Buscar

Direito das Famílias - Rodrigo da Cunha Pereira

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 76 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ENTRA QR-CODE 
Capítulo 1 
DIREITO DAS FAMÍLIAS 
1.1 O QUE É DIREITO DE FAMÍLIA? DIREITO PÚBLICO OU PRIVADO? 
É o ramo do Direito que estuda e organiza juridicamente as relações familiares. Também 
denominado de Direito das Famílias, expressão mais apropriada em razão de que a família deixou sua 
forma singular e passou a ser plural. Um dos clássicos juristas brasileiro, Clóvis Beviláqua, o definia como 
o complexo de normas e princípios que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos 
que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as 
relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos complementares de curatela e da 
ausência. Do começo do século XX até hoje, quando Beviláqua assim o definiu, o Direito de Família mudou 
substancialmente. De lá para cá, novas estruturas parentais e conjugais se estabeleceram e o Direito de 
Família não está mais aprisionado ao casamento como esteve até o final do século XX. 
É ramo do Direito Privado, uma subdivisão do direito civil, pois os sujeitos de sua relação são 
entes privados, mas contém elementos e princípios que são verdadeiros comandos do Direito Público, 
como nas questões envolvendo interesses de crianças, adolescentes e incapazes. A tendência do Direito 
de Família é que o Estado se afaste cada vez mais das questões privadas e de foro íntimo, e tende a 
intervir somente para dar proteção às pessoas vulneráveis, sob o comando do princípio da 
responsabilidade, que é o grande autorizador e condutor para o campo da autonomia privada. Afinal, 
não há nada mais íntimo e privado do que a família. Mas a dicotomia entre público e privado permanece 
sendo uma importante e instigante questão na atualidade, para se demarcar o limite de intervenção do 
Estado na vida privada do cidadão. 
O Direito de Família é o próprio exercício da vida, como diz Giselda Hironaka, e não é produto do 
legislador ou das decisões judiciais, ou mesmo da doutrina. O Direito de Família é o fruto dos costumes, 
uma das mais importantes fontes do Direito. Nas palavras de Giselda Hironaka, é o ramo do 
conhecimento que visa justificar as relações de família consanguíneo, civil ou afetiva sob a orientação 
dos princípios constitucionais de proteção a dignidade da pessoa humana, de solidariedade familiar, 
de igualdade entre os filhos, entre cônjuges e companheiros, de afetividade e de função social da 
família, entre outros corolários desses1. 
Direito de Família é um conjunto de normas jurídicas (regras e princípios) que organizam as 
relações familiares, parentais e conjugais. Em outras palavras, é a regulamentação das relações de afeto 
e das consequências patrimoniais daí advindas. A base de suas regras está no Código Civil que tem um 
Livro dedicado ao Direito de Família, mas cuja tendência é desprender-se do Código Civil, a exemplo 
de alguns países que já têm seus Códigos de Famílias. Obviamente que há outras muitas regras (ver 
capítulo 2) esparsas. E, como as normas jurídicas não são apenas as leis, mas também os princípios, 
essas normas hoje são principalmente constitucionais, ou seja, o Direito de família é regido por uma 
principiologia constitucional. 
O objeto de estudo do Direito de Família, obviamente, é a família, que é hoje muito diferente do 
início do século XX, quando ela era ainda patriarcal. Na medida em que ela foi deixando de ser 
essencialmente um núcleo econômico e de reprodução, para ser o espaço do amor e do afeto, foi 
perdendo sua força como instituição para ser o centro formador e estruturador do sujeito. Com isso se 
despatrimonializou e perdeu sua hierarquia rígida centrada na autoridade masculina. É aí que o afeto 
ganha status de valor jurídico, e depois toma--se, ao lado do princípio da dignidade da pessoa humana, 
um dos princípios basilares e norteadores da organização jurídica da família. Isto mudou o curso da 
história desse ramo do Direito. Foi aí que ela começou a perder sua força como instituição e o sujeito 
passou a ter mais valor do que o objeto da relação jurídica. 
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novais. ln Tratado de Direito das Famílias - Coord. Rodrigo da Cunha Pereira, 3' ed.; Belo 
Horizonte: IBDFAM, 2019, P. 66. 
A Constituição da República de 1988, consolidando toda a evolução histórica, política e social, 
instalou uma verdadeira revolução no Direito de Família2, com base em três eixos básicos: igualização 
de direitos entre homens e mulheres; legitimação de todas as formas de filiação; reconhecimento de 
que há várias formas de famílias, mencionando exemplificativamente o casamento, a união estável e 
as famílias monoparentaisª. 
1.2 BREVE HISTÓRICO DA FAMÍLIA E REVISITANDO CONCEITOS 
A história do Direito, assim como a história do Direito de Família se confunde com a própria 
história da humanidade, pois só existe civilização porque existe o Direito. Em outras palavras, o Direito 
surge para possibilitar o convívio social, colocando limites, freios e regras para esse convívio. Daí 
poder-se dizer que o Direito é uma sofisticada técnica de controle das pulsões•. E, o Direito de Família 
também existe desde sempre, já que não existe sociedade sem família. A sua organização jurídica em 
textos legislativos é que tem história mais recente nas organizações sociais. Mas é preciso lembrar que 
a lei é apenas uma das fontes do Direito. 
A família é a célula básica de toda e qualquer sociedade, desde as mais primitivas até as mais 
contemporâneas. Mas seu conceito transcende sua própria historicidade. Para entendê-la hoje é 
preciso revisitar alguns conceitos para que possamos pensar melhor sua organização jurídica, e para 
onde ela aponta neste século XXI. 
No contexto do patriarcalismo a ideia de família era mais simples e mais fácil de ser desenhada. 
Vários juristas, do século passado, como Clóvis Beviláqua, assim a definia: 
Um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consanguinidade, cuja eficácia se estende ora 
mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-
s e, por familia, somente os cônjuges e a respectiva progênie. 5 
Orlando Gomes, citando Mazeaud e Mazeaud, dizia que: 
somente o grupo oriundo do casamento deve ser denominado família, por ser o único que 
apresenta os caracteres de moralidade e estabilidade necessários ao preenchimento de sua 
função social.6 
Também, dentre os mais notáveis, destaque-se Caio Mário da Silva Pereira que, em sua obra 
Instituições de Direito Civil - Direito de Famllia -, apresenta-nos conceitos em que mostra a família 
sob uma nova concepção, após descrever sua evolução, desde Grécia e Roma até a família cristã. Cita 
"[ ... ] E o que é uma família? O que é uma familia, no Brasil, quando nós sabemos que a Constituição Federal só consagrou a união 
estável porque 50% das famílias brasileiras são espontâneas? Nesses lares, nessas casas desse percentual do povo brasileiro, nunca 
passou um juiz, nunca passou um padre, mas naquela casa há amor, há unidade, há identidade, há propósito de edificação de projetos 
de vida. Naquela casa, muito embora não tenha passado nenhum padre e nenhum juiz, naquela casa há uma família. E o conceito de 
família no mundo hodierno, diante de uma Constituição pós-positivista, é um conceito de família que só tem validade conquanto 
privilegie a dignidade das pessoas que a compõem. Assim como, hodiernamente, só há propriedade conquanto ela cumpra sua 
finalidade social, há família, conquanto ela cumpra sua finalidade social; a família, conquanto ela conceda aos seus integrantes a 
máxima proteção sob o ângulo da dignidade humana. [ ... r (STF- RE: 615941 RJ, Relator: Min. Luiz Fux, pub. 01.12.2011). 
( ... ) diferentemente do que ocorria com os diplomas superados- deve ser neçe&sariamente plural pprque elurai& tambím são as 
fam.Ui.u e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito 
maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienáveldignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição -
explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF-impede se pretenda afirmar que as familias formadas 
por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por 
casais heteroafetivos. e O euc imeerta aeera wb a íeidc da Carta de &918 é sue a&as família& multiforme& mscbam 
etecivamente a "eseedal emteção do Emdo" e 6 tão &emente em razão deue de&íenio de eaeedal emteção eue a lei deve 
fadlitar a çonye[ão da união est:6vel em ,,sarnento dente o constituinte eue eelo ,,sarnento o Estado melhor eroteee esse 
nódeo domtistiEO chamado famUia ( ... ) STJ, REsp 1183378/RS, Rei. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, 25/10/2011. 
Grifamos. 
Pulsão é uma expressão psicanalítica, utilizada por Freud pela primeira vez em 1905, em 192oem seu texto Mais-além do princípio do 
prazer e depois em 1933 em "Novas conferências introdutórias sobre psicanálise". É a tendência permanente e na maioria das vezes 
inconsciente que incita o indivíduo e o faz agir, praticar atos e ações. Pulsão de vida e pulsão de morte é um dualismo que está presente 
em todos os movimentos da vida. Cf. O verbete Pulsão no Dicionário de Direito de Família e Sucessões-Ilustrado. Ed. Saraiva, 2ª ed. 
2018, p. 662. 
BEVILÁQUA. Direito de Fam,1ia, p. 16. 
GOMES. Direito de família, p. 31. 
Planiol, Ennecceros e outros grandes juristas, que a definem como "conjunto de pessoas ligadas pelo 
parentesco e pelo casamento".7 
O estudo da família no Direito esteve sempre estritamente ligado ao casamento, que a tornava 
legítima ou ilegítima, segundo os vínculos da oficialidade dados pelo Estado, ou mesmo pela religião. 
Grande parte dos juristas confundiu o conceito de família com o de casamento. E por incrível que isso 
possa parecer, em nossa sociedade, mesmo no terceiro milênio, quando se fala em formar uma família, 
pensa-se primeiro em sua constituição por meio do casamento. Mas como a realidade aponta para 
outra direção, somos obrigados a vê-la, como algo mais abrangente. 
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. XVI, § 3°, estabeleceu: "A família é o 
núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado". 
Em 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em São José da Costa Rica 
(art 17), retratou os elementos conceituais daquela época: "A família é o elemento natural e 
fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado". 
Desta ou daquela forma, com estas ou aquelas palavras, o conceito de familia atravessa o tempo 
e o espaço, sempre tentando clarear e demarcar o seu limite, especialmente para fins de direitos. Mas 
a família está sempre se reinventando, por isto ela transcende sua própria historicidade. Novas 
estruturas parentais e conjugais estão em curso, inclusive desafiando os padrões morais vigentes. Em 
uma determinada época, concebe-se a família como um organismo mais amplo, em outra, com 
tendência mais reduzida, como o é atualmente. No Brasil, na França e praticamente em todo o mundo 
ocidental, o nosso modelo familiar retratou a família romana como o padrão de organização 
institucional. Segundo Beviláqua, a forma mais ampliada de família corresponde à gens dos romanos, 
e a forma mais reduzida à genos dos gregos. Entretanto, é mesmo nos romanos que está a referência 
de organização familiar, e é neles que o ordenamento jurídico brasileiro se pautou. Mesmo com todas 
as modificações e evoluções no sistema jurídico brasileiro, o referencial básico é, e será sempre, ao que 
tudo indica, o da família romana, ainda que neste momento aponte para uma outra direção com 
questionamento ao modelo patriarcal. 
A ideia de família, para o Direito brasileiro, sempre foi a de que ela é constituída de pais e filhos 
unidos a partir de um casamento regulado e regulamentado pelo Estado. Com a Constituição de 1988 
esse conceito ampliou-se, uma vez que o Estado passou a reconhecer "como entidade familiar a 
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes", bem como a união estável entre 
homem e mulher (art 226). Isso significou uma evolução no conceito de família. Até então, a expressão 
da lei jurídica só reconhecia como família aquela entidade constituída pelo casamento. Em outras 
palavras, o conceito de família se abriu, indo em direção a um conceito mais real, impulsionado pela 
própria realidade. 
A história do Direito de Família é uma história de exclusões. Filhos e famílias fora do casamento 
eram excluídos da proteção do Estado e recebiam o selo da ilegitimidade. Filhos e famílias fora do 
casamento sempre existiram, desde o Brasil colônia, mas não se podia reconhecê-los, tinham que ser 
ignorados pelo aparato jurídico. Tudo isto em nome da moral e bons costumes. Portanto, a moral 
sexual e religiosa sempre foi, e continua sendo, um dos fios condutores da regulamentação dessas 
relações jurídicas. 
Paulo Lôbo sintetiza bem a história do Direito de Família no Brasil, dividindo-o em três períodos: 
1) Da colônia ao Império - 1500 à 1889 - Direito de Familia religioso, ou seja predomínio total do 
direito canônico; 2) Da Proclamação da República (1889) até a Constituição de 1988 - redução 
gradativa do modelo patriarcal; 3) De 1988 até os dias atuais - Direito de Família plural, igualitário e 
solidárioª. Foi somente neste último período que surgiram novos valores jurídicos, e especialmente o 
afeto, que evoluiu para a categoria dos princípios jurídicos (ver cap. 2), proporcionando espaço e 
proteção para as novas estruturas parentais conjugais. 
Marcou profundamente a História do Direito de Família no Brasil, o surgimento, em 1997, do 
Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, entidade que reúne as autoridades do pensamento 
jurídico contemporâneo, e, trouxe novos valores, princípios e paradigmas para a organização jurídica 
das famílias e pôde traduzir melhor a célebre frase do jurista mineiro João Batista Villela, que é 
PEREIRA. Instituições de Direito Civil, p.17. 
LOBO, Paulo. Direito civil. Vol. 5-Famílias. 9ª ed. São Paulo: saraiva, 2019, p. 39. 
definitiva e definidora para o Direito de Família contemporânea: "O amor está para o Direito de 
Família, assim como a vontade está para o Direito das Obrigações". 
1.3 ORIGEM E ESTRUTURAÇÃO DA FAMÍLIA 
Em 1884, Friedrích Engels publicou A Origem da Famllia, da Propriedade Privada e do Estado,• 
descrevendo, a partir de Morgan, uma ordem evolutiva em três épocas principais: estado selvagem, 
barbárie e civilização. No estado selvagem, os homens apropriam-se dos produtos da natureza prontos 
para serem utilizados. Aparece o arco e a flecha e, consequentemente, a caça. É aí que a linguagem 
começa a ser articulada. Na barbárie, introduz-se a cerâmica, a domesticação de animais, a agricultura 
e aprende-se a incrementar a produção da natureza por meio do trabalho humano; na civilização, o 
homem continua aprendendo a elaborar os produtos da natureza: é o período da indústria e da arte. 
Embora nos interesse compreender a família na "civilização", não podemos deixar de mencionar 
seus aspectos nos períodos que a antecedem. Desnecessário descrever detalhes dessas formas 
familiares primitivas, uma vez que isto já foi feito pelos sociólogos, pelos etnólogos e, principalmente, 
pelos antropólogos. Em algumas tribos e em variados lugares, elas se apresentam de forma poligâmica 
ou monogâmica, patriarcal ou matrilinear. Seja no estado de natureza ou no estado de cultura, em 
qualquer tempo ou espaço, sempre como um grupo natural de indivíduos unidos por uma dupla 
relação biológica: por um lado a geração, que dá os componentes do grupo; por outro, as condições de 
meio, que postulam o desenvolvimento dos mais novos, enquanto os adultos garantem a reprodução e 
asseguram a manutenção do grupo. 
Mas será mesmo a família uma organização natural? O que verdadeiramente mantém e assegura 
a existênciada família? Será a lei jurídica associada ao afeto e aos laços de consanguinidade? 
João Baptista Vil/ela, em seu trabalho Desbiologjzação da Paternidade,'º já demonstrou, 
referindo-se à paternidade, que esta não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora se refira, 
neste texto, especificamente à paternidade, pode-se lê-lo, estendendo-o para a questão da família como 
um todo, consequentemente. 
Jacques Lacan, em 1938, escrevendo para o tomo VIII da Encydopédie Française, em seu texto A 
Fam11ia (publicado no Brasil com o nome Complexos Familiares), vem exatamente marcar a diferença, 
mostrando que a família não é um grupo natural, mas cultural. Ela não se constitui apenas por homem, 
mulher e filhos. Ela é, antes, uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um 
lugar, uma função. Lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos, sem, entretanto, estarem 
necessariamente ligados biologicamente. Tanto é assim, uma questão de lugar, que um indivíduo pode 
ocupar o lugar de pai sem que seja o pai biológico. Exatamente por ser uma questão de lugar e de 
função, que é possível e que exista o instituto da adoção. Da mesma forma, o pai ou a mãe biológica 
podem ter dificuldade, ou até mesmo não ocupar o lugar, de pai ou de mãe, tão necessários (essenciais) 
à nossa estruturação psíquica e formação como sujeitos. 
De todos os grupos humanos é a família que desempenha o papel primordial na transmissão da 
cultura. Como diz Lacan: 
Se as tradições espirituais, a manutenção dos ritos e dos costumes, a conservação das técnicas e 
do patrimônio são com ela disputados por outros grupos sociais, a familia prevalece na primeira 
educação, na repressão dos instintos, na aquisição da lingua acertadamente chamada de materna. 
Com isso, ela preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico, preside esta 
organização das emoções segundo tipos condicionados pelo meio ambiente, que é a base dos 
sentimentos, segundo Shancf, mais amplamente, ela transmite estruturas de comportamento e de 
representação cujo jogo ultrapassa os limites da consciência.11 
É essa estnttura familiar, que existe antes e acima do Direito, que nos interessa entender. E é 
mesmo sobre ela que o Direito vem regulando e legislando, sempre com o intuito de ajudar a mantê-
la, para que o indivíduo possa, inclusive, existir como cidadão (sem esta estruturação familiar na qual 
há um lugar definido para cada membro, o indivíduo seria psicótico) e trabalhar na construção de si 
ENGELS. A origem dafam11ia, da propriedade privada e do Estado, passim. 
VILLELA. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 
LACAN. Os complexos familiares, p. 13. 
mesmo ( estruturação do sujeito) e das relações interpessoais e sociais que remetem a um 
ordenamento jurídico. 
1.4 A PROMISCUIDADE E A FORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS 
Até o início do século XIX acreditava-se que existiu uma época primitiva em que imperava o 
comércio sexual promíscuo, de maneira que cada mulher pertencia a todos os homens e cada homem 
a todas as mulheres. 
No início da colonização brasileira, registra Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala, Vespúcio 
escreve a Lourenzo dei Mediei dizendo que os indígenas tomam tantas mulheres quantas querem, e o 
filho se relaciona com a mãe, com irmãos, enfim, que era uma verdadeira luxúria. O Padre Nóbrega se 
alarmava à vista do número de mulheres que cada um tinha e com que facilidade eram abandonadas. 
Com base nessas premissas é que foram construídas teorias das famílias primitivas e do 
parentesco, mas que não passavam de hipóteses; a promiscuidade, como se observa nos animais, como 
se nenhuma lei tivessem, como se não houvesse a noção de parentalidade, não é um dado da realidade. 
Lacan, em 1938, já escreveu: 
A promiscuidade presumida não pode ser afirmada em parte alguma, nem mesmo nos casos ditos 
de casamento grupal: desde a origem existem interdições e leis. As formas primitivas da família 
têm os seus traços essenciais de suas formas acabadas: autoridade, se não concentrada no tipo 
patriarcal, ao menos representada por um conselho, por um matriarcado ou seus delegados do 
sexo masculino; modo de parentesco, herança, sucessão, transmitidos, às vezes distintamente 
(Rivers) segundo uma linguagem paterna ou materna. Trata-se aí de famílias humanas 
devidamente constituídas. Mas, longe de nos mostrarem a pretensa célula social, veem-se nessas, 
quanto mais primitivas são, não apenas um agregado mais amplo de casais biológicos, mas, 
sobretudo, um parentesco menos conforme aos laços naturais da consanguinidade.12 
Sobre os índios brasileiros aqui encontrados no início da colonização, segundo Gilberto Freyre, 
não viviam em promiscuidade e as suas relações sexuais não se processavam à solta e sem restrições: 
É aliás erro, e dos maiores, supor-se a vida selvagem não só neste, mas em vários outros de seus 
aspectos, uma vida de inteira liberdade. Longe de ser o livre animal imaginado pelos românticos, 
o selvagem da América, aqui surpreendido em plena nudez e nomadismo, vivia em meio de 
sombras de preconceito e de medo.13 
Portanto, no início da civilização não havia a promiscuidade que se imaginava. Esta é uma ideia já 
ultrapassada. Havia, sim, desde o início, impedimentos e tabus. 
Analisando a formação da família brasileira e desmistificando a suposta promiscuidade 
atribuída aos ameríndios, Gilberto Freire um dos maiores sociólogos brasileiros, preocupa-se em 
analisar a questão do incesto. Embora não mencione os textos de Freud, traduz, como ele, as ideias 
de interdição que se fazem a partir de interditos sexuais. 
1.5 
" 
" 
( ... ) como restrição ao intercurso sexual, o totemismo segundo o qual o indivíduo do grupo que se 
supusesse descendente ou protegido de determinado animal ou planta não se podia unir a mulher 
de grupo da mesma descendência ou sob idêntica proteção. Sabe-se que a exogamia por efeito do 
totemismo estende-se a grupos mais distantes uns dos outros em relações de sangue. Esses 
grupos formam, entretanto, alianças místicas correspondentes às do parentesco, os supostos 
descendentes do javali ou da onça ou do jacaré evitando-se tanto quanto irmão e irmã ou tio e 
sobrinha para o casamento ou união sexual.14 
O INCESTO É A BASE DE TODAS AS PROIBIÇÕES-A PRIMEIRA LEI É UMA LEI DE DIREITO DE 
FAMILIA; O TOTEME TABl/EM FREUD 
LACAN. Complexos familiares, p.14. 
FREYRE. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, p. 103. 
Op. Cit. p. 103. 
Freud, o fundador da Psicanálise, em 1913 publica o texto Totem e Tabu, no qual, com apoio da 
antropologia, descreve costumes de povos primitivos, constatando a presença de totense tabusnessas 
sociedades, que simbolizam as leis básicas e estruturadoras para aqueles selvagens. 
Totem é um animal, ou raramente um vegetal, ou um fenômeno natural (chuva, água por 
exemplo), ou mesmo um objeto, que mantém uma relação peculiar com o clã, sendo, pois, o objeto de 
tabus, proteção e deveres particulares. O totem é o antepassado comum do clã, ao mesmo tempo em 
que é o espírito guardião e auxiliar. Cada clã possui seu totem, e os seus integrantes têm a obrigação 
sagrada de não destruí-lo. Na relação de subordinação ao totem está a base de todas as obrigações 
sociais e restrições morais das tribos. Nos lugares em que se encontram totens, havia lei contra as 
relações sexuais entre pessoas do mesmo clã, com forte ligação entre totemismo e exogamia, sendo 
esta uma ordenação sagrada de origem desconhecida. 
A proibição das relações sexuais entre os membros do clã era o meio apropriado para impedir 
o incesto, inclusive grupal, e essa prevenção era a grande preocupação dos povos selvagens. As 
proibições sexuais de prevenção ao incesto estão longe de serem morais, no sentido dos nossos 
atuais padrões. Não cabe, aqui, descer a detalhes históricos e antropológicos, mesmo porque a obra 
de Freud e também de outros autores já o fizeram. Interessa realçar que o horror do incestoentre 
os povos primitivos continha variações inexplicáveis: a proibição para uma tribo era o 
relacionamento sexual entre pai e filha; em outra, a proibição entre genro e sogra, ou apenas entre 
irmãos etc. Assim, cada totem possuía suas peculiares leis de interdições sexuais. Todas elas tinham 
sempre uma proibição sexual, desta ou daquela forma, mas sempre uma proibição ao incesto, 
independentemente dos laços de sangue. Aliás, a única explicação que Freud encontrou para 
distinguir a evitação do incesto dos laços sanguíneos das demais evitações é que: 
No caso de parentesco de sangue, a possibilidade de incesto é imediata e a intenção de preveni-lo 
pode ser consciente. Nos outros casos, inclusive nos das relações do genro com a sogra, a 
possibilidade de incesto parece ser uma tentação na fantasia, mobilizada pela ação de laços 
vinculantes inconscientes.15 
Tabu, como já foi dito anteriormente, era entre os primitivos as interdições e proibições. Aquilo 
que é proibido sem ter ideia do porquê dessa proibição. 
Essas proibições referem-se principalmente contra a liberdade de prazer e contra a liberdade de 
movimento e comunicação ( ... ). Os tabus sobre animais, que consistem fundamentalmente em 
proibições de matá-los e comê-los, constituem o núcleo do totemismo.16 
Freud faz um grande relato histórico e antropológico sobre o tabu, em relação aos mortos, aos 
governantes etc. Não cabe aqui repeti-lo. Interessa-nos o porquê dessas proibições mais primitivas 
para saber onde está a origem de nosso ordenamento jurídico. Segundo Freud. 
Onde existe uma proibição tem de haver um desejo subjacente ( ... ) afinal de contas, não há 
necessidade de se proibir algo que ninguém deseja fazer e uma coisa que é proibida com a maior 
ênfase ( o incesto) deve ser algo que é desejado. Se aplicarmos essa tese plausivel aos nossos povos 
primitivos, seremos levados à conclusão de que algumas de suas mais fortes tentações eram 
matar seus reis e sacerdotes, cometer incesto, tratar mal os mortos e assim por diante - o que 
dificilmente parece provável. E nos defrontaremos com a mais positiva contradição se aplicarmos 
a mesma tese em que nós mesmos pareceremos ouvir com a maior clareza a voz da consciência. 
Sustentaríamos com a mais absoluta certeza que não sentimos a mais leve tentação de violar 
nenhuma dessas proibições - o mandamento 'Não matarás', por exemplo - e que não sentimos 
senão horror à ideia de violá-Ias.17 
Podemos dizer então que a toda lei corresponde um desejo que se lhe contrapõe. Da mesma 
forma, podemos dizer que os crimes que a lei proíbe, são os crimes que muitos homens têm uma 
propensão natural para cometer, senão, qual seria a razão de proibi-los? 
,, 
" 
" 
FREUD. "Totem e tabuR. ln: Obras psicológicas completas, v. XII, p. 36. 
FREUD. Dp. dt., p. 41, 43. 
FREUD. Dp. cit., p. 91-92. 
A investigação antropológica de Freud permitiu-lhe concluir que "os começos da religião, da 
moral, da sociedade e da arte convergem para o Complexo de Édipo".1s E o Complexo de Édipo nada 
mais é que a "Lei do Pai" (Lacan), ou seja, a primeira lei do indivíduo e que o estrutura enquanto sujeito 
e lhe proporciona o acesso à linguagem e, consequentemente, à cultura. 
Foi isso exatamente que Leví Strauss, por meio de observações empíricas em tribos primitivas, 
inclusive do Brasil, veio constatar, afirmar e confirmar: 
( ... ) o problema da proibição do incesto não consiste tanto em procurar que configurações 
históricas, diferentes segundo os grupos, explicam as modalidades da instituição em tal ou qual 
sociedade particular, mas em procurar que causas profundas e onipresentes fazem com que, em 
todas as sociedades e em todas as épocas, exista uma regulamentação das relações entre os sexos. 
Querer proceder de outra maneira seria cometer o mesmo erro que o linguista que acreditasse 
esgotar, pela história do vocabulário, o conjunto de leis fonéticas ou morfológicas que presidem 
o desenvolvimento da língua.19 
Nesta obra ele demonstrou, como já se disse, que o incesto é a base de todas as proibições. É então 
a primeira lei É a lei fundante e estruturante do sujeito e, consequentemente, da sociedade e, portanto, 
do ordenamento jurídico. É somente a partir dessa primeira lei, quando o indivíduo teve acesso à 
linguagem, que pôde perceber, com a proibição, que existiam outros totens e faz nascer a cultura. E 
talvez a explicação de sua origem seja mesmo a do vinculante inconsciente a que se refere Freud 
Segundo Claude Leví Strauss: 
A proibição do incesto não é nem puramente de origem cultural nem puramente de origem 
natural, e também não é uma dosagem de elementos variados tomados de empréstimo 
parcialmente à natureza e parcialmente à cultura. Constitui o passo fundamental graças ao qual, 
pelo qual, mas sobretudo no qual se realiza a passagem da natureza para a cultura.20 
Como já se disse, desde o início existem interdições e leis. Para existir o verbo, ou melhor, a 
linguagem, segundo a Psicanálise é necessário que o incesto, presente em toda e qualquer cultura, 
torne-se requisito básico para a existência e desenvolvimento desta cultura. É a partir desses 
elementos básicos que Freud, baseado na mitologia grega, construiu sua teoria sobre o Complexo de 
Édipo. E assim podemos dizer que é exatamente porque existe a interdição do incesto, que o homem é 
marcado pela "Lei do Pai", que se torna possível e necessário fazer as leis da sociedade onde ele vive, 
estabelecendo um ordenamento jurídico. Por isso podemos afirmar que a primeira lei, aquela que 
estrutura todos os ordenamentos jurídicos, é uma Lei do Direito de Família que funda a família 
conjugal. E podemos afirmar que a família conjugal é um sistema simbólico fundado em um fato 
sexuaJ21. 
1.6 O DIREITO E DESEJO; ÉTICA E MORAL, UMA DISTINÇÃO NECESSÁRIA 
A organização jurídica da família sempre foi, e sempre será, contaminada, e até determinada, por 
uma moral em cuja essência está a sexualidade. Dai a necessidade de falar e entender um pouco sobre 
isto. A primeira Lei, fundante do sujeito e da cultura é essa lei de Direito de Família, que é de origem 
sexual. A sexualidade interessa ao Direito de Família na medida em que ela passou a ser compreendida 
na ordem do desejo. E o desejo é a força motriz do Direito de Família. Embora o Direito Penal tipifique 
os crimes sexuais, focalizando-os na ordem da genitalidade (arts. 213 e segs.), a sexualidade se 
expressa no Direito de várias outras formas. 
Sexo, casamento e reprodução são o tripé e esteio do Direito de Família, e é a partir daí que todo 
o sistema jurídico para a família se estrutura e se organiza. Infidelidade, investigações de paternidade, 
divórcio, violência doméstica, abuso sexual, novas conjugalidades etc. são os ingredientes do Direito 
de Família e têm conteúdo sexual, ou melhor, são de ordem da sexualidade. 
Desde que Freud revelou ao mundo a existência do inconsciente, passou-se a compreender a 
sexualidade na ordem do desejo. Assim, a sexualidade humana foi ressignificada. E é nesta dimensão 
,, 
ll 
FREUD. Op. cít., p. 185. 
STRAUSS. Estruturas elementares do parentesco, p. 62. 
STRAUSS. Op. cit., p. 536. 
MARINA, José Antônio. O quebra cabeça da sexualidade. Trad. Diana Araújo Pereira. Rio de Janeiro: Guarda Chuva, 2008, p.103. 
do desejo que se instalou uma moral-sexual e se organizou juridicamente, misturando-se a preceitos 
religiosos, à família patriarcal, relações de poder e a dominação de um gênero sobre o outro. O Direito, 
uma sofisticada técnica de controle das pulsões, legitimou ou ilegitimou determinadas categorias de 
pessoas, inclusive e, principalmente, pelo controle da sexualidade feminina. É assim que o sexo 
legítimo só era possível dentro do casamento. 
Filhos ilegítimos, adulterinos, incestuosos, famílias ilegítimas etc. são expressões que traduzem a 
moral sexual de uma determinada sociedade e ganham registros nos textos jurídicos. Esta moral sexual 
condutora da organização jurídica sobre a família é tão forte e imperativaque nem mesmo era possível 
refletir sobre suas contradições históricas. Por exemplo: o homem sempre foi instigado e estimulado 
ao sexo, enquanto a mulher era instigada ao pudor. Ora, como poderia o homem praticar o sexo, como 
era instigado desde a infância, se à mulher eram proibidos o prazer e o sexo fora do casamento? Com 
quem haveria o homem de se deitar? Só restaria ser com prostituta ou com outros homens. Contudo, 
tanto a prostituição quanto a homossexualidade sempre foram condenados pela ordem jurídica. 
Devemos entender a sexualidade em seu sentido mais amplo e profundo para não reduzi-la 
apenas à genitalidade, que seria um empobrecimento da compreensão das relações humanas. 
Sexualidade, que vai muito além do sexo, como tão bem já nos revelou Freud, é uma dimensão presente 
na totalidade da existência humana. É todo um sistema de relações, afetos e fracassos. A energia 
libidinal, é o que dá vida à vida. Faz-nos trabalhar, produzir, criar e descansar, amar e sofrer, ter alegria, 
prazer e dor. É o desejo. Este começa com a vida, termina com a morte e sustenta-nos por toda vida. 
Começou a vida, instalou-se o desejo. Acabou o desejo, acabou-se a vida. É ele que mantém vivo o "arco 
da promessa". 
Se a sexualidade é da ordem do desejo, não se pode desconsiderar a existência de um sujeito 
desejante. Este sujeito desejante é quem pratica atos jurídicos, faz e desfaz negócios, casa, separa, tem 
filhos, sofre, tem alegria, enfim, emprega sua energia libidinal nas mais variadas formas do viver, e tece 
os traumas e os dramas familiares. 
Associado a essa tentativa de organização jurídica das relações de afeto está o elemento 
ideológico, que vem, por meio de uma moral sexual, determinando relações de poder e revelando as 
posições subjetivas dos operadores do Direito. A moral sexual civilizatória adotou o paradigma da 
moral masculina, na qual as restrições eram feitas, principalmente, às mulheres. 
O sistema patriarcal estabeleceu, e estabelece ainda, uma relação de poder entre os gêneros, a 
partir da divisão sexual do trabalho. Esta dominação de um sexo sobre o outro deixou marcas em nossa 
cultura que, até hoje, espalham seus significados e significantes (para usar uma expressão da 
linguística de Saussure e Lacan). Assim, as palavras vieram significando comportamentos, condutas, e 
o Direito, absorvendo isto, passou a expressá-las em seus textos legislativos. 
A história já nos ensinou que quem quer exercer o poder busca um sistema de legitimação. O 
Professor de filosofia espanhol, José Antônio Marina, em seu livro é assertivo ao fazer essa conexão da 
sexualidade, poder e dominação: 
as morais sexuais foram usadas com frequência para impor interesses particulares. São morais 
que emergem de sociedades patriarcais, nas quais o homem quer fàzer constar o seu domínio e 
assegurá-lo, ou sociedades teocráticas em que as igrejas tentam regular esse tempestuoso 
universdl.2• 
Até o advento da Constituição de 1988, os filhos havidos de uma relação extraconjugal não 
podiam ser registrados com o nome do pai. Para o Direito estes filhos "não existiam". Esta hipocrisia 
era sustentada em nome de uma moralidade pública, e dizia-se que tinha a finalidade de evitar a 
desestruturação ou a destruição da família. Fazia-se então a investigação da paternidade apenas para 
fins de alimentos. Aliás, esta e qualquer outra ação de investigação de paternidade girava sempre em 
torno da conduta sexual da mulher. Interessava saber, nesses processos judiciais, com quem ou com 
quantos homens ela teve relação à época da concepção do filho (investigante). Do suposto pai, pouco 
ou quase nada interessa de sua vida sexual. Apenas com o surgimento dos exames em DNA. que o eixo 
moral se deslocou para um eixo mais científico. 
A história do Direito, e em particular do Direito de Família, é recheada e marcada por uma história 
de exclusões: mulheres assujeitadas aos homens, famílias ilegítimas, filhos ilegítimos etc. Estas 
MARINA, José Antônio. O quebra cabeça da sexualidade. Trad. Diana Araújo Pereira. Rio de Janeiro: Guarda Chuva, 2008, p. 59. 
exclusões foram sustentadas por um discurso moralizante e de uma moral sexual civilizatória, como 
diz Freud. Os juízos particularizados e inseridos em uma ideologia para sustentação do poder 
acabaram por construir um Direito de Família marcado por injustiças. Foi em nome dessa moral 
(sexual) e dos bons costumes que muita injustiça já se fez e ainda se faz. Por exemplo, a filha 
"desonesta", isto é, que não tinha sua sexualidade controlada pelo pai ou pelo marido, podia ser 
excluída da herança; discutia-se ainda, até recentemente (2010) quem era o culpado pelo fim da 
conjugalidade; se pessoas do mesmo sexo podiam constituir famílias (2011) etc. Em 2021, o Conselho 
Nacional de Justiça - CNJ reconheceu, por meio de um pedido de providência do Instituto Brasileiro de 
Direito de Família - IBDFAM, que há uma lacuna normativa no Registro de Nascimento das crianças 
intersexo, quando na Declaração de Nascido Vivo - DNV ou na Declaração de Óbito - DO fetal o sexo é 
marcado como "ignorado23". Ampliou-se, com isso, a possibilidade dos pais que desejam não declarar 
o sexo dessas crianças nessa situação, de não se identificar o sexo, preservando, inclusive, o superior 
interesse da crianças. Dessa decisão, referendou-se o Provimento 122/2021 que dispõe sobre o 
assento de nascimento no Registro Civil das Pessoas Naturais nos casos em que o campo sexo da 
Declaração de Nascido Vivo (DNV) ou na Declaração de Óbito (DO) fetal tenha sido preenchido 
"ignorado", o que parece acompanhar a desenvoltura social. 
Para não continuarmos repetindo as injustiças históricas de ilegitimação de pessoas e categorias, 
em razão de uma moral sexual e religiosa, é necessário distinguir ética de moral. Somente um juízo 
ético universal, despido das particularidades do juízo moral, é que pode nos aproximar do ideal de 
justiça. Foi o imperativo ético, em detrimento de uma moral sexual que legitimou, a partir da 
Constituição de 1988, todos os filhos, instalou o princípio do melhor interesse da criança acima dos 
valores morais, fazendo-nos compreender que as funções maternas e paternas estão desatreladas do 
comportamento moral-sexual dos parceiros conjugais. 
É na ética do cotidiano que o outro é visto, considerado e respeitado em sua integridade e 
integralidade de sujeito, que se deve assentar a hermenêutica. Distinguir ética de moral é "suspender 
o juízo" para que se possa ver os sujeitos envolvidos como sujeitos a-morais. Para que isto seja possível 
e para ajudar a viabilizar julgamentos e considerações éticas, acima de valores morais, muitas vezes 
estigmatizantes e excludentes, é necessário que se recorra à várias fontes do Direito, especialmente 
aos princípios, como se verá no capítulo 2. 
1.7 AS FONTES DO DIREITO DAS FAMÍLIAS 
Como e onde nasce o Direito das Famílias? Sua fonte, ou seja, o seu manancial, seu nascedouro é 
a própria natureza humana, isto é, o espírito que reluz na consciência individual, tornando--a capaz de 
compreender a personalidade alheia, graças à própria. Desta fonte se deduzem os princípios imutáveis 
de justiça ou do Direito naturaJZ4. 
Quando falamos de fontes do Direito2s, como meio técnico de realização do direito objetivo, 
referimo-nos às fontes do Direito ocidental, isto é, à família common Jawe à romano-germânica, que 
23 Pedido de providências. Provimento. Registro civil de pessoas naturais. Assento de nascimento. Sexo na 
declaração de nascido vivo (dnv) ou na declaração de óbito (do) fetal preenchido "ignorado". Designação 
posterior. Possibilidade. Gratuidade. Provimento referendado. 1. Necessidade de adotar norma que discipline a 
atividade registrai em caráter nacional. Não há uma disposição legal a ser observada pelos registradores quando 
o sexo é marcado como "ignorado" na DNV ou na DO fetal. 2. Registro do nascimento, em conformidade com a 
DNV ou DO - sexo ignorado. 3. Designação do sexo, mediante opção pelo feminino ou masculino,com possível 
modificação do prenome, a ser feita a qualquer tempo e averbada no registro civil de pessoas naturais 
independentemente de autorização judicial ou de comprovação médica ou psicológica. Preservação da 
intimidade e da autodeterminação da pessoa registrada e de sua família. 4. Gratuidade da designação. 5. 
Provimento referendado. (CNJ, PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS-0005130-34.2019.2.00.0000, Rei Min. MariaThereza 
de Assis Moura, j. 13/08/2021) 
21i DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Trad. Antônio José Brandão, Coimbra: Armênio Amado, 1959, v.11., p.140. 
as A finalidade das fontes e servir como função de garantia, impedindo que o juiz, ao decidir os casos concretos que lhe são postos, deixe 
transbordar o seu subjetivismo. Impede, pois, o julgamento centrado em critérios pessoais. Importante indagação se pode formular: 
quais são as fontes do direito? Pois bem, diferentes critérios existem para classificar as fontes, fazendo com que sejam reconhecidas 
têm em comum a mesma moral cristã, a mesma base filosófica, o individualismo, o liberalismo, e que a 
partir do século XX passaram a sofrer também a interferência do discurso psicanalítico26, isto é, a 
consideração da subjetividade na objetividade dos atos e fatos jurídicos, e a compreensão de que o 
sujeito de direito é também, um sujeito desejante. Norberto Bobbio é assertivo ao dizer que 
fontes do direito são aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a 
produção de normas jurídicas. O conhecimento de um ordenamento jurídico ( e também de um 
setor particular desse ordenamento) começa sempre pela enumeração de suas fontes. ( ... ) o que 
nos interessa notar numa teoria geral do ordenamento jurídico não é tanto quantas e quais sejam 
as fontes do Direito de um ordenamento jurídico moderno, mas o fato de que, no mesmo momento 
em que se reconhece existirem atos ou fatos dos quais se faz depender a produção de normas 
jurídicas (as fontes do direito), reconhece-se que o ordenamento jurídico, além de regular o 
comportamento das pessoas, regula também o modo pelo qual se devem produzir as regras27• 
Das conhecidas e tradicionais fontes do Direito Positivo - a lei2•, jurisprudência, doutrina, 
costumes, equidade, direito comparado, analogia e princípios gerais - interessa-nos aqui destacar, 
para melhor compreender e viabilizar uma aplicação prática, os princípios gerais do direito, que hoje 
melhor se traduzem como princípios constitucionais, especialmente para estabelecer princípios 
norteadores para o Direito de Família. É essa fonte do Direito que faz tornar inaceitável para o jurista 
uma decisão judicial, ou uma solução no plano social que não seja justa e não esteja de acordo com a 
equidade. Os princípios constitucionais, hoje a principal fonte do Direito das Famílias, que, ao lado dos 
costumes, da jurisprudência e doutrina, são o alicerce, os pontos básicos e vitais para a sustentação do 
Direito. São eles que tratam as regras ou preceitos, para que toda espécie de operação jurídica tenham 
um sentido mais relevante que o da própria regra jurídica. Os princípios constitucionais contêm os 
fundamentos da "ciência" jurídica e as noções em que estrutura o próprio Direito. 
Para um Direito de Família mais justo, ou que se aproxime mais da ideia e ideal de justiça, é 
fundamental que o ordenamento jurídico se aproprie de todas as fontes do direito, especialmente 
porque a mais comum delas, a lei em sentido técnico legislativo, não consegue acompanhar ou traduzir 
a realidade jurídica, que também deveria traduzir os costumes. O jusfilósofo italiano, Dei Vecchio, para 
realçar os costumes como uma das principais fontes do Direito, e assim o é principalmente para o 
Direito das famílias, lembra que desde o direito romano os costumes já eram assim invocados: Com 
maravilhosa intuição divinatória, já Vico advertia, em uma época em que poucos o podiam 
compreender, que o Direito nasce das fundezas da consciência popular, da sabedoria vulgar, sendo 
obra anônima e coletiva das nações29. 
Para que o Direito de Família não repita as injustiças históricas de ilegitimação de determinadas 
categorias de filhos e famílias, é necessário que outras fontes do Direito, além das regras legislativas 
sejam respeitadas e consideradas, especialmente os princípios constitucionais, repita-se, que podem 
melhor ajudar a traduzir uma das outras fontes mais importantes do Direito: os costumes. Somente 
assim o Direito poderá fazer a necessária distinção entre ética e moral. Optar pela ética em detrimento 
de juízos morais significa trazer para o campo jurídico o conceito de família como um grupo cultural e 
não natural, como se concebia até recentementeªº. 
1.8 A FAMILIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 
Os movimentos sociais e a revolução dos costumes nas décadas de 1960 e 1970, consequência do 
movimento feminista e do pensamento psicanalítico foram absorvidos pelo Texto Constitucional de 
" 
" 
" 
" 
diferentes fontes do direito. ROSENVALD, Nelson; CHAVES, Cristiano de Farias. Curso de Direito Civil. Volume 1 1 12ª edição, Editora 
Jus Podivm, 2014, p.107. 
MARTINO, Antônio Anselmo. Freud, Kelsen y La unidad dei Estado. ln: El lenguaje dei derecho. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 19831 p. 
297-320, passim. 
Teoria do ordenamentojurfdico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 19991 p. 45. 
Após o advento da Emenda Constitucional no 45, de acordo com a redação do art. 103-A da Carta Constitucional, a jurisprudência 
ganhou especial importância, podendo, até mesmo, vincular a decisão do juiz de primeiro grau de jurisdição, quando se tratar de 
decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional. E o que se convencionou chamar jurisprudência com 
efeito vinculante, ou simplesmente, sumula vinculante. 
DEL VECCHIO, Giorgio. Idem. p.146. 
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2016 passim. 
1988. Foi somente a partir daí, como já se disse anteriormente, que o Estado, constitucionalmente, 
passou a dar proteção às famílias que não fossem constituídas pelo casamento. Então, podemos vê-la 
como um gênero que comporta várias espécies, sejam conjugais ou parentais. É o reconhecimento de 
que a família não é mais singular. É plural. Além de outras fontes do Direito, como o costume, a 
doutrina, os princípios, a jurisprudência vêm se firmando no sentido da pluralidade das famílias, como 
se vê no julgado abaixo: 
( ... ) Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de familia e, 
consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiarem 
que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado 
ªfamilia~ recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 
1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre 
considerado como via única para a constituição de familia e, por vezes, um ambiente de 
subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. 
Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os 
diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as familias 
e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o 
intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável 
dignidade".( ... ) Grifamos. 
É importante, entretanto, trazer um elemento histórico para que possamos compreender melhor 
a evolução e o processo evolutivo no qual estamos inseridos. Vejamos pelos registros nas Constituições 
brasileiras e tratamento dado por elas às famílias. 
A primeira Constituição do Brasil, outorgada em 1824 pelo Imperador D. Pedro 1, não fez 
nenhuma referência à família ou ao casamento. Tratou apenas, em seu Capítulo III (arts. 105 a 115), 
da família imperial e seu aspectode dotação. A segunda Constituição do Brasil e primeira da República 
(1891) também não dedicou capítulo especial à familia. Entretanto, seu art 72, § 4º, dizia: "A República 
só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita". Esse artigo ficou inserido nesta 
Constituição em razão da separação Igreja/Estado. A partir do regime republicano, o catolicismo 
deixou de ser a religião oficial e, com isso, tornou-se necessário mencionar o casamento civil como o 
vínculo constituinte da família brasileira. Até então era dispensável, pois as famílias constituíam-se 
pelo vínculo do casamento religioso, que tinha automaticamente efeitos civis, já que não havia a 
separação dos poderes Igreja/Estado. 
A segunda Constituição da República (1934) dedicou um capítulo à família, no qual, em quatro 
artigos (144 a 14 7), estabelecia as regras do casamento indissolúvel. Foi, portanto, a partir dessa 
Constituição que, seguindo uma tendência internacional e com as modificações sociais, as 
Constituições passaram a dedicar capítulos à família e a tratá-la separadamente, dando-lhe maior 
importância. 
As Constituições de 1937, 1946, 1967 e 1969 (Emenda 1/1969), seguindo a mesma linha de 
pensamento, traziam em seu texto o casamento indissolúvel como a única forma de se constituir uma 
família. 
CR 1937: 
Art 124. A familia, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do 
Estado. As famílias numerosas serão atribuídas compensações na proposição dos seus encargos. 
CR1946: 
Art 163. A familia é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção 
especial do Estado. 
CR 1967: 
Art 167. A familia é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. 
§ 1 º O casamento é indissolúvel. 
CR 1969: 
Art 175. A familia é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. 
31 STJ, REsp 1.183.378/RS, 4ª turma, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, publicado em 01.02.2012. 
§ 1º O casamento é indissolúvel (modificado pela Emenda Constitucional n. 9/77, que instituiu o 
divórcio no Brasil). 
O momento em que o texto constitucional passou a mencionar a família e dizer que ela se constitui 
pelo casamento civil é sinal de que o contexto talvez apontasse outras direções. É certo que há 
imposições da própria cultura, mas se os elementos culturais fossem tão determinantes, não haveria 
necessidade de se legislar sobre eles, pois seriam leis naturais. Há também razões políticas a partir da 
separação lgreja/Estado,32 razões econômicas etc. Mas a história nos revela mais e nos possibilita ver 
os fatos à distância, com uma isenção maior e um envolvimento menor no processo histórico-evolutivo. 
Podemos verificar, portanto, que a lei, ao dizer que a forma de constituir família é o casamento civil e 
que este é indissolúvel, estava cerceando algo que se lhe contrapunha. Ou seja, se havia necessidade 
de se impor o casamento civil é porque deveria haver outras formas de constituir família que iriam, ou 
queriam, surgir a partir do Brasil República. É como os Dez Mandamentos. Eles só existem porque 
existem aqueles dez desejos que se lhes contrapõem. 
A Constituição de 1988, como já se disse, abriu e ampliou as formas de constituição de família, 
dizendo em seu texto: 
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 
§ 1 º O casamento é civil e gratuita a celebração. 
2 §• O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei. 
3 §• Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher 
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 
4 §• Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e 
seus descendentes. 
Apesar de certa timidez no texto quando se diz entidade familiar em vez de família, podemos 
marcar aí uma evolução. É compreensível que a elaboração de um texto legislativo seja o resultado de 
forças políticas diversas. Mas talvez seja mesmo na diversidade que esteja a democracia. Apesar de 
alguns resistirem ainda em não entender o atual texto constitucional, ele é a tradução da família atual, 
que não é mais singular, mas cada vez mais plural. E nele estão contidas todas as novas estruturas 
parentais e conjugais. Neste sentido, Paulo Lôbo com propriedade e autoridade: 
( ... ) Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são 
meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo 
referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de 
abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput Como todo conceito 
indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à 
tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade. 33 
Após décadas de evolução da hermenêutica constitucional, o Supremo Tribunal Federal, 
invocando o princípio da dignidade da pessoa humana, consolidou definitivamente que as famílias 
descritas no artigo 226 da CR são apenas exemplificativas, pois o conceito de família envolve o 
princípio da afetividade e, assim todas as novas estruturas parentais e conjugais, incluindo a 
homoafetiva fazem parte do leque constitucional das entidades familiares, como já explicitado no 
julgado abaixo transcrito, que sintetiza a evolução deste pensamento: 
,, 
( ... ) Se, de um lado, a Constituição, ao consagrar a laicidade, impede que o Estado intervenha em assuntos religiosos, seja como árbitro, 
seja como censor, seja como defensor, de outro, a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé detenninem o conteúdo de atos 
estatais. Vale dizer: concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões 
estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada. A crença religiosa e espiritual - ou a ausência dela, o ateísmo - serve 
precipuamente para ditar a conduta e a vida privada do indivíduo que a possui ou não a possui. Paixões religiosas de toda ordem hão 
de ser colocadas à parte na condução do Estado. Não podem a fé e as orientações morais dela decorrentes ser impostas a quem quer 
que seja e por quem quer que seja. Caso contrário, de uma democracia laica com liberdade religiosa não se tratará, ante a ausência de 
respeito àqueles que não professem o credo inspirador da decisão oficial ou àqueles que um dia desejem rever a posição atê então 
assumida (STF, ADPF 54, Rei. Min. Marco Aurélio, julgado em 12.04.2012). 
LÔBO, Paulo Luiz Netto. "Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além donumerusclausus". Anais do Ili Congresso Brasileiro 
de Direito de Família. Família e cidadania. O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 95. 
(. .. ) A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famllias construídas pelas 
relações afetivas interpessoais dos pr6prios indivíduos é corolário do sobreprincípio da 
dignidade humana. 6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art 1-': III, da Constituição, ao 
tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-polftico, reconhece as suas 
capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, 
proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das 
vontades particulares. (...) A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, 
reconhece como legítimos modelos de famllia independentes do casamento, como a união estável 
(art 226, § 31l) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada 
"fam11ia monoparental" (art 226, § 49), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do 
matrim{Jnio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação 
e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art 227, § 69). 9. As uniões estáveis 
homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidadefamiliar, conduziram 
à imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de famllia como instituição que 
também se forma por vias distintas do casamento civil {ADI n!!. 4277, Relator(a): Min. Ayres 
Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). (. . .) Os arranjos familiares alheios à regulação 
estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de 
pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de 
direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e 
adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da 
pessoa humana (art 1-': III) e da paternidade responsável (art 226, § 79). 16. Recurso 
Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a 
casos semelhantes: ~ paternidade socioafetiva, dedarada ou não em registro público, não 
impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com 
os efeitos jurídicos pr6prios• {STF, RE n 9 898060-SC, Rel Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 
21/09/2016). 
1.9 O CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA ORGANIZAÇÃO JURÍDICA-A FAMÍLIA COMO 
ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA 
Do latim famulus, de famel( escravo), designava um conjunto de pessoas aparentadas entre si que 
viviam na mesma casa (famulus), mas também cumprindo a função de servos ou escravos para outro 
grupo, as gens, que eram seus patrões. Em inglês family, em francês famille, em alemão familie, italiano 
famiglia. O seu conceito tem sofrido variações ao longo do tempo. Embora a antropologia, sociologia e 
psicanálise já tivessem estabelecido um conceito mais aberto de família conjugal, no Direito esteve 
restrito, até a Constituição da República de 1988, ao casamento (art 226), como já se disse. 
Com a Carta Magna, ela deixou sua forma singular e passou a ser plural, estabelecendo--se ali 
apenas um rol exemplificativo de constituições de família. E nem poderia ser diferente, já que a ideia e 
o conceito de família está em constante mutação, adaptando-se às evoluções e costumes. Portanto, 
novas estruturas parentais e conjugais estão em curso, e muitas delas já são realidade absorvida pela 
ordem jurídica, como as famílias mosaicos, famílias geradas por inseminação artificial, famílias 
simultâneas, poliafetivas, famílias homoafetivas, filhos com dois pais ou duas mães, parcerias de 
paternidade, enfim, as suas diversas representações sociais atuais e, que estão longe do tradicional 
conceito de família, que era limitada à ideia de um pai, uma mãe, filhos, casamento civil e religioso. 
A família transcende sua própria historicidade, pois suas formas de constituição são variáveis de 
acordo com o seu momento histórico, social e geográfico. Sua riqueza se deve ao mesmo tempo à sua 
ancoragem numa função simbólica e na multiplicidade de suas recomposições possíveis34. Por isso 
haverá sempre, de uma forma ou outra, algum tipo de núcleo familiar que fará a passagem da criança 
do mundo biológico, instintual, para o mundo social. Neste sentido é que ela é o núcleo básico, fundante 
e estruturante do sujeito. Isso amplia nossa visão, ajuda a acabar com preconceitos e torna mais efetiva 
a aplicação do princípio da pluralidade de famílias. 
Com o declínio do patriarcalismo, a família perdeu sua força como instituição e hierarquia rígida, 
ficou menos patrimonialista, deixou de ser essencialmente um núcleo econômico e de reprodução para 
ser o espaço do amor e do companheirismo, e um centro formador e de desenvolvimento do sujeito, 
de sua dignidade, de sua humanidade e humanização. 
34 DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. De que amanhã: diálogo. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 52. 
Família, ou entidade familiar, é um gênero que comporta duas espécies, em sua constituição: a 
família conjugal e a família parental. A conjugal é aquela que se estabelece com base em uma relação 
afetiva, envolvendo sexualidade e pode advir daí filhos, ou não. Pode ser heteroafetiva ou homoafetiva, 
pelo casamento ou união estável, simultânea à outra, quebrando o princípio da monogamia, ou não; a 
família parental é aquela que decorre da formação de laços consanguíneos ou socioafetivos. Pode ser 
por inseminação natural ou artificial, geradas em útero próprio ou de substituição (barriga de aluguel). 
Seja como for, parental ou conjugal, interessa ao Direito de Família a inclusão de todas essas novas 
configurações para que se possa atribuir direitos e receber a proteção do Estado. 
Afinal, por que esses novos arranjos familiares causaram e ainda causam tanta resistência, 
indignação e até mesmo horror a algumas pessoas? É que a forma de constituição de família revela, de 
alguma forma, elementos e fantasias da sexualidade que é mais cômodo repugná--las. Reprimir a 
sexualidade alheia é uma forma de ajudar a reprimir as próprias fantasias. Pessoas em paz com a 
própria sexualidade aceitam a dos outros com respeito e naturalidade. 
O que realmente interessa de uma família? Qual o seu conteúdo central que determina se ali tem--
se um núcleo familiar, ou não? O que verdadeiramente mantém e assegura a existência de uma família? 
Será a lei jurídica associada ao afeto e aos laços de consanguinidade? 
Família é o locus da formação e estruturação do sujeito. Não é possível que uma pessoa se torne 
sujeito sem que tenha passado por um núcleo familiar. Além de formador do sujeito, a família 
desempenha um papel primordial de formação de valores e transmissão da cultura. Sem ela não há 
sociedade ou Estado. Sem essa estruturação familiar não haveria sujeito ou relações interpessoais ou 
sociais. É na família que tudo se principia, é nela que nos estruturamos como sujeitos e encontramos 
algum amparo para o nosso desamparo estrutural. Para se ter ideia da força dessa estruturação 
familiar que é psíquica, muito além do laço jurídico, basta lembrar, por exemplo, que os verdadeiros 
pais, biológicos ou socioafetivos, mesmo depois de mortos, continuam vivos, não apenas em nossa 
memória, mas principalmente em nossa psiqué. Pai, mãe, filho integram uma estrutura psíquica e, por 
isso, quando morrem, uma parte de nós vai junto com eles, e ao mesmo tempo continuam vivos dentro 
de nós. Esta é a força da família como estruturação psíquica, e que, portanto independe da forma de 
sua constituição, se pelo casamento, união estável, união simultânea, ou mesmo sem laço conjugal, 
hetero ou homoafetiva. 
A revolução silenciosa que a família, por meio dos novos arranjos que ainda estão curso, vem 
provocando é a grande questão política da contemporaneidade. A luta por um país melhor só tem 
sentido, e é verdade, se o sujeito tiver autonomia privada e tiver a liberdade de estabelecer seus laços 
conjugais como bem lhe aprouver. 
A história e a política, hoje, se escrevem e se inscrevem a partir da vida privada, que obviamente 
começa e termina na família. E assim a vida privada, e, portanto, a família, tornou--se a principal razão 
política dos Estados democráticos contemporâneos. Compreender o avanço da dinâmica e das novas 
famílias nos remetem a valores que são universais, como busca da igualdade e o respeito à diferença, 
que são suporte de uma visão de mundo humanista e civilizador. Não há vida digna, pública ou privada, 
sem liberdade e igualdade. E não há vida humana sem fraternidade. Sem liberdade, há o arbítrio, sem 
igualdade a injustiça, sem a fraternidade a barbárie3s, 
1.10 AS ENTIDADES FAMILIARES PARENTAIS E CONJUGAIS 
Desde que a família passou a ser o espaço do afeto, do companheirismo, e as pessoas passaram a 
se casar por amor, começaram a surgir novas estruturas parentais e conjugais. A Constituição da 
República de 1988, legitimou todas elas, uma vez que o rol do artigo 226 é apenas exemplificativo. 
Vejamos algumas destas novas e antigas concepções de família, que se apresenta hoje, inclusive, com 
um novo vocabulário, novas nomenclaturas. Nomeá-las é passar a entendê-Ias melhor:1.10.1 Famlliademocrática 
Família democrática vem em contraposição à família tradicional patriarcal em que o pai era 
autoridade central, tinha mais valor e importância que a mulher e os filhos. Com o declínio do 
patriarcalismo, a família foi se tornando cada vez mais democrática: menos hierarquizada, menos 
patrimonializada. E assim foi deixando sua forma mais vertical e ficando mais horizontalizada, para 
35 CUNHA, João Paulo. Minha família é a humanidade. ln Penso, logo divide. Belo Horizonte: Lira Cultura, 2019, p.142. 
seu um locus do afeto, da solidariedade, do companheirismo e de formação e desenvolvimento do 
sujeito e de sua dignidade. 
Na família democrática, não há superioridade de um gênero sobre o outro, as crianças e 
adolescentes são sujeitos de direito tanto quanto os adultos, embora tenham lugares e funções 
diferentes. Não há desigualdade de direitos entre seus membros, repele--se a violência doméstica, o 
trabalho do homem e da mulher, sejam eles exercidos fora ou dentro do lar, são igualmente 
valorizados. 
Democracia pressupõe a igualdade entre seus membros e suas formas de constituição, sejam 
constituídas pelo casamento, união estável, hétero ou homoafetivas. Em uma família democrática, 
quando o casal se divorcia, os filhos continuam convivendo igualmente com ambos os pais, que 
praticam a guarda compartilhada. 
Um Estado Democrático de Direito começa com sua base democrática, que é a família. Em outras 
palavras, a teoria e prática da democracia começam do ambiente doméstico, onde os valores de 
solidariedade, responsabilidade, igualdade, liberdade, fraternidade estabeleceu o desÍgn da dignidade 
e dignificação da pessoa humana como sujeito de desejo e de direitos. A democracia começa na família, 
cujos membros não têm seus desejos assujeitados ou dominados pelo desejo do outro. A democrada, 
portanto, representa um Ídeal, o Ídeal de uma comunÍdade coesa de pessoas, VÍvendo e trabalhando 
juntas, e buscando mecanÍsmos juntos e não VÍolentos de condHar seus conflÍtos. Democrada no seu 
maÍs amplo sentido, pode ser de.inÍda como a arte de VÍver junto.36 
Em uma família democrática, a essência transcende a sua formalidade, isto é, não importa a forma 
como ela se constituiu, e além de funcionar como o núcleo formador e estruturante do sujeito, tem 
também como essência a busca da felicidade. E, assim, família democrática e família eudemonista se 
entrelaçam e têm sentido e conceitos complementares. 
1.10.2 Fam11Ía eudemonÍsta 
Eudemonismo é a doutrina que tem como fundamento a felicidade como razão da conduta 
humana, considerando que todas as condutas são boas e moralmente aceitáveis para se buscar e atingir 
a felicidade. Assim, família eudemonista é aquela que tem como princípio, meio e fim a felicidade. Essa 
ideia da busca da felicidade vincula--se diretamente a valores como liberdade e dignidade da pessoa 
humana, que por sua vez pressupõe o sujeito de direitos como sujeito de desejos, isto é, a felicidade do 
sujeito de direito está diretamente relacionada ao desejo do sujeito. 
Os valores eudemonistas ganharam força, e reforço, com o declínio do patriarcalismo e com a 
sociedade do hiperconsumo. E foi assim com o enaltecimento de tais valores, que são ao mesmo tempo 
causa e consequência, que a família perdeu sua preponderância como instituição, sua forte hierarquia, 
deixando de ser, principalmente, um núcleo econômico e de reprodução. 
Se o que interessa na família é a felicidade de seus membros, a sua força como instituição não tem 
mais a relevância que tinha antes e não prevalece mais a vontade do Estado na determinação de sua 
formatação jurídica. A família continua, e está mais do que nunca, empenhada em ser feliz. A 
manutenção da família depende sobretudo, de se buscar, por meio dela, a felicidade37. Daí poder-se 
dizer: casamos para sermos felizes e também nos separamos à procura da felicidade. 
1.10.3 Fam11Ía patriarcal 
É a família em que a autoridade e os direitos sobre os bens e as pessoas concentram--se nas mãos do 
pai. 
Além de uma patrilinearidade, é um sistema social político e jurídico que vigorou no mundo 
ocidental até o século XX. Embora ainda persistam sinais de patriarcalismo, ele perdeu sua força. 
A psicanálise e o movimento feminista reforçaram o declínio do patriarcalismo, ajudando a 
desconstruir a força ideológica da família patriarcal. A partir da consideração do sujeito de direito 
como sujeito de desejos, passou a ser inadmissível que mulher e filhos fossem assujeitados ao poder e 
desejo de um patriarca. E, assim, a família perdeu sua rígida hierarquia, despatrimonializou--se, ou 
BODIN DE MORAES, Maria Celina. A Família Democrática. ln: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coarei.). Anais do V Congresso Brasileiro 
de Direito de Família- Fam11ia e Dignidade Humana. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 616). 
RIBEIRO, Renato Janine. ln Anais do li Congresso Brasileiro de Direito de Família. Afam,1ia na travessia do milênio. Belo Horizonte: 
IBDFAM f Dei Rey, 2000. p. 23. 
seja, aos poucos foi deixando de ser apenas um núcleo de formação e transmissão de patrimônio, e 
passou a ser o espaço do amor, do afeto e o locusde formação e estruturação dos sujeitos (ver. cap. 2 
- Princípio da igualdade e respeito às diferenças. 
No Brasil, até a década de 1960 o sistema da família patriarcal ainda era muito forte. Foi somente 
com a Lei nº 4.121/62, Estatuto da Mulher Casada, que a mulher ganhou status jurídico de sujeito de 
desejo e direitos. E a Constituição da República de 1988 rompeu definitivamente os laços jurídicos com 
a tradição patriarcal. Foi aí que o afeto passou a ser valor jurídico, e a família pôde ser mais 
democrática. 
A família patriarcal, mais que um núcleo familiar, e antítese da família democrática, engendrou 
todo um sistema de pensamento baseado na suposta superioridade masculina. 
1.10.4 Fam11Ía conjugal 
Conjugalidade é um elo amoroso-sexual mais permanente entre o casal. Ela pressupõe a presença 
da sexualidade que é um de seus elementos vitalizador, ou desvitalizador. Contudo, nem toda relação 
sexual significa conjugalidade, como acontece em um namoro ou em relações sexuais eventuais. 
Quando o sexo fora do casamento deixou de ser ilegítimo, e o exercício da sexualidade tornou--se livre 
de imposições jurídicas, e portanto mais saudável, o sexo pôde se desatrelar da conjugalidade. 
A conjugalidade é um núcleo de vivência afetivo--sexual com uma certa durabilidade na vida 
cotidiana. nÉ uma forma possível de gestão compartilhada da sexualÍdade e dos afetos, onde Ídeologias 
e práticas dÍversas de amor conjugal e gênero se expressam e reafjzam posÍtivamente"3s, 
Família conjugal é aquela que se estabelece a partir de uma relação amorosa, na qual estão 
presentes, além do afeto, o desejo e o amor sexual. O amor conjugal assenta--se também na 
sexualidade, que não está necessariamente na genitalidade. A sexualidade vai muito além do sexo. Isto 
ajuda o Direito a ampliar a noção de amor conjugal. Pode haver, por exemplo, um casal que, em 
decorrência de fatores como impotência ou frigidez causadas pela idade, doença ou por razões que não 
se pode ou não se deve indagar, o exercício de sua sexualidade não necessariamente está nos atos 
sexuais genitalizados tradicionais. Contudo, isto não anula ou invalida o amor conjugal. A sexualidade 
é da ordem do desejo, é plástica e comporta infinitas variações e manifestações. 
Família conjugal é o gênero que comporta várias espécies de famílias, tais como, aquela 
constituída pelo casamento e união estável, homo ou heteroafetiva. Fundamental é verificar se os 
sujeitos que se dispuseram a unir--se o fazem pelos laços afetivos e se constituíram uma entidade 
familiar que está além de um convívio superficial e despretensioso, instituindo--se ali um núcleo 
familiar, seja com alguém de mesmo sexo ou de sexo oposto, com filhos ou sem eles. 
A família conjugal por si só não gera uma relação de parentesco, a não ser o parentesco por 
afinidade, estabelecendo a relaçãode cunhado(a), sogra(o), genro e nora (art 1.595, CCB). 
1.10.5 Fam11Íaparental 
É a família que se estabelece a partir de vínculos de parentesco, consanguíneos, socioafetivos ou por 
afinidade. O parentesco por afinidade na linha reta, ou seja, sogro(a), nora, genro, não se dissolve com o 
fim do casamento ou união estável (art 1.595, § 2º, CCB). Esta fórmula é uma repetição do CCB 1916 (art 
335), e hoje não faz nenhum sentido. Não há razão lógica alguma romper o vínculo com a 
mulher /marido/ companheiro e não romper com a sogra ou sogro. O argumento que sustentava o art 
335, CCB/1916 ("A afinidade, na linha reta, não se extingue com a dissolução do casamento, que a 
originou"), era o da evitação do incesto, ou seja, evitar possível casamento entre genro e sogra. 
A família parental é o gênero das várias espécies de famílias, tais como, anaparental, 
monoparental, multiparental, extensa, adotiva, ectogenética, coparental e homoparental. 
1.10.6 FamDÍamonoparental 
É a família formada por filhos com apenas o pai ou a mãe. Na expressão do art. 226, § 4º da 
Constituição da República, é "a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes". As 
3" MATOS, Martise. Reinvenções do vínculo amoroso: cultura e identidade de gênero na modem idade tardia. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Rio 
de Janeiro: IUPERG, 2000. p.163. 
famílias monoparentais podem ser constituídas pelo pai ou mãe viúvos, mãe ou pai solteiros, ou seja, 
pode ser constituída por escolha, planejada ou não. 
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE têm revelado a cada nova 
estatística um aumento crescente do número de famílias monoparentais, notadamente as de mulheres 
que criam seus filhos sozinhos, sejam pelo abandono do pai, seja em razão de gravidez não planejada. 
Família monoparental pode ser também constituída pela avó/avô, seus netos, ou um parente, ou 
mesmo um terceiro qualquer "chefiando" a criação de um ou mais filhos. 
Um dos tipos de família monoparental, e que são recentes do ponto de vista histórico, são as 
chamadas "produções independentes". Uma mulher, ou um homem, que deseja ser pai ou mãe, resolve 
ter um filho, independentemente da anuência ou concordância de um parceiro ou fornecedor do 
material genético. Isto pode se dar por meio de inseminação artificial com material buscado em banco 
de sêmen, ou mesmo por inseminação natural, utilizando seu parceiro sexual como mero doador do 
material genético, com o conhecimento/consentimento, ou não do parceiro. 
1.10.7 Famlliaanaparental 
É a família formada entre irmãos, primos ou pessoas que têm uma relação de parentesco entre si, 
sem que haja conjugalidade entre elas e sem vínculo de ascendência ou descendência. É uma espécie 
do gênero família parental. 
A importância desse conceito e caracterização, assim como as demais famílias, está no sentido de 
proteção jurídica, especialmente para efeitos de caracterização do bem de família e sua 
impenhorabilidade. A decisão abaixo reforça esse conceito: (..) Nessa senda, a chamada famllia 
anaparental sem a presença de um ascendente, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem 
à fam11ia, merece o reconhecimento e igual status(. .. ) {STJ, REsp 1217415-RS, Reli! Min.f! Nancy 
Andrighi, 3!! T., publ 28/06/2012). 
1.10.8 Fam11ia unipessoal 
Há pessoas que optam por viverem sozinhas, o que se denomina na língua inglesa de singles, mas 
nem por isso significa que não deve receber o reconhecimento e proteção do Estado. Embora pareça 
paradoxal, pois no conceito de família está a ideia de um grupo de pessoas ligadas pelo vínculo de 
parentesco ou conjugalidade, o Direito de Família brasileiro tem considerado como família os singles, 
ou seja, os que vivem sozinhos, especialmente para caracterização de sua moradia como um bem de 
família e, portanto, impenhorável. Não é justo que alguém que víva sozinho em imóvel de sua 
propriedade, seja por livre escolha (família unipessoal estrutural) ou em decorrência de viuvez, 
divórcio ou fim da união estável (família unipessoal friccionais) não tenha sua "propriedade mínima", 
sua moradia, preservada de possíveis constrições. 
A doutrina e a jurisprudência, em sua maioria, vinham no sentido de proteger o patrimônio 
mínimo do sujeito, independentemente de ter constituído família nos moldes tradicionais, ou não. Na 
verdade, a proteção é ao núcleo familiar, ou mesmo à pessoa, como se pode ver exemplificativamente 
na decisão abaixo: 
"(. .. ) Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. 
Também o celíbatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus 
descendentes hajam constituído outras fam11ias, e, como normalmente acontece, passam a residir 
em outras casas. 'Data venia; a Lei n. 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao 
contrário - à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido 
social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. S6 essa finalidade, 'data venia; põe 
sobre a mesa a exata extensão da lei. (...) (STJ, REsp 182223/SP, 6!! T., ReL Min. Luiz Vicente 
Cernicchiaro, publ 10-5-1999) 
A súmula 364 do STJ, de 03.11.2008 sepultou de vez a polêmica, consolidando toda a evolução 
jurisprudencial: ªO conceito de impenhorabilidade de bem de fam11ia abrange também o im6vel 
pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas~ E assim, o conceito de família unipessoal, que foi 
construído para proteção ao "solteiro", perde um pouco o sentido, já que depois desta súmula a pessoa 
já está protegida. 
A Lei 13.144/2015 alterou o inciso III do art 3º da Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, para 
assegurar proteção ao patrimônio do novo cônjuge ou companheiro do devedor de pensão alimentícia. 
1.1 O. 9 Fam11ia multi parental 
É a família que tem múltiplos pais/mães, isto é, mais de um pai e/ou mais de uma mãe. 
Geralmente, a multiparentalidade se dá em razão de constituições de novos vínculos conjugais, em que 
padrastos e madrastas assumem e exercem as funções de pais e mães, paralelamente aos pais 
biológicos e/ou registrais, ou em substituição a eles. A multiparentalidade é comum, também, nas 
reproduções medicamente assistidas, que contam com a participação de mais de duas pessoas no 
processo reprodutivo, como por exemplo, quando o material genético de um homem e de uma mulher 
é gestado no útero de uma outra mulher. Pode se dar também nos processos judiciais de adoção. 
A multiparentalidade, ou seja, a dupla maternidade/paternidade tornou--se uma realidade 
jurídica, impulsionada pela dinâmica da vida e pela compreensão de que paternidade e maternidade 
são funções exercidas. É a força dos fatos e dos costumes como uma das mais importantes fontes do 
Direito, que autoriza esta nova categoria jurídica. Daí o desenvolvimento da teoria da paternidade 
socioafetiva que, se não coincide com a paternidade biológica e registrai, pode se somar a ela. 
O conceito de multiparentalidade revolucionou o sistema jurídico de paternidade e maternidade 
concebido até então. O registro civil, que tem função de registrar a realidade civil das pessoas, tem--se 
adaptado a esta realidade. Foi neste intuito que a Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015/73) foi alterada 
em 2009, pela Lei nº 11.924, para tornar possível acrescentar o sobrenome do padrasto/madrasta no 
assento do nascimento da pessoa natural: O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável ( ... ), 
poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de 
seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância deles, sem prejuízo de seus 
apelidos de família (art 57, § 8º). É também conhecida como pluriparentalidade. 
O jurista Zeno Veloso é enfático: Em alguns casos, podem coexistir a parentalidade biológica e 
socioafetiva, com a mesma intensidade, isto é, sem que se estabeleça uma preferência ou hierarquia entre 
uma e outra. Tome-se como exemplo o caso de alguém que tem pai biológico e padrasto,

Outros materiais