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194129082718_HERMENEUTICA_JURIDICA

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1. INTRODUÇÃO 
 
A expressão “hermenêutica” deriva do nome de um deus grego: Hermes, o deus capaz de traduzir a língua dos 
deuses para a língua dos mortais e vice-versa. Por isso, entre os gregos, a figura de Hermes era associada à 
imagem de uma porta, da porta de casa. “Pois a porta é o lugar de fronteira entre a casa e a rua, entre o espaço 
público e o espaço privado, entre a família e a sociedade, entre o sangue e a política, enfim, entre o dentro e o 
fora”. 
 
Logo, interpretar não é, apenas, aquilo que o intérprete diz a partir de sua própria circunstância de vida, pois, 
nesse caso, interpretar seria dar uma opinião. Nem tampouco é, apenas, esclarecer o significado de algo a partir 
das circunstâncias externas (políticas, econômicas, ideológicas etc.) nas quais o intérprete se vê emaranhado, 
pois, nesse caso, interpretar implicaria em castrar por completo a autonomia de vontade dele. 
 
“Interpretar, portanto, é colocar na fronteira que separa/une a nossa subjetividade da objetividade da coisa a ser 
interpretada. Nesse sentido, interpretar é uma arte”. Eis o problema da interpretação: ela se encontra em uma 
zona de tensão, em uma fronteira entre duas línguas. Uma fronteira que separa, mas que também une essas duas 
línguas. Cabe agora, então, enfrentar o problema da interpretação. 
 
2. O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO 
 
O problema da interpretação, e com a interpretação jurídica isto não é diferente, é que ela convive com dois usos 
de linguagem: onomasiológico (uso corrente ou não técnico) e semasiológico (uso técnico). No uso 
onomasiológico, emprega-se o significante corrente no sentido comum, ou seja, no sentido compartilhado pelos 
usuários da linguagem cotidiana. Por sua vez, no uso semasiológico, utiliza-se ou um significante técnico, 
pertencente a certo dicionário especializado, ou um significante corriqueiro que foi redefinido, ou seja, um signo 
trivial com significado específico. 
 
Os usos onomasiológico e semasiológico podem coincidir, mas nem sempre isto ocorre. Ou seja, uma mesma 
palavra pode ser empregada da mesma maneira pelos dois diferentes usos que se pode fazer da linguagem. A 
partir desta circunstância fica claro que estes usos não se encontram completamente separados, antes se 
implicam. Isto é, o uso técnico da linguagem toma como ponto de partida o uso cotidiano. E esta relação entre os 
usos da linguagem acarreta a possibilidade sempre presente de dúvida quanto ao significado deste ou daquele 
vocábulo empregado pela norma jurídica. 
 
Disto decorre, o problema da Hermenêutica Jurídica. O problema de superar a possibilidade sempre presente de 
dúvida quanto ao significado da norma jurídica. Sendo assim, para que serve a hermenêutica? 
 
3. FINALIDADE DA HERMENÊUTICA. 
 
A hermenêutica se presta, assim, a que finalidade? A esclarecer o significado de um signo. Mas se a 
hermenêutica se presta a tanto, surge, então, uma nova pergunta: o significado do signo é descoberto ou 
determinado? Se se admitir que ele seja descoberto, então, conclui-se que a hermenêutica não constrói o 
significado do signo, antes o declara. Porém, se o ponto de partida adotado é que a hermenêutica determina, 
positiva, impõe o significado ao significante, então, forçoso é reconhecer que ela o constrói. 
 
Pode-se falar, assim, em duas diferentes finalidades para hermenêutica, as quais, por sua vez, correspondem a 
duas distintas concepções de linguagem, são elas: a) a descoberta do significado, que corresponde à concepção 
substancialista ou idealista de linguagem; b) e a construção do significado, a que se refere à perspectiva 
convencionalista da linguagem. Uma concepção substancialista imagina que a linguagem representa a realidade 
ou o pensamento. A seguir, no momento oportuno, se verá como isso se apresenta no campo específico da 
hermenêutica jurídica. Enquanto que uma concepção convencionalista pressupõe que a linguagem é um acordo 
celebrado entre os usuários dela. Usuários estes que teriam a capacidade limitada de manipular os significantes, 
os significados e as relações entre eles. 
 
Como se vê, quando se atribui à hermenêutica a finalidade de descoberta do sentido, assume-se o risco de se 
sustentar uma concepção naturalista ou a-histórica de interpretação. Isto porque, se a hermenêutica serve para 
investigar e descobrir o significado escondido do signo, em maior ou menor medida, o que se admite é que ela 
tem capacidade de chegar ao significado perfeito e completo do texto. Ora, o que é perfeito, não precisa mudar, 
 
 
 
 
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não deve mudar. Tem-se, então, uma linguagem estática. Esse foi o intento de Justiniano no que toca ao seu 
Corpus Juris Civilis. 
 
Todavia, quando se confere à hermenêutica o objetivo de construção do significado do signo, o hermeneuta 
chama para si a tarefa de defender uma perspectiva normativista ou histórica de interpretação. Afinal, se a 
hermenêutica serve para edificar ou construir significados, imperioso é, então, admitir que ela não tenha a 
capacidade de chegar ao significado perfeito e completo do texto. O que é imperfeito, muda constantemente, em 
um ciclo que nunca chega ao fim. Eis, então, que se tem uma linguagem dinâmica. 
 
Uma vez compreendida as finalidades possíveis da hermenêutica, cabe agora a seguinte pergunta: qual é a 
finalidade da hermenêutica jurídica? A resposta a esta pergunta parte da seguinte pressuposição: a hermenêutica 
jurídica apresenta aspectos que lhes são peculiares, não podendo, portanto, ser tratada da mesma forma que as 
demais espécies de hermenêutica. Em outros termos, se a hermenêutica é gênero, a hermenêutica jurídica é uma 
de suas espécies. Não a única, é lógico. Mas, sim, uma delas. O que há, então, de específico na hermenêutica 
jurídica? 
 
4. HERMENÊUTICA JURÍDICA: A DISCUSSÃO. 
 
A depender da finalidade que se atribua à interpretação, se descreverá as peculiaridades próprias da 
hermenêutica jurídica de diferentes modos. Dito de outro modo, não há uma só concepção acerca do que venha a 
ser hermenêutica jurídica e de quais são as suas principais características. A doutrina é muito controversa acerca 
do tema. Por isso, com o intuito de apresentar algumas abordagens em torno do assunto, a seguir se fará uma 
apertada exposição de algumas concepções. A apresentação destas concepções não tem, é lógico, o intuito de 
exaurir as correntes doutrinárias acerca da matéria. Pelo contrário, o objetivo é apenas exemplificar algumas 
concepções e, a partir delas, evidenciar a discussão. 
 
Sendo assim, inicialmente, se descreverá a polêmica que marcou o assunto no século XIX. Feito isto, se 
apresentará o pensamento de Kelsen em torno da questão. A seguir, será feita uma apertada síntese do raciocínio 
de Miguel Reale. Após o que, se explicará a lição de Tercio Sampaio Ferraz Jr. O que se quer alcançar com estas 
exposições? Demonstrar erudição? Não, definitivamente não. O que se deseja é explicitar o óbvio: não existe a 
concepção correta de interpretação, pois se a interpretação é a fronteira entre os usos de linguagem, é a zona de 
tensão entre o sujeito que conhece (o intérprete) e o objeto que é conhecido (o texto, a lei, a norma, o contrato 
etc.), então ela não é ponto de partida nem é ponto de chegada, mas a ponte entre duas margens. 
 
4.1. VOLUNTAS LEGIS OU VOLUNTAS LEGISLATORIS? 
 
“É hoje um postulado universal da ciência jurídica a tese de que não há norma sem interpretação, ou seja, toda 
norma, pelo simples fato de ser posta, é passível de interpretação”. Logo, a pretensão de Justiano de que fosse 
proibida a interpretação das normas de seu Corpus Juris Civilis, em verdade, não é uma exceção ao postulado, 
mas, sim, a pretensão de que apenas a interpretação do imperador fosse considerada vinculante. 
 
É muito recente a consciência de que a hermenêutica jurídicanão é um amontado de técnicas de interpretação 
esparsas, mas, sim, um saber teórico. Essa conscientização científica acerca hermenêutica só veio a ocorrer no 
início do século XIX. O certo é que a hermenêutica jurídica é marcada, desde então, por uma profunda 
controvérsia entre duas concepções de interpretação, são elas: a objetiva e a subjetiva. 
 
A concepção objetiva é aquela que assinala que a interpretação se presta a descobrir a vontade da lei, a voluntas 
legis, o que pressupõe uma linguagem capaz de representar o evento real, a realidade do conflito. Por outro lado, 
a concepção subjetivista é aquela que sustenta que a interpretação objetiva descobrir a vontade do legislador, ou 
seja, a voluntas legislatoris. Parte-se, aqui, da pressuposição de que a linguagem representa o pensamento do 
legislador. 
 
Antes de avançar no assunto, é conveniente destacar o cuidado que se deve ter ao empregar os termos, subjetiva 
e objetiva. Isto porque a doutrina oscila ao empregá-los. Há quem compreenda como concepção objetiva aquela 
em que o intérprete deva se manter vinculado estritamente ao texto de lei, não tendo qualquer margem de 
liberdade. Se adotada esta definição para concepção objetiva, note-se que o significado da concepção, neste 
segundo sentido, seria completamente diferente do mencionado anteriormente. O mesmo se pode dizer em torno 
da concepção subjetiva, vez que há quem entenda esta concepção como aquela em que se permite ao intérprete 
certa margem de liberdade ao realizar a interpretação. 
 
 
 
 
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Apresentada a controvérsia doutrinária acerca da melhor compreensão das concepções, convém ressaltar que em 
volta delas ainda há mais uma advertência a ser feita. É preciso chamar atenção que a discussão entre as duas 
concepções se dá dentro da perspectiva idealista de linguagem, ou seja, da perspectiva que confere à linguagem 
a capacidade de representar com exatidão alguma coisa. Esta alguma coisa pode ser ou o pensamento, ou a 
realidade. 
 
Nesse sentido, é possível compreender a divergência entre voluntas legislatoris e voluntas legis a partir da 
capacidade de representação da linguagem. Quando se defende que a interpretação jurídica busca descobrir a 
voluntas legislatoris, em verdade, o que de defende é que a linguagem tem a capacidade de representar o 
pensamento do legislador. Por outro lado, quando se sustenta que a interpretação jurídica busca descobrir a 
voluntas legis, em verdade, o que se pressupõe é que a linguagem tenha a capacidade de representar a 
realidade, uma vez que, neste caso, o texto da lei teria a capacidade de representar com precisão o conflito a ser 
decidido. 
 
Feitos tais esclarecimentos fica fácil, agora, com apoio na doutrina de Karl Engish e na lição de Tercio Sampaio 
Ferraz Jr, apontar as críticas que a concepção objetiva dirige à vertente subjetivista: 
 
“1. pelo argumento da vontade, afirmando que a “vontade” do legislador é mera ficção, pois o legislador é 
raramente uma pessoa fisicamente identificável; 
2. pelo argumento da forma, pois só as manifestações normativas trazidas na forma exigida pelo ordenamento 
têm força para obrigar, sendo, em consequência, aquilo que se chama de legislador, no fundo, apenas uma 
competência legal(a autorização conferida pela norma imediatamente superior no ordenamento jurídico); 
3. pelo argumento da confiança, segundo o qual o intérprete tem de emprestar confiança à palavra da norma 
como tal, a qual deve, em princípio, ser inteligível por si; 
4. pelo argumento da integração, pelo qual só a concepção que leve em conta os fatores objetivos em sua 
contínua mutação social explica a complementação e até mesmo a criação do direito pela jurisprudência”. 
 
Por seu turno, os subjetivistas criticam a outra concepção dizendo o seguinte: 
 
“1. O recurso à técnica histórica de interpretação, aos documentos e às discussões preliminares dos responsáveis 
pela positivação da norma é imprescindível, donde a impossibilidade de ignorar o legislador ordinário; 
2. os fatores (objetivos) que eventualmente determinassem a chamada vontade objetiva da lei (voluntas legis) 
também estão sujeitos a dúvidas interpretativas: com isso, os objetivistas criariam, no fundo, um curioso 
subjetivismo que põe a vontade do intérprete acima da vontade do legislador, tornando-se aquele não apenas 
‘mais sábio’ que o legislador, mas também ‘mais sábio’ do que a própria norma legislada; 
3. seguir-se-ia um desvirtuamento na captação do direito em termos de segurança e de certeza, pois ficaríamos à 
mercê da opinião do intérprete”. 
 
Eis, então, o problema. Qual das concepções teria razão? Seria este um problema insolúvel? O certo é que esta 
polêmica remete o estudioso de hermenêutica jurídica ao desafio kelseniano: é possível falar em interpretação 
verdadeira? A hermenêutica jurídica pode ser teorizada como um saber científico? 
 
4.2. DESAFIO KELSENIANO: INTREPRETAÇÃO AUTÊNTICA E DOUTRINÁRIA 
 
Se interpretar juridicamente é decodificar conforme regras de uso, forçoso é admitir que há na interpretação um 
aspecto arbitrário, uma vez que ela é voltada a por fim à uma sucessão de interpretações que decodificam 
interpretações. Ou seja, a interpretação jurídica não pode dar ensejo a uma sucessão indefinida de interpretações, 
ela tem que produzir como resultado uma interpretação final. Esse aspecto, aliás, caracteriza a interpretação 
dogmática e, ao mesmo tempo, constitui o seu problema teórico, o problema de criar uma teoria que justifique o 
caráter dogmático da interpretação jurídica. 
 
É por conta deste problema que Kelsen se coloca a questão de “saber se é possível uma teoria científica da 
interpretação jurídica que permita ao jurista falar da verdade de uma interpretação”. A partir da observação da 
obra “Teoria Pura do Direito”, nota-se que Kelsen não fornece a partir dela nenhuma base para a hermenêutica 
dogmatica. 
 
Porém, ele afirma que há dois tipos de interpretação, são elas: a doutrinária e a autêntica. A interpretação 
autêntica é a que é realizada por órgãos competentes (pelo órgão autorizado por uma norma imediatamente 
superior). Por exemplo, é a interpretação feita pelo magistrado no exercício de suas funções. A interpretação 
 
 
 
 
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doutrinária, por seu turno, “é realizada por entes que não têm a qualidade de órgão competente”. Por exemplo, 
quando o doutrinador emite a sua interpretação acerca de certo texto de lei. 
 
Em suma, a interpretação doutrinária não é vinculante, não obriga, ao passo que a interpretação autêntica tem 
este poder. Ou seja, da interpretação autêntica resulta uma norma, a norma específica que é declarada a partir da 
norma genérica. Por outro lado, da interpretação doutrinária decorre uma sugestão, uma recomendação. Em 
outras palavras, enquanto a interpretação autêntica define (estabelece limites, fronteiras) o sentido do conteúdo 
da norma, sendo esta definição o produto de um ato de vontade, a interpretação doutrinária. 
 
Percebe-se, a partir do exposto, que, para Kelsen, é “possível denunciar, de um ângulo filosófico (zetético), os 
limites da hermenêutica, mas não é possível fundar uma teoria dogmática da interpretação”. Nas palavras de 
Wittgenstein, “sobre o que não se pode falar, deve-se calar”. Mas, qual é a compreensão de Miguel Reale em 
torno do problema hermenêutico? 
 
4.3. A COMPREENSÃO DE MIGUEL REALE EM TORNO DO PROBLEMA HERMENÊUTICO. 
 
De acordo com Miguel Reale, a norma jurídica deve ser entendida pela hermenêutica jurídica atual em termos de: 
 
“a) um modelo operacional de uma classe ou tipo de organização ou de comportamentos possíveis; 
b) que deve ser interpretado no conjunto do ordenamento jurídico; 
c) implicando a apreciação dos fatos e valores que, originariamente, o constituíram; 
d) assim como em função dos fatos e dos valores supervenientes”. 
 
A norma deveser entendida como modelo operacional, ou seja, como modelo útil a decidir conflitos. Este modelo, 
por sua vez, é hábil ou a controlar comportamentos (normas de conduta) ou a regular outras normas (normas de 
organização). Logo, como quer Hart, não há apenas normas de comportamento, mas, também, normas de 
organização, normas de normas. Normas de organização que se subdividem em normas de reconhecimento, 
normas de modificação e normas de julgamento. Essa é, aliás, uma das maiores críticas dirigidas por Hart à 
Kelsen, vez que, segundo aquele, este apresenta uma teoria sobre a norma jurídica incompleta. 
 
Ademais, a norma jurídica que deve ser interpretada no conjunto do ordenamento jurídico. É dizer, a norma deve 
ser interpretada sistematicamente. A norma jurídica não pode ser interpretada em tiras. E, além disso, o intérprete 
deve levar em consideração os fatos e valores que, originariamente, constituíram a norma. Em outras palavras, a 
norma deve ser interpretada a partir dos fatos e valores relevantes no momento de sua constituição, isto é, de 
acordo com a vontade do legislador. 
 
Porém, segundo Miguel Reale, a norma deve ser interpretada não apenas segundo a vontade do legislador, mas, 
também, em função dos fatos e dos valores supervenientes à sua elaboração. Ou seja, a norma deve ser 
interpretada também segundo a vontade da lei, segundo os fatos e os valores relevantes no momento em que ela 
é aplicada. Logo, a partir da lição de Miguel Reale, a hermenêutica jurídica atual deve combinar as duas correntes 
acima explicitadas, voluntas legis e voluntas legislatoris. 
 
Em suma, a hermenêutica jurídica atual, de acordo com Miguel Reale, deve possuir uma dupla visão da norma, 
retrospectiva (voluntas legislatoris) e prospectiva (voluntas legis). É a partir dessa dupla visão que deve aparecer 
o significado concreto da norma, “reconhecendo-se ao intérprete um papel ativo e criador no processo 
hermenêutico, o que se torna ainda mais relevante no caso de se constatar a existência de lacunas no sistema 
legal”. Mas será que o melhor caminho é esse? Será que interpretar é uma questão de descobrir alguma coisa? 
Será que a linguagem tem a capacidade de representar algo? Não seria a interpretação uma tradução? 
 
4.4. INTERPRETAÇÃO E TRADUÇÃO: UMA ANALOGIA ESCLARECEDORA 
 
Traduzir é transpor o texto de uma língua para outra. Admitindo que o legislador se utilize de uma língua e que o 
conflito a ser decidido seja derivado de um ruído na comunicação realizada a partir de outra língua, nota-se a 
contribuição que a teoria da tradução pode prestar à hermenêutica jurídica. O legislador se utiliza de uma 
linguagem técnica ou normativa. Os participantes do conflito se valem de uma linguagem normal ou cotidiana, 
língua natural. Logo, o problema é: como fazer a tradução de uma língua para outra? 
 
Há três hipóteses de tradução: “(a) se as regras básicas de ambas as línguas coincidem, é possível traduzi-las 
uma para outra; (b) se a coincidência é apenas parcial, ocorre uma transferência que exige adaptação; (c) se não 
 
 
 
 
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coincidem, elas são incomunicáveis”. No primeiro tipo de tradução, ela é feita por correspondência, pois há entre 
as duas línguas, por exemplo, vocábulos que se equivalem. Na segunda modalidade, a tradução é feita mediante 
adaptação, admitindo-se, assim, uma margem reduzida de liberdade ao intérprete. E, no terceiro tipo de tradução, 
ela, em princípio, seria impossível. 
 
No entanto, neste último caso, é possível uma transposição indireta. Ou seja, lança-se mão de uma terceira língua 
que possa ser utilizada como um canal de acesso entre as duas outras. O que é preciso é que esta língua 
contenha, entre as suas regras secundárias, as regras básicas das outras. O certo é que, nesta terceira espécie 
de tradução, ela se dá mediante a “recriação do sentido por meio de uma língua intermediária”. A língua 
hermenêutica é esta língua intermediária que permite a tradução da língua normativa para língua cotidiana. Logo, 
o problema da hermenêutica jurídica não é a descoberta de um significado ou de uma vontade (voluntas legis ou 
legislatoris) – a língua não é capaz de representar nada - mas, sim, a construção dele e, a seguir, a sua atribuição 
à norma jurídica para fins de decisão do conflito jurídico. Fica evidente, então, a relação entre poder e saber, entre 
hermenêutica jurídica e poder. 
 
5. HERMENÊUTICA JURÍDICA E PODER 
 
Segundo Alysson Leandro Mascaro, até mesmo “a teoria de Kelsen, quando trata a respeito da interpretação, 
expõe o problema nevrálgico da hermenêutica jurídica: ela é um procedimento de poder”. Não se pode negar que 
o profissional do Direito não se desvencilha da sua biografia de vida. “Ele é alguém que tem convicções, 
experiências, ideologia, compromissos políticos, econômicos, culturais, religiosos, de classe social. Daí que o 
jurista nunca analisa a norma a partir do nada. Ele lê a norma de acordo com a sua visão de mundo”. 
 
Como assinala Hans-Georg Gadamer, a hermenêutica não é uma atividade descompromissada, não é uma 
ingênua operação lógico-dedutiva, antes se mostra como um ato existencialmente interessado. A norma jurídica 
não é apenas um texto. Ela, a norma jurídica, não se originou a partir do nada. Além disso, convém lembrar que o 
intérprete da norma também não é um ser sem experiências e condicionantes. “O jurista interpreta a norma a 
partir de sua situação existencial, de seu tempo, de suas circunstâncias sociais”. Em suma, “toda compreensão é 
uma pré-compreensão. Compreender é um aprender-com, ou seja, é uma tomada de entendimento a partir de 
uma determinada situação, construída socialmente”. Logo, não se interpreta primeiro para decidir depois, antes o 
contrário, decide-se primeiro para depois se interpretar. 
 
6. MÉTODOS HERMENÊUTICOS 
 
Os métodos de interpretação, na realidade, não são métodos, mas, sim, regras técnicas que objetivam a obtenção 
de um resultado. A partir delas buscam-se “orientações para os problemas de decidibilidade dos conflitos. Esses 
problemas são de ordem sintática, semântica e pragmática”. Essas regras subdividem-se em três categorias: a 
primeira, orientada à textualidade da norma e sua relação com as demais normas; a segunda, que aponta para o 
contexto da norma; e uma terceira, que realçam os objetivos da norma jurídica. 
 
Dentro do primeiro grupo, encontram-se as regras gramatical, lógica e sistemática. A interpretação gramatical 
dedica-se à análise do texto, seja em seu aspecto morfológico, seja em seu prisma sintático, seja em sua 
dimensão semântica. Já a interpretação lógica “procede de acordo com as ferramentas que clarificam o sentido e 
a compreensão do texto”. E, a interpretação sistemática, é aquela que é realizada a partir da ideia de que a norma 
não se encontra isolada no ordenamento jurídico, antes estando emaranhada em meio a certo contexto normativo. 
 
Na segunda categoria, podem ser encontradas as regras histórica, sociológica e evolutiva. A histórica é aquela 
que busca entender as circunstâncias, que em determinado contexto histórico, provocaram a formação da norma 
jurídica. A sociológica objetiva “buscar, na sociedade, as causas que geraram base à formação da norma”. E, a 
evolutiva, é a que procura “entender as mudanças, as correções de sentido, novos entendimentos ou rupturas no 
que tange à hermenêutica da norma jurídica”. 
 
Enfim, no que toca à terceira modalidade, há duas regras, são elas: a teleológica e a axiológica. A primeira tem 
por finalidade a busca, a partir das normas e das situações jurídicas, da compreensão de seus propósitos. Ou 
seja, ela tenta descobrir o objetivo que o ordenamento jurídico busca alcançar com a norma jurídica que está 
sendo interpretada. Já a segunda regra, a axiológica, que tenta compreender quais são os valores que se 
encontram relacionados à norma jurídica.www.cers.com.br 
 
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7. TIPOS DE INTERPRETAÇÃO 
 
Três são os tipos de interpretação, segundo o seu resultado, são eles: especificadora, extensiva e restritiva. A 
especificadora é aquela que fixa os limites de um determinado conceito jurídico. A restritiva é a que delimita a 
compreensão da norma, de maneira a diminuir as hipóteses de aplicação dela. E a interpretação extensiva é a 
que amplia o campo de possibilidades hermenêuticas de uma norma jurídica. 
 
8. FUNÇÃO SOCIAL DA HERMENÊUTICA 
 
A função social da hermenêutica jurídica é enfraquecer as tensões sociais, “na medida em que neutraliza a 
pressão exercida pelos problemas de distribuição de poder, de recursos e de benefícios escassos. E o faz, ao 
torná-los conflitos abstratos, isto é, definidos em termos jurídicos e em termos juridicamente interpretáveis e 
decidíveis”. 
 
A “hermenêutica possibilita uma espécie de neutralização (manter sobre controle) dos conflitos sociais, ao projetá-
los numa dimensão harmoniosa – o mundo do legislador racional – no qual, em tese, tornam-se todos decidíveis. 
Ela elimina, assim, as contradições, mas as torna suportáveis. Portanto, não as oculta propriamente, mas as 
disfarça, trazendo-as para o plano de suas conceptualizações”. Em suma, a hermenêutica jurídica “conforma o 
sentido do comportamento social à luz da incidência normativa. Ela cria assim condições para decisão”. 
 
 
 
 
 
 
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