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ORTODONTIA ESTADO ATUAL DA ARTE DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO Murilo Feres, Danilo Antonio Duarte e Marcos Capez COORDENADORES SUMÁRIO Ortodontia reabilitadora Do diagnóstico 3D à estética 01 Ertty Silva | Fernanda Meloti Luis Calicchio | Marcos Pitta Gustavo Giordani 022 Indicadores de qualidade de vida e sua importância clínica na Ortodontia 05 Daniela Feu | Nathalia Barbosa Palomares 120 A tomografia computadorizada de feixe cônico na Ortodontia Aplicações clínicas e conceitos atuais 03 Fernanda Angelieri | Marina Guimarães Roscoe Antonio Carlos Ruellas | Claudia Toyama Hino Lucia Helena Soares Cevidanes 074 Má oclusão de classe III Abordagem de tratamento precoce, compensatório e orto-cirúrgico 07 Ana Cláudia de Castro Ferreira Conti Maurício de Almeida Cardoso Victor de Miranda Ladewig | Maiara da Silva Goulart 174 Os recursos tecnológicos na Ortodontia 02 Ilana de Oliveira Christovam | Johnny H. de Gauw Fernanda Angelieri | Lucia Helena S. Cevidanes Antônio Carlos de Oliveira Ruellas 044 Abordagem conservadora da impacção de incisivos superiores 06 André Wilson Machado 158 Ressonância magnética Recurso imagenológico na Ortodontia 04 Ana Carla R. Nahás-Scocate | Alessandra Motta Streva Sergio Lucio Pereira de Castro Lopes André Luiz Ferreira Costa 106 Tratamento Ortodôntico em pacientes com periodonto reduzido 08 Maurício Tatsuei Sakima | Alexandre Tatsuke Sakima Beatriz Maria V. Lopes | Patricia P. Gimenes Sakima 206 Abordagem da microestética na Ortodontia 09 Roberto Carlos Bodart Brandão Cassiana Augusta da Silva Maria Christina Thome Pacheco 232 Alinhadores estéticos em Ortodontia 13 334 Weber Ursi | Murilo Matias Biomecânica dos mini-implantes extra-alveolares Uma nova realidade na clínica ortodôntica 11 Marcio Rodrigues de Almeida 276 Aplicações clínicas dos lasers de alta e baixa potência na Ortodontia 15 Aguinaldo S. Garcez | Cristiane Venturini Denise N Fujji | Selly S Suzuki 376 O uso de mini-implantes ortodônticos em regiões edêntulas para adequação dos espaços intercoronários e interradiculares 10 Júlio de Araújo Gurgel | Alex Pozzobon Pereira Celia Regina M. Pinzan-Vercelino | Rudys R. de Jesus Tavareza 258 352 Por que Ortodontia lingual? 14 Luiz Fernando Eto | Carla Maria Melleiro Gimenez Expansão rápida da maxila assistida por mini-implantes ortodônticos 12 Wilson Humio Murata | Cibele Braga de Oliveira Selly Sayuri Suzuki | Hideo Suzuki 310 Ortodontia Uma visão do nosso amanhã 16 Marco Antonio L. Feres | João M. Baptista Angela Graciela Deliga Schroder Ricardo Moresca | Renata Feres 394 OS RECURSOS TECNOLÓGICOS NA ORTODONTIA Ilana de Oliveira Christovam | Johnny Holanda de Gauw Fernanda Angelieri | Lucia Helena Soares Cevidanes Antônio Carlos de Oliveira Ruellas 02 O R T O D O N T IA E S TA D O A T U A L D A A R T E − D IA G N Ó S T IC O , P L A N E JA M E N T O E T R A TA M E N T O 045 A Ortodontia é uma das especialidades da Odontologia que mais avança em tecnologia. A introdução da tomografia computadorizada de feixe cônico e o surgimento dos modelos dentários virtuais torna- ram possível a visualização das estruturas craniofaciais e dentárias em 3 dimensões. Além disso, as contínuas modificações em brá- quetes e fios ortodônticos permitiram maior eficácia biomecânica nos tratamentos. Contudo, o desafio de otimizar os resultados do tratamento ortodôntico em menor tempo persiste. Outros recursos vem sendo estudados e visam maior eficiência no tratamento a partir de abordagens biológicas, uso de aparelhos eletrônicos ou terapia cirúrgica. Neste capítulo serão discutidos os avanços tec- nológicos, sua utilização e a existência de evidência científica de qualidade que justifique ou não sua introdução na prática clínica realizada por ortodontistas que se atualizam constantemente. INTRODUÇÃO A Ortodontia é uma das especialidades da Odontologia que mais avança em tecnologia no intuito de alcançar os objetivos do trata- mento de forma mais eficiente. A introdução da tomografia computa- dorizada de feixe cônico (TCFC) e o surgimento dos modelos dentá- rios virtuais possibilitaram a visualização detalhada das estruturas craniofaciais e dentárias em três dimensões, deixando o ortodontis- ta a par de informações que permitem um planejamento ortodôntico minucioso. Além disso, as contínuas modificações em bráquetes e fios ortodônticos permitiram maior eficiência biomecânica nos trata- mentos, de modo que esses sistemas podem ter chegado ao seu li- mite tecnológico. Porém, o grande desafio consiste em inserir novas ferramentas no dia a dia do especialista, de forma a otimizar seus resultados, oferecendo benefícios funcionais e estéticos ao paciente e, principalmente, diminuindo o tempo de tratamento. 046 ORTODONTIA − ESTADO ATUAL DA ARTE O diagnóstico em Ortodontia requer a visualiza- ção de tecidos moles, estruturas esqueléticas e dentição. Para uma maior previsibilidade e otimi- zação do tratamento ortodôntico é essencial um diagnóstico preciso, baseado na coleta de infor- mações pelas seguintes fontes: – anamnese; – exame físico; – análise facial; – análise de fotografias; – análise de modelos; – análise radiográfica e/ou tomográfica. As radiografias convencionais em duas dimen- sões têm limitações reconhecidas, a saber: magnificação, distorção geométrica, sobreposi- ções de estruturas anatômicas, erros de proje- ção. Com o advento da TCFC, algumas limita- ções foram vencidas, e abriu-se um leque de possibilidades no uso desta ferramenta para diagnóstico, planejamento e monitoração do tratamento ortodôntico. Na análise da dentição, os modelos de gesso continuam sendo comumente utilizados para a visualização das arcadas dentárias em 3 dimen- sões. No entanto, seu uso tem sido questionado devido à demanda de espaço para armazena- mento, ao alto risco de quebra e perda de in- formações, ao trabalho laboratorial intensivo, e à dificuldade de enviá-los para outros clínicos em casos multidisciplinares. Para superar esses problemas, o modelo virtual tridimensional tem se constituído uma alternativa adequada e confi- ável ao método convencional. Estes recursos tecnológicos na área de imagens digitais e análises tridimensionais tem auxiliado no diagnóstico ortodôntico, planejamento do tratamento e na compreensão das alterações decorrentes do crescimento e da reposta ao tra- tamento. Recursos tecnológicos têm auxiliado também a técnica e biomecânica em Ortodon- tia, com o objetivo de proporcionar tratamento mais eficaz e eficiente aos pacientes. As metas de um tratamento ortodôntico eficaz incluem adequado controle da movimentação dentária e/ou alterações ortopédicas, diminuição do nú- mero e duração de consultas, assim como do tempo de tratamento ortodôntico. Tratamentos ortodônticos de longa duração são de difícil aceitação pelos pacientes e podem acarretar em prejuízos nos tecidos de suporte dentário por promover reabsorções radiculares e reces- sões gengivais1. Mesmo com as modificações em bráquetes e fios ortodônticos, ou ainda com o surgimento de alinhadores estéticos, ou mes- mo as inovações e ferramentas para diagnósti- co e planejamento, a tecnologia continua esbar- rando em um fator limitante: o tempo da biologia para processamento das reações teciduais. Com isso, além das intervenções que aprimo- ram a técnica ortodôntica, surgiu a necessidade de estudar outros métodos capazes de auxiliar a aceleração do movimento dentário; são eles: 047 DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO – abordagem biológica; – tratamento assistido por aparelhos eletrônicos; – terapia cirúrgica. Estes recursos aumentam as respostas biológicas e têm potencial para se tornarem fundamentais em tratamentos rápidos e eficazes em Ortodontia. AVANÇOS NO DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO DO TRATAMENTO TOMOGRAFIACOMPUTADORIZADA DE FEIXE CÔNICO A tomografia computadorizada de feixe côni- co (TCFC) é uma técnica relativamente nova para a visualização de um ou mais dentes em relação aos tecidos esqueléticos circundantes, tecido mole facial, articulação temporomandi- bular e vias aéreas, através da produção de uma imagem tridimensional da área a ser es- tudada. Isto se torna possível através da re- construção das superfícies em cortes axiais, coronais e sagitais, como também pela rende- rização volumétrica. Por mais de uma década, o interesse dos orto- dontistas em TCFC vêm aumentando. Isto se deve ao potencial deste exame em fornecer maiores detalhes para o diagnóstico clínico e elaboração do plano de tratamento. Porém, o custo relativa- mente alto e a alta dose de radiação limitam o uso da tomografia na Odontologia. A recomendação para solicitação de tomografias é descrita em alguns artigos2,3. Outros sustentam o uso rotineiro como parte da documentação pa- drão em Ortodontia pelo seu potencial em for- necer informações adicionais sobre o caso4. Em suma, a decisão deve levar em consideração a dose de radiação à qual o paciente será submeti- do e a dificuldade do caso. Embora recomendações de uso da TCFC em casos complexos já tenham sido elaboradas e publicadas afirmando que seu uso ofereceria benefício e informações adicionais para o diag- nóstico5, na prática clínica a decisão em solici- tar a TCFC ainda está baseada no julgamento do ortodontista sobre o benefício clínico para o paciente. As evidências científicas disponíveis para a mensuração do impacto TCFC no diag- nóstico e planejamento ortodônticos, além da comprovação de benefícios ao paciente, são escassas. A seguir, serão abordadas as princi- pais indicações para TCFC sugeridas à prática clínica e suas evidências científicas. ANÁLISE TOMOGRÁFICA DAS VIAS AÉREAS Alterações na função respiratória podem resultar em alterações no crescimento e desenvolvimen- to craniofacial. A faringe é uma estrutura tubular localizada logo atrás da maxila e mandíbula, e suas dimensões exercem um papel essencial na fala e na respiração. Existem métodos para sua avaliação, como a faringoscopia, cefalometria e ressonância magnética, mas, com o advento da 048 ORTODONTIA − ESTADO ATUAL DA ARTE tomografia, tornou-se possível a mensuração line- ar e volumétrica das vias aéreas (Figuras 01A,B). Apesar das mensurações em TCFC serem acu- radas e reprodutíveis, o volume das vias aéreas é diretamente afetado pela postura da cabeça e pelo estágio da respiração. O volume reduzido das vias aéreas superiores as- sociado ou não à presença de áreas de constrição é considerado um fator de risco ao desenvolvi- mento da apneia obstrutiva do sono. A diminuição dos níveis de hemoglobina durante o sono pode ser a principal explicação de como esta condição respiratória afeta a qualidade de vida dos indiví- duos, desencadeando diversas consequências, a saber: fadiga crônica, diabetes, hipertensão, obe- sidade, depressão, entre outros. Alguns estudos6-9 foram realizados no intuito de avaliar as alterações nas vias aéreas decor- rentes de tratamentos ortodônticos realizados com expansão maxilar, protração maxilar ou 01. A,B − Imagens da mensuração de volume das vias aéreas superiores em tomografia computadorizada de feixe cônico. mandibular, e em tratamentos ortodônticos ci- rúrgicos. A maloclusão de Classe III é carac- terizada por uma deficiência na maxila, prog- natismo mandibular ou uma displasia maxilar e mandibular. A hipoplasia maxilar, em casos mais severos, pode causar constrição da ve- lofaringe e cavidade nasal, obstrução nasal e estenose coanal. Um estudo mostrou que o vo- lume nas vias aéreas superiores de pacientes em crescimento aumenta quando tratados com expansão maxilar e protração maxilar6. No en- tanto, as implicações a longo prazo ainda não foram conclusivas. Os aparelhos protratores mandibulares são uti- lizados na premissa de serem um estímulo ao crescimento mandibular. O efeito imediato do tra- tamento em pacientes Classe II 1ª divisão sugere ser este um aparelho promissor para o aumento das vias aéreas, desde que um futuro estudo com acompanhamento por maior período prove que os resultados se mantiveram7. BA 049 DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO Em casos mais severos, a cirurgia ortognática pode ser o tra- tamento de escolha e, nesses casos, a mudança no volume total das vias aéreas superiores pode ser mais evidente8,9. ANÁLISE DA ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR Pacientes que procuram tratamento ortodôntico podem ter desordens temporomandibulares. Por isso, o tratamento deve ser conduzido com o intuito de corrigir as relações oclusais e, principalmente, normalizar a posição do côndilo. A TCFC pode auxiliar na definição da verdadeira posição do côndilo na fossa articular e sua extensão de translação. Além disso, pela sua acurácia em localizar e quantificar o grau de modificações morfológicas condilares10, tem sido sugerida também sua utilização em casos de trauma, dor ou disfun- ção, anquilose, osteoartrite11 e detecção de lesões como cal- cificações, cistos, entre outras (Figuras 02A-C). POSICIONAMENTO DE DENTES IMPACTADOS A posição dos dentes impactados na arcada dentária, seu desenvolvimento, a relação com as raízes dos adjacentes, a presença de reabsorção radicular e anomalias são anali- sadas durante o processo de tomada de decisão para o tra- tamento. O advento da TCFC tem facilitado uma apropriada detecção e localização de dentes impactados, assim como o planejamento da direção de tração ortodôntica. Enquanto a impacção de terceiros molares, seguida de ca- ninos e pré-molares, são, respectivamente, as mais frequen- tes, a impacção de incisivos centrais superiores resulta em maiores preocupações estéticas pela sua implicação social, autoestima, função mastigatória e fala. O tratamento deve ser instituído cedo para permitir uma melhor morfologia ao de- senvolvimento radicular, e diminuir o risco de perda óssea na tábua vestibular da região (Caso Clínico 1). 02. A-C − Imagens sugestivas de artrose condilar. A B C 050 ORTODONTIA − ESTADO ATUAL DA ARTE 03. A-E − Fotos intraorais iniciais. CASO CLÍNICO 1 Paciente em dentição mista, com 10 anos de idade, com erupção atrasada do incisivo cen- tral superior direito. Foi solicitada tomografia para melhor tomada de decisão clínica. Optou- -se pela cirurgia para exposição do dente 21 e colagem de acessório para tracionamento orto- dôntico (Figuras 03A-E a 05A-D). O canino superior é o dente anterior com maior prevalência de impacção, depois dos terceiros molares. A principal complicação associada é a reabsorção das raízes dos dentes adjacentes. As radiografias em 2 dimensões não são acuradas para fornecer detalhes da localização dos caninos, tornando necessária a solicitação de radiografias complementares, por exemplo, a radiografia oclu- sal. Porém, mesmo com todos os detalhes e men- surações possíveis com a TCFC, melhor localiza- ção e relação com estruturas vizinhas, a conduta clínica para o tratamento desta impacção parece não diferir com o uso de TCFC, visto que a intenção é comum: movimentar esse dente para sua posi- ção ideal sem danos aos tecidos adjacentes12. A B C D E 051 DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO 04. A-D − Imagens iniciais de tomografia computadorizada de feixe cônico. 05. A-D − Progressão do tratamento ortodôntico para tracionamento do dente 21. DCB A C B D A 052 ORTODONTIA − ESTADO ATUAL DA ARTE PLANEJAMENTO EM CIRURGIA ORTOGNÁTICA Para o planejamento virtual em cirurgia ortognática é essencial uma imagem acurada das estruturas que compõem os tecidos moles (faciais) e duros (esqueléticos e dentários). Dependendo do proto- colo de aquisição da TCFC com campo de visão para a face completa, as imagens do tecido mole facialfrequentemente apresentam ruídos de sinal e a qualidade das imagens obtidas dos tecidos moles do perfil não é adequada para a simulação das modificações faciais. A imagem facial obtida depende da expressão facial que o paciente es- boça no momento do exame, posicionamento da cabeça, e possíveis deslocamentos. Mesmo com os devidos cuidados, a baixa densidade do teci- do mole não permite que seja criada uma imagem acurada da pele, não capturando sua verdadeira cor e textura. Por esse motivo, faz-se necessário a incorporação de fotografias tridimensionais ob- tidas de um ou mais pares de estereofotografias, que são sobrepostas nas imagens de TCFC atra- vés de um software de manipulação. Existem ferramentas nos softwares de TCFC que permitem realizar osteotomias "virtuais" na maxi- la, mandíbula e mento, permitindo a simulação de movimentos cirúrgicos. Isso pode ser utiliza- do como substituto dos métodos tradicionais de planejamento cirúrgico, diminuindo o trabalho laboratorial intensivo, e permitindo uma melhor predição dos resultados a serem alcançados. Recentemente, com o advento das impressoras 3D, provou-se possível a confecção de splints oclusais cirúrgicos a partir de planejamentos virtuais, eliminando potenciais erros decorrentes do processo tradicional de fabricação das gotei- ras cirúrgicas13 (Caso clínico 2). Os resultados estéticos, dentários e esqueléticos podem ser avaliados pela superposição de mo- delos 3D de superfície14 obtidos antes e depois da cirurgia (Figura 06). CASO CLÍNICO 2 Paciente com 23 anos do sexo feminino, com deficiência mandibular, Classe II de Angle. O tra- tamento instituído foi a exodontia dos primeiros pré-molares e cirurgia ortognática para avanço bimaxilar (Figuras 06 a 08A-E). 06. Superposição das imagens de tomografia computadorizada inicial (amarelo) e final (verde). 053 DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO 07. A-C − Fotos intraorais iniciais. 08. A-E − Fotos intraorais finais. A CB A B C ED 054 ORTODONTIA − ESTADO ATUAL DA ARTE AVALIAÇÃO DE ASSIMETRIAS ESQUELÉTICAS FACIAIS A assimetria facial é frequentemente percebida em indivíduos com prognatismo mandibular. O estudo da morfologia mandibular pode auxiliar na escolha da melhor opção de tratamento, princi- palmente nos casos onde a cirurgia ortognática é uma das opções. A análise cefalométrica feita a partir de uma radiografia frontal tem sido utilizada por anos como parte do diagnóstico de assime- trias faciais. Porém, os resultados de estudos em TCFC15 provaram ser esse um método inadequa- do, e ressaltaram a importância de um diagnós- tico em 3 dimensões. A partir da superposição de modelos de superfície obtidos por TCFC16 é possível identificar e medir as distâncias entre as superfícies (Figura 09). 09. Imagem da mandíbula espelhada (azul) e sobreposta na imagem original (branco). 055 DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO POSIÇÃO E ESTRUTURA RADICULAR O conhecimento da anatomia radicular facilita o planejamento da movimentação ortodôntica. O ali- nhamento das raízes em inclinações axiais paralelas é geralmente um indicativo para a estabilidade do tratamento ortodôntico. As distorções angulares em radiografias panorâmicas resultam de combinações de distorções verticais e horizontais. Isso limita seu uso na avaliação das angulações das raízes. Um estudo comparativo das angulações mésio-distais das raízes entre a radiografia panorâmica e a TCFC revelou haver diferenças maiores que 5º – limite cli- nicamente tolerável – em 43% dos dentes anteriores e 24% dos posteriores superiores, e em 39% dos anteriores e 36% dos posteriores inferiores, sendo o canino superior o dente com maior frequência de discrepâncias (74%)17. Isso significa que o ortodon- tista pode ser induzido ao erro quando requisita uma radiografia panorâmica em seu reestudo a fim de ajustar angulações mésio-distais de raízes. A reabsorção radicular é um fator preocupante du- rante o tratamento ortodôntico. As radiografias pe- riapicais só permitem a observação por uma proje- ção em 2 dimensões da sobreposição da estrutura radicular total, e está susceptível a uma série de erros, principalmente à distorção (alongamento ou encurtamento). Portanto, em casos que exigem maiores critérios de diagnóstico, um método com maior sensibilidade deve ser aplicado: a TCFC. PLANEJAMENTO PARA INSERÇÃO DE MINI-IMPLANTES Recentemente, uma das grandes inovações com aplicação direta na clínica – o uso de mini-implantes – proporcionou aos ortodontistas vencerem limita- ções mecânicas inerentes aos tratamentos tradicio- nais. Porém, para a inserção dos mini-implantes na cortical óssea do paciente, o planejamento se faz necessário e algumas perguntas devem ser res- pondidas; dentre elas, duas merecem destaque: – Esse sítio tem cortical óssea com espessu- ra suficiente para garantir a estabilidade do mini-implante? – A distância entre as raízes adjacentes é ade- quada para o diâmetro do mini-implante a ser utilizado? Os estudos recentes com TCFC possibilitam respon- der a essas questões com segurança e de maneira individualizada. Mas as variações biológicas entre indivíduos não permitem que mapas de sítios ideais para inserção do mini-implante sejam absolutos. Dentre os fatores que determinam a estabilidade e, consequentemente, o sucesso do mini-implan- te, está a espessura da cortical óssea do sítio de inserção. Com a TCFC é possível mapear as aé- reas mais indicadas e facilitar o planejamento da inserção dos mini-implantes18. MODELOS VIRTUAIS TRIDIMENSIONAIS Modelos de gesso ortodônticos são ferramentas indispensáveis no diagnóstico do caso, planeja- mento mecânico e para avaliar os progressos e resultados do tratamento. No entanto, modelos de gesso apresentam limitações pela deman- da de espaço de armazenamento, alto risco de quebra e perda de informações no manejo dos 056 ORTODONTIA − ESTADO ATUAL DA ARTE mesmos, trabalho laboratorial extensivo, e difi- culdade de enviá-los para outros clínicos em ca- sos multidisciplinares nos quais a comunicação entre os profissionais é essencial. Para superar esses problemas, algumas alternativas para mo- delos de gesso foram sugeridas. Modelos vir- tuais tridimensionais ou modelos digitais ofere- cem algumas vantagens e têm aumentado sua popularidade. Modelos digitais com resolução comparável aos modelos de gesso podem ser obtidos indiretamente através do escaneamen- to dos modelos de gesso ou das moldagens, ou diretamente através de escâner intrabucal. A qualidade, praticidade e eficiência de novos modelos digitais obtidos através de escâner in- traoral têm facilitado este procedimento clinico para fins de diagnóstico, para simulação de pe- quenos movimentos dentários e confecção de alinhadores estéticos. Medições lineares em modelos de gesso digitali- zados por laser 3D (Figuras 10A-F) parecem ser uma alternativa adequada e confiável quando comparadas ao método convencional de análise de modelos através de paquímetro e podem se tornar mais eficientes devido a menor sensibilida- de aos erros da técnica de confecção, principal- mente quando adquiridos a partir da TCFC19. Espaço presente 59,35 mm Espaço requerido 65,27 mm Discrepência de modelos -5,92 mm Distância intermolares 42,95 mm Distância intercaninos 22,76 mm 10. A-F − Modelos vir tuais tridimensionais (A-E). Medições no modelo inferior (F). A D B E C F 057 DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO AVANÇOS NA TÉCNICA DE TRATAMENTO O tratamento ortodôntico possui a fase inicial de diagnóstico e planejamento do caso, em seguida o tratamento propriamente dito, e depois o período de contenção. O ortodontista deve utilizar os avanços tecnológicos como ferramentas de auxílio em todas estas etapas para potencializar o tratamento e obter resultados estéticos e funcionais satisfatórios paraprofissionais e pacientes. Os pacientes que estão cada vez mais acostumados, e até dependentes das modernidades eletrônicas, esperam que a Ortodon- tia avance na mesma velocidade e que os aparelhos ortodônticos sejam cada vez menos perceptíveis, mais estéticos, e o tratamento mais rápido. Porém, as respostas biológicas dos tecidos dentário e de su- porte continuam as mesmas. As metas de avanços na técnica de tratamento devem incluir melhoras na eficácia e eficiência do tratamento ortodôntico, ou seja, melhor controle técnico e tratamento mais rá- pido. E, para saber quais são as novas ferramentas e como elas podem ser utilizadas em favor da Orto- dontia, é necessário compreender as bases biológi- cas do movimento dentário. COMPREENDENDO O MOVIMENTO DENTÁRIO A movimentação dos dentes ocorre em resposta às forças que estes recebem dos aparelhos orto- dônticos que, através da estimulação mecânica prolongada, promovem remodelação do osso alve- olar20,21. A resposta biológica é o principal contro- lador do movimento, pois a quantidade de reab- sorção óssea que ocorre na direção do movimento determina a taxa de movimento dentário; enquanto este ciclo de reabsorção é controlado pela taxa de osteoclastos formados22. Em essência, o dente se movimenta através do osso carregando os tecidos de suporte, como se o alvéolo migrasse23. No sistema mastigatório em equilíbrio observa-se entre o dente e o osso alveolar, o ligamento perio- dontal (LP) que ocupa, aproximadamente, 0, 5 mm de espessura ao redor da raiz. O LP é formado por fibras colágenas paralelas, que vão do cemento à lâmina dura, além de células e fluidos tissulares (Figura 11). Esta organização é resistente ao des- locamento dentário durante a função mastigatória normal na qual se observa constante re- modelação alveolar, porém em menor escala, quando comparada a que ocorre como con- sequência do mo- vimento ortodôntico. 11. Representação esquemática da relação entre dente e periodonto. 058 ORTODONTIA − ESTADO ATUAL DA ARTE Durante a mastigação as forças recebidas por este conjunto, apesar de intensas, são intermi- tentes e de curta duração. Em resposta ao estí- mulo tem-se uma flexão óssea e essa, também em função normal, gera uma corrente piezoelé- trica, que parece ser importante para o reparo e a regeneração esquelética23. A regulação da biologia do movimento ortodôntico pode ser de- corrente da bioeletricidade – explicada, em par- te, pela corrente piezoelétrica, ou das mudanças no ambiente químico devido às áreas de pressão e tensão observadas no LP após aplicação de forças contínuas23. Os sinais piezoelétricos, comuns em estruturas cristalinas, têm rápida taxa de declínio e produ- zem um sinal equivalente, em direção oposta, quando a força é liberada23. O osso, assim como os sinais piezoelétricos dos cristais, tende a ter uma distribuição igual de cargas positivas e ne- gativas, distribuídas simetricamente, que criam um balanço neutro até que um estresse mecâni- co ou elétrico seja aplicado. Quando isto ocorre, observa-se um potencial de cargas elétricas negativas no lado de com- pressão óssea e positivas no lado de tensão. Na área da saúde, a associação entre a produção óssea, as correntes elétricas e os potenciais elétricos impulsionou pesquisas sobre a aplica- ção de correntes elétricas destinadas a aumen- tar a cicatrização óssea24. Na Odontologia, as forças que são aplicadas para obtenção do movimento dentário são con- tínuas e promovem quebra do equilíbrio entre o dente e as estruturas adjacentes. Quando esta é aplicada, tem-se extravasamento do fluido tis- sular e, desta forma. o dente se desloca com- primindo o LP em direção ao osso. Observa-se uma área de pressão e outra de tensão no LP e, consequentemente, alterações no fluxo san- guíneo que promovem mudanças no ambiente químico relacionado à presença de mediadores inflamatórios como citocinas, fatores de cresci- mento, neurotransmissores, fatores de estimula- ção e metabolismo do ácido araquidônico20. O movimento dentário em resposta ao trata- mento ortodôntico não é imediato, linear ou proporcional à magnitude da força. O mes- mo ocorre em função das citocinas, que são os principais controladores das taxas de for- mação de osteoclastos durante o movimento ortodôntico. Sendo assim, a magnitude da li- beração das citocinas desempenha um papel significativo na taxa de movimento dentário. O RANKL (receptor ativador do fator nuclear kap- pa B) é um regulador na formação e ativação dos osteoclastos, e as reações tissulares dos tecidos periodontais através do sistema RANK/ RANK/OPG fornecem uma importante ligação entre remodelação óssea, movimento dentário e reabsorção radicular durante a terapia orto- dôntica (Figura 12)25. Sabe-se que a partir de pequenas perfurações no osso alveolar pode-se aumentar a taxa de ci- tocinas e, consequentemente, o número de oste- oclastos, porém este não é um conceito equiva- lente entre a magnitude da força e as respostas biológicas responsáveis pelo movimento22. 059 DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO FORÇA ORTODÔNTICA CÉLULAS DO LP PGE2, IL e etc RANKL REABSORÇÃO RADICULAR MEDIADORES INFLAMATÓRIOS REABSORÇÃO DO OSSO ALVEOLAR E MOVIMENTO DENTÁRIO 12. Representação esquemática dos eventos relacionados à inflamação no ligamento periodontal quando estimulado pelas forças ortodônticas. Feita pelos autores e baseado em Yamaguchi et al.25. OSTEOCLASTOS RANK Fatores Genéticos ODONTOCLASTOS 060 ORTODONTIA − ESTADO ATUAL DA ARTE Alguns fatores podem afetar a quantidade de mo- vimento dentário independente da magnitude da força e estes podem ser22: – intrínsecos: diferença da forma radicular e do osso alveolar, e a densidade óssea; – extrínsecos: forças oclusais, hábitos mastigató- rios ou limitações da mecânica. Se a força aplicada é grande o suficiente para ocluir totalmente os vasos, haverá interrupção do supri- mento sanguíneo para esta área do LP, chamada de área hialinizada. Quando isto ocorre, inicia-se uma necrose e, dias depois, a reabsorção solapan- te, ocasionando atraso no movimento. Ou seja, a adição de forças maiores durante o movimento or- todôntico não promove, necessariamente, aumen- to da taxa de movimento dentário23. Além disso, o incremento de força não aumenta necessariamente a expressão dos marcadores inflamatórios pois, em virtude do acréscimo de força, ocorre uma satura- ção da resposta biológica e nenhum aumento dos marcadores inflamatórios ou movimentação dentária são observados. Portanto, forças mais elevadas não são justificativas para agilizar o movimento dentário, e outros métodos devem ser considerados para tal. As forças que promovem o movimento ortodôntico sem retardá-lo são as forças ótimas (Tabela 01). DURAÇÃO DO TRATAMENTO DENTÁRIO Resumidamente, algumas etapas do processo biológico do movimento dentário foram descritas e cada uma tem um tempo estimado para ocor- rer. O mesmo acontece com os diferentes tipos de maloclusão visto que possuem um tempo médio de tratamento que varia de acordo com: – severidade do caso; – ausências dentárias; – necessidades de extração; – casos cirúrgicos; – experiência clínica do profissional. Vale salientar que a colaboração, por parte do paciente, e a análise individualizada do caso, de responsabilidade do profissional, também são de- terminantes para o cumprimento do prazo estabe- lecido no planejamento. Mas será que as expec- tativas de ortodontistas e pacientes a respeito da duração do tratamento são as mesmas? A duração do tratamento ortodôntico até a sua finalização pode ser considerada lenta, e este tempo, como já mencionado, é ditado pelos prin- cípios biológicos. O tempo médio para a con- clusão da terapia ortodôntica é de 19,9 meses, isto é, menos de dois anos26, sendo que o valormédio é apenas uma representação dos extre- mos da variação de casos tratados em menor e maior tempo. Porém, a variabilidade não deve ser excessiva, visto que tratamentos longos em demasia podem causar iatrogenias, tais como: cáries (pela maior dificuldade de higienização Tipo de movimento Força (g) Inclinação 35 - 60 Translação 70 - 120 Vesticalização de raiz 50 - 100 Rotação 35 - 60 Extrusão 35 - 60 Inclusão 10 - 20 TAB. 01 − Valores médios de força ótima para diferentes tipos de movimento dentário. Variam de acordo com o tamanho e volume do dente; indica-se a utili- zação da força mínima com aumento gradativo de acordo com a resposta clínica observada. Valores de Proffit et. Al.23. 061 DIAGNÓSTICO, PLANEJAMENTO E TRATAMENTO por parte do paciente), reabsorções radicula- res, inflamações e recessões gengivais. Em um estudo recente1, a grande maioria dos or- todontistas se diz satisfeita ou não contesta o tem- po de tratamento dos seus pacientes, enquanto estes, quando adultos, esperam que o tempo total de terapia ortodôntica varie entre 6 e 12 meses. Já para a maioria dos adolescentes o desejo é que o tratamento dure menos de seis meses. Na terapia ortodôntica convencional, sem o emprego de intervenções que acelerem o movimento den- tário, os resultados estéticos e funcionais alcan- çados são ideais e estáveis a longo prazo26. Sem renunciar a estes excelentes resultados, os orto- dontistas e dentistas, de maneira geral, devem in- vestir em técnicas e conhecimentos que reduzam a duração do tratamento. É evidente que o tempo não deve ser considera- do primordial quando se inicia a Ortodontia, visto que o alinhamento anterior (algumas vezes obtido a curto prazo de tempo) não é o único objetivo a ser atingido. Porém, a harmonia oclusal e a esté- tica ideal devem ser alcançadas no menor tempo possível. Esta deve ser a meta dos profissionais, principalmente porque as primeiras ações para conquistar estes objetivos dependem da conduta do profissional e não dos avanços tecnológicos ou das técnicas atuais descritas em pesquisas científicas. O manejo das consultas periódicas, o planejamento individualizado com execução das melhores decisões e a prática das técnicas de finalização adequadas fazem diferença nas etapas do tratamento ortodôntico e são de res- ponsabilidade do profissional. RECURSOS TECNOLÓGICOS COM OBJETIVO DE TÉCNICA ORTODÔNTICA MAIS EFICAZ Além da exigência estética presente na atualidade e do apelo comercial que impulsionam o desenvol- vimento de novos materiais, sabe-se que diferentes aparatos odontológicos vêm sendo desenvolvidos com o intuito de otimizar a mecânica de forças e os movimentos da terapia ortodôntica. Todavia, até o presente momento, há muitas incertezas e poucas evidências científicas de que estas novas técnicas propostas realmente aprimorem, ou seja, tornem o controle da movimentação dentaria mais eficaz. Será que estes recursos realmente aprimoram o tratamento ou somente aceleram? Há no mercado fios ortodônticos compostos por diferentes ligas (aço inoxidável, níquel-titânio, beta-titânio, compósitos e outras) que são utiliza- dos com objetivos distintos durante o tratamento e que podem, ainda, possuir variações durante o processo de fabricação aumentando a gama de opções de materiais com características e propriedades diferentes (superelásticos, ter- modinâmicos). Quanto aos bráquetes, também existem várias opções, e cada empresa possui o seu desenho e variações de composição destes materiais. Existem bráquetes metálicos, estéti- cos mono e policristalinos, com aletas metálicas ou não, além das diversas prescrições do trata- mento straight-wire (Roth, Alexander, MBT, entre outros). Já as ligaduras podem ser metálicas ou elásticas, estéticas ou não (Figura 13). Outros sistemas de bráquetes não requerem ligaduras, os aparelhos autoligados, diminuindo o atrito e facilitando o deslize dentário (Caso Clínico 3). www.napoleaoeditora.com.br ISBN 978-85-480-0007-2 01 02 03 04 05
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