefi caz. Essas bactérias resistentes entram na cadeia alimentar através dos animais (por exemplo, Salmonella através de galinhas) (WHO, 2020). Patógenos por Vírus: • Norovírus É transmitido por água e alimentos contaminados e é considerado um importante causador de gastroenterites não bacterianas no Brasil. Alimentos manipulados por pessoas infectadas ou contato direto com o material fecal de uma pessoa doente também pode levar à contaminação (GARCIA, 2009). As infecções por norovírus são caracterizadas por náusea, vômito em jato, diarreia aquosa, dor abdominal e dor de cabeça (CDC, 2009; GARCIA, 2009; WHO, 92 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 2020). Apesar de ser um vírus altamente contagioso, as infecções geralmente não são sérias. A maioria das pessoas se recupera dentro de 1 ou 2 dias e não sofrendo nenhum efeito adverso em longo prazo. A gravidade da doença pode variar de pessoa para pessoa (GARCIA, 2009). Dependendo da frequência dos episódios de vômito e diarreia pode ocorrer casos de desidratação se o líquido perdido não for reposto (CDC, 2009). Patógenos – Parasitas: Existem parasitas que podem ser transmitidos por contato direto com animais contaminados e por alimentos contaminados, como no caso dos vermes Echinococcus spp ou Taenia solium. Outros como trematódeos, transmitidos por peixes, são transmitidos apenas através dos alimentos. Parasitos como Ascaris, Cryptosporidium, Entamoeba histolytica ou Giardia podem contaminar os alimentos via água ou solo contaminados e, a partir dos alimentos e/ou água, contaminar os indivíduos (WHO, 2020). Patógenos – Príons: Os príons são agentes infecciosos de tamanho menor que os dos vírus, formados somente por proteínas, altamente estáveis e resistentes a diversos processos físico-químicos. Causam doenças específi cas neurodegenerativas. Um exemplo de doença causada por príons é a conhecida como “doença da vaca louca” ou encefalopatia espongiforme bovina (EEB). Essa doença atinge bovinos e a transmissão para humanos pode ocorrer pelo consumo de carne e subprodutos provenientes da carne de animal contaminada (WHO, 2020; BRASIL, 2020a). A doença em humanos é denominada de variante da Doença Creutzfeldt- Jakob (vDCJ). Isso quer dizer que se trata de uma forma da Doença Creutzfeldt-Jakob, transmitida exclusivamente pelo consumo de carne de gado e seus subprodutos. Os sintomas da variante da doença de Creutzfeldt- Jakob (vDCJ) são tipicamente psiquiátricos inespecífi cos, comportamentais e sensoriais, em 63% dos casos. Acomete normalmente pessoas jovens que irão apresentar deterioração rápida das células cerebrais. Os sintomas envolvem enfraquecimento ou perda de algum dos sentidos; sensação de dormência ou formigamento de alguma parte do corpo; depressão; ansiedade; psicose; alucinações auditivas ou visuais; abstinência; agitação; irritabilidade; insônia; perda de interesse e esquecimento (WHO, 2020). É importantefi car claro que a "Doença da Vaca Louca" e a Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) não são a mesma doença. A Doença de Creutzfeldt- Jakob (DCJ) não está relacionada à “doença da vaca louca”, que consiste em uma Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB). A "Doença da Vaca Louca" é 93 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 uma doença que acomete o gado bovino e resulta da infecção por um agente transmissível incomum, chamado príon. Esse príon provoca um distúrbio neurológico progressivo nos animais afetados. O animal contaminado, se consumido, pode transmitir a doença para os humanos e essa doença é denominada de variante da Doença de Creutzfeldt-Jakob (vDCJ). Assim, vDCJ é uma Encefalopatia Espongiforme Transmissível Humana (EETH) transmitida pelo consumo de carne de gado ou derivados contaminados com a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB). Indivíduos com vDCJ apresentam maior tendência para manifestar sintomas psiquiátricos e mudanças de personalidade que os pacientes com DCJ esporádica (WHO, 2020; BRASIL, 2020a). Para entender melhor sobre a DCJ, seus sintomas e modo de transmissão e as diferenças entre e DCJ e a vDCJ acesse: https:// www.saude.gov.br/saude-de-a-z/doenca-de-creutzfeldt-jakob-dcj. A contaminação dos alimentos também pode ser de origem química. Compostos químicos resistentes têm a capacidade de ser biocumulativos em organismos vivos e, portanto, são introduzidos na cadeia alimentar e tóxicos para animais e humanos, além dos danos causados ao ambiente. Esses poluentes, além de persistentes, podem ser transportados a longas distâncias pela água, pelo vento ou pelos próprios animais. Nesse sentido, as toxinas e poluentes ambientais são as maiores preocupações em termos de saúde. Estes podem ser metais pesados, toxinas de ocorrência natural, poluentes orgânicos persistentes (WHO, 2020). Contaminação química: • Metais pesados O consumo de alimentos contaminados por metais como chumbo, cádmio e mercúrio podem causar danos neurológicos e renais. Esses metais podem contaminar os alimentos por meio do ar, água e solo. Nesse sentido, é importante perceber como as diferentes etapas da cadeia produtiva estão interligadas. Esses contaminantes, por exemplo, podem estar presentes nos efl uentes domésticos e industriais, substâncias químicas provenientes de pesticidas e fungicidas utilizados na agricultura e rejeitos da exploração mineral. Estes, por sua vez podem, por exemplo, contaminar o sistema 94 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS aquático (MOISEENKO; KUDRYAVTSEA, 2011). Estudo conduzido por Lima et al. (2015) encontrou altas concentrações de Cádmio e Chumbo nos peixes analisados, podendo causar efeitos negativos crônicos no ambiente e saúde humana devido ao consumo de peixes e água contaminada – indicando que diversas espécies de peixes consumidas pela população em todo o país podem estar contaminadas. • Toxinas de ocorrência natural Incluem as micotoxinas, biotoxinas marinhas, glicosídeos cianogênicos e toxinas que ocorrem em cogumelos venenosos. Alguns alimentos como milho e outros cereais podem conter altos níveis de micotoxinas que são produzidas por mofo nos grãos. Dentre as micotoxinas que podem estar presentes em altos níveis nesses alimentos podemos citar a afl otoxina e ocratoxina (WHO, 2020). Leguminosas como o amendoim também podem conter níveis elevados de afl atoxina (IMAMURA et al., 2014). Uma exposição em longo prazo pode afetar o sistema imunológico e o desenvolvimento normal, ou causar câncer (WHO, 2020). • Poluentes orgânicos persistentes (POPs) São compostos conhecidos como dioxinas e bifenilos policlorados (BPCs) encontrados no meio ambiente que se acumulam nas cadeias alimentares de animais. Ambos os compostos são subprodutos indesejados resultantes de processos industriais (tais como herbicidas e pesticidas, branqueamento de polpa de papel com cloro, na produção, uso e disposição de PVC, quando estes processos não são realizados com tecnologia apropriada) e incineração de resíduos (WHO, 2020). As dioxinas são altamente tóxicas podendo causar problemas reprodutivos e de desenvolvimento, danifi car o sistema imunológico, interferir nos hormônios e causar câncer (SAPKOTA et al., 2007; WHO, 2020). Estão presentes como contaminantes de herbicidas e permanecem no solo e na água por período superior a um ano. Durante a combustão, as dioxinas são liberadas no ar e se acumulam no solo e água, inserindo-se na cadeia alimentar, resultando em altas concentrações em alimentos como carnes, produtos lácteos e peixes, devido principalmente a sua característica lipossolúvel (SAPKOTA et al., 2007; BRAGA, 2003; HEREDIA et al., 2010). Mais de 90% da exposição à dioxina se dá via alimentos (HEREDIA et al., 2010). Os policlorobifenilos, também denominados de bifenilo policlorados (PCBs), são compostos organoclorados usados em várias aplicações industriais como capacitores e transformadores elétricos, bombas de vácuo, dentre outras. Também têm elevada permanência no ambiente e acabam contaminando os 95 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 alimentos, que se constituem na fonte mais importante de acumulação destas substâncias nos humanos (WHO, 2020). Para saber mais sobre casos de contaminação biológica e química por alimentos acesse os seguintes links: 1. Mais de 400 pessoas afetadas por gastroenterite em cruzeiros no Caribe: http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/12/mais-de-400- pessoas-afetadas-por-gastroenterite-em-cruzeiros-no-caribe.html. 2. Estudo mostra que 30% dos amendoins vendidos em MG estão irregulares: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL805964- 5598,00-ESTUDO+MOSTRA+QUE+DOS+AMENDOINS+VENDIDO S+EM+MG+ESTAO+IRREGULARES.html. 3. Perigo à mesa: peixes e camarões contaminados com mercúrio: http://www.faperj.br/?id=1220.2.5. Além da contaminação pelo consumo de alimentos, a cadeia produtiva de alimentos, principalmente de origem animal, possui algumas características negativas que favorecem outros tipos de contaminação, por exemplo, água contaminada com agrotóxicos; contaminação dos manipuladores devido a condições inadequadas de trabalho. Para saber mais sobre a contaminação da água por agrotóxicos acesse: https://www.mpsc.mp.br/noticias/levantamento-do- mpsc-aponta-que-22-municipios-do-estado-recebem-agua-com- agrotoxicos. Em caso de crises sanitárias, a exemplo da pandemia pelo novo Coronavírus, condições inadequadas de trabalho podem pontencializar contaminações, inclusive não diretamente relacionadas ao consumo de alimentos. Nesse sentido, frigorífi cos têm sido considerados locais de grande contaminação, como é possível observar no link a seguir: https://cutt.ly/RjgAK46. 96 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 2.2 DOENÇAS TRANSMITIDAS PELOS ALIMENTOS – CARACTERÍSTICAS EPIDEMIOLÓGICAS A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera as DTA uma grande preocupação de saúde pública e economia global, estimando que aproximadamente 600 milhões de pessoas (uma a cada dez) adoecem após consumir alimentos contaminados. No continente americano estima-se que 77 milhões de pessoas sofram pelo menos um episódio de doenças transmitidas por alimentos a cada ano, sendo metade delas crianças com menos de 5 anos de idade (OPAS, 2019). O quadro a seguir apresenta dados de 2015 referentes ao número de doentes e mortes de acordo com a região, conforme apresentado pela organização mundial da saúde (WHO, 2015). QUADRO 1 – NÚMERO DE PESSOAS CONTAMINADAS POR DTA E DE MORTES POR DTA CONFORME REGIÃO E PRINCIPAIS AGENTES ENVOLVIDOS Região Número de doentes Número de crianças doentes menores de 5 anos Núme- ro de mortes Principais agentes etiológicos envolvidos África > 91 milhões - 137 mil E. coli Salmonella Cólera transmitida pelos alimentos Cianeto e afl atoxina* América 77 milhões 31 milhões 9 mil Norovirus Campylobacter E. coli espécie não tifoide SalmonellaÁsia (sudeste) > 150 mil- hões 60 milhões de cri- ança – 50 mil mortes > 175 mil Norovirus não tifoide Salmonella E. coli patogênica Europa 23 milhões - 5 mil Norovirus Campylobacter * causam mais de 3000 mortes anualmente. A paralisia causada por cianeto na mandioca é única para a Região Africana, resultando em morte em 1 em cada 5 pessoas afetadas. FONTE: Adaptado de WHO (2015) No Brasil, o início da vigilância dos surtos de DTA foi 1999. Entre os anos de 2009 e 2018 foram notifi cados 6.903 surtos de DTA, totalizando 122.187 doentes e 99 mortes. No entanto, sabe-se que grande parte dos casos de DTA não são notifi cados no Brasil (OBS.: mais adiante, nesta mesma seção, você encontrará mais informações sobre subnotifi cações de casos de DTA). O Gráfi co 1, a seguir, 97 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 GRÁFICO 1 – TOTAL DE SURTOS NOTIFICADOS DE DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS E DE INDIVÍDUOS DOENTES NO BRASIL DE 2009 A 2018 apresenta o número de surtos notifi cados e de pessoas contaminadas por DTA no Brasil entre os anos de 2009 e 2018. No Gráfi co 2 observa-se que a região Sudeste foi aquela com maior número de surtos notifi cados, o que pode estar relacionado às condições higiênico-sanitárias, maior densidade populacional e maior notifi cação de casos. É importante fi car claro que as DTA são doenças classifi cadas como evitáveis, sendo imprescindíveis intervenções com base em evidências para redução destas. A prevenção requer investimento global e ação coordenada em vários setores, a fi m de construir sistemas nacionais de segurança alimentar fortes e resilientes. A FAO e OMS apontam que é necessário um compromisso global para garantir a segurança dos alimentos, a segurança alimentar e a nutrição da população, sem o qual não será possível alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (FAO/OMS, 2018). Apesar do elevado número de pessoas que apresentam doenças em decorrência do consumo de alimentos contaminados somente no ano de 2019, foi criado o Dia Mundial da Segurança Alimentar (DMIA) com o intuito de “chamar atenção” para a necessidade de promover e fortalecer ações de segurança alimentar e, assim, ajudar a prevenir, detectar e gerenciar os riscos de DTA contribuindo para a saúde humana, prosperidade econômica, agricultura, acesso a mercados, turismo e desenvolvimento sustentável (FAO/OMS, 2019). Alimentos seguros são essenciais para promover a saúde e erradicar a fome, dois dos principais objetivos da Agenda de 2030 para o desenvolvimento sustentável (NAÇÕES UNIDAS, 2020). FONTE: Adaptado de Brasil (2019) 98 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS GRÁFICO 2 – SURTOS NOTIFICADOS DE DOENÇAS TRANSMITAS POR ALIMENTOS NO BRASIL DE 2009 A 2018 FONTE: Adaptado de Brasil (2019) Em relação aos agentes etiológicos, a Escherichia coli foi a maior responsável pela maioria (24%) dos surtos, seguido da Salmonella spp., responsável por 11% dos surtos entre os anos de 2009 a 2018. No ano de 2017, a Escherichia coli foi responsável por 46,1% dos surtos (48 dos 89 surtos) enquanto a Salmonella spp. por 14,6% (13 surtos do total). Já em 2018, o número de surtos foi maior (n.120), no entanto, a Eschirichia coli foi responsável por 31,7% (n.38) dos surtos, seguida por Norovírus, responsável por 13,3% dos surtos (BRASIL, 2019). Dos alimentos mais envolvidos com os surtos entre os anos de 2009 e 2018, os alimentos mistos (cuja composição possui mais de um grupo alimentar) e a água foram os principais incriminados. Nos anos de 2017 e 2018, ambos (água e alimentos mistos) foram responsáveis por mais de 50% dos surtos (dados não demonstrados no gráfi co). 99 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DOS ALIMENTOS INCRIMINADOS EM SURTOS DE DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS NO BRASIL ENTRE OS ANOS DE 2009 A 2018 N = total de de surtos FONTE: Adaptado de Brasil (2019) Surtos resultantes da contaminação da água podem refl etir problemas ambientais e sanitários relacionados a condições precárias de saneamento básico. Isso se reforça com o fato de a maioria dos surtos ainda ocorrerem nas residências (BRASIL, 2019). Condições adequadas de moradia, por sua vez, compõem os direitos básicos do indivíduo. Ademais, se não há segurança alimentar, a segurança alimentar e nutricional, estudada no Capítulo 1, também está comprometida. Não há segurança alimentar sem garantia da inocuidade do alimento e oferta de alimentos de qualidade. No mundo globalizado, a cadeia de suprimento de alimentos se torna cada vez mais complexa e qualquer incidente adverso relacionado à segurança alimentar pode afetar negativamente a saúde pública, o comércio e a economia global (FAO/OMS, 2019). Condições inadequadas de saneamento básico também podem levar a surtos alimentares em virtude da água contaminada. Além da contaminação por vírus e bactérias, a água também pode estar contaminada com resíduos tóxicos resultantes da agricultura intensiva, a exemplo dos agrotóxicos e metais pesados. 100 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Problema das subnotifi cações De acordo com a FAO, os dados reais e de confi ança sobre as DTA são escassos principalmente em países em desenvolvimento diante da pouca atenção política dada à segurança alimentar – especialmente para as doenças transmitidas por alimentos associadas à exposição crônica a produtos químicos, cujos impactos na saúde são de avaliação mais difícil do que os riscos causados por doenças agudas. Essa falta de dados difi culta a compreensão da complexidade e gravidade do problema atual e para avaliar a efi cácia e os benefícios das contramedidas e estratégias de intervenção (FAO/OMS, 2018). Ainda, apesar da obrigatoriedade da notifi cação de surtos de toxinfecção alimentar, prevista nos códigos sanitários municipais da maioria das cidades brasileiras, muitos são subnotifi cados, principalmente aqueles provenientes de alimentos comercializados na rua. A notifi cação de surtos alimentares devido ao consumo de alimentos comercializados na rua é ainda mais complexa. Pode acontecer por diversos fatores, como o elevado número de consumidores, o alto risco de contaminação desses alimentos por microrganismos patogênicos, as condições inadequadas em relação à estrutura; além das difi culdades práticas de identifi cação de surtos neste contexto (GERMANO; GERMANO, 2011; GERMANO et al., 2000). Acesse as leituras complementares sobre a temática: 1. Estudo aponta subnotifi cação de mortes por agrotóxicos: https:// agencia.fiocruz.br/estudo-aponta-subnotificacao-de-mortes-por- agrotoxicos. 2. Análise das notifi cações de intoxicações agudas, por agrotóxicos, em 38 municípios do estado do Paraná: https://www.scielosp.org/ article/sdeb/2018.v42nspe4/211-222/. O quadro a seguir apresenta os principais fatos apontados pela Organização Mundial da Saúde referentes à segurança alimentar, resumindo alguns dos aspectos pontuados anteriormente: 101 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 QUADRO 2 – PRINCIPAIS FATOS RELACIONADAOS À SEGURANÇA ALIMENTAR SEGUNDO A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE Fatores-chaves segurança alimentar (Food safety) • O acesso a quantidades sufi cientes de alimentos seguros e nutritivos é essencial para sustentar a vida e promover a boa saúde. • Alimentos inseguros contendo bactérias, vírus, parasitas ou substâncias químicas nocivas causam mais de 200 doenças – desde diarreia a cânceres. • Estima-se que 600 milhões – quase 1 em cada 10 pessoas no mundo – adoeçam depois de con- sumir alimentos contaminados e 420.000 morrem a cada ano, resultando na perda de 33 milhões de anos de vida saudável. • Todos os anos são perdidos US$ 110 bilhões em produtividade e despesas médicas resultantes de alimentos inseguros em países de baixa e média renda. • Todos os anos são perdidos 110 bilhões de dólares em produtividade e despesas médicas resul- tantesde alimentos inseguros em países de baixa e média renda. • As doenças diarreicas são as doenças mais comuns resultantes do consumo de alimentos con- taminados, causando 550 milhões de pessoas a adoecer e 230.000 mortes a cada ano. • Segurança alimentar, nutrição e segurança alimentar e nutricional estão intrinsecamente ligadas. Alimentos inseguros criam um ciclo vicioso de doenças e desnutrição, afetando principalmente bebês, crianças pequenas, idosos e doentes. • As doenças transmitidas por alimentos impedem o desenvolvimento socioeconômico, sobrecar- regando os sistemas de saúde e prejudicando as economias nacionais, o turismo e o comércio. • As doenças transmitidas por alimentos impedem o desenvolvimento socioeconômico, sobrecar- regando os sistemas de saúde e prejudicando as economias nacionais, o turismo e o comércio. FONTE: Adaptado de WHO (2020) Conforme já mencionado, a comida de rua é um local onde pode acontecer diversos casos de contaminação. A literatura aponta vários relatos de toxinfecções alimentares e intoxicações envolvendo alimentos de rua. O local de preparo e venda, algumas vezes improvisado e sem condições higiênico-sanitárias adequadas, manipuladores despreparados, não higienização prévia da matéria- prima, falta de manutenção de equipamentos, acúmulo de sujidades são algumas das questões que podem contribuir para surtos (GERMANO; GERMANO, 2011). Alguns surtos e contaminações relacionados ao consumo de alimentos de ruas são apresentados a seguir: • Argentina (1991) – sanduíches vendidos nas ruas com maionese artesanal estavam contaminados com Salmonella (COSTARRICA; MORÓN, 1996). • Peru (1991) – epidemia de cólera foi atribuída a alimentos comercializados nas ruas (COSTARRICA; MORÓN, 1996). • Umuarama (PR) – lanches comercializados por ambulantes apresentaram condições higiênico-sanitárias inadequadas (coliformes fecais e Salmonella) em quantidades acima do permitido pela legislação brasileira (GANDRA et al., 2011). • São Paulo – amostras foram consideradas impróprias para o 102 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS consumo, expondo os consumidores a um risco de contrair DTA (HANASHIRO et al., 2005). • Santa Catarina – doença de Chagas transmitida por caldo de cana em um quiosque de venda de frutas e sucos (inseto transmissor infectado foi triturado junto com a cana-de-açúcar) causou a morte de três pessoas e fez centenas de vítimas (JUSTINO, 2007). 3 ASPECTOS REGULATÓRIOS PARA A CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS E BOAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS Conforme já defi nido no Capítulo 1 e apresentado neste capítulo, a garantia da qualidade do ponto de vista higiênico-sanitário relaciona-se à oferta de alimentos isentos de perigos, sejam eles de natureza física, químicas (como os metais pesados, agrotóxicos), biológicos (vírus, bactérias, fungos). Nesse sentido, esta seção tem como objetivo apresentar os cuidados necessários em diferentes etapas da cadeia produtiva, principalmente no que se refere a regulamentações que devem ser seguidas e/ou implementadas no processo produtivo de alimentos, bem como apresentar algumas ferramentas de qualidade que auxiliam esse processo. 3.1 QUALIDADE REGULAMENTAR E HIGIÊNICO-SANITÁRIA NA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS – PROMOVENDO A SEGURANÇA ALIMENTAR Leis, resoluções, portarias, normas técnicas e diretrizes são criadas por organizações governamentais e não governamentais, em âmbito nacional e internacional, com o intuito de promover a segurança alimentar no processo produtivo de refeições. As regulamentações podem ser de diferentes níveis de aplicação. Isso signifi ca que existem regulamentações que são internacionais, 103 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 comum em diferentes países, como por exemplo, aquelas que são aplicadas no âmbito do Mercosul ou da União Europeia. Em âmbito nacional existem regulamentações em nível federal, que são aplicadas para todo o país; outras que são aplicadas em nível estadual e em nível municipal. É importante fi car claro que regulamentações estaduais e municipais podem ser mais restritivas que aquelas federais, porém nunca mais fl exíveis. Para a garantia da qualidade regulamentar e higiênico-sanitária, FAO e OMS também atuam por meio de orientações visando ajudar os países a prevenir, administrar e responder aos riscos ao longo da cadeia de fornecimento de alimentos, trabalhando com produtores e fornecedores de alimentos, autoridades reguladoras e partes interessadas da sociedade civil, tanto no caso dos alimentos produzidos internamente quanto dos importados (FAO, 2019). Previamente à apresentação das regulamentações, ferramentas e sistemas de qualidade, aspectos gerais fundamentais para o cumprimento destas serão pontuados nesta seção. É importante fi car claro que, ao falarmos de qualidade neste capítulo, o foco será a qualidade higiênico-sanitária e regulamentar, no entanto, precisamos sempre lembrar do conceito ampliado de qualidade, trabalhado no Capítulo 1. • Responsabilidade de todos os integrantes em todas as etapas da cadeia A responsabilidade de uma alimentação saudável nutritiva e segura é de todos os integrantes da cadeia produtiva. Se você produz, transporta, vende ou processa alimentos, você tem responsabilidade na garantia da segurança alimentar (FAO, 2019). Além disso, também é responsabilidade dos governantes e consumidores. De acordo com o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, “da fazenda ao prato, todos nós temos um papel a desempenhar para tornar a comida segura” (OPAS, 2019, s.p.). Portanto, é fundamental o controle em todas as etapas da cadeia. De acordo com o programa da FAO – Food Standards Programme – a higiene dos alimentos inclui um conjunto de medidas necessárias para garantir a segurança, salubridade e sanidade do alimento desde sua produção até seu consumo (FAO; WHO, 2001). Essas medidas incluem cuidados que vão desde a seleção e manipulação da matéria-prima, conservação e higiene das instalações e dos equipamentos, grau de conhecimento e preparo dos manipuladores (GERMANO; GERMANO, 2011). Nesse sentido, a FAO e a OMS criaram um guia para demonstrar como todos podem se envolver para promover a segurança de alimentos de forma sustentada (FAO, 2019). Os pontos apresentados no guia são: 104 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 1. Certifi que-se de que é seguro: os governos devem garantir alimentos seguros e nutritivos para todos(as). 2. Cultive alimentos inócuos: produtores agrícolas e de alimentos devem adotar boas práticas. 3. Mantenha-se seguro: os(as) operadores(as) de empresas devem garantir que os alimentos sejam transportados, armazenados e preparados com segurança. 4. Comprove que são seguros: os(as) consumidores(as) precisam ter acesso a informações oportunas, claras e confi áveis sobre os riscos nutricionais e de doenças associados as suas escolhas alimentares. 5. Atue conjuntamente em prol da segurança: governos, órgãos econômicos regionais, organizações da ONU, agências de desenvolvimento, organizações comerciais, grupos de consumidores e produtores, instituições acadêmicas e de pesquisa e entidades do setor privado devem trabalhar juntos em questões de segurança dos alimentos. • Matéria-prima e processo produtivo A matéria prima se constitui elemento essencial e básico na cadeia produtiva de alimentos. Alguns fatores que interferem na multiplicação dos microrganismos são: a) Nutrientes: servem como alimento para o microrganismo. b) Umidade: quanto mais úmido o alimento melhor para os microrganismos. c) Presença de oxigênio: alguns organismos necessitam de oxigênio e outros não (por isso alguns microrganismos podem se desenvolver inclusive em conservas). d) Temperatura: entre 4 ºC e 60 ºC, a multiplicação das bactérias é mais acelerada, a chamada zona de perigo. Temperaturas acima de 74 º, as bactérias não sobrevivem e em temperaturas entre 60 e 74 º, as bactériasnão se multiplicam. Já em temperaturas inferiores a 4 º, as bactérias não morrem, porém se multiplicam mais lentamente (SILVA JUNIOR, 2010). Dentre as matérias-primas existem aquelas que são consideradas de maior ou menor risco de contaminação, consequentemente, exigindo mais ou menos cuidados. Constituem-se os alimentos perecíveis aqueles com maior umidade e maior chance de proliferação de microrganismos, devendo ser armazenados sob refrigeração. Já os alimentos menos perecíveis a umidade não sufi ciente para a multiplicação são os chamados alimentos secos, como arroz cru, biscoito e farinhas, dentre outros, que não necessitam de armazenamento sob refrigeração. Ainda, do ponto de vista higiênico-sanitário, produtos ricos em proteínas, como carnes, peixes, mariscos, ovos e produtos lácteos (como iogurte, leite coalhado), pratos cozidos, molhos, sanduíches, maionese, frituras, bolos e bebidas tradicionais, além dos vegetais crus, exigem maior atenção e podem conter 105 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 contaminantes ambientais e biológicos, como microrganismos de origem fecal. Alguns dos principais fatores de contaminação dos alimentos são: temperatura de refrigeração inadequada, cozimento insufi ciente, falhas de higiene pessoal, falta de higiene de utensílios e equipamentos, utilização de alimentos de origem duvidosa (FAO, 2009a; 2009b; SILVA JUNIOR, 2010). • Transporte É necessário assegurar que as matérias-primas não fi quem expostas à contaminação durante o transporte. Dessa forma, o transporte também deve seguir as normas específi cas, que são variáveis conforme gênero alimentício (por exemplo, produtos de origem animal como carnes, queijos, leites pasteurizados, dentre outros, precisam ser transportados em ambiente refrigerado). O veículo utilizado para o transporte de alimentos precisa estar limpo e não deve ser o mesmo veículo utilizado para outros fi ns, a exemplo de transporte de animais, substâncias tóxicas ou materiais contaminantes, a fi m de evitar a contaminação cruzada (WHO, 1996; FABRI et al., 2017). Também, alimentos que serão consumidos em seu estado in natura devem ser transportados e armazenados separadamente de outras matérias-primas e produtos não alimentares. Deve haver controle da temperatura, de modo a limitar o crescimento de patógenos e a formação de toxinas, especialmente de molhos, impedindo o crescimento de fungos e a deterioração desses alimentos (WHO, 1996). • Manipulação de alimentos Os manipuladores de alimentos possuem importante papel na garantia da segurança alimentar e higiene em toda a cadeia produtiva, de modo que uma manipulação de alimentos sem os cuidados higiênicos necessários favorece a contaminação por microrganismos patogênicos, podendo causar DTA ao consumidor (DONKOR et al., 2009). Considera-se manipulador de alimentos qualquer pessoa do serviço de alimentação que entra em contato direto ou indireto com o alimento (BRASIL, 2004). 106 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 3.2 REGULAMENTAÇÕES PARA BOAS PRÁTICAS – QUALIDADE E SEGURANÇA NO PROCESSO PRODUTIVO DE ALIMENTOS As obrigações regulamentares consistem nas normas que estabelecem critérios relativos à sanidade, ao acondicionamento e à composição dos produtos tendo como base a legislação vigente (PROENÇA et al., 2005). Ao longo das últimas décadas, órgãos internacionais de saúde, sob a liderança da WHO, preocupam-se cada vez mais com o comércio mundial de produtos alimentícios, in natura ou industrializados, com a qualidade dos alimentos e suas consequências para a saúde dos consumidores (GERMANO; GERMANO, 2011). O cumprimento da legislação na área de segurança e higiene busca prevenir problemas decorrentes da produção, manipulação, preparação e consumo de matérias- primas alimentares (VEIROS, 2008), tornando-se fundamental para a garantia da saúde do consumidor e prevenção de DTA (CAVALLI, 2003). De acordo com o Codex Alimentarius (2003), para que sejam atingidos critérios exigidos relativos à fabricação e preparo de alimentos é necessária a evolução do controle da higiene dos alimentos no contexto da saúde pública e a implantação de programas de qualidade como pré-requisitos do Sistema Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) nos serviços de alimentação. Saiba mais sobre o Codex alimentarus: Visando à segurança dos alimentos, em 1963 foi criado pela FAO e WHO o Codex Alimentarius Commission (CAC), que tem como objetivo desenvolver padrões para alimentos para o comércio internacional, a partir da elaboração de normas, diretrizes e códigos de práticas alimentares. Contempla um conjunto de códigos contendo orientações sobre práticas de higiene com o objetivo de proteger a saúde dos consumidores e assegurar práticas equitativas para o comércio internacional de alimentos. O sistema Codex é formado pela FAO, OMS e comissão do Codex que possui representantes de diversos países. A comissão auxilia o desenvolvimento de diretrizes para o estabelecimento de padrões de produtos, programas de pré-requisitos e para o APPCC em todo o mundo. Desse modo, 107 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 estabelece diretrizes e regulamentos para serem aplicados e inspecionados nesses países (ANVISA, 2016; FAO/OMS, 2020). Os documentos do Codex Alimentarius são de aplicação voluntária pelos membros, porém são referências para a legislação nacional dos países, sendo recomendado pelas Nações Unidas que os governos adotem, sempre que possível, as normas e diretrizes do Codex Alimentarius na formulação de suas políticas e planos nacionais relacionados a alimentos (ANVISA, 2016; FAO/OMS, 2020). O Codex é organizado em diferentes comitês, cada um responsável por um segmento de produto. Existem os comitês horizontais (assunto gerais), comitês de produtos, forças tarefas intergovernamentais ad hoc, comitês coordenadores regionais e recebe assessoria de órgãos subsidiários de especialistas organizados pela FAO e pela OMS (comitês permanentes ou consultas ad hoc). Segundo a ANVISA (2016) e a FAO/OMS (2020), alguns exemplos de comitês são: • Assuntos gerais: Comitê Codex de Contaminantes de Alimentos; Comitê Codex de Aditivos Alimentares; Comitê Codex de Higiene dos Alimentos; Comitê Codex de Certifi cação, Importação e Exportação de Alimento; Comitê Codex de Rotulagem dos Alimentos; Comitê Codex de Resíduos de Pesticidas; Comitê Codex de Resíduos de Drogas Veterinárias em Alimentos. • Comitê de produtos: Comitê Codex de Cereais, Legumes e Leguminosas; Comitê Codex de Pescados e Produtos da Pesca; Comitê Codex de Frutas e Vegetais Frescos; Comitê Codex de Óleos e Gorduras. Outras informações sobre o Codex, os seus comitês, temas trabalhados, recomendações, dentre outras podem ser encontradas no link: http://www.fao.org/fao-who-codexalimentarius/about-codex/ en/#c453333. As Boas Práticas de Fabricação (BPF) são um dos pré-requisitos para implementação do APPCC e umas das maneiras de controlar os perigos de contaminação dos alimentos. As BPF consistem em práticas adequadas de higiene que devem ser adotadas em todo o processo produtivo, visando garantir a qualidade higiênico-sanitária e a conformidade dos alimentos com a legislação sanitária (SILVA JUNIOR, 2010; HILBIG, 2012). As Boas Práticas de Fabricação (BPF) abrangem um conjunto de medidas 108 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS que devem ser adotadas pelas indústrias de alimentos (da matéria-prima até o produto fi nal) a fi m de garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos produtos alimentícios com os regulamentos técnicos. A legislação sanitária federal regulamenta essas medidas em caráter geral, aplicável a todo o tipo de indústria de alimentos e específi co, voltadas às indústrias que processam determinadas categorias de alimentos. A adoção das Boas Práticas de Fabricação é requisito fundamental em um Programa de Segurançade Alimentos, e sua utilização como instrumento de fi scalização pela Vigilância Sanitária passou a ser regulamentada pela Portaria nº 1428 do Ministério da Saúde, publicada em 1993 e exigida a partir de 1994 (BRASIL, 1993; HILBIG, 2012). Alguns aspectos dessas legislações serão abordados neste capítulo, no entanto, é importante que você aprofunde seus conhecimentos por meio da leitura destas, as quais indicamos a seguir. 1) Portaria nº1428/1993 – Regulamento técnico para Inspeção sanitária dos alimentos e diretrizes para estabelecimento de Boas Práticas de Produção e de Prestação de serviços na área de alimentos e regulamento técnico para o estabelecimento de padrão de identidade qualidade (PIQ) para serviços e produtos na área de alimentos. Objetivando melhorar a qualidade dos alimentos ofertados ao consumidor, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 1.428, de 26 de novembro de 1993, que orienta os fabricantes sobre BP de produção e prestação de serviço e determina que os estabelecimentos devem criar e elaborar PIQ para produtos e serviços, recomendando a elaboração de um manual de boas práticas de manipulação de alimentos e o sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) (BRASIL, 1993). 2) RDC nº 326/1997 – Dispõe sobre as Condições Higiênicos - -Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos. Baseada no Código Internacional Recomendado de Práticas: Princípios Gerais de Higiene dos Alimentos CAC/VOL. A, Ed. 2 (1985), do Codex Alimentarius, e harmonizada no Mercosul, essa Portaria estabelece os requisitos gerais sobre as condições higiênico-sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para estabelecimentos produtores/industrializadores de alimentos (BRASIL, 1997a). 109 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 3) Portaria 368/1997 – Dispõe sobre o regulamento técnico sobre as condições higiênico-sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação (BRASIL, 1997b). 4) RDC 275/2002 – Dispõe sobre o regulamento técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados, aplicados aos Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de alimentos e a Lista de Verifi cação das Boas Práticas de Fabricação em Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de alimentos (BRASIL, 2002a). 5) RDC n° 216/2004 – Dispõe sobre Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação. A ANVISA publicou a RDC 216, de 15 de setembro de 2004 com o objetivo de atingir a melhoria das condições higiênico-sanitárias dos alimentos para todos os serviços que oferecem alimentos ao público. A norma orienta os estabelecimentos a procederem de maneira adequada e segura na manipulação, preparo, acondicionamento, armazenamento, transporte e exposição dos alimentos à venda. A RDC 216/2004 se aplica a todos os serviços de alimentação que incluem atividades de manipulação, preparo, fracionamento, armazenamento, distribuição, transporte, exposição à venda e entrega de alimentos preparados ao consumo, tais como cantinas, bufês, confeitarias, cozinhas industriais, cozinhas institucionais, lanchonetes, padarias, pastelarias, restaurantes, rotisserias, excluindo-se lactários, UT de nutrição enteral, bancos de leite humano e outros com legislações específi cas (BRASIL, 2004). Em 2015, a RDC nº 216/2004 foi atualizada com a RDC nº 52/2014, e incluiu no seu âmbito de aplicação os serviços de saúde em geral, como a UAN hospitalar. Essa RDC poderá ser complementada pelas legislações estaduais, distritais e municipais (BRASIL, 2014). Em Santa Catarina destaca-se o Decreto nº 31.455/1987 – Regulamenta os artigos nº 30 e nº 31 da Lei n° 6.320, de 20 de dezembro de 1983, que dispõem sobre Alimentos e Bebidas, apresentando questões sobre Boas Práticas (SANTA CATARINA, 1987). Nesta seção serão apresentadas algumas das obrigatoriedades gerais sobre BPF apresentadas nessas legislações. Ressalta-se que o conhecimento técnico 110 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS sobre a legislação é fundamental para a implementação das BPF, que por sua vez consiste em um dos componentes para a implementação de um sistema de gestão da segurança da cadeia de alimentos tendo em vista a Qualidade Total. A seção não esgotará todos os pontos apresentados nas leis, mas destacará alguns pontos mais gerais. As especifi cidades devem ser trabalhadas e adequadas de acordo com a atividade desempenhada por cada setor produtivo (exemplos de legislações específi cas: RDC nº 35/2009 – Dispõe sobre Rotulagem de ovos, Instrução Normativa nº 17 – o Regulamento Técnico sobre a identidade e requisitos de qualidade que deve atender ao produto cárneo temperado, na forma desta Instrução Normativa) (BRASIL, 2009a; BRASIL, 2018). De modo geral, fazem parte dos itens abordados nas legislações sobre boas práticas: Edifi cações e instalações; Programa de qualidade da água; Controle integrado de pragas; Higiene das instalações; Equipamentos e utensílios; Manutenção preventiva de equipamentos e utensílios; Higiene pessoal; Produção (recebimento, distribuição e transporte); Sobras; Amostras; Controles (planilhas, lista de verifi cação, treinamentos periódicos, registro de reclamações). No que se refere à Edifi cação e Instalações, estas devem possibilitar um fl uxo ordenado (marcha avante). Isso quer dizer que o fl uxo dos alimentos deve ser sempre contínuo, desde a recepção da matéria-prima até o produto fi nal. Jamais pode acontecer fl uxo cruzado entre alimentos crus/cozidos, gêneros alimentícios de diferentes origens, alimentos e resíduos, por exemplo. As diferentes áreas do setor/produto devem ter separação física ou temporal das atividades, de modo a possibilitar o fl uxo contínuo e impedir a contaminação cruzada. Assim, o recebimento, armazenamento e pré-preparo de alimentos de origem animal, por exemplo, não pode acontecer ao mesmo tempo de alimentos de origem vegetal e sempre que possível dever existir uma barreira física: área para pré-preparo de vegetais e de carnes separadas; uma câmara fria para produtos de origem vegetal e outra para produtos de origem animal. Ou ainda, um alimento, após sofrer o processo de cocção não deve entrar em contato com alimentos crus. O fl uxo do lixo deve ser totalmente separado do fl uxo de produção. O piso, parede e teto do local devem ser lisos, impermeáveis e laváveis e devem ser mantidos íntegros, conservados, livres de rachaduras, trincas, goteiras, vazamentos, infi ltrações, bolores, descascamentos. Assim como as prateleiras, bancadas, tábuas, utensílios que devem ser impermeáveis e de fácil limpeza. A iluminação e ventilação devem ser naturais e adequadas ao ambiente. Não é permitido o uso de ventilador. O ambiente pode ser climatizado, sendo o ideal para área de pré-preparo de carnes. O local deve dispor de pia(s) exclusiva(s) para lavação das mãos. A Qualidade da água também é fundamental para que se mantenham 111 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 condições adequadas de higiene. Conforme visto anteriormente, uma grande parte das DTA são em decorrência do uso de água contaminada. Assim, as caixas d’água do local devem ser sem rachaduras ou infi ltrações; mantidas tampadas para evitar a entrada de insetos, folhas etc.; protegidas da água de enxurradas; afastadas de fossas e depósitos de lixo e devem ser higienizadas a cada seis meses. A higienização destas deve ser feita com solução desinfetante na proporção de 1 litro de água sanitária para cada 5 litros de água. Esse volume é apropriado para uma caixa d’água de 1000 litros. Existem empresas específi cas, certifi cadas, responsáveis por esse serviço. O Controle de pragas é imprescindível, visto que estas são transmissoras de doenças, além de indicar possíveis focos insalubres ao redor. Assim o ambiente deve ser sempre limpo e os alimentos guardados em recipientes fechados (uma matéria-prima que foi aberta e não utilizada em sua totalidadedeve ser armazenada em um outro recipiente de uso exclusivo para alimentos. Esse recipiente deve ser identifi cado – alimento, data de abertura e validade). Do mesmo modo, as lixeiras do ambiente devem estar sempre com saco plástico e ser mantidas fechadas e não podem ter abertura com acionamento manual (deve ser de pedal). O lixo gerado pela unidade deve ser removido diariamente e, após remoção, armazenado em local fechado, e quando possível, refrigerado. As lixeiras devem ser limpas diariamente. É importante que o gestor tenha a consciência de que o lixo é um foco de contaminação e todo cuidado com ele é de extrema importância para a higiene do local. As portas e janelas também devem ter barreiras para impedir a entrada de insetos e outras pragas. Por exemplo, telas milimétricas, portas com fechamento automático e com barreira plástica. Essas medidas são importantes para impedir a atração, abrigo, acesso ou proliferação das pragas. Não pode ser utilizado qualquer produto para matar moscas, baratas, roedores, nem mesmo utensílios como “mata moscas”. A aplicação de produtos químicos deve ser realizada por empresa credenciada pela Vigilância Sanitária. Outro aspecto relevante relaciona-se à Higienização dos equipamentos, móveis, utensílios e alimentos. Ao implementar medidas de higiene no local, o gestor e todos os funcionários envolvidos devem ter consciência de que a higienização envolve duas etapas: limpeza e desinfecção. A limpeza consiste na etapa de retirada das sujidades visíveis a olho nu e a desinfecção na retirada das “sujeiras” que não são visíveis, ou seja, os microrganismos. Lembre-se de que a etapa de desinfecção das mãos é feita com álcool 70% (70° INMP) ou sabão antisséptico. O álcool comum (92-98%) não é efetivo para matar microrganismo e seu uso é proibido. Já a desinfecção dos alimentos é feita com solução clorada a 2% de cloro, ou seja, para cada 1 litro de água utiliza-se 1 colher de sopa de água sanitária. O tempo que o alimento fi ca submerso nessa solução é de 15 minutos. 112 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Além disso, existem produtos que podem ser comprados especifi camente para essa função, devendo ser respeitada a diluição e tempo descrito no rótulo. Após esse processo, os alimentos devem ser lavados novamente com água. Para além da importância do manipulador de alimentos na higiene de todo o local de produção e processo produtivo existem cuidados de higiene necessários para o próprio manipulador. A Higiene do Manipulador de alimentos, por sua vez, envolve outros aspectos além da higienização adequada das mãos. Um desses cuidados em relação à higiene do manipulador referido na legislação diz respeito ao uso de uniforme. O uniforme de trabalho deve ser colocado e usado somente no local de trabalho, ser de cor clara, estar sempre limpo e ser trocado diariamente. Os manipuladores precisam usar toucas para proteger os cabelos. A touca deve ser colocada antes do restante do uniforme. O sapato deve ser fechado e existem sapatos antiderrapantes, específi cos para a função. O empregador, por sua vez, é responsável por fornecer condições adequadas de trabalho ao manipulador, disponibilizando os uniformes adequados e Equipamentos de proteção individual (EPI) conforme as necessidades de cada função desempenhada pelo manipulador, enquanto que o manipulador precisar mantê-los em condições adequadas. Obs.: para a higienização das instalações sanitárias deve ser utilizado uniforme apropriado e diferente daquele usado na manipulação de alimentos. Outro aspecto importante referente à higiene do manipulador se refere ao uso de adornos durante o processo de manipulação dos alimentos – brinco, anéis (inclusive aliança), colares, piercing, pulseiras e qualquer outro tipo de adorno é proibido; independentemente do tamanho. Esses adornos podem trazer riscos tanto de contaminação biológica, física quanto química (em função do material utilizado). As unhas devem estar sempre limpas, curtas e sem esmalte/base. Além disso, também é proibido o uso de maquiagem e o crachá do manipulador não deve estar exposto de um modo que possa cair sobre a comida. O manipulador de alimentos não pode manipular dinheiro, nem trabalhar doente ou com ferimentos. Saiba mais sobre os procedimentos adequados para higienização das mãos, bem como a importância destes. Estude por meio dos seguintes links: 1. http://subvisaalimentos.blogspot.com/2013/04/voce-sabe-qual-e- importancia-da.html. 2. https://foodsafetybrazil.org/boas-praticas-motivadoras-e- inspiradoras-de-higienizacao-das-maos-para-manipuladores-de- alimentos/. 3. https://www.scielosp.org/article/rsp/1995.v29n4/290-294/pt/. 4. http://www.rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/3066. 113 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 O uso de luvas e máscaras durante o processo produtivo normalmente é um assunto que gera bastante dúvida. Será que os alimentos estão livres de contaminações se manipulados por pessoas que utilizam luvas descartáveis e máscaras? É preciso estar atento quanto à forma correta de uso delas, pois quando utilizadas de forma errada pode favorecer a contaminação. O uso tanto das luvas quanto das máscaras não é obrigatório. As luvas podem ser usadas na manipulação dos alimentos já prontos. No entanto, ao usar luva, o manipulador não pode esquecer da higiene das mãos. É importante lavar sempre as mãos antes de colocar as luvas e estas devem ser substituídas a cada troca de tarefa. O manipulador que faz o uso das luvas deve estar ainda mais atento a esses cuidados, visto que, por estar de luva, há tendência de reduzir os cuidados com a higiene por achar que está “protegido” ao usá-las. Por exemplo, é comum que, por estar de luva, o manipulador toque no alimento e depois faça outra atividade e volte a tocar no alimento. Assim, as luvas devem ser descartadas sempre que o manipulador for ao banheiro, pegar em dinheiro, recolher lixo, manipular um alimento cru e depois manipular um alimento já cozido, abrir a geladeira, tossir, espirrar ou assoar o nariz, dentre outras atividades que interrompam a função principal. As máscaras somente representam uma barreira enquanto estiverem cobrindo o nariz e a boca e devem ser trocadas frequentemente. É papel do gestor orientar, capacitar e exigir do manipulador de alimentos o cumprimento da legislação. Desse modo, o treinamento dos manipuladores deve envolver orientações sobre higiene pessoal, manipulação higiênica e doenças transmitidas pelos alimentos. O processo de produção de alimentos envolve diferentes etapas que vão desde a recepção da matéria-prima, armazenamento, pré-preparo, preparo até a distribuição. Ademais, cada local terá especifi cidades de acordo com o tipo de produção e tipo de atividade desempenhada, de modo que cada uma dessas etapas demanda cuidados específi cos. Por exemplo, em um processo industrial de fabricação de produtos cárneos, os cuidados higiênicos e processos envolvidos serão diferentes de um processo de produção de alimentos secos, que serão diferentes de um restaurante. Para cada uma dessas atividades devem ser consultadas as legislações específi cas, padrões de identidade e qualidade, dentre outras orientações. Desse modo, e conforme já referido, o intuito deste capítulo é abordar aspectos gerais e guiá-lo à busca dessas especifi cidades, conforme trabalho desempenhado. No recebimento da matéria-prima, o manipulador precisa estar atento para não receber produtos com embalagens amassadas, furadas, enferrujadas, produtos vencidos, fora da temperatura adequada para o produto (por exemplo, produtos resfriados, como queijos, precisam estar em temperatura abaixo de 10 ºC; produtos congelados não podem apresentar sinais de descongelamento; 114 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS dentre outros, conforme legislação específi ca). Ademais, nessa etapa também deve-se averiguar as condiçõesde transporte (veículo de transporte, conforme já referido anteriormente) e higiene do manipulador responsável pelo transporte (mesmas exigências de higiene para o manipulador de alimentos). Antes de armazenar o produto, o manipulador precisa fazer a substituição de caixas de papelão (quando houver) por caixas plásticas de polietileno ou substituir caixas plásticas do fornecedor por caixas plásticas do local de produção, que devem estar em condições adequadas de higiene. As embalagens dos produtos devem ser lavadas e as embalagens externas retiradas (no caso de produtos com mais de uma embalagem). A área de recebimento também deve dispor de plataforma de recebimento, balança, pallets (estrados), dentre outros equipamentos necessários para garantir condições adequadas de recebimento, conforme exigência da legislação. É na etapa de recebimento que todos esses parâmetros relacionados à qualidade do produto precisam ser conferidos. Para isso é importante que o local possua um checklist de recebimento e que o manipulador seja treinado para averiguar as condições adequadas para cada produto. No caso de inadequações, o local deve ter bem determinadas as medidas a serem tomadas e o manipulador deve registrar o procedimento adotado. Ações para o desenvolvimento do fornecedor e o estabelecimento de relação de confi ança com este são fundamentais para matérias-primas de qualidade e conforme as necessidades do local. O armazenamento dos produtos recebidos deve seguir a ordem do mais perecível para o menos perecível. Assim, o manipulador deve armazenar, primeiramente, os produtos refrigerados, seguido dos congelados e, por último, aqueles que serão armazenados em temperatura ambiente. Assim como no recebimento, na área de armazenamento os produtos não podem estar em contato com o chão, devendo ser armazenados em pallets ou prateleiras. Produtos alimentícios não podem ser armazenados próximos a produtos de limpeza e devem ser armazenados separados de produtos descartáveis. Na etapa de pré-preparo e preparo do produto são diversos os cuidados que devem ser tomados, que dependerá da atividade desempenhada pelo local no qual você atuará como gestor. Conforme já referido, é importante estar atento às legislações específi cas para cada tipo de estabelecimento produtor. Dentre esses cuidados é de extrema importância evitar o contato direto ou indireto entre alimentos crus, semipreparados e prontos para o consumo (contaminação cruzada). Alimentos que já estão prontos para o consumo já passaram por todos os processos de higienização e cocção, de modo que, em caso de contaminação dos mesmos não haveria mais etapas no processo produtivo que pudessem eliminar esses contaminantes. Na cocção de um alimento em um restaurante, 115 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 por exemplo, deve-se garantir que o alimento atingiu, pelo menos, a temperatura interna de 70 ºC, para então ser considerado pronto para o consumo. Segundo a legislação: O tratamento térmico deve garantir que todas as partes do alimento atinjam a temperatura de, no mínimo, 70 ºC (setenta graus Celsius). Temperaturas inferiores podem ser utilizadas no tratamento térmico desde que as combinações de tempo e temperatura sejam sufi cientes para assegurar a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos (BRASIL, 2004, s,p.). Em casos em que as características do alimento não permitem que essa temperatura seja atingida, deve ser feito o controle de temperatura x tempo de exposição do alimento ao calor (binômio tempo/temperatura), além do controle adequado da qualidade da matéria-prima. É importante fi car claro que outros processos produtivos, por exemplo, aqueles que envolvem pasteurização ou ultrapasteurização, requerem outras temperaturas. Produtos refrigerados, principalmente o leite, queijo e carnes devem ser expostos à temperatura ambiente o mínimo necessário para preparação do alimento. É possível perceber que o controle da temperatura é etapa fundamental para evitar a contaminação biológica em diferentes momentos, considerando as Boas Práticas de Fabricação de Alimentos. O controle e registro dessas temperaturas é fundamental para o monitoramento de todo o processo produtivo e identifi cações de pontos que requerem melhoria. Nesse sentido, você saberia mencionar outros momentos em que se faz necessário o controle da temperatura? (Procure imaginar o processo produtivo de um alimento). Por exemplo, vamos imaginar a produção de hambúrguer. A temperatura da carne deve ser monitorada no transporte (do fornecedor até o local de produção), visto que o carro de transporte deve ser refrigerado ou com câmara de congelamento (o caso de alimentos congelados). Essa temperatura deve estar visível para o controle. O manipulador deve aferir a temperatura no recebimento. O armazenamento deve ser feito em câmaras frias (para refrigeração ou congelamento). As temperaturas dessas câmaras frias devem ser diariamente monitoradas. No caso das carnes, todo o pré-preparo deve ser feito em ambiente refrigerado ou com controle de tempo x temperatura adequado, conforme legislação, de modo que o alimento não fi que exposto à temperatura ambiente por muito tempo. Posteriormente, na etapa de cocção e antes do alimento ir para a distribuição, deve-se verifi car se o alimento atingiu a temperatura adequada. Ressalta-se novamente que, no caso de alimentos que não irão atingir a temperatura de 70 ºC, a exemplo de carnes servidas malpassadas, deve ser feito o controle do tempo que esse alimento fi cará exposto após o preparo até o momento do consumo. A legislação de âmbito nacional não é clara quanto a esses parâmetros. Já a legislação do estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2013) possui orientações mais detalhadas. A RDC nº 216/2004 aponta que: 116 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS O tratamento térmico deve garantir que todas as partes do alimento atinjam a temperatura de, no mínimo, 70 ºC (setenta graus Celsius). Temperaturas inferiores podem ser utilizadas no tratamento térmico desde que as combinações de tempo e temperatura sejam sufi cientes para assegurar a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos. O processo de resfriamento de um alimento preparado deve ser realizado de forma a minimizar o risco de contaminação cruzada e a permanência do mesmo em temperaturas que favoreçam a multiplicação microbiana. A temperatura do alimento preparado deve ser reduzida de 60 ºC (sessenta graus Celsius) a 10 ºC (dez graus Celsius) em até duas horas. Em seguida, o mesmo deve ser conservado sob refrigeração a temperaturas inferiores a 5 ºC (cinco graus Celsius), ou congelado à temperatura igual ou inferior a -18 ºC (dezoito graus Celsius negativos). O prazo máximo de consumo do alimento preparado e conservado sob refrigeração à temperatura de 4 ºC (quatro graus Celsius), ou inferior, deve ser de 5 (cinco) dias. Quando forem utilizadas temperaturas superiores a 4 ºC (quatro graus Celsius) e inferiores a 5 ºC (cinco graus Celsius), o prazo máximo de consumo deve ser reduzido, de forma a garantir as condições higiênico-sanitárias do alimento preparado (BRASIL, 2004, s,p.). Já a CVS nº 5 traz diversas informações mais detalhadas, como recomendação de temperatura e tempo para diferentes gêneros alimentícios, produtos refrigerados e congelados, dentre outros. Nesse sentido, um gestor que atuará nesse estado deverá cumprir as exigências dessas legislações. Para outros estados, as legislações servem como orientação, no entanto, não poderá ser exigido dos locais o cumprimento da mesma, visto que é uma legislação estadual. Nesse sentido, é importante a leitura da resolução CVS nº 5/2013, disponível no link: http://www. cvs.saude.sp.gov.br/up/PORTARIA%20CVS-5_090413.pdf. O controle das temperaturas em todas as etapas deve ser registrado, indicando o horário, o manipulador responsável pelo controle, a temperatura aferida e demais informações consideradasimportantes. Formulários específi cos para esse monitoramento, em cada uma das etapas, são ferramentas para auxiliar a garantia da qualidade do produto. A partir de uma análise desses registros será possível identifi car a necessidade de medidas corretivas visando à garantia da qualidade do produto. 117 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 Como já referido neste capítulo, a contaminação cruzada também pode ocorrer pelo contato de alimento de origem animal cru com alimentos de origem vegetal crus ou cozidos. Para evitar a contaminação cruzada mantenha carnes cruas distantes de outros alimentos e depois de cortar um alimento, lave as mãos, as tábuas, facas e o local. O descongelamento dos produtos também é um ponto crítico para controle higiênico-sanitário e deve ser efetuado em ambiente refrigerado ou em forno micro-ondas. Um local que processa/produz alimento para garantir as BPF precisa ter implantado um Manual de Boas Práticas. O manual consiste em um documento contendo a descrição dos procedimentos que devem ser realizados no local para garantir a qualidade do processo produtivo. Para iniciar a elaboração e implementação do manual de BP é preciso realizar um diagnóstico situacional das condições higiênico-sanitárias do estabelecimento, identifi cando as não conformidades e ações corretiva (KRAEMER; SADDY, 2007). Deve estar atualizado e disponível para consulta e deve conter obrigatoriamente os Procedimentos Operacionais Padronizados (POP). Os POP são instruções sequenciais para a realização de operações rotineiras. Os POP obrigatórios para serviços de alimentação são aqueles referentes a: higienização de instalações, equipamentos e móveis; controle integrado de vetores e pragas urbanas; higienização do reservatório e higiene e saúde dos manipuladores. Outros tipos de estabelecimentos (inclusive não relacionados à alimentação) devem se atentar aos POP obrigatórios conforme legislações específi cas. Em relação aos POP é importante que cada local elabore o seu, com base na sua realidade, sem, no entanto, deixar de seguir as recomendações da legislação. Na próxima seção (Ferramentas e Sistemas de Qualidade) será aprofundado esse assunto, junto a um maior detalhamento do APPCC. Você também será apresentado a diferentes ferramentas da qualidade, tendo em vista, principalmente, a qualidade higiênica- sanitária do processo produtivo. Manual de boas práticas, planilhas de controle da temperatura, checklist de recebimento; dentre outras, fazem parte do controle exigido pela legislação e também consistem em ferramentas de qualidade. Cuidados com a água também são necessários. O congelamento da água não elimina perigos biológicos, químicos ou físicos. Assim, o gelo utilizado para o preparo de alimentos deve ser obtido a partir de água potável, transportado e armazenado de forma adequada e higiênica e mantido em condições que evitem sua contaminação. As superfícies que entram em contato com alimentos e bebidas, como por exemplo, embalagens, utensílios e equipamentos, devem ser de material liso, impermeável, lavável, que não transmita substâncias tóxicas, odores ou sabores 118 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS indesejáveis, de fácil limpeza e em bom estado de conservação. • Boas Práticas Agrícolas As Boas Práticas Agrícolas (BPA) são defi nidas como um conjunto de princípios, normas, recomendações técnicas para a produção, processamento e transporte de alimentos, desenvolvidas com o objetivo de proteger a saúde humana e o meio ambiente e melhorar as condições dos trabalhadores. Implementar as Boas Práticas Agrícolas pode estar diretamente relacionado à promoção da segurança alimentar e nutricional e oferta de alimentos de qualidade considerando as diversas dimensões da qualidade, no entanto, algumas ressalvas são necessárias. De acordo com o Manual para Implementação de Boas Práticas Agrícolas, as BPA promovem a segurança dos trabalhadores, oferta de alimentos sem contaminação, favorecendo tanto a saúde dos consumidores quanto do ambiente; bem-estar animal devido ao cuidado e alimentação adequada. No entanto, é importante ser crítico quanto ao uso de agrotóxicos, permitido pela BPA. As BPA referem o manejo adequado de agrotóxicos, no entanto, conforme estudado no Capítulo 1, não existe uma dose segura quanto ao uso dos mesmos e a evidência científi ca já comprova os seus malefícios, tanto para a saúde quanto para o ambiente. Desse modo, não se pode falar na oferta de alimentos seguros e sustentabilidade, considerando uma produção que faça uso de agrotóxicos. Boas Práticas Agrícolas (BPA), Boas Práticas de Fabricação (BPF) e Procedimentos Padrão de Higienização Operacional (PPHO) são exemplos de Programas de Pré-Requisitos (PPR). Estes, por sua vez, são procedimentos ou etapas que controlam as condições operacionais dentro da produção de alimentos, permitindo a criação de condições ambientais favoráveis à produção de um alimento seguro. Os PPR são parte integrante do sistema APPCC formal, pois se um PPR não for conduzido adequadamente, a análise de perigos poderá estar equivocada e o plano APPCC não será bem implementado (MATTOS et al., 2009). As BPA envolvem um conjunto de ações, o qual é apresentado no quadro a seguir. 119 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 QUADRO 3 – AÇÕES NECESSÁRIAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DAS BOAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS 1. Escolha da área adequada para o plantio conforme cada cultura. 2. Preparo de solo utilizando técnicas de manejo adequadas às condições de clima e solo de acordo com a recomendação do responsável técnico. 3. Realização de adubação adequada baseada em análise físico/química do solo. 4. Utilização de sementes e mudas produzidas em conformidade com a legislação pertinente. 5. Utilizar métodos de cultivos adequados a cada cultura, visando evitar perdas durante esta fase. 6. Controle das pragas priorizando o Manejo Integrado de Pragas, com uso de agrotóxicos registrados para cultura, com menor toxicidade, ou outras práticas apropriadas. 7. Controle de plantas invasoras, priorizando métodos alternativos de controle que não causem danos ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores e consumidores ou uso de herbicidas registrados para cultura. 8. Utilização de fertilizantes, inoculantes e afi ns, registrados no MAPA e de acordo com as recomendações técnicas específi cas para cada cultura. 9. Armazenamento de produtos agrotóxicos e destinação de embalagens vazias, conforme determinações da legislação pertinente. 10. Manipulação e aplicação de produtos agrotóxicos de acordo com as recomendações técnicas do Receituário Agronômico e sempre observando as especifi cações no rótulo das embalagens. 11. Elaboração de sistema de rastreabilidade, por meio de registro de dados sobre a cultura, de forma que se possa identifi car a origem da produção, desde a área plantada até a etapa fi nal de produção primária da cadeia agrícola, assim como todos os processos e procedimentos aplicados no manejo da cultura. 12. Adoção das boas práticas na manipulação e aplicação dos agrotóxicos e observação ao período de carência na colheita, como medidas preventivas à contaminação das culturas por resíduos de agrotóxicos. 13. Adoção de boas práticas no cultivo e na colheita para evitar o desenvolvimento de fungos e outros agentes biológicos e microbiológicos e contaminantes químicos e físicos, visando à obtenção de alimentos seguros. 14. Observação do ponto de colheita da cultura, quando a planta atingir a maturidade ideal, conforme recomendado, tecnicamente. 15. Adoção do método mais adequado de colheita com observação de todos os detalhes recomendados para cada tipo de cultura, visando preservar a qualidade e a minimização das perdas qualitativas 16. Utilização de técnicas adequadas de pré-limpeza do produto durante ou após a colheita, quando necessário. 17. Acondicionamento dos produtos colhidos em embalagens ou veículos adequados ao seutransporte. 120 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 18. O transporte dos produtos da área de colheita até a unidade de benefi ciamento ou processamento deve ser feito de forma adequada e no menor tempo possível. 19. Deve-se proporcionar as condições adequadas para manter a umidade, temperatura ou vigor dos produtos durante todo o trajeto, de acordo com o produto, e quando necessário. 20. Utilização de técnicas adequadas de benefi ciamento, visando obter o melhor resultado de custo-benefício. 21. Anotação dos registros dos dados da colheita na recepção da benefi ciadora ou unidade de processamento, para comprovar a rastreabilidade dos produtos fi nais. 22. A identifi cação da origem deve ser efetuada para todos os lotes, devendo conter dados do fornecedor, região produtora, safra e todos os dados técnicos do produto. 23. Fazer a verifi cação do índice da umidade em cada lote, quando for o caso, por meio de equipamento devidamente calibrado e por técnico treinado, mantendo-se o registro da verifi cação. 24. Nunca armazenar os produtos no campo depois de colhidos ou de qualquer outra forma que contrarie as especifi cações técnicas. 25. O produto, ao dar entrada no armazém, deve ter a umidade verifi cada para que atenda ao limite de segurança, quando for o caso. 26. Os produtos devem ser armazenados embalados com material adequado a cada tipo de produto ou a granel, quando for o caso. 27. Os produtos embalados devem ser armazenados sobre estrados ou na forma de paletização, afastados das paredes e distantes do teto de forma a permitir a apropriada circulação do ar, viabilizando o acesso para o controle de pragas, limpeza e fi scalização. 28. Realizar o controle de pragas de armazenamento, adotando o Manejo Integrado de Pragas. 29. Monitoramento das condições de armazenamento e de qualidade e segurança dos produtos fi nais, na forma estabelecida na legislação específi ca. 30. No caso de armazenamento refrigerado, os produtos devem ser embalados adequadamente e a temperatura e umidades monitoradas diariamente por meio de planilha de controle. 31. O transporte do produto benefi ciado deve ser feito em veículos limpos e higienizados. 32. Proporcionar as condições adequadas para manter a umidade recomendada do produto durante todo o trajeto, quando for o caso. 33. Realizar os registros na fase de processamento, incluindo os das fases anteriores, para efeito da rastreabilidade e de avaliação da qualidade e segurança do produto processado. 34. Proceder a adequada lavagem ou higienização dos produtos durante o processamento. 35. Realizar a separação por densidade ou classifi cação dos produtos por 121 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 tamanho, quando necessário. 36. Efetuar a adequada disposição dos produtos processados (acondicionamento) nas embalagens, que devem estar limpas e devidamente higienizadas e ser adequadas a cada espécie de vegetais e produtos de origem vegetal. 37. Na fase de agroindustrialização realizar os registros desta fase, incluindo os das fases anteriores, para efeito da rastreabilidade e de avaliação da qualidade e segurança do produto agroindustrializado. 38. Os produtos agroindustrializados devem ser adequadamente higienizados ou esterilizados e devidamente embalados em recipientes, igualmente higienizados ou esterilizados. FONTE: Adaptado de Brasil (2017a) Estude mais sobre as BPA acessando o manual de implementação por meio do link: https://pt.slideshare.net/ VanlisaPinheiro/boas-prticas-agrcolas. Esse estudo é fundamental para um melhor aprendizado. • Boas Práticas Agropecuárias Diretamente relacionada à qualidade da carne, principalmente bovina, em 2005, a Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Gado de Corte, vinculada ao Mistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), desenvolveu um conjunto de normas e procedimentos denominado Boas Práticas Agropecuárias – Bovinos de Corte (BPA). Trata-se de um Programa que tem como objetivo a melhoria da rentabilidade e da competitividade dos sistemas produtivos a partir da oferta de alimentos provenientes de sistemas de produção sustentáveis e isentos de resíduos que possam comprometer a saúde dos consumidores (EMBRAPA GADO DE CORTE, 2010). De modo complementar, a Portaria Interministerial nº 36, de 26 de janeiro de 2011 instituiu o Programa Nacional de Fomento às Boas Práticas Agropecuárias – PRÓBPA, com o objetivo de desenvolver e promover a inclusão das Boas Práticas Agropecuárias nas propriedades rurais das diversas cadeias pecuárias do país (BRASIL, 2011b). A aquisição de carnes provenientes de fazendas que tenham as BPA 122 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS implementadas favorece a aquisição de alimentos seguros do ponto de vista sanitário, regulamentar, sustentável, sensorial e nutricional. No processo de compra dos alimentos, principalmente de carne bovina, além das exigências de selos de inspeção como SIM (Serviço de Inspeção Municipal); SIE (Serviço de Inspeção Estadual); SIF (Serviço de Inspeção Federal), pode-se restringir a compra de locais com certifi cação (orgânico, criação extensiva, dentre outras), de animais não provenientes de áreas de desmatamento, de fazendas com as BPA e, sempre que possível, que percorra uma menor distância (Fazenda-mesa do consumidor) (MARTINELLI, 2011). Carfatan (2009) refere que muitas empresas já estão impondo aos seus fornecedores a adoção de novos procedimentos de produção, processamento e transporte, visando à sustentabilidade dos processos e produtos. Nesse sentido, é importante que consumidores, gestores e demais profi ssionais de empresas que processam alimentos se conscientizem do papel político de suas escolhas alimentares. Desse modo, optem por alimentos mais saudáveis e de qualidade, considerando as diversas dimensões da qualidade, tendo em vista o desenvolvimento de políticas que fomentem sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis, a ponto de que alimentos provenientes desse sistema sejam vistos como prioridade. Existem ainda guias de Boas Práticas para processos produtivos específi cos, como por exemplo, o Guia de Boas Práticas na Pecuária de Leite, elaborado pela FAO e IDF (International Dairy Federation). O guia tem como objetivo auxiliar o produtor na implementação de procedimentos de diversos tipos de sistemas de produção de leite usados em todo o mundo. As boas práticas agropecuárias aplicadas à pecuária de leite tratam da implementação de procedimentos adequados em todas as etapas da produção de leite nas propriedades rurais, visando a um produto fi nal de qualidade e ao desenvolvimento de uma empresa rural que permanecerá viável sob as perspectivas econômica, social e ambiental. As boas práticas para a pecuária são embasadas no Código Internacional de Práticas Recomendadas pelo Codex – Princípios Gerais de Higiene dos Alimentos, já abordados neste capítulo, junto ao Código de Práticas de Higiene para o Leite e os Produtos Lácteos (CAC/RCP 57-2004) (FAO/IDF, 2013). Para a implementação das Boas Práticas na pecuária do leite é importante reconhecer que se trata de uma cadeia integrada de produção e processamento e todos os elos da cadeia são importantes – produtores de leite, fornecedores de insumos, transportadores, indústrias processadoras de leite e de alimentos, distribuidores, varejistas e consumidores – para a garantia da segurança e qualidade. Assim, cabe aos produtores garantir que as boas práticas sejam implementadas na sua propriedade. Isso signifi ca que, além das condições adequadas de higiene, deve-se garantir que o leite produzido seja proveniente de 123 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 animais saudáveis, fruto de um sistema de produção sustentável que atenda aos requisitos de bem-estar animal e às perspectivas econômica, social e ambiental. Portanto, a implementação das boas práticas na pecuária de leite é uma forma eficaz de gerenciar os riscos para as empresas rurais no curto e no longo prazo, adotando práticas preventivas de segurança e qualidade (FAO/IDF, 2013). • Outras Legislações a) Decreto nº 30691/1952 do Ministério da Agricultura – Aprova regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RISPOA), revogado pelo Decreto nº 9.013, de 2017 (BRASIL, 2017b). b) RDC nº 259/2002 – Regulamento técnico sobre Rotulagem de Alimentos Embalados (BRASIL, 2002b). c) RDC nº 359/2003 – Regulamento técnico de porções de alimentos embalados para fi ns de rotulagem nutricional (mais detalhes sobre as legislações de rotulagem serão apresentados na próxima seção) (BRASIL, 2003c). d) Sistema de Inspeção Municipal – Registro e inspeção dos estabelecimentos relacionados a produtos de origem animal. O Município tem a responsabilidade de instituir a portaria e delegar demais responsabilidades (PREZOTTO; NASCIMENTO, 2013). e) Portaria SIE – Registro e inspeção dos estabelecimentos relacionados a produtos de origem animal. Estado tem a responsabilidade de instituir a portaria e delegar demais responsabilidades (PREZOTTO; NASCIMENTO, 2013). f) Lei nº 9712/1998 – Cria o SUASA/altera a Lei nº 9712 e acrescenta dispositivos referentes à defesa agropecuária (PREZOTTO; NASCIMENTO, 2013; BRASIL, 1998a). g) Lei nº 10.610 /1997 – Normas sanitárias para a elaboração e comercialização de produtos artesanais comestíveis de origem animal e vegetal (SANTA CATARINA, 1997). h) Decreto nº 3.100/1998 – Normas Sanitárias para a elaboração e Comercialização de Produtos Artesanais Comestíveis de Origem Animal e Vegetal (SANTA CATARINA, 1998). i) Lei nº11.105/2005 – Normas de segurança e fi scalização de atividades que envolvam Organismos geneticamente modifi cados e seus derivados (BRASIL, 2005). j) Decreto nº 4680/2003 – Regulamenta o emprego do símbolo transgênico (BRASIL, 2003a). 124 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS 3.2.1 FERRAMENTAS E SISTEMA DE QUALIDADE As ferramentas da qualidade consistem em estratégias para auxiliar a implantação da qualidade higiênico-sanitária de forma orientada visando à melhoria do processo e do produto fi nal (alimento) (PROENÇA et al., 2005). Além das ferramentas de qualidade existem sistemas de qualidade que podem ser implementados em busca da qualidade total. Sistemas e ferramentas de gestão da qualidade são amplamente discutidos no segmento da alimentação. Alguns desses são: Boas Práticas de Fabricação (BPF), Procedimentos Operacionais Padronizados (POP), Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), Programas de Qualifi cação de Fornecedores, Rastreabilidade, Programa 5s, Ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act), Qualidade Total, dentre outros; além das certifi cações do tipo ISO. Esses sistemas quando implantados, isoladamente ou em conjunto, trazem benefícios tanto em nível operacional quanto gerencial, sendo estes a padronização de processos operacionais; treinamentos direcionados e especializados; sistema de indicadores de acompanhamento de registros e tratamento de ocorrências, normas claras e objetivas quanto à política da empresa, qualidade do processo e do produto, dentre outros (MAIA; DINIZ, 2009; HILGIB, 2012). As BPF e POP são pré-requisitos essenciais para a implementação do sistema de qualidade denominado de APPCC (em inglês HACCP – HAZARD ANALYSIS AND CRITICAL CONTROL POINT) (FIGUEIREDO; COSTA NETO, 2001; HEREDIA et al., 2010). A APPCC e seus pré-requisitos são os principais componentes dos sistemas de gestão da segurança da cadeia de produção de alimentos. Desse modo, primeiramente, é preciso garantir a implementação das BPF. Na sequência, é necessário desenvolver e implementar os POP. Então, o local pode iniciar os procedimentos para implementação do sistema APPCC. Este capítulo já descreveu aspectos gerais sobre as BPF e a sua implementação depende do cumprimento da legislação específi ca para BP, bem como de legislações específi cas para diferentes tipos de produtos (quando existir). Cada gestor, a depender do seu local de atuação, deverá ter conhecimento de toda a legislação que contempla parâmetros de higiene e qualidade para aquele tipo de produção. • POP – Procedimentos Operacionais Padronizados A Resolução RDC n° 216/2004 engloba os Procedimentos Operacionais Padronizados (POP), que devem ser documentados no manual de BP (MBP). Além 125 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 de documentados no MBP, os POP precisam ser de fácil acesso ao manipulador, para que este possa executá-lo adequadamente. No capítulo “Documentação e Registro” do MPB e de procedimentos operacionais padronizados devem vir descritas as instruções de forma sequencial das operações e frequência de execução, especifi cando o nome, o cargo e a função dos responsáveis pelas atividades. Devem ser aprovados, datados e assinados pelo responsável do estabelecimento, sendo dever de cada manipulador segui-los (BRASIL, 2002a; 2004). Os POP referentes às operações de higienização de instalações, equipamentos e móveis devem conter informações sobre natureza da superfície a ser higienizada, método de higienização, princípio ativo selecionado e sua concentração, tempo de contato dos agentes químicos e/ou físicos utilizados na operação de higienização, temperatura e outras informações que se fi zerem necessárias. Quando aplicável, os POP devem contemplar a operação de desmonte dos equipamentos. Quanto mais detalhado o POP, mais provável que seja executado adequadamente. Os POP relacionados ao controle integrado de vetores e pragas urbanas devem contemplar as medidas preventivas e corretivas destinadas a impedir a atração, o abrigo, o acesso e/ou a proliferação de vetores e pragas urbanas. No caso da adoção de controle químico, o estabelecimento deve apresentar comprovante de execução de serviço fornecido pela empresa especializada contratada, contendo as informações estabelecidas em legislação sanitária específi ca. Os POP referentes à higienização do reservatório devem especifi car as informações exigidas na legislação, mesmo quando realizada por empresa terceirizada e, neste caso, deve ser apresentado o certifi cado de execução do serviço. Os POP relacionados à higiene e saúde dos manipuladores devem contemplar as etapas, a frequência e os princípios ativos usados na lavagem e antissepsia das mãos dos manipuladores, assim como as medidas adotadas nos casos em que os manipuladores apresentem lesão nas mãos, sintomas de enfermidade ou suspeita de problema de saúde que possa comprometer a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos. Deve-se especifi car os exames aos quais os manipuladores de alimentos são submetidos, bem como a periodicidade de sua execução. O programa de capacitação dos manipuladores em higiene deve ser descrito, sendo determinada a carga horária, o conteúdo programático e a frequência de sua realização, mantendo-se em arquivo os registros da participação nominal dos funcionários (BRASIL, 2004). Além dos POP obrigatórios, o local pode estabelecer POP para qualquer processo. Os POP não devem ser copiados de outra empresa, mas considerada a realidade de mão de obra, equipamentos, produtos e processos da empresa em questão. É importante que aqueles que irão executar o POP também façam parte do seu processo de elaboração, bem como é necessário acompanhar a aplicabilidade das instruções. A linguagem do POP precisa 126 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS ser simples e direta (HEREDIA et al.; 2010; BRASIL, 2004). Quando os POP são corretamente elaborados podem trazer diversas funcionalidades ao processo produtivo, podendo ser um indicador de conformidade com regulamentações organizacionais e governamentais e parte do programa de treinamento pessoal da empresa. Isso porque fornece instruções de trabalho detalhadas; minimizando erros de comunicação entre a equipe; auxiliando a reconstrução daoperacionalização das atividades, inclusive quando não há outras referências disponíveis. Ainda podem ser usados como lista de procedimentos em checklist de auditorias; reduzir o esforço de trabalho e permitir melhor comparabilidade e credibilidade aos produtos finais (EPA, 2007). Além dos POP obrigatórios para os serviços de alimentação (como os restaurantes), presentes na RDC nº 216/2005, a RDC nº 275/2002 apresenta os POP obrigatórios para estabelecimentos produtores/industrializadores de alimentos. Os estabelecimentos produtores/industrializadores de alimentos devem desenvolver, implementar e manter POP para: a) Higienização das instalações, equipamentos, móveis e utensílios; b) Controle da potabilidade da água; c) Higiene e saúde dos manipuladores; d Manejo dos resíduos; e) Manutenção preventiva e calibração de equipamentos; f) Controle integrado de vetores e pragas urbanas; g) Seleção das matérias-primas, ingredientes e embalagens; h) Programa de recolhimento de alimentos (BRASIL, 2002). Para saber as informações que devem conter em cada um desses POP, estude mais a legislação nº 275/2002, disponível no link: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/ R D C _ 2 7 5 _ 2 0 0 2 _ C O M P. p d f / f c e 9 d a c 0 - a e 5 7 - 4 d e 2 - 8 c f 9 - e286a383f254. • APPCC – Análises de Perigos e Pontos Críticos de Controle Primeiramente, vamos entender de que consiste esse sistema, para entendermos a importância de implantá-lo em um sistema produtivo. O sistema APPCC é uma abordagem científi ca e sistemática para o controle de processos. É 127 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 elaborado para prevenir a ocorrência de problemas, assegurando que os controles sejam aplicados em determinadas etapas no sistema de produção de alimentos onde possam ocorrer perigos ou situações críticas. O APPCC é reconhecido internacionalmente como um requisito de mercado, sendo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Mundial do Comércio (OMC) e FAO (Food and Agriculture Organization) – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (HEREDIA et al., 2010). Desse modo, esse sistema tem papel fundamental no comércio internacional, sendo exigido por diversos países como pré-requisito para compra de produtos alimentícios. Isso quer dizer que algumas empresas só adquirem produtos de outras que têm o sistema APPCC implantado. Por ser um sistema de prevenção de riscos, o APPCC tem uma fi nalidade preventiva e não corretiva. Portanto, visa assegurar a produção e distribuição de alimentos com qualidade e livre de contaminações de natureza biológica, física ou química que possam causar danos à saúde e/ou à integridade do consumidor. Porém, deve-se ter clareza de que o APPCC não é um sistema de risco zero, mas foi projetado para minimizar o risco de perigos para a segurança dos alimentos. É uma proposta sistematizada para a identifi cação e determinação dos perigos e riscos associados ao processamento do alimento. Busca, assim, estabelecer medidas de controle para garantir a segurança do produto ou preparação em todas as etapas do sistema produtivo (OPAS, 2006; CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION, 2003). Você também pode estar se perguntando: Qual o âmbito de aplicação APPCC? Como gestor, eu poderia implantar o APPCC em qualquer tipo de produção? Em qualquer etapa da cadeia? O sistema APPCC é aplicável a toda cadeia produtiva de alimentos, da fazenda/campo até a mesa (CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION, 2003). Desse modo, o APPCC pode ser implementado na produção nas fazendas; no processo industrial; na manipulação em restaurantes, lanchonetes e bares; em fábricas de embalagens, aditivos, aromas e equipamentos; na distribuição, transporte e armazenagem dos alimentos até o consumidor fi nal. Implementar o APPCC não é uma tarefa fácil, todos os processos precisam estar bem defi nidos e implementados na unidade produtora. Por isso, a importância da elaboração de POP para todos os processos. Por ser um sistema de difícil implementação e não obrigatório, você pode estar se perguntado: Por que fazê-lo? Nesse sentido, o APPCC traz diversos benefícios, sendo estes: Controle do processo de fabricação; Ação preventiva quanto a possíveis contaminações; Fácil detecção e correção dos desvios de especifi cação de processo; Maior garantia para o consumidor quanto à segurança do produto; Redução de custo 128 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS de análise de produto acabado; Possibilita acesso ao mercado internacional; Tem reconhecimento pelas entidades internacionais de segurança alimentar; Consiste em uma certifi cação que já é uma exigência de muitos países europeus para compra de alimentos, embalagens e insumos. Além disso, o APPCC, por ser um sistema preventivo, elimina outras etapas de avaliação da qualidade, por vezes mais custosas e menos efi cientes (HEREDIA et al., 2010; HILGIB, 2012). Por exemplo, uma análise da qualidade do produto fi nal tem alcance limitado, enquanto análises laboratoriais dos alimentos produzidos são demoradas, possuem custo elevado e ainda demandam destruição de amostras. Desse modo, ao pensar em APPCC é importante que ele faça parte da política de segurança e qualidade do local. O sistema APPCC utiliza termos específi cos que precisam ser de conhecimento do gestor e de toda equipe. Dentre esses termos, podemos citar: a) Perigo: contaminação de origem biológica, química ou física em condição potencial que possa causar agravo à saúde (SILVA JUNIOR, 2010). Esses perigos podem estar presentes na matéria-prima, ambiente, homem e animais. Por exemplo, matérias-primas como carnes e aves cruas podem trazer perigos biológicos, como coliformes totais e fecais, Eschirichia coli patogênica, Salmonella sp., Clostridium perfringens. O leite pode trazer microrganismos como Yersinia enterocolítica, Listeria monocitogenes, Campylobacter sp, Staphylococcus aureus e cisticercose. Pescados crus podem estar contaminados com Vibrio parahaemolyticus, Vibrio vulnifi cus, Vibrio colerae, Clostridium botulinum. Diversos são os perigos biológicos que podem estar presentes no alimento, variando conforme a matéria-prima. Em relação ao ambiente, podemos citar as superfícies de contato com os ambientes que podem estar contaminadas com Salmonella sp, Clostridium perfringens, coliformes totais, fecais, Eschirichia coli patogênica. Do mesmo modo, a água faz parte das questões ambientais e podem estar contaminadas com esses mesmos organismos patogênicos que contaminam as superfícies. A mesma também pode estar contaminada por Shiguella sp, Vibrio cholerae e outros vírus. As DTA também podem ser provenientes de contaminações ambientais vindos de solo e ar contaminados. Os manipuladores podem carregar organismos patogênicos nas mãos, pele e intestino. Dentre esses, podemos citar Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Pseudomonas aeruginosa, bolores e leveduras, coliformes totais e fecais, Eschirichia coli patogênica, dentre outras. Roedores, insetos, dentre outros animais, como os domésticos, também são fontes de contaminação. Por isso, a importância de que as edifi cações e instalações estejam localizadas distantes de áreas insalubres (SILVA JUNIOR, 2010). b) Severidade: consiste na magnitude do perigo, ou seja, as consequências resultantes quando existem os perigos. Relaciona-se com a gravidade do 129 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 quadro clínico que pode ser variável conforme o grupo de indivíduos: gestante, crianças, idosos, imunodeprimidos, hospitalizados e viajantes. c) Risco: é a probabilidade estimada da ocorrência do perigo ou da ocorrência de vários perigos. O risco deve ser avaliado ou estimado analisando as condições/ situações de exposição (SILVA JUNIOR, 2010). d) Ponto Crítico de Controle – PCC: consiste em todos os locais ou situações dentro do processo de produção nos quais podem estar presentes os perigosque levam risco à saúde. Assim, os PCC precisam ser controlados e, identifi cá- los, consiste em uma das etapas do APPCC. Consiste na operação, seja ela relacionada a práticas do manipulador, procedimentos, processos ou situação, em que uma medida de controle preventiva pode ser exercida para eliminar (PCCe), prevenir (PCCp) ou reduzir (PCCr) um perigo ou vários. O PCC consiste em todo PC que pode ser monitorado e controlado de modo a trazer segurança para o consumidor. A identifi cação de um PCC requer conhecimento especializado dos perigos, do fl uxograma e do processo produtivo. O fl uxograma de operações ou das preparações específi cas consiste em um guia para que seja organizado o controle dos pontos críticos (HEREDIA et al., 2010; SILVA JUNIOR, 2010). e) Pontos de controle (PC): são todas as situações que estão erradas perante a legislação e precisam ser corrigidas, mas que não levam risco à saúde (SILVA JUNIOR, 2010). Os PC podem estar relacionados à contaminação, multiplicação ou sobrevivência de um perigo. Em termos de contaminação podemos citar o uso de matéria-prima contaminada; manipuladores infectados; contaminação cruzada; limpeza e desinfecção inadequada; alimentos provenientes de fontes não seguras; recipientes feitos de metais pesados; embalagens em condições inadequadas; adição intencional de substâncias em concentrações tóxicas; substâncias venenosas; armazenamento (exposição ao escoamento ou inundação ou outras inadequações); esgoto, lodo ou fertilizante não tratado; dentre diversos outros fatores que podem levar à contaminação física, química e biológica, já mencionados neste capítulo (HILGIB, 2012; HEREDIA et al., 2010). Ainda, os PC que favorecem a sobrevivência dos contaminantes podem estar relacionados a tempo ou temperatura (ou ambos) inadequados durante a cocção; tempo ou temperatura (ou ambos) inadequados durante o reaquecimento dos alimentos; acidifi cação ou fermentação inadequada ou lenta de alimentos industrializados ou falta de cultura de fermentação. A multiplicação dos perigos pode ser favorecida por refrigeração inadequada dos alimentos; manutenção dos alimentos por 5 a 6h em ambiente morno ou em condições de tempo e temperatura favoráveis e insufi cientes para evitar a multiplicação (zona de perigo); preservação inadequada em concentrações insufi cientes de sais de cura ou exposição por curto tempo; elevada atividade de água (AA) ou alimentos muito úmidos (HILGIB, 2012; HEREDIA et al., 2010; SILVA JUNIOR, 2010). 130 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS f) Critérios/Limites críticos: são limites especifi cados para cada um dos PCC. Consiste em uma “linha de corte” entre um resultado ou situação que será aceitável ou não, tendo em vista a segurança dos alimentos e qualidade do processo produtivo. Por exemplo, na etapa de cocção, as temperaturas mínimas e máximas para garantir que o alimento elimine o perigo consiste em um dos possíveis limites críticos desse PCC. Silva Junior (2010) apresenta no quadro a seguir alguns critérios pensando em limites críticos para a produção de alimentos. QUADRO 4 – EXEMPLOS DE LIMITES CRÍTICOS QUE PODEM SER ADOTADOS NA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Itens Critérios/Limites críticos Altura dos monoblocos e assadeiras 10 cm Cobertura dos alimentos na refrigeração < 21 °C Conservação a quente – alimentos submetidos a 65 º ou mais 12h de exposição Conservação a quente – alimentos submetidos a 60 °C 6h Conservação a quente – alimentos submetidos abaixo de 60 °C 3h Conservação a frio – alimentos refrigerados até 10 °C 4h Conservação de alimentos entre 10 e 21 °C 2h Pré-preparo em temperatura ambiente 30min Pré-preparo em sala climatizada (12 a 16 °C) 2h Porcionamentos em temperatura ambiente 30min Cocção e reaquecimento (temperatura interna) Atingir 74/75 °C Alimentos pós-cocção Até 4 °C máximo cinco dias Sobremesas Até 4 °C máximo cinco dias * Modifi cações na temperatura exigem adequações de tempo, conforme legislação. FONTE: Adaptado de Silva Junior (2010) Os limites críticos e respectivos PCC não necessariamente precisam estar relacionados a parâmetros da legislação. O próprio local pode adotar outros critérios, visando à qualidade do sistema produtivo. Um exemplo poderia ser o estabelecimento de critérios quanto à espessura do corte de uma determinada carne para que a mesma seja aceita no recebimento. Os padrões de identidade e qualidade (PIQ) de cada produto também podem ser utilizados no estabelecimento de critérios. Nesse sentido, ao pensar na qualidade sustentável é importante lembrar que parâmetros de qualidade muito rígidos quanto à padronização e aspectos sensoriais dos produtos difi culta a aquisição de alimentos orgânicos e agroecológicos. Isso quer dizer que exigir que o fornecedor atenda a critérios como, por exemplo, tamanhos e cores específi cas para frutas e vegetais, difi cultaria a aquisição de alimentos agroecológicos, que não atende aos parâmetros de 131 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 padronização. Pensando na qualidade nutricional, poderia se estabelecer limites críticos em relação à quantidade de sódio, gorduras, ingredientes presentes em determinado alimento. Nesse caso, se o local adquire o produto pronto, por exemplo, bolinho de peixe congelado, esses limites críticos poderiam ser estabelecidos na etapa de elaboração da lista de compra ou processo de licitação, sendo essa etapa um PCC. Ou ainda, no caso de o produto ser elaborado no local, esse controle poderia ser feito na etapa de cocção. É importante que para cada uma das qualidades estudadas no Capítulo 1, pode-se estabelecer etapas e procedimentos considerados PCC, bem como seus respectivos limites críticos, pensando na qualidade do produto e promoção da segurança alimentar e nutricional ao consumidor. a) Monitoramento: é fundamental para a implementação do APPCC. Consiste na confi rmação dos procedimentos no processamento ou manipulação, durante cada PCC, para observar se os critérios estabelecidos estão sendo atingidos. O monitoramento é realizado por meio de observações sistemáticas, medições, registros (gráfi cos de tempo/temperatura, painéis de controle, ‘checklist’ e formulários). Fazem parte do monitoramento avaliações como análise sensorial, análise química, teste físico-químico, dentre outros (SILVA JUNIOR, 2010; HEREDIA et al., 2010). b) Ação corretiva: é a ação imediata e específi ca a ser tomada, sempre que os critérios não estão sendo atingidos. Por exemplo, se no recebimento um produto não atende a algum critério, qual será o procedimento? O produto será recebido? Será feita a troca? Será devolvido e feito contato com o fornecedor? Todas essas ações corretivas precisam estar documentadas e ser de conhecimento de todos os envolvidos. c) Verifi cação: o uso de testes suplementares ou revisão dos registros do monitoramento para determinar se o método APPCC está funcionando como planejado e garantir que o monitoramento esteja sendo efetivo e efi ciente (SILVA JUNIOR, 2010). Após o conhecimento dessas nomenclaturas imprescindíveis para o entendimento do APPCC, serão abordados resumidamente os princípios desse sistema. O APPCC possui sete princípios que serão apresentados a seguir. • Princípio 1 – Identifi cação e análise dos fatores de risco e perigos potenciais Esses perigos, como já foi mencionado anteriormente, podem ser de natureza física, química e biológica. O primeiro princípio tem como objetivo identifi car os perigos de signifi cância e associar medidas preventivas; modifi car um processo ou produto para garantir sua qualidade e segurança. Consiste na base para a identifi cação dos PCC. 132 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS QUADRO 5 – EXEMPLOS DE PERIGOS EM DIFERENTES ETAPAS DE MANIPULAÇÃO DE ALIMENTOS Etapas Perigos Recebimento e armazenamento Contaminação pelos utensílios e manipuladores. Ausência de caixas de transporte própriasda unidade. Presença de pallets ou caixas de material inadequado (madeira, por exemplo). Contato dos alimentos com o chão. Lavagem Técnicas incorretas de higienização. Uso de produtos inadequados que podem trazer contami- nação para o ambiente, mãos, utensílios e alimentos. Cocção Não destruição de bactérias esporuladas* (temperatura inadequada de cocção). Manutenção do alimento em temperatura ambiente por muito tempo após a cocção. Refrigeração Se realizada de forma inadequada possibilita o crescimen- to de bactérias. Reaquecimento (regeneração dos produtos) Não destrói bactérias esporuladas e toxinas. Se não atingir a temperatura adequada, as bactérias na forma vegetativa podem sobreviver. Espera a distribuição Longo período de espera em temperatura que pode favorecer a multiplicação de microrganismos, podendo atingir contagens sufi cientes para causar DTA. * bactérias esporuladas são aquelas que na forma de esporos resistem a condições adversas como altas temperaturas, produzindo toxinas. As bactérias esporuladas mais resistentes ao calor e de importância na microbiologia alimentar pertencem aos gêneros Bacillus e Clostridium. O B. cereus, por exemplo, tem grande capacidade de produzir toxinas responsáveis por toxinfecções alimentares. Podem estar presentes em leites, mesmo quando submetidos a altas temperaturas (VIDAL- MARTINS; ROSSI JR.; REZENDE-LAGO, 2005). Os cereais também estão entre os alimentos mais frequentemente contaminados por B. cereus, uma vez que os esporos podem sobreviver aos processos de cocção, desse modo a cocção, armazenamento e reaquecimento devem ser feitos sob condições de tempo x temperatura adequados. O consumo de alimentos contaminados por B. cereus pode causar náusea e vômito e os sintomas aparecem em média 3h (0,5 a 6h) após a ingestão dos alimentos contaminados. É comum intoxicação principalmente após consumo de preparações orientais (LAKE et al., 2009). FONTE: Adaptado de Silva Junior (2010) • Princípio 2 – Determinação dos Pontos Críticos de Controle Após a identifi cação de todos os perigos é preciso avaliar se há medidas de controle para cada um desses perigos, seja para preveni-los, reduzi-los ou eliminá- los. Desse modo, medidas de controle devem ser implementadas no processo e para identifi car essas medidas, geralmente, utiliza-se a ferramenta da árvore decisória. Essa ferramenta possibilita que sejam feitas perguntas relacionadas ao processo produtivo, cujas respostas devem ser Sim ou Não. A árvore decisória ajudará a identifi car os pontos críticos que precisam ser controlados (Figura 1). Além disso, fl uxogramas são fundamentais para identifi car os PCC (Figura 2). Um fl uxograma deve ser o mais detalhado possível, contendo informações como: matéria-prima, etapas do processo, etapas de embalagem, condições de operação do processo, possibilidade de contaminação biológica, física ou 133 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 química e inativação ou formação de substâncias. No entanto, cada local defi nirá quais informações são necessárias para a implementação do sistema e melhor andamento dos processos. Para cada PCC estabelecido no fl uxograma e identifi cado com auxílio da árvore decisória deve ser documentado no plano APPCC, devendo incluir informações sobre: perigos a serem controlados; medidas de controle; limites críticos; procedimentos de monitoramentos; correções e ações; procedimentos de verifi cação; responsabilidades e autoridades; registros dos monitoramentos, ações tomadas e verifi cações. FIGURA 1 – EXEMPLO DE PERGUNTAS PARA ÁRVORE DECISÓRIA PARA IDENTIFICAÇÃO DE PERIGOS BIOLÓGICOS EM UM PROCESSO PRODUTIVO DE REFEIÇÕES *Prosseguir para o próximo perigo identifi cado no processo descrito **Níveis aceitáveis e inaceitáveis devem ser determinados nos objetivos gerais quando se identifi ca os PCC no plano APPCC FONTE: Adaptada de OPAS (2006) e Codex Alimentarius Commission (2003) 134 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS FIGURA 2 – EXEMPLO DE FLUXOGRAMA PARA CARNES/AVES E PESCADOS A – grelhados, assados, fritos B – empanados, milanesas C – bife a parmegiana D – carne assada E – bife a pizzaiolo F – frango crocante G – estrogonofe FONTE: Adaptado de Silva Junior (2010) • Princípio 3 – Seleção de limites críticos para as medidas preventivas para cada PCC Esse princípio consiste na determinação dos limites máximos e mínimos toleráveis para os parâmetros biológicos, químicos e físicos que assegure o controle do perigo para o processo ou produto. Limites críticos são fundamentais para que o Princípio 4 (monitoramento) seja feito adequadamente. Por isso, os limites críticos devem ser facilmente mensuráveis, permitindo uma clara avaliação dos mecanismos de controle. Os limites críticos podem ser baseados em dados visuais ou outros subjetivos, porém, nesses casos, as instruções para avaliação 135 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 devem estar bem claras e documentadas, bem como os manipuladores devem estar devidamente treinados para fazer a avaliação. É possível trabalhar com limites de segurança ou limites operacionais, sendo estes mais rígidos que o limite crítico. Quando o limite crítico é excedido ou violado, os produtos são considerados não conformes. Nesse caso, devem ser separados ou inspecionados novamente. Os limites críticos podem ser obtidos a partir de fontes seguras, tais como guias e padrões de legislação, literatura científi ca, experimentos práticos e normas internas da empresa. • Princípio 4 – Monitoramento dos PCCs Consiste na etapa de avaliação das medidas de controle e se estas estão sendo bem aplicadas. Nessa etapa deve ser feito um registro fi el da realidade, visto que os mesmos serão utilizados para verifi cação dos processos e produtos e defi nição das ações corretivas. Os métodos de monitoramento, instrumentos utilizados, frequência, responsabilidade e autoridade relacionada ao monitoramento e avaliação dos resultados devem estar bem registrados. Do mesmo modo que os limites críticos precisam ser claros e facilmente mensuráveis, os métodos de monitoramento precisam ser adequados para medir cada limite crítico. É importante que estes tenham resultados rápidos para que se possa adotar medidas corretivas em tempo hábil do produto ou processo alterado. Assim, não é recomendado o uso de limites críticos que precisam de avaliações microbiológicas para serem mensuráveis, visto que é um processo que demanda mais tempo. O Quadro 6 apresenta exemplos de como pode ser feito o registro do monitoramento. QUADRO 6 – EXEMPLO DE INFORMAÇÕES PARA REGISTRO DO MONITORAMENTO Monitoramento PCC Parâmetro Responsável Método Frequência Limite Crítico Registro Integridade da peneira Operador de máquina 1 Observação visual A cada 4 horas Peneira íntegra e sem rupturas RG001 Corte carne bovina em posta de 4,5 cm Nome manipulador Observação visual A cada corte LMmax 5 cm e LMmin 4 cm RG002 FONTE: Adaptado de Heredia et al. (2010) 136 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS • Princípio 5 – Estabelecimento das ações corretivas Consiste em O que fazer quando o limite crítico é ultrapassado. Medidas corretivas devem ser aplicadas quando o produto não atinge as especifi cações desejadas. Algumas medidas corretivas são: defi nição do destino do produto, correção da causa de não conformidade, rejeição do lote da matéria-prima ou do produto (CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION, 2003; HEREDIA et al., 2010). • Princípio 6 – Verifi cação de que o sistema está funcionando conforme o planejado A verifi cação não é o mesmo que o monitoramento. Ambos são necessários para o perfeito funcionamento do APPCC. Na verifi cação, os PCC devem ser revistos e ajustados (se necessário), assim como verifi cação das análises laboratoriais dos produtos, auditorias internas, revisão periódica dos documentos destinados aos registros e documentos. Alta rotatividadede funcionários, alterações do fornecedor, envelhecimento dos equipamentos, substituição da matéria-prima, dentre outras, são exemplos de situações que demonstram a importância da etapa de verifi cação do produto (CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION, 2003; HEREDIA et al., 2010). Para um monitoramento pode existir diferentes verifi cações. Por exemplo, no caso de uma medida de controle relacionada à “pasteurização do leite”, a verifi cação pode ser por auditoria dos registros, análise microbiológica do produto fi nal, teste para presença de enzimas específi cas; dentre outros específi cos para o processo. • Princípio 7 – Estabelecimento de procedimentos efetivos de registros e documentação Todos os princípios do APPCC devem ser documentados e registrados diariamente, comprovando o seu controle e aplicação. Alguns exemplos de registros são: registros da equipe de APPCC; descrição do produto e sua utilização; fl uxograma do processo com identifi cação dos PCC; perigos associados aos PCC e medidas preventivas; limites críticos e ações corretivas; sistema de monitoramento; registros de todos os PCC e procedimentos para verifi cação do sistema APPCC. 137 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 Para saber mais sobre o uso do APPCC, você pode fazer a leitura dos seguintes artigos listados: 1. Producing to achieve HACCP compliance of fi shery and aquaculture products for export – https://www.sciencedirect.com/science/article/ abs/pii/S0956713599000547. 2. Utilização de APPCC na indústria de alimentos – https://www. researchgate.net/publication/242125937_Utilizacao_de_APPCC_ na_industria_de_alimentos_Utilization_of_HACCP_in_food_industry. 3. Avaliação da qualidade do leite cru e resfriado mediante a aplicação de princípios do APPCC – https://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-20612007000200036&lang=en. • Programa 5S É de origem japonesa e foi ofi cialmente lançado no Brasil em 1991. Consiste em um sistema organizador, mobilizador e transformador, podendo ser aplicado em nível pessoal ou organizacional. É baseado em educação, treinamento e prática em grupo. O seu nome, “5S”, está relacionado a cinco palavras japonesas que começam com “S”: seiri, seiton, seisou, seiketsu e shitsuke, que signifi cam, respectivamente: utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. A implantação pode preceder ou ocorrer em conjunto com a qualidade. Assim, quando implementado nas empresas, melhora as condições de trabalho e ambiente e, consequentemente, do produto ou serviço ofertado total (LIMA; COUTO, 2007). • Qualidade total (Total Quality Control – TQC ou Total Quality Management – TQM) A Qualidade Total tem como foco o controle da qualidade. Assim, um bom gestor, ao buscar a qualidade total, deve considerar as diferentes dimensões da qualidade trabalhadas no capítulo (PALADINI, 1997). Esse modelo gerencial se volta para o controle do processo, envolvendo todos os membros da organização, incluindo gerentes, supervisores, executivos e os trabalhadores, uma vez que ações desempenhadas por estes também impactam a qualidade do produto fi nal. Por exemplo, o setor responsável pelas compras precisa estar sensibilizado para aquisições mais sustentáveis, assim como gerentes e diretores que precisariam pensar em incluir essa perspectiva (aquisição sustentável) na política da empresa, tendo em vista a qualidade sustentável. 138 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS De acordo com Silva Junior (2010), para pensar em qualidade total, outros sistemas e ferramentas da qualidade já devem estar bem implementados. O autor pontua a seguinte ordem para implementação destas: 5S –> BP –> APPCC –> ISO 9000 –> ISO 22000 –> QT Observe que as BP são a base para os demais sistemas, inclusive o APPCC, e lembre-se de que os POP (apesar de não aparecerem na sequência acima) são necessários para a implementação das BPF (ao menos os quatro obrigatórios para serviços de alimentação). O Programa 5S é pré-requisito para as BP. As BP e APPCC são dispositivos legais, os demais são voluntários, porém podem ser exigidos como requisitos de qualidade, a depender do comprador. 4 EMBALAGENS E ROTULAGEM A embalagem consiste em qualquer forma na qual um alimento ou bebida é embalado, embrulhado, organizado e apresentado aos consumidores (KOTLER; ARMSTRONG, 2007). O design, a forma, a cor e os materiais utilizados na embalagem também são ferramentas de comunicação com o consumidor (CHANDON, 2013). O rótulo consiste em “toda matéria descritiva ou gráfi ca que esteja escrita, impressa, estampada, gravada, em relevo, litografada ou colocada sobre a embalagem” (BRASIL, 1998b, s.p.). A informação clara e correta é um direito básico do consumidor, de forma que a disponibilização de informações nos rótulos busca garantir o direito à informação, instituído pela Constituição Federal de 1988 (Art. 5º, XIV) (BRASIL, 1988b), e preconizado pelo texto do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990). A disponibilização de algumas informações nos rótulos é obrigatória, a exemplo da informação nutricional. Segundo o Codex Alimentarius, a rotulagem nutricional se refere a “toda a descrição contida no rótulo, com o intuito de informar aos consumidores quanto às propriedades nutricionais de um alimento” (WHO, 2007, s.p.). A partir de 2003, visando harmonizar a legislação de rotulagem de alimentos no âmbito do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul), foram elaboradas e publicadas duas novas resoluções, a RDC nº 359/2003 e a RDC nº 360/2003 (BRASIL, 2003b; 2003c; MERCOSUL, 2003a; 2003b). De acordo com a RDC nº 360/2003, a rotulagem nutricional compreende a declaração de valor energético e de nutrientes e declaração de propriedades nutricionais (informação nutricional 139 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 complementar) (BRASIL, 2003c). É obrigatória a declaração do valor energético e do conteúdo de carboidratos, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans, fi bra alimentar e sódio, por porção do alimento industrializado. Essas informações precisam ser apresentadas na forma de tabela nutricional (BRASIL, 2003c). Já a RDC n° 359/2003 traz as recomendações em relação ao tamanho da porção para declaração da informação nutricional. De acordo com a legislação, a porção a ser declarada no rótulo deve ser defi nida pelo fabricante e pode variar 30% para mais ou para menos (entre 70 e 130%) em relação à porção de referência defi nida na legislação (BRASIL, 2003b). No entanto, esse fator leva à não padronização das porções e à presença de porções irreais, como por exemplo, dois biscoitos e meio. A não padronização das porções pode difi cultar a compreensão da rotulagem nutricional e a comparação entre os alimentos por parte dos consumidores (DREWNOSKI; MAILLOT; DARMON, 2009; KLIEMANN et al., 2014). A RDC nº 54/2012 traz as informações necessárias para declaração da Informação Nutricional Complementar (INC). Estas compreendem declarações de propriedades relativas ao conteúdo de nutrientes (conteúdo absoluto) e declarações de propriedades comparativas (conteúdo comparativo), por exemplo, reduzido em sódio - light (comparativa) e alto teor de fi bras (absoluto) (BRASIL, 2012). Essa RDC não faz menção sobre a necessidade de alertar nos rótulos de alimentos com INC sobre concentrações elevadas de nutrientes como gorduras totais e saturadas, açúcares e sódio (RODRIGUES, 2016). De acordo com a Aliança para Alimentação Adequada e Saudável, a rotulagem nutricional de alimentos, da forma como está proposta atualmente, não favorece o acesso à informação adequada, diante da difi culdade de localizar e compreender as informações para escolhas alimentares adequadas e saudáveis. Evidências científi cas já comprovam que o melhor modelo de rotulagem nutricional é o de alerta em formas de triângulos. No site do Instituto de defesa do consumidor, você poderá estudar um pouco mais sobre essa propostade rotulagem. Acesse: https://idec.org.br/embalagem-ideal. 140 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Sugerimos também a leitura do seguinte material: Relatório Preliminar de Análise de Impacto Regulatório sobre Rotulagem Nutricional. Disponível em: https://cutt.ly/DjgVpGi. No que diz respeito à qualidade e segurança do ponto sanitário, a embalagem é projetada para proteger o produto. De modo geral, as embalagens são projetadas de modo a não interagir com o produto; sendo uma barreira entre o alimento e ambiente. Diferentes materiais possuem diferentes características para conservar o produto como barreira a gases, aroma, luz, água, microrganismos e resistência mecânica (AZEREDO; FARIA; AZEREDO, 2000; LANDIM et al., 2016). Além desse tipo de embalagem, existem embalagens ativas que possuem funções adicionais como: absorção de compostos que favorecem a deterioração, liberação de compostos que aumentam a vida-de-prateleira e monitoramento da vida-de-prateleira (AZEREDO; FARIA; AZEREDO, 2000). Ao falarmos de embalagens é importante lembrar do impacto dela para o ambiente, uma vez que aspectos de sustentabilidade também devem ser considerados ao pensarmos em um alimento de qualidade. Nesse sentido, questiona-se, por exemplo, a comercialização de frutas embaladas, inteiras ou cortadas. É importante refl etir para que a praticidade não se sobreponha a parâmetros de qualidade nutricional, sustentável, dentre outras. O gestor deve estar atento ao uso de embalagens mais sustentáveis, ou ainda, a real necessidade e embalar determinados produtos, bem como o consumidor precisa se conscientizar dos impactos do excesso de embalagens para o ambiente. Apesar das diversas vantagens de sua utilização, seu uso e descarte desordenado gera um grande volume de resíduos sólidos com grande impacto ambiental (LANDIM et al., 2016; FOOD SAFETY BRASIL, 2020). Sobre impacto das embalagens e sustentabilidade acesse: • https://cutt.ly/JjgVPib. • https://cutt.ly/XjgVAHO. Para entender mais sobre as embalagens ativas acese: • https://cutt.ly/AjgVDlJ. 141 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 5 CERTIFICAÇÕES E SELOS DE QUALIDADE No Capítulo 1 foram abordadas questões relacionadas à padronização dos produtos, decorrente do processo de globalização/industrialização. Ademais, fi cou evidenciado que houve um distanciamento entre produção e consumo de alimentos. O surgimento das certifi cações e padrões de qualidade estão diretamente relacionados a essas modifi cações no processo produtivo. Antes da Revolução Verde, a produção de alimentos tinha uma característica mais familiar, permitindo compreender as etapas que a envolvia (MOREIRA, 2000). Posteriormente, o modelo de desenvolvimento agrícola promoveu o estímulo à utilização de sementes híbridas, fertilizantes químicos, agrotóxicos e medicamento de uso veterinário, o uso intensivo do solo, a redução da biodiversidade, o êxodo rural e o aumento da concentração fundiária. Esses processos inseriram mais etapas na cadeia produtiva de alimentos, levando a um distanciamento entre produtor e consumidor e perda da qualidade do produto. Diante dos riscos alimentares e dúvidas do consumidor, torna-se cada vez mais pertinente o direito à informação adequada sobre o que se está consumindo, isto é, a história do alimento até que este chegue ao prato do consumidor (THOMPSON; HARPER; KRAUS, 2008). A adoção de certifi cações, para além de buscar a qualidade dos produtos e processos, tem como objetivo unifi car parâmetros de qualidade inclusive em âmbito internacional. A Organização Internacional de Normalização (International Organization for Standardization – ISO), criada em 1946, tem como objetivo facilitar a coordenação e unifi cação das normas industriais em nível mundial, buscando conciliar interesses de produtores, consumidores, governos e comunidade científi ca (MARSHALL JÚNIOR et al., 2006). Participam da ISO mais de 120 países. O Brasil participa por meio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). O conjunto de normas elaboradas pela ISO é amplo, envolvendo diferentes áreas. Esse conjunto de normas é denominado de Família ISO (MAIA; DINIZ, 2009): • ISO 9000 (ABNT NBR ISO 9000): para implementação de sistema de gestão da qualidade da empresa. Descreve os fundamentos e terminologias dos sistemas (ABNT, 2005). Utilizada como guia para a garantia da qualidade no setor alimentício (MARSHALL JÚNIOR et al., 2006). Possui ampla abrangência, podendo ser utilizada em conjunto com o sistema APPCC (PANISELLO; QUANTICK, 2001) e serve de base para implementação de outras ISO. • ISO 22000: foi desenvolvida em 2005 com base nos princípios do sistema APPCC, com o objetivo de certifi car entidades com o selo de qualidade 142 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS ISO. Substituiu a NBR1400:2002, conhecida como Sistema de Gestão da Segurança de Alimento (ABNT, 2006). A ISO 22000 tem por objetivo gerar mecanismos para gestão da segurança do alimento em toda a cadeia do setor de alimentação em nível internacional. Assim, estabelece medidas de controle que vão desde os produtores, passando pela indústria, fabricantes dos equipamentos, embalagens, transporte, armazenamento, distribuidores, varejo até chegar ao consumidor (BVQI, 2020). Abrange organizações como produtores de alimentação animal, agricultores, fazendeiros (criadores de animais), produtores de ingredientes, varejistas, serviços de alimentação, serviços de catering e abastecimento, empresas fornecedoras de serviços de limpeza, serviços de transporte, de estocagem e de distribuição. Contempla quatro elementos-chave para a segurança de alimentos: a comunicação interativa; a gestão de sistema; o programa de pré-requisitos; e os princípios de APPCC. A ISO 22000 é referência para toda a cadeia produtiva de alimentos e agrega valor às organizações. Entre os benefícios resultantes de sua implementação destacam-se: comunicação organizada e objetiva entre parceiros comerciais; otimização de recursos internos e ao longo da cadeia produtiva; melhora da documentação; melhora do planejamento e menor inspeção pós-processual; controle efi ciente e dinâmico de ameaças à segurança alimentar; gerenciamento sistemático dos programas de pré- requisitos; conformidade com os requisitos estatutários e regulamentares aplicáveis à segurança de alimentos; e economia em pesquisas devido à redução do número de auditorias ao sistema (ABNT, 2006). • Certifi cação de Orgânico A Lei nº 10.831/03 (BRASIL, 2003) e o Decreto nº 6323/07 (BRASIL, 2007) defi nem alimentos orgânicos como aqueles “produtos in natura ou processados, obtidos em um sistema orgânico de produção agropecuária ou oriundo de processo extrativista sustentável”. Os alimentos comercializados como orgânicos recebem o selo do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SISORG). Porém, nem todo produto orgânico possui selo. Existem diferentes tipos de certifi cação, sendo uma delas a denominada de certifi cação participativa. Nos Sistemas Participativos de Garantia (SPG), a certifi cação é feita com base no controle social do grupo. Os produtores devem estar organizados em uma entidade jurídica (cooperativa, associação), credenciada ao MAPA, que fará o controle direto do setor (BRASIL, 2009b). • Identifi cação Geográfi ca Busca identifi car a origem de produtos ou serviços quando se trata de um local conhecido. É responsável por determinar a característica ou a qualidade do produto ou serviço relacionando-o a sua origem (MAIORKI; DALLABRIDA, 2015). 143 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 Os selos de inspeção municipal (SIM), estadual (SIE) e federal (SIF), já mencionados anteriormente, também consistem em indicações de qualidade do produto, principalmente no que se refere à qualidade sanitária. O selo do SIM indica que o produto cumpre as exigências para poder ser comercializado em nívelmunicipal, o SIE em âmbito estadual e o SIF em âmbito federal. É importante estar atento a alguns selos, pois não necessariamente eles indicam um produto de melhor qualidade. Muitas vezes ocorrem parcerias entre indústria de alimentos e outras instituições que levam a questionamentos em relação a determinados selos presentes no produto. Por exemplo, o selo “Atestado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia” (cancelado em 2014 pelo Conselho Federal de Medicina) esteve presente em diversos produtos industrializados alegando que estes eram benéfi cos ao coração (DAVID; GUIVANT, 2018), quando na verdade eram produtos de que já se sabe dos malefícios dele para a saúde (dados apresentados no Capítulo 1). 1 O que são Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) e quais são obrigatórios? 2 Quais são os pré-requisitos para implementação do APPCC? 3) Apesar dos diversos benefícios da implementação das Boas Práticas agrícolas, (principalmente higiênico-sanitários), por que elas não podem ser consideradas uma prática sustentável e promotora de segurança alimentar e nutricional? 6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES As Doenças Transmitidas pelos alimentos são de extrema relevância no âmbito de saúde pública. Medidas adotadas ao longo da cadeia produtiva de alimentos poderiam preveni-las ou ainda reduzir o impacto destas. Diante disso, neste capítulo, você conheceu o cenário, principalmente brasileiro, em relação às DTA, sendo posteriormente apresentado às regulamentações, ferramentas, sistemas de qualidade que, quando implementados, podem ajudar a minimizar o impacto das DTA, prevenindo, reduzindo ou eliminando um perigo. 144 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Ficou evidente que o capítulo não pretendeu esgotar a temática, mas sim trazer alguns aspectos para a discussão no que se refere às normatizações e estratégias para o cumprimento destas. É importante que você, acadêmico, reconheça a importância da oferta de alimentos seguros e de qualidade ao consumidor, e que isso demanda ações em todas as etapas da cadeia produtiva. Apesar do foco em questões regulamentares e higiênico-sanitárias apresentadas neste capítulo, você deve saber que a segurança e qualidade demandam ações que considerem a qualidade em seu conceito ampliado. As ferramentas e sistemas de qualidade, embora desenvolvidos com foco em questões sanitárias e cumprimento da legislação nesse sentido, também são aplicáveis para busca da melhoria da qualidade nutricional, sensorial, sustentável, simbólica. A atitude do gestor e, principalmente, a política da empresa precisa adotar essa visão holística da qualidade, pensando na promoção da segurança alimentar e nutricional e soberania alimentar, bem como implementação de sistemas com foco na qualidade total. 145 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 REFERÊNCIAS ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 22000: Sistema de Gestão da Segurança de alimentos – Requisitos para qualquer organização na cadeia produtiva de alimentos. Rio de Janeiro: ABNT, 2006. ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILERIA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 9000:2005. Sistemas de gestão da qualidade – fundamentos e vocabulário. 2005. 35 p. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Codex alimentarius. 2016. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/388701/ Codex+Alimentarius/10d276cf-99d0-47c1-80a5-14de564aa6d3. Acesso em: 15 jun. 2020. AZEREDO, H. M. C.; FARIA, J. A. F.; AZEREDO, A. M. C. Embalagens ativas para alimentos. Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, v. 20, n. 3, p. 337- 341, dez. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0101-20612000000300010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 ago. 2020. BRAGA, A. M. C. B. Dioxinas, Furanos e PCBS em leite humano no Brasil. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, 2003. 191 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Doenças transmitidas por alimentos: causas, sintomas, tratamento e prevenção. 2020. Disponível em: http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/doencas-transmitidas-por- alimentos. Acesso em: 15 maio 2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ): causas, sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção. 2020a Disponível em: http:// www.saude.gov.br/saude-de-a-z/doenca-de-creutzfeldt-jakob-dcj#:~:text=A%20 doen%C3%A7a%20de%20Creutzfeldt%2DJakob%20(DCJ)%20%C3%A9%20 um%20tipo,das%20pessoas%20(aspectos%20esponjosos). Acesso em: 13 jun. 2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis. Surtos de Doenças Transmitidas por Alimentos no Brasil. 2019. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/ fevereiro/15/Apresenta----o-Surtos-DTA---Fevereiro-2019.pdf. Acesso em: 17 maio 2020. 146 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS BRASIL. Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento/secretaria de defesa agropecuária. Instrução Normativa nº 17, de 29 de maio de 2018. Dispõe sobre regulamento técnico sobre a identidade e requisitos de qualidade que deve atender o produto cárneo temperado, na forma desta instrução normativa. Diário Ofi cial da União. Diário Ofi cial da União, junho de 2018, Edição n. 104, Seção: 1, p. 5. BRASIL. Governo Federal. Boas Práticas Agrícolas. 2017a. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/producao- integrada/boas-praticas-agricolas. Acesso em: 17 jun. 2020. BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefi a para Assuntos Jurídicos Decreto nº 9.013, de 2017. Regulamenta a Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Diário Ofi cial da União, março de 2017b. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 54, de 12 de novembro de 2012. Dispõe sobre o Regulamento Técnico sobre Informação Nutricional Complementar. Diário Ofi cial União, Brasília, 2012. BRASIL. Ministério da saúde. Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual técnico de diagnóstico laboratorial de Salmonella spp.: Diagnóstico laboratorial do gênero Salmonella/Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz. Laboratório de Referência Nacional de Enteroinfecções Bacterianas, Instituto Adolfo Lutz. Brasília: Ministério da Saúde, 2011a. 60 p. (Série A. Normas e manuais técnicos). Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual técnico de diagnóstico laboratorial de Campylobacter: gênero Campylobacter: diagnóstico laboratorial clássico e molecular. Fundação Oswaldo Cruz, Laboratório de Referência Nacional de Enteroinfecções Bacterianas, Instituto Adolfo Lutz. Brasília: Ministério da Saúde, 2011b. 40 p. (Série A. Normas e manuais técnicos). BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ministério do Meio Ambiente. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria Interministerial nº 36, de 25 de janeiro de 2011. Institui o Programa Nacional de Fomento às Boas Práticas Agropecuárias - PRÓ-BPA. Diário Ofi cial da União, Brasília, 26 jan. 2011c. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual integrado de vigilância, prevenção 147 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 e controle de doenças transmitidas por alimentos. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. 158 p. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº 35, de 17 de junho de 2009. Dispõe sobre a obrigatoriedade de instruções de conservação e consumo na rotulagem de ovos e dá outras providências. Diário Ofi cial da União, Brasília, 2009a. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 19 de 28 de maio de 2009. Aprova os mecanismosde controle e formas de organização da qualidade orgânica. Diário Ofi cial da União, Brasília, 2009c. BRASIL. Casa Civil. Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007.Regulamenta a Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, e dá outras providências. Diário Ofi cial da União, Brasília, 2007. BRASIL. Casa Civil. Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fi scalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modifi cados – OGM e dá outras providências. Diário Ofi cial da União, Brasília, 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº. 216, de 15 de setembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação. Diário Ofi cial da União. Brasília, DF, setembro, 2004. BRASIL. Casa Civil. Decreto Federal nº 4.680 de 24 de abril de 2003. Regulamenta o direito à informação, assegurado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modifi cados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis. Diário Ofi cial da União, Brasília, 2003a. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003. Aprova regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional. Diário Ofi cial da União, Brasília, 2003b. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 359, de 23 de dezembro de 2003. Aprova regulamento técnico de porções de alimentos embalados para fi ns de rotulagem nutricional. 148 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Diário Ofi cial da União, Brasília, 2003c. BRASIL. Casa Civil. Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003. Dispõe sobre a agricultura orgânica e dá outras providências. Diário Ofi cial da União, Brasília, 2003d. BRASIL. Resolução nº 275 de 21 de outubro de 2002. Dispõe sobre o Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados aplicados aos Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos e a Lista de Verifi cação das Boas Práticas de Fabricação em Estabelecimentos Produtores/ Industrializadores de Alimentos. Diário Ofi cial da União, Brasília, 23 out. 2002. Seção 1, p. 126, 2002a. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 259, de 20 de setembro de 2002. Aprova regulamento técnico para rotulagem de alimentos embalados. Diário Ofi cial da União, Brasília, Distrito Federal, setembro, 2002b. BRASIL. Ministério da agricultura, pecuária e abastecimento. Lei nº 9.712 de 20 de novembro de 1998. Altera a Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, acrescentando-lhe dispositivos referentes à defesa agropecuária. Diário Ofi cial da União. Brasília, 23 nov. 1998a. Seção 1, Página 1. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 326. Aprova o Regulamento Técnico; "Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos", conforme Anexo I. Diário Ofi cial da União, julho, 1997a. BRASIL. Ministério da Agricultura e do abastecimento. Portaria nº 368, de 4 de setembro de 1997. Aprova o Regulamento Técnico sobre as Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Elaboradores/Industrializadores de Alimentos.Diário Ofi cial da União, setembro, 1997b. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1428 Aprova, na forma dos textos anexos, o "Regulamento Técnico para Inspeção Sanitária de Alimentos", as "Diretrizes para o Estabelecimento de Boas Práticas de Produção e de Prestação de Serviços na Área de Alimentos" e o "Regulamento Técnico para o Estabelecimento de Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ´s) para Serviços e Produtos na Área de Alimentos". Determina que os estabelecimentos relacionados à área de alimentos adotem, sob responsabilidade técnica, as suas próprias Boas Práticas de Produção e/ou Prestação de Serviços, seus Programas de Qualidade, e atendam aos PIQ's para Produtos e Serviços na Área de Alimentos. Diário Ofi cial da União. Brasília, DF, dezembro, 1993. 149 SEGURANÇA ALIMENTAR Capítulo 2 BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Ofi cial da União, Poder Executivo, Brasília, Distrito Federal, 11. set. 1990. BVQI. 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Na primeira seção será defi nida alimentação saudável, retomando alguns aspectos já apresentados no Capítulo 1 e aprofundando-os. Será apresentada a abordagem sobre alimentação saudável utilizada nos guias alimentares brasileiro e em âmbito mundial, com foco na presença de aspectos nutricionais, sustentáveis e simbólicos de uma alimentação saudável. Além disso, serão exploradas as difi culdades de compreensão do que é saudável. A segunda seção apresentada no capítulo é referente à Sustentabilidade na cadeia produtiva de alimentos – aspectos gerais e defi nições. Será conceituada sustentabilidade e suas dimensões. Serão apresentadas recomendações sobre sustentabilidade na produção de alimentos. Além disso, será explorada a importância da produção e consumo sustentável para uma alimentação saudável. Por fi m, na terceira seção, serão apresentadas mais detalhadamente as modifi cações necessárias no sistema alimentar para produção e consumo saudável e sustentável. Após o estudo do capítulo, esperamos que você, caro pós-graduando, tenha maior senso crítico em relação ao sistema de produção de alimentos na atualidade e conheça as estratégias para atuar como profi ssional responsável e ético, considerando a realidade atual e os impactos da cadeia de produção de alimentos em todo o sistema alimentar e saúde da população. 2 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS A promoção de padrões alimentares saudáveis tem sido apontada como uma prioridade global (IMAMURA et al., 2015), considerando o crescente aumento de doenças crônicas não transmissíveis, sobrepeso e obesidade e o também crescente aumento de problemas relacionados à insufi ciência de alimentos e nutrientes; além do impacto cada vez maior da alimentação contemporânea para o sistema alimentar como um todo. Desse modo, são desenvolvidas diversas estratégias/ações de promoção de uma alimentação saudável (ofi ciais ou não) em diferentes contextos e ambientes. 160 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Porém, observa-se que a promoção de uma alimentação saudável, muitas vezes, é direcionada somente a aspectos nutricionais (WHO, 2004; 2013; BRASIL, 2012a; MONTAGNESE et al., 2015), não contemplando todos os aspectos necessários para que ocorra em paralelo com a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). 2.1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Historicamente, a promoção de práticas alimentares saudáveis tem sido centrada em aspectos quase que exclusivamente nutricionais: aumento no consumo de determinados alimentos e/ou nutrientes e restrição de outros. Esse tipo de informação difi culta as modifi cações em direção à promoção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, tanto em nível de produção quanto de consumo. Com esse tipo de informação, a população compreende como saudável, principalmente, aspectos como: maior consumo de frutas, legumes e verduras, alimentos integrais e redução no consumo de sal, açúcar e gorduras, sem considerar toda a cadeia produtiva de alimentos (PAQUETTE, 2005;BISOGNI et al., 2012; FUSTER et al., 2013; SCHOENBERG et al. 2013). No entanto, uma abordagem que considera os sistemas alimentares como um todo perpassa por processos que incluem toda a cadeia produtiva, englobando agricultura, pecuária, produção, processamento, distribuição, abastecimento, comercialização, preparação e consumo de alimentos, bem como as relações estabelecidas entre os diferentes agentes participantes da cadeia, sejam eles produtores, distribuidores e consumidores (OLIVEIRA; THÉBAUD-MONY, 1997; MARTINELLI; CAVALLI, 2019). Ademais, restringir a alimentação saudável ao âmbito nutricional pode levar a uma banalização e ao reducionismo do conceito de alimentação saudável. Desse modo, pode difi cultar a compreensão do que é saudável e distanciar a população de uma alimentação verdadeiramente saudável englobando as dimensões nutricionais, simbólicas, sustentáveis, higiênico-sanitárias, sensoriais, políticas, sociais, dentre outras (POULAIN, 2012; AZEVEDO, 2015; CASTRO, 2015). Conforme referido por Auestad e Fulgoni (2015), a alimentação contemporânea não pode ser considerada sustentável, uma vez que produz alimentos com uso elevado de energia, com grande impacto negativo, que necessitam de grande extensão de terra para sua produção, exacerbando problemas relacionados à produção e ao suprimento de alimentos. Martinelli e Cavalli (2019) discutem a indissociabilidade de uma alimentação saudável e uma alimentação sustentável, visto que alimentos saudáveis devem ser relacionados 161 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 a um sistema alimentar que seja economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente justo, contemplados por uma alimentação sustentável. Nesse sentido, é importante que todos os envolvidos com a cadeia produtiva de alimentos tenham conhecimento sobre o que engloba uma alimentação saudável em sua perspectiva holística, principalmente no que se refere a ações que promovam sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. 2.2 O QUE É ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E QUAL A RELAÇÃO COM O PROCESSO PRODUTIVO DE ALIMENTOS As preocupações com a alimentação foram se modifi cando com o passar do tempo, diante das diferentes necessidades enfrentadas pela população. Até a década de 1920, havia uma preocupação com a saúde de caráter higienista, diante das patologias relacionadas à falta de higiene e saneamento básico. As ações começaram a assumir um caráter nutricional por volta de 1939, direcionadas principalmente à população em situação de fome e carências nutricionais, com o seu estudo mundialmente conhecido, intitulado Geografi a da Fome (VASCONCELOS, 2008). No mesmo período, o médico e nutrólogo argentino, Pedro Escudero, introduziu as quatro leis da alimentação, de modo que uma alimentação saudável seria aquela que fosse qualitativamente completa, quantitativamente sufi ciente, harmoniosa em sua composição e apropriada a sua fi nalidade (SOBAL; KETTEL KHAN; BISOGNI, 1998). Na década de 1950, iniciou-se o processo denominado de transição nutricional em diversos países, inclusive no Brasil, em decorrência, dentre outros fatores, do processo de globalização, industrialização e aumento no consumo de alimentos industrializados. O fenômeno de transição nutricional é caracterizado por aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade, e diminuição na prevalência de doenças carenciais e desnutrição, porém ambos acontecendo em paralelo (POPKIN et al., 1993; BATISTA FILHO et al., 2008; MONTEIRO, 2009). Desse modo, as preocupações em relação à alimentação estiveram por muito tempo centradas no combate a doenças decorrente dos excessos alimentares e/ou das carências alimentares, como por exemplo, relacionadas ao elevado 162 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS consumo de alimentos com alto teor de açúcar, sódio e gordura e baixo consumo de vitaminas e minerais. Esse caráter prioritariamente nutricional e higiênico- sanitário das recomendações para alimentação são percebidos até os dias atuais nas recomendações para uma alimentação saudável (mais adiante, ainda nesta seção será apresentada uma análise das recomendações presentes em guias alimentares para uma alimentação saudável, a fi m de elucidar essa questão) e, apesar de pertinentes considerando o cenário atual de saúde da população (referidos no Capítulo 1), parecem não ser sufi cientes. Nesse sentido, é evidente a necessidade de incorporar demandas relacionadas à produção e processamento de alimentos, que na época não se faziam necessárias (MARTINELLI; CAVALLI, 2019). Apesar da ausência de uma visão mais holística das recomendações, Josué de Castro já referia em seus estudos que a solução para os problemas da fome passava por um planejamento econômico, reestruturação agrícola e ações educativas voltadas à formação de hábitos alimentares, considerando uma aproximação entre o indivíduo e a terra, entre as ações e o contexto real social, cultural e econômico das famílias (VASCONCELOS, 2008). Do mesmo modo, o primeiro guia alimentar americano, criado em 1986, já referia que a alimentação deveria considerar as questões de abastecimento alimentar relacionado ao consumo de alimentos, envolvendo a identifi cação de alimentos produzidos localmente que satisfi zessem aos hábitos locais e às necessidades nutricionais, além de aperfeiçoar o uso de terras agrícolas, energia, água, entre outros (GUSSOW; CLANCY, 1986). Nesse guia esteve presente o primeiro conceito de dieta sustentável. A promoção da alimentação saudável e adequada deve estar alinhada aos princípios para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) (PEREIRA; SANTOS, 2008). A promoção de SAN, por sua vez, não pode ocorrer sob um olhar reducionista, pois pode levar à valorização de produtos industrializados, inclusive provenientes de outros países, em detrimento a produtos locais, além da oferta de um produto de qualidade nutricional inferior, porém de baixo custo (SACCO DOS ANJOS; CALDAS, 2017). Nesse sentido, nesta seção pretende- se apresentar como a promoção da alimentação saudável tem sido abordada e defi nida por órgãos nacionais e internacionais, e o que vem sendo recomendado como parte da alimentação saudável em guias alimentares para a população em geral. Buscar-se-á demonstrar como as ações para uma alimentação saudável têm sido apresentadas sob a luz das diferentes dimensões de uma alimentação saudável, principalmente nutricional, simbólica e sustentável. • Estratégia Global para Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde Considerando as alterações nos modos de vida, associadas ao aumento no 163 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 consumo de alimentos poucos saudáveis, redução na prática de atividade física e aumento de doenças crônicas não transmissíveis, a Organização Mundial da Saúde elaborou, no ano de 2004, o documento Estratégia Global para uma Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde. O documento apresenta recomendações para população, governos, instituições públicas e privadas e enfatiza a importância da articulação e parceria de todos os envolvidos na cadeia produtiva de alimentos. Considera, por exemplo, as empresas do setor alimentício como parceiros preferenciais na implementação de medidas para melhoria da qualidade da alimentação e de modos de vida saudáveis (WHO, 2004). Recomendou a adoção de medidas que englobassem aspectos nutricionais, tanto excessos quanto carências e a promoção da SAN. Ainda, que fossem considerados a disponibilidade e acesso a alimentos saudáveis e segurança do alimento (WHO, 2004). Nesse documento, a OMS destaca que a política e a prática agrícola são grandes infl uenciadores das mudanças no consumo de alimentos – estabelecendo relação entre a produção de alimentos e consumo de alimentos saudáveis. Desse modo, os governos deveriamconsiderar, em suas políticas agrárias, os fatores promotores de uma alimentação saudável, intervindo na produção agrícola com medidas regulamentares, a fi m de assegurar a qualidade do produto fi nal (WHO, 2004). No Brasil, exemplos de ações no âmbito da produção agrária de alimentos que vão ao encontro das recomendações da OMS são: a) Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. b) Estímulo a compras públicas da agricultura familiar por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Chamada Pública com dispensa de licitação. Por outro lado, apesar da publicação do documento no ano de 2004, até os dias de hoje (2020), o Brasil não adotou medidas para restrição de produção e comercialização de alimentos transgênicos e produção de alimentos com agrotóxicos. Ao contrário, é crescente tanto a produção de transgênico como o uso de agrotóxicos nos cultivos brasileiros. Somente no ano de 2019 foram liberados para uso 475 agrotóxicos. No ano de 2020, as liberações seguem na mesma crescente, apesar pandemia de COVID-19 (REPÓRTER BRASIL, 2020). Já internacionalmente, as preocupações com a segurança em relação ao uso dos Organismos Geneticamente Modifi cados (principalmente em relação à contaminação de sementes não GM), levaram 38 países em todo o mundo a proibir ofi cialmente o cultivo de OGM (apesar de permitir a importação) (JAMES, 2016). 164 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Apesar das recomendações citadas acima, ao fazer recomendações diretamente para a alimentação, observa-se uma desconexão com outras dimensões da alimentação saudável e um foco nas recomendações nutricionais: a) manutenção do balanço energético e controle de peso; b) limitar o consumo de energia proveniente de gorduras totais e substituir gorduras saturadas por insaturadas e limitar o consumo de ácidos graxos trans; c) aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras, grãos integrais e castanhas, e limitar o consumo de sal e açúcar. Essas ações poderiam ser mais especifi camente vinculadas às recomendações para produção agrícola. Por exemplo: é importante aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras e que estes sejam provenientes de produções agroecológicas. • Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) A PNAN aprovada em 1999 foi a primeira política direcionada à alimentação e nutrição instituída no Brasil. Foi criada com o objetivo de integrar esforços por meio de ações intersetoriais (Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de Política Fundiária (MEPF), do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT) para a criação de diferentes ações voltadas à garantia do direito humano, à saúde e à alimentação. A primeira versão da PNAN evidenciava a necessidade de garantir a qualidade do alimento disponibilizado ao consumo da população, de promover práticas alimentares saudáveis e de prevenir e controlar distúrbios nutricionais (carências e excessos) e de aprimorar a produção agrícola tendo como referência o modelo agroecológico (BRASIL, 2007; 2012). A versão atualizada, publicada em 2012, apresenta diferentes diretrizes da Política, sendo uma delas a Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PAAS). Essa diretriz compreende um conjunto de estratégias que favoreçam práticas alimentares apropriadas do ponto de vista biológico, socioculturais e que faça uso sustentável do meio ambiente (em âmbito individual e coletivo). De acordo com a PAAS, uma alimentação saudável deve ser baseada em práticas produtivas adequadas e sustentáveis, com quantidades mínimas de contaminantes físicos, químicos e biológicos. A PAAS também considera o papel simbólico do alimento, considerando que o alimento agrega signifi cados culturais, devendo ser avaliados aspectos socioculturais e sustentáveis, além das necessidades nutricionais (BRASIL, 2012a). • Guias alimentares para alimentação saudável Os guias alimentares consistem em instrumentos desenvolvidos por diversos países para auxiliar a população a fazer escolhas alimentares mais saudáveis, 165 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 devendo ser condizente com a realidade cultural, econômica e social de cada país, bem como auxiliar para modifi cações no perfi l epidemiológico e nutricional da população em direção a estilos de vida mais saudáveis (FAO, 2020a; MARTINS; FREIRE, 2008). As orientações presentes nos guias alimentares podem servir para formulação de políticas e programas educacionais sobre alimentação e nutrição, saúde, agricultura e nutrição, dentre outros direcionados à população. Além disso, servem de base para orientações de profi ssionais de saúde e âmbito público e privado. De acordo com a FAO, os guias alimentares podem se consistir em uma oportunidade única de impactar favoravelmente as dietas e o sistema alimentar – da produção ao consumo (FAO, 2020a). Apesar de os guias alimentares se consistirem em instrumentos potenciais para fomentar sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis, englobando recomendações alimentares da produção ao consumo, essa oportunidade parece ter sido pouco utilizada. Isso porque as recomendações dos guias alimentares têm sido centradas no incentivo ao consumo ou redução de determinados alimentos e/ou grupos alimentares, com foco em questões nutricionais e de saúde (FABRI, 2020). Em estudo de Montagnese et al. (2015), as mensagens dos 34 guias europeus analisados eram, sobretudo, sobre consumir quantidades adequadas de grãos, legumes e frutas e ter uma ingestão moderada de gorduras, açúcares, carnes, bebidas calóricas e sal. De acordo com a (FAO, 2016a), em análise de 84 guias alimentares no ano de 2016, somente quatro guias apresentaram orientações para alimentação sustentável, sendo estes da Alemanha, do Brasil, da Suécia e do Qatar. Bianchini (2017) apresenta algumas das recomendações desses guias. Destacamos aqui aquelas que contemplam aspectos sustentáveis e simbólicos de uma alimentação saudável. O Guia alimentar da Alemanha, por exemplo, aborda diversas diretrizes alimentares, associando questões nutricionais a questões ambientais a cada uma delas. Em relação ao consumo de vegetais e frutas, o guia recomenda: consumir principalmente alimentos de origem vegetal; consumir diariamente 5 porções de frutas e vegetais, preferencialmente frescos ou cozidos por curto período e escolher os de produção sazonal. Sobre o consumo de carnes e ovos, recomenda consumir carne moderadamente; preferir carnes brancas que são mais saudáveis que carnes vermelhas. Em relação ao consumo de peixes, o guia não somente recomenda um consumo frequente (uma a duas vezes na semana) como também orienta para escolha de produtos de origem sustentável. Outras recomendações não relacionadas a grupos alimentares presentes no guia foram: utilizar ingredientes frescos sempre que possível (o 166 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS que evita o uso de embalagens) e apreciar o momento das refeições (sendo esta última, por exemplo, uma recomendação que considera a dimensão simbólica da alimentação saudável) (BIANCHINI, 2017). O guia do Qatar, assim como o da Alemanha e também o do Brasil, recomenda uma dieta baseada em plantas. Dentre outras recomendações, menciona a limitação no consumo de alimentos processados, alimentos e bebidas açucaradas e fast-foods. Ainda, destaca a importância de preferir alimentos frescos e caseiros, reduzir sobras e desperdício de alimentos, consumir alimentos produzidos localmente, conservar água no preparo de alimentos, escolher produtos que utilizem menor quantidade de embalagens, não exagerar no consumo de alimentos e bebida (BIANCHINI, 2017). O guia alimentar brasileiro, apesar de trazer recomendações para alimentação saudável para além de questões nutricionais, tem uma abordagem com foco no processamento de alimentos,utilizando como base a classifi cação “NOVA” (MONTEIRO et al., 2010; 2012; BRASIL, 2014). Nessa classifi cação, os alimentos são divididos em quatro grupos: (1) alimentos (in natura e minimamente processados); (2) ingredientes culinários (substâncias extraídas dos alimentos); (3) alimentos processados; e (4) alimentos ultraprocessados (MONTEIRO et al., 2012; 2016; BRASIL, 2014). Fazem parte do grupo 1 todos os alimentos de origem vegetal ou animal, sem ou com pequenas modifi cações necessárias para o consumo. Como exemplos desse grupo, destacam-se carne fresca, leite, grãos, legumes, castanhas, frutas, vegetais, raízes, tubérculos, chás, cafés, infusões, água mineral. O grupo 2 é composto por ingredientes culinários que são extraídos dos alimentos, como óleos, gorduras, farinhas, féculas e açúcar, ou obtidos na natureza, como o sal. O grupo 3 é composto por alimentos processados – modifi cados pela adição ou introdução de substâncias que alteram sua natureza ou uso, como sal ou açúcar, e eventualmente óleo, vinagre ou outra substância do grupo 2, a um alimento do grupo 1, sendo em sua maioria produtos com dois ou três ingredientes. O grupo 4 consiste nos alimentos ultraprocessados, constituídos por formulações industriais feitas tipicamente com cinco ou mais ingredientes. Muitas vezes, esses ingredientes incluem substâncias e aditivos usados na fabricação de alimentos processados como açúcar, óleos, gorduras e sal, além de antioxidantes, estabilizantes e conservantes. Em geral, têm pouca ou nenhuma participação de alimentos do grupo 1 (MONTEIRO et al., 2012; 2016; BRASIL, 2014). Nesse sentido, as recomendações do guia são prioritariamente em relação a basear a alimentação em alimentos in natura ou minimamente processados, reduzir processados e evitar ultraprocessados, diante do excesso de sódio, gorduras, açúcares e aditivos alimentares presentes nesses alimentos. Apesar de ter o foco no processamento de alimentos, o guia brasileiro (segunda 167 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 versão, publicada em 2014) se destaca perante os demais no que se refere a recomendações que contemplam aspectos simbólicos e sustentáveis da alimentação saudável. Em análise de Fabri (2020), o guia brasileiro foi o que mais apresentou recomendações sustentáveis (n=12) e simbólicas (n=22), sendo o único guia da América Latina que recomendou a Valorização dos alimentos locais. O Guia recomenda o aumento no consumo de vegetais e frutas, e que sejam preferencialmente produzidos localmente, sazonais, orgânicos e de base agroecológica. Refere a importância do estímulo à agricultura familiar e à economia local para promover a biodiversidade e reduzir impactos ambientais. Recomenda a redução no consumo de alimentos de origem animal para reduzir emissões de gases de efeito estufa, contaminação do meio ambiente, desmatamento, e uso intensivo de água. Recomenda limitar o consumo de alimentos processados e evidencia que os alimentos ultraprocessados devem ser evitados, não somente diante do seu impacto na saúde como também impacto cultural, na vida social, ambiental (BIANCHINI, 2017). Em relação a aspectos simbólicos destaca-se, aqui, comer com atenção; em ambientes apropriados; e em companhia, desenvolver habilidades culinárias (FABRI, 2020). O guia da Suécia recomenda consumir mais verdes e optar por produção sazonal. Escolher produtos com selos de certifi cação agroecológica (orgânicos). Consumir menos carnes vermelhas e processadas, visto que a criação de aves gera menor impacto ambiental, seguido da suína. Escolher produtos cárneos com selos de produção agroecológica (criação livre e orgânica). Assim como o guia do Qatar, associa a importância de escolher peixes provenientes de produção ecológica. Preferir produtos com baixo teor de gordura, sem açúcares e enriquecidos com vitamina D e escolher aqueles com selos de produção agroecológica. O guia da Suécia também orienta para consumo de óleos mais sustentáveis. E ao referir o consumo de leite, menciona que leite de soja e aveia seriam mais sustentáveis (BIANCHINI, 2017). Nesse sentido, vale lembrar do impacto ambiental da produção de soja transgênica no Brasil (ver Capítulo 1), o que pode não ser a realidade da Suécia (onde o cultivo de transgênicos é proibido, assim como a comercialização de alguns produtos com ingredientes transgênicos). Fabri (2020) analisou o conteúdo de 1982 diretrizes principais de 90 guias alimentares para alimentação saudável. OBS.: As diretrizes principais são aquelas mensagens mais diretas (centrais) presentes nos guias, como por exemplo, “10 passos para uma alimentação saudável” ou “10 regras de ouro”, presente nos guias brasileiros (BRASIL, 2006a; 2014) ou “10 diretrizes da Sociedade Alemã de Nutrição para uma dieta saudável”. Esses guias eram a maioria do continente europeu 36,7% (n=33), seguido da América Latina e Caribe (n=28; 31,1%) e Ásia (n=18;2 0%), publicados, a maioria após 2009 168 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS (65,2%), sendo 22% após 2014. Ainda, identifi cou que 73,9% das mensagens eram “Essencialmente nutricionais” e todos os guias apresentaram recomendações classifi cadas nesse grupo. Somente 3,2% e 3,3% das recomendações dos guias foram classifi cadas como sustentáveis e simbólicas e estiveram presentes em 30 e 22 guias alimentares, respectivamente (FABRI, 2020). As mensagens nutricionais presentes nos guias versavam, sobretudo, sobre consumo de gordura, sal, vegetais e frutas, carnes e açúcar (mais de 50% das recomendações). As recomendações sustentáveis orientavam a população quanto ao consumo de alimentos frescos e/ou naturais, a valorização de alimento local, respeito à sazonalidade, dieta baseada em alimentos de origem vegetal, valorização de alimentos orgânicos, proteção ao ambiente e redução do desperdício. As recomendações simbólicas eram principalmente sobre a valorização da cultura alimentar, alimentos e culinária tradicional; valorização do local, ambiente e horário das refeições e sobre apreciar o momento da refeição (FABRI, 2020). Esses resultados indicam a insufi ciência de recomendações sustentáveis e simbólicas em guias alimentares. Lang (2012) refere o atraso de orientações no âmbito de políticas púbicas perante as modifi cações necessárias no sistema produtivo de alimentos, tendo em vista a insustentabilidade do modelo atual. A fi gura a seguir apresenta de modo resumido o conteúdo dessas mensagens. FIGURA 1 – MENSAGENS SUSTENTÁVEIS E SIMBÓLICAS PRESENTES NOS GUIAS ALIMENTARES 169 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 FONTE: A autora Autores apontam a importância de uma visão mais holística da alimentação saudável em diretrizes nacionais (FARDET; ROCK, 2018) por meio de uma abordagem que proteja a saúde humana, o bem-estar animal e o meio ambiente. Abordagens alternativas que orientam o indivíduo a aceitar todos os alimentos ao invés de classifi cá-los em proibidos ou permitidos, são sugeridas como mais positivas (HEALY et al., 2015). Ainda, o foco em questões nutricionais das recomendações para uma alimentação saudável pode levar à banalização do conceito de saudável e difi cultar a compreensão e aplicação das recomendações no nível das práticas alimentares, devendo, portanto, ultrapassar o foco biológico (binômio saúde-nutriente) (FABRI, 2020). A fi gura a seguir representa a indissociabilidade entre uma alimentação saudável e alimentação sustentável. FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA INDISSOCIABILIDADE ENTRE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL FONTE: Adaptada de Martinelli (2018) 170 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS De modo complementar, Fabri (2020) discute a importância de o conceito de sustentabilidade estar incorporado ao próprio conceito de alimentação saudável, vistoque consiste em uma das dimensões de alimentação saudável. Assim, o termo alimentação saudável já contemplaria por si só todos os aspectos de uma alimentação sustentável, somado a questões nutricionais, simbólicas, higiênico-sanitárias, dentre outras. A alimentação saudável precisa favorecer o desenvolvimento sustentável (FAO, 2012; BRASIL, 2014; LOWDER; SKOET; SINGH, 2014). Compreender a interface entre a alimentação saudável e sustentável é importante para a garantia de uma alimentação adequada – de modo que as estratégias futuras para alimentação promovam a compreensão de como a saúde humana está entrelaçada com a saúde dos ecossistemas (SMITH; ANDERSSON; GOURLAY et al., 2016). Portanto, o saudável e o sustentável devem ser reconhecidos e trabalhados de modo indissociável, dentro do contexto sociocultural do indivíduo (FABRI, 2020). Apesar da existência de diferentes conceitos e das diferentes dimensões que englobam tanto uma alimentação saudável quanto uma alimentação sustentável, é importante fi car claro que defi nições e critérios de sustentabilidade englobam questões nutricionais e socioculturais, enquanto que para a promoção de alimentação saudável aspectos de sustentabilidade ambiental, social e econômica são imprescindíveis (FABRI, 2020; MARTINELLI, 2018). O Quadro 1 apresenta alguns exemplos para auxiliá-lo a entender a interdependência das dimensões de uma alimentação saudável, com enfoque em aspectos socioculturais (dimensão simbólica alimentação saudável) e de sustentabilidade (dimensão sustentável alimentação saudável). Desse modo, também auxiliará a entender a indissociabilidade com a promoção de uma alimentação sustentável, visto que adiante serão apresentadas as dimensões da sustentabilidade. QUADRO 1 – EXEMPLOS DE ASPECTOS SIMBÓLICOS E SUSTENTÁVEIS QUE PRECISAM SER CONSIDERADOS PARA PROMOÇÃO DE UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ELES Aspectos simbólicos da alimentação saudável Valorização/resgate/respeito da cultura alimentar; alimentos tradicionais; alimentos regionais; típi- cos; locais. Gostos e preferências (pautados em referências culturais); aspectos sensoriais como cor, sabor, odor; memórias gustativas. Comer como ato social; compartilhamento de refeições; socialização. Alimentos associados a festividades. Cozinhar, preparar refeições. Tempo para realização das refeições. Prazer em comer/ Comer sem culpa. Aspectos sustentáveis da alimentação saudável Produção e consumo de alimentos locais, regionais, tradicionais. Produção e consumo de alimentos agroecológicos. Produção e consumo de carnes de modo sustentável (baseado em sistema extensivo de produção, orgânico). 171 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 Produção e consumo de peixes de modo sustentável (não provenientes de pesca predatória). Incentivo a circuitos curtos de comercialização, valorização de pequenos produtores. Consumo de alimentos frescos, sazonais. Consumo de alimentos em variedade e diversidade. Relações entre aspectos simbólicos e sustentáveis da alimentação saudável O consumo de alimentos produzidos por pequenos produtores está associado à valorização de ali- mentos regionais, parte da cultura e tradição de produção e consumo. Atua na valorização do saber fazer local e manutenção da biodiversidade e sementes tradicionais. O consumo de alimentos agroecológicos e o não consumo de alimentos transgênicos favorece a preservação de espécies tradicionais, sementes crioulas e auxilia na preservação da biodiversidade e diversidade alimentar. O consumo de alimentos agroecológicos e não consumo de alimentos transgênicos e com uso de agrotóxicos favorece relações mais justas de produção. O consumo de alimentos agroecológicos possibilita resgatar e reincorporar alimentos relacionados à identidade histórica e sociocultural, tanto de práticas de produção quanto de consumo. O consumo de alimentos agroecológicos favorece a manutenção da memória gustativa de alimentos associados à cultura local. O consumo de alimentos agroecológicos auxilia na preservação de alimentos da sociobiodiversi- dade. A valorização da pesca artesanal relaciona-se ao consumo de peixes sazonais, locais e mais carac- terísticos da cultura alimentar. A aquisição de alimentos regionais, de produtores locais valoriza a cultura alimentar da região e estimula cadeias curtas de comercialização, favorecendo o comércio com base em princípios de justiça econômica e social. Consumo de alimentos locais, tradicionais que fazem parte da cultura alimentar de uma família ou grupo social possibilitando o resgate de alimentos desvalorizados e esquecidos com o tempo, a valorização da cultura e identidade de um povo, a preservação de espécies e valorização da biodi- versidade e relaciona-se a promover a socialização, o compartilhamento de refeições e a integração social. FONTE: Fabri (2020) Sob essa perspectiva é fundamental que países promovam a sustentabilidade por meio de estratégias de produção e consumo, sendo os guias alimentares para alimentação saudável um instrumento oportuno para recomendações alimentares holísticas. Em relação a questões sanitárias, somente 3,5% das mensagens, presentes em 41 guias, apresentaram alguma recomendação de cunho higiênico-sanitário, sendo estas principalmente sobre uso de práticas seguras de higiene ao preparar e cozinhar alimentos; na seleção de alimentos e no armazenamento. Sete guias referiram a importância do uso de água limpa e segura e apenas quatro guias destacaram a importância de escolha de alimentos de origem segura (FABRI, 2020; dados não publicados). Outras recomendações presentes nos guias versavam sobre recomendações sobre atividade física; recomendação de consumo de água ou outros líquidos não 172 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS alcoólicos; recomendações para peso; orientações sobre o consumo de bebidas alcoólicas; orientações sobre aleitamento materno; orientações sobre introdução alimentar para crianças; orientações específi cas para diferentes grupos populacionais; orientações associadas à prevenção de doenças e manutenção da saúde; orientações quanto ao uso de cigarro; orientações quanto ao uso de recursos fi nanceiros; cuidado na exposição ao sol (FABRI, 2020). 2.3 SUSTENTABILIDADE NA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS – ASPECTOS GERAIS E DEFINIÇÕES A insustentabilidade do atual sistema alimentar já foi discutida sobretudo no Capítulo 1. Nesta seção será apresentado mais detalhadamente o conceito de sustentabilidade e as dimensões do mesmo, retomando alguns pontos do que caracteriza o sistema alimentar como insustentável em toda a cadeia produtiva – produção (atividades relacionadas à agricultura e pecuária); processamento (etapas de processamento dos alimentos); comercialização (etapas de distribuição e abastecimento); consumo (etapas de compra, preparo e consumo, podendo estar relacionado à população ou a restaurantes). Nesse sentido, serão apresentadas as recomendações sobre sustentabilidade presentes em alguns documentos (ofi ciais ou não ofi ciais) de diferentes países. O termo desenvolvimento sustentável surgiu em contraposição à visão economicista de desenvolvimento do século XIX, que privilegiava o crescimento econômico e a industrialização, e diante dos impactos ambientais ocasionados pelas diversas atividades econômicas. A visão economicista do desenvolvimento desconsidera o caráter fi nito dos recursos naturais e a diversidade dos atores sociais. Assim, o desenvolvimento sustentável possui como premissa o ecodesenvolvimento (SACHS, 2004; SOUSA et al., 2015). Apesar de o termo desenvolvimento sustentável sob a perspectiva de ecodesenvolvimento ter sido discutido por Sachs desde a década de 1970, foi em 1987, a partir do Relatório de Brundtland (Nosso Futuro Comum), em 1987, que o conceito de desenvolvimento sustentável passou a ser mais conhecido, disseminado, discutidoe aperfeiçoado (AZEVEDO, 2004). Nesse relatório, em 1987, o desenvolvimento sustentável foi defi nido como aquele que satisfaz às necessidades da geração, sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades, apontando a 173 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 importância de um modelo de desenvolvimento que contemple equidade social e sustentabilidade ambiental, ao invés de focar apenas nos aspectos econômicos, como os modelos previamente existentes (CMMAD, 1991; MEBRATU, 1997). Além do termo desenvolvimento sustentável, o termo dieta ou alimentação sustentável foi descrito pela primeira vez em 1986 por Gussow e Clancy (1986), como uma dieta composta por alimentos que contribuíssem não somente para a saúde, mas também para a sustentabilidade de todo o sistema alimentar. A FAO (2012, s.p.) defi ne dieta sustentável como: [...] dieta com baixo impacto ambiental, que contribui para a segurança alimentar e nutricional e à vida saudável para as gerações presentes e futuras. Dietas sustentáveis devem proteger e respeitar a sociobiodiversidade e os ecossistemas, culturalmente aceitável e acessível, economicamente justa e acessível; nutricionalmente adequada, segura e saudável; além de otimizar os recursos naturais e humanos. Sachs (1990, p. 1) refere que a sustentabilidade “constitui-se num conceito dinâmico, que leva em conta as necessidades crescentes das populações, num contexto internacional em constante expansão”. Em 1994, a sustentabilidade foi defi nida em pelo menos três pilares – conhecidos como Tripé da Sustentabilidade (Triple Bottom Line), sendo estes, social, ambiental e econômico (SACHS, 1993, 2004; SUSTAINABLE FOOD POLICY, 2007). Assim, todas as atividades precisam estar apoiadas nesses três elementos, isto é, promovendo o crescimento econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais. Além dessas três dimensões da sustentabilidade, Sachs (1993) aponta que é possível adicionar mais duas dimensões, a geográfi ca e a cultural, e refere que a dimensão política deveria ser considerada como elemento central da sustentabilidade. Outros autores destacam que as dimensões da sustentabilidade podem ser ampliadas, desde que tenham como base a promoção da agricultura e do desenvolvimento rural sustentáveis. Outras dimensões da sustentabilidade poderiam ser: ecológica, econômica, social, cultural, política e ética (CAPORAL; COSTABEBER, 2002). 174 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Para melhor compreensão das diferentes dimensões de sustentabilidade, estude os seguintes conceitos: • Sustentabilidade Ambiental: essa dimensão da sustentabilidade relaciona-se com a racionalização de recursos esgotáveis ou prejudiciais ao ambiente e o uso de recursos renováveis; redução do volume de resíduos e poluição e adoção de práticas de reciclagem; intensifi cação de pesquisas que utilizem tecnologias limpas e implementação de práticas e políticas de proteção ambiental em toda a cadeia produtiva (SACHS, 1993). • Sustentabilidade Social: o desenvolvimento precisa ter como base um processo de melhoria da qualidade de vida, incluindo uma distribuição de renda igualitária, a homogeneidade entre os padrões de vida, incluindo acesso à educação, moradia e alimentação, entre outros direitos humanos básicos (SACHS, 1993). De acordo com Lucena (2012), os principais benefícios obtidos por meio das ações de sustentabilidade social são: garantia da autodeterminação e dos direitos humanos dos cidadãos; garantia de segurança e justiça; melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, que não deve ser reduzida ao bem-estar material; promoção da igualdade de oportunidades; inclusão dos cidadãos nos processos de decisão social, de promoção da autonomia da solidariedade e de capacidade de autoajuda; garantia de meios de proteção social fundamentais para os indivíduos mais necessitados. • Sustentabilidade Econômica: depende de uma gestão mais efi ciente dos recursos e fl uxo regular de investimento público e privado. A efi cácia econômica deve ser avaliada em termos macrossociais, não estando vinculadas somente à lucratividade empresarial (SACHS, 1993). • Sustentabilidade Cultural: relaciona-se ao respeito à cultura de produção e consumo de cada local, com garantia à continuidade e equilíbrio entre a tradição e a inovação (SACHS, 1993). • Sustentabilidade Política: vinculada à manutenção da democracia e apropriação universal dos direitos humanos. Dentre os exemplos, cita-se prevenção de guerras, garantia da paz e promoção da cooperação internacional; aplicação do princípio da precaução na gestão ambiental para prevenção da diversidade biológica e cultural (ver Capítulo 1 para relembrar sobre o princípio da precaução); gestão do patrimônio global como herança da humanidade; no controle do sistema fi nanceiro e cooperação científi ca e tecnológica (CAPORAL; COSTABEBER, 2002). • Sustentabilidade Ética: depende da solidariedade intra e 175 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 intergeracional contemplando as necessidades e responsabilidades relacionadas às demais dimensões da sustentabilidade. Ainda, torna viável a adoção de novos valores entre os diferentes povos; a conservação da diversidade biológica do planeta com respeito à heterogeneidade étnica e cultural da espécie humana (CAPORAL; COSTABEBER, 2002). • Sustentabilidade geográfi ca ou espacial: distribuição espacial, rural e urbana, dos recursos, das populações e das atividades visando à superação das disparidades entre as regiões e desenvolvimento de estratégias de desenvolvimento de áreas ecologicamente frágeis (SACHS, 1993). Desse modo, sistemas produtivos que não favorecem esse tipo de garantia de direitos não podem ser considerados sustentáveis (ver Capítulo 1 para relembrar as características do sistema produtivo predominante na alimentação contemporânea e porque ele não favorece a sustentabilidade social, ambiental, cultural, econômica, geográfi ca, política e ética; bem como a soberania e segurança alimentar e nutricional). Padilla, Capone e Palma (2012) defi nem sustentabilidade considerando as dimensões ambientais, nutricionais, econômicas e socioculturais. No Quadro 2 são apresentadas recomendações para integração de aspectos ambientais, nutricionais, econômicos e socioculturais nas etapas de produção, processamento, comercialização e consumo de alimentos. QUADRO 2 – RECOMENDAÇÕES QUE INTEGRAM DIFERENTES ASPECTOS DE SUSTENTABILIDADE NAS ETAPAS DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Componentes/ Recomendações Aspectos ambientais Aspectos nutricionais Aspectos econômicos Aspectos socioculturais Recomendações para a produção Seguir as práticas agrícolas sustentáveis. Promover a resiliência dos sistemas de produção. Desenvolver e conservar a diversidade. Promover alimentos diversifi cados. Produzir alimentos nutricional-mente completos. Desenvolver técnicas de cultivo apropriadas. Promover a autossufi ciência da produção local. Manter as práticas agrícolas tradicionais e promover variedades locais. 176 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS Recomendações para o processamento Reduzir o impacto da produção e transformação. Preservar os nutrientes em toda a cadeia alimentar. Produzir alimen- tos a preços acessíveis. Produzir alimentos culturalmente aceitos Recomendações para a comercialização Reduzir as distâncias e os intermediários entre produtor e consumidor. Preservar os nutrientes em toda a cadeia alimentar. Fortalecer os sistemas alimentares locais. Reciprocidade. Promover o consumo de alimentos locais. Recomendações para o consumo Reduzir o impacto ambiental das práticas de alimentação. Promover a diversidade daalimentação, o equilíbrio e a sazonalidade. Promover o acesso econômico a uma alimentação diversifi cada. Alimentos tradicionais culturalmente aceitos. Preferências e gostos locais. FONTE: Adaptado de Lairon (2012), Padilla, Capone e Palma (2012) e Garnett (2014) Morais e Costa (2009) reforçam que é importante pensar em um novo projeto de desenvolvimento que seja capaz de aliar crescimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental. Visto que os padrões atuais de produção e consumo foram moldados pela lógica de desenvolvimento gestada com a Revolução Industrial e, consequentemente, atendendo à progressiva e recorrente necessidade de acumulação do capital. Essa lógica, além de ter distanciado a humanidade de suas necessidades básicas, parece ter infl uenciado de modo negativo as relações da sociedade entre si e com o meio. Desse modo, o desenvolvimento sustentável com vistas ao ecodesenvolvimento exige modifi cações dos paradigmas de produção e de consumo vigentes. Com o intuito de auxiliar a melhor compreensão das dimensões de sustentabilidade e identifi car como elas estão sendo abordadas nas recomendações em âmbito nacional, será apresentado um panorama em relação às recomendações sobre sustentabilidade. • Recomendações sobre sustentabilidade presentes em documentos ofi ciais e não ofi ciais Martinelli (2018) analisou 21 recomendações para alimentação sustentável, agrupando-as em cinco categorias: forma de produção dos alimentos (recomendações que orientam o consumo de alimentos provenientes de sistemas produtivos mais sustentáveis); origem dos alimentos; processamento dos alimentos; consumo de alimentos e conservação de recursos relativos a práticas alimentares. As recomendações relacionadas a cada uma dessas categorias são apresentadas no Quadro 3. 177 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 QUADRO 3 – RECOMENDAÇÕES SOBRE SUSTENTABILIDADE PRESENTES EM RECOMENDAÇÕES OFICIAIS E NÃO OFICIAIS Forma de produção dos alimentos Consumir animais e derivados considerando sistemas mais sustentáveis de criação. Consumir alimentos provenientes de produção agrícola sustentável. Consumir alimentos orgânicos. Consumir peixes de estoques sustentáveis. Preservar a biodiversidade. Evitar alimentos geneticamente modifi cados. Origem dos alimentos Consumir alimentos sazonais. Preferir alimentos produzidos localmente. Comprar alimentos provenientes do comércio justo. Cultivar o próprio alimento. Processamento de alimentos Preferir alimentos com menos embalagens e embalagens recicláveis. Preferir alimentos com menores níveis de processamento. Consumo e alimentos Consumir alimentos nutricionalmente adequado. Reduzir o consumo de alimentos de origem animal. Aumentar o consumo de alimentos de origem vegetal. Consumir alimentos variados. Valorizar a alimentação. Conservação de recursos relativos às práticas alimentares Reduzir o desperdício de alimento. Conservar energia e água durante o armazenamento e preparo de alimentos. Utilizar meio de transporte ativos para realizar compras. Dar destino adequado aos resíduos orgânicos e recicláveis. *Referências: GUSSOW; CLANCY, 1986; SUSTAINABLE DEVELOPMENT COMISSION, 2009; NETHERLANDS, 2011; AUSTRÁLIA, 2013; GCSD, 2013; SUSTAIN, 2013; FOGELBERG, 2013; NORDEN, 2014; QATAR, 2015; GIL et al., 2015; GARNETT; STRONG, 2015; ADEME, 2016; ES- TÔNIA, 2016; VON KOERBER; BADER; LEITZMANN, 2017. FONTE: Adaptado de Martinelli (2018) e Bianchini (2017) Apesar de os guias ofi cias para alimentação saudável pouco apresentarem recomendações sobre sustentabilidade, conforme observado em estudo de Fabri (2020), alguns guias não ofi ciais ou não diretamente relacionados para alimentação saudável têm abordado aspectos de sustentabilidade. Por exemplo, no Reino Unido, diferentes recomendações foram publicadas no Programa de Segurança Alimentar Global (FAO, 2016a). O projeto Livewell Project busca reduzir as emissões de gases do efeito estufa pela criação de recomendações nutricionais com base nas características culturais de diferentes países da União Europeia como Reino Unido, França, Suécia, Espanha (WWF-UK, 2011; WWF, 2013). Na Itália, o Instituto Barilla (instituição privada apolítica e sem fi ns lucrativos) propôs um modelo de pirâmide alimentar dupla para o público infantil e adulto, que considera uma alimentação saudável tanto para as pessoas quanto para o 178 SEGurANÇA E QuALiDADE NA CADEiA ProDuTiVA DoS ALimENToS meio ambiente. Nessa proposta, os alimentos da pirâmide alimentar convencional (baseada na Dieta Mediterrânea) são classifi cados conforme seu impacto ambiental, considerando a emissão de carbono, os recursos hídricos e o uso do ecossistema terrestre e aquático. Desse modo, são considerados nutricionalmente saudáveis aqueles alimentos com menor impacto ambiental (BCFN, 2015). FIGURA 3 – PIRÂMIDE ALIMENTAR DUPLA – SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL FONTE: Adaptada de BCFN (2015) Martinelli (2018) fez algumas ponderações em relação às recomendações de sustentabilidade (avaliação do impacto ambiental gerado pelos alimentos analisados por meio de métodos como as Pegadas de Carbono, Hídrica e Ecológica) utilizada pelo Instituto Barilla para classifi car os alimentos. Segundo a autora, existe uma grande variação nos indicadores de praticamente todos os alimentos. A forma de produção dos alimentos não é considerada pela maioria dos estudos no qual a pirâmide foi baseada; não foram diferenciados alimentos produzidos, armazenados e transportados por longas distâncias; os impactos do armazenamento e da comercialização estão presentes somente em alguns dos alimentos, o que pode ter levado a grandes variações nos indicadores; não consideram outras dimensões, como social e econômica de todas as etapas do sistema, o que pode levar a recomendações puramente ambientais. Esses indícios podem comprometer as recomendações sobre sustentabilidade, principalmente, por não considerarem a forma de produção dos alimentos. 179 ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL E O PAPEL DA CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS Capítulo 3 • Pegada de Carbono: mensurado em gramas de equivalente CO2 por indivíduos ou produtos. Mede o total das emissões de gases de efeito estufa causadas direta e indiretamente durante todo o ciclo de vida do alimento. • Pegada Hídrica: quantifi ca o consumo dos recursos hídricos e é mensurada em litros de água por quilograma de alimento. • Pegada Ecológica: mensurada em metros por quilograma ou litro de alimento. Calcula a capacidade da terra para gerar recursos e absorver emissões (BCFN, 2015). Apesar de a complexidade da dieta sustentável já ter sido evidenciada pela Organização das Nações Unidas para agricultura e alimentação (FAO), em 2012, muitas vezes o termo sustentabilidade é associado somente à dimensão ambiental. Nesse sentido, mesmo que incipientes, são mais comuns recomendações e ações que considerem, por exemplo, preocupações com questões climáticas, efeito estufa (NORDIC COUNCIL OF MINISTERS, 2014) e pegada ambiental. Para avaliar a pegada ambiental é comum o uso da análise do ciclo de vida (CALDERÓN et al., 2010; BALDWIN; WILBERFORCE; KAPUR, 2011; DEL BORGHI et al., 2014; CERUTTI et al., 2016), porém, essa análise ignora aspectos sociais e econômicos (MORGAN, 2008). Conforme referido por Martinelli (2018), alimentos com um menor impacto ambiental não são necessariamente mais sustentáveis (em seu sentido amplo) do que outros, se esses outros causarem prejuízos à sociedade. Por exemplo, a efi ciência ambiental pode ser alcançada em uma produção em larga escala, porém, produção em pequena escala pode apoiar pequenos produtos e contribuir com o desenvolvimento local (aspectos sociais); além da possibilidade de efi ciência ambiental (questões ambientais) (GOGGINS; RAU, 2016). De modo complementar, uma dieta com baixa emissão de gases de efeito estufa pode não