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Isquemia e Infarto 1 🔬 Isquemia e Infarto ISQUEMIA Definição: redução ou cessação do fluxo sanguíneo para um órgão ou território do organismo, tornando o aporto de sangue insuficiente para manter as necessidades metabólicas dos tecidos → disfunção celular ← ↓ O2 ← déficit circulatório e hipóxia ou anóxia Na maioria das vezes a isquemia resulta de redução da luz do vaso (parcial ou total) Isquemia sem obstrução vascular é encontrada em vários órgãos, como nos estados de choque, em que há hipoperfunfusão sistêmica � Fisiopatogenia: glicólise aeróbica → ↓ O2 → glicólise anaeróbica → ↑ác. lático e outros catabólicos → dor e desequilíbrio celular Lesões do dano celular por radicais livres: Peroxidação lipídica das membranas Modificação oxidativa das proteínas Lesão do DNA Características A região ou o órgão isquêmicos por interrupção do fluxo arterial são mais pálidos, em contraste com as áreas em que o aporte sanguíneo é normal Isquemia e Infarto 2 Se a isquemia resulta de obstrução venosa, o quadro é dominado por hiperemia passiva, que confere aspecto cianótico ao órgão Causas da isquemia 1. Obstrução arterial (+++) Provocada por: Obstrução intravasculares: na grande maioria resultado da aterosclerose, embolia, trombose arterial e arterites Compressão extrínseca: tumores, compressão de tecidos moles no decúbito prolongado (úlceras de pressão) e na síndrome compartimental Espasmos da parede arterial: desequilíbrio entre agentes vasodilatadores e constritores, podendo causar obstrução parcial ou total da luz de uma artéria O sangue acumula-se na microcirculação, produzindo estase circulatória (parada), o que leva a anóxia e pode causar hemorragia A existência de uma circulação colateral entre artérias distintas pode manter circulação compensadora eficiente Em outros órgãos essa circulação colateral não é suficiente, nesse caso a obstrução de um ramo provoca acúmulo de sangue no território correspondente, porque as colaterais trazem sangue para a região, mas sem força para conduzir até as veias 2. Obstrução da microcirculação Obstrução de capilares localizada pode ser causada por: Aumento da viscosidade sanguínea (síndrome de hiperviscosidade), como em policitemias e na anemia falciforme Úlcera de estase - varicosa; déficit venoso extenso Isquemia e Infarto 3 Coagulação intravascular disseminada, em que microtrombos se formam na microcirculação Compressão extrínseca, como a encontrada em pacientes acamados que desenvolvem úlceras de decúbito Embolia gasosa e gordurosa Parasitismo de células endoteliais e de células de Kupffer, com tumefação endotelial acentuada, como ocorre em algumas infecções por microrganismos intracelulares (toxoplasmose, calazar, citomegalovirose etc.) ou que induzem aderência de eritrócitos ao endotélio capilar (malária por Plasmodium falciparum) 3. Obstrução venosa Pode resultar de trombose ou de compressão extrínseca Causas extrínsecas: Torção do pedículo vascular (+++) Compressão por tumores Compressão por linfonodos aumentados Essa obstrução também depende de vias colaterais de drenagem Se a obstrução interrompe o retorno venoso e aumenta a pressão hidrostática na microcirculação, o fluxo sanguíneo fica comprometido e pode até cessar, se a pressão hidrostática iguala-se à arterial (estase circulatória) Com isso, instala-se isquemia progressiva associada a hiperemia passiva, que contribui para formar edema local São exemplos de isquemia por obstrução venosa: Hérnia intestinal estrangulada Torções do testículo Infarto vermelho do testículo e epidídimo visto pelas superfícies externa (A) e superfície de corte (B). Testículo e epidídimo tumefeitos, enegrecidos e com petéquia na Isquemia e Infarto 4 Torções do ovário Tumores pediculados, no vólvulo intestinal Tromboses nas veias renais e mesentéricas ou nos seios venosos da dura-máter Isquemia por obstrução venosa ocorre raramente nos membros superiores e inferiores por trombose de veias subclávia ou ileofemoral, já que nesses locais a rede colateral é bem desenvolvida Consequências Principal: hipóxia → anóxia → necrose Como diferentes órgãos possuem suscetibilidade distinta à falta de oxigenio, as lesões variam Tecido nervoso: muito sensível à hipóxia → os neurônios podem sofrer necrose após poucos minutos de anóxia Tecido muscular estriado: ↑↑↑ resistênte (favorável nos processos de transplante de órgãos) Tecido ósseo: ↑↑↑ resistênte As consequências da isquemia dependem de vários fatores: 1. Extensão da área isquêmica e sua localização 2. Velocidade de instalação (súbita ou lenta) 3. Existência de circulação colateral 4. Sensibilidade dos tecidos atingidos à hipóxia ou à anóxia Isquemia mais extensa Isquemia pequena Isquemia súbita Isquemia de instação lenta e progressiva Isquemia generalizada túnica vaginal e na albugínea Isquemia e Infarto 5 INFARTO Definição: “área de necrose isquêmica em um órgãos/tecido, resultante da interrupção de seu suprimento arterial ou drenagem venosa insuficiente” → “não sai e não chega O2” Causas do infarto Oclusão arterial Oclusão venosa → A oclusão vascular é geralmente causada por importante trombose e/ou embolia Morfologia dos infartos Cuneiformes: ápice voltado para a zona de oclusão vascular (forma piramidal) → o vértice corresponde com o local da obstrução e a base as regiões mais periférica Fisiopatogenia: resulta da dicotomização dos vasos nestes órgãos Obs: no cérebro e miocárdio a forma usualmente irregular, dada a complexa vascularização colateral (anastomoses) Aspecto cuneiforme do infarto renal - necrose de coagulação Isquemia e Infarto 6 Tipos de infarto → Quanto ao aspecto: 1. Brancos ou anêmicos Oclusão arterial em territórios sem ou com escassa circulação colateral Tecidos densos Aspecto de palidez na lesão Ex.: infarto no coração, encéfalo, rins e baço Morfologia: Cor mais pálida; branco/amarelada Clareamento se torna evidente por lise da hemácia remanescentre na área infartada e por difusão da Hb através dos tecidos Com a reabsorção das células necrosadas e a cicatrização subsequente, a região de infarto trai-se e se cicatriza No SNC infartos brancos são reconhecidos como áreas amolecidas devido ao caráter liquefativo da necrose Infarto renal, oberva-se o desaparecimento dos espaçamentos entre os vasos A. Infarto branco no rim; B. Infarto antigo no rim, com cicatrizes retráteis. C. Infarto braco recentre do baço Isquemia e Infarto 7 Esses infartos curam-se por reabsorção do material necrótico por macrófagos que tomam aspecto espumoso por fagocitose da mielina A reparação é feita pela proliferação de astrócitos que ocupam o lugar do tecido necrosado (gliose) 2. Vermelhos ou hemorrágicos Oclusão arterial ou venoso Tecidos poucos densos ou de dupla circulação Se torna vermelho pela hemorragia ali causada Ex.: pulmão, intestino, fígado e cérebro Obs: obstrução de uma artéria em órgão cujos ramos colaterais podem manter o suprimento sanguíneo não causa necrose isquêmica → ex.: pulmões: em pessoas sem problemas prévios, a circulação pelas artérias brônquicas é suficiente para manter a viabilidade do parênquima pulmonar quando Infarto branco no miocárdio. Seta azuis indicam reação de granulação para formação de angioplasto e fibroplasto Corte transversal de um infarto branco no miocárdio, com tecido fibroso Edema encefálico e infartos cerebrais simétricos nos Isquemia e Infarto 8 há obstrução da artéria pulmonar (quase sempre por tromboembolia) Obstrução venosa, por trombose, compressão (como acontece em hérnias estranguladas) ou torção do pedículo vascular (encontrada no vólvulo), também causa infarto intestinal vermelho Torção do pedículo vascular: as veias sofrem mais os efeitos da compressão e podem sofrer oclusão da luz, gerando congestão antes da interrupção do fluxo (!!!) Obstrução arterial em órgão com circulação única também pode resultar eminfarto vermelho: se o trombo ou êmbolo que causou o infarto sofre lise (espontânea ou terapêutica), o fluxo sanguíneo é restabelecido e o sangue inunda a região infartada (infarto secundariamente hemorrágico) Morfologia: Nos pulmões possuem forma piramidal, nos intestinos a forma é irregular O material necrótico tem cor vermelho- escura, pela mistura dos restos celulares com o sangue extravassado Alterações macroscópicas dos infartos dependem do tempo entre a ocorrência da necrosse e o momento da sua observação (nem sempre é possível diagnosticar morfologicamente um infarto muito recente) Microscopicamente, o achado principal dos infartos é a necrose isquêmica, que caracteristicamente é do tipo necrose por limites entre os territórios de irrigação das artérias cerebrais (artérias cerebrais anterior e média) em caso de isquemia global por choque. Isquemia e Infarto 9 coagulação (o aparecimento das alterações microscópicas da necrose também depende de certo tempo) Nos infartos hemorrágicos, o material necrótico fica misturado com sangue � Infarto venoso: → oclusão total da drenagem venosa → sangue não avança → torna desoxigenado/hipóxia → ↑pressão tissular → hemorragia → congestão + edema grave → infarto Formas especiais de infarto venoso por pressão extrínseca: Estrangulamento Torção de pedículo → Quando à presença de microrganismos sépticos: Asséptico: sem infecções Sépticos Presença de infecção na área de necrose → Decorrente de êmbolo formado por colonias de bactérias, que se desprendem da valva cardíaca ou invasão de micróbios em região de necrose, formando abcesso purulento (sepse por continuidade) Infarto vermelho do pulmão associado a tromboembolia na artéria pulmonar Infarto venoso por torção do pedículo ovárico com tumor Volvulo intestinal com torção de mesentério Isquemia e Infarto 10 obs: infecção bacteriana secundária converte a necrose para a forma liquefativa ou gangrena (úmida ou seca) → Quanto ao aspecto/consistência: Sólidos (ex. fígado) Liquefeitos (Ex.: tecido cerebral) Infarto séptico do baço Gangrena úmida por infarto séptico (déficit vascular que leva à isquemia + infecção da necrose) Infarto séptico - gangrena seca (sem infecção) Isquemia e Infarto 11 Fatores condicionantes do grau da lesão vascular 1. Estado geral do sangue e sistema cardiovascular → ex.: anemia, hipóxia, choque… 2. Padrão anatômico do suprimento arterial → ex.: suprimento único, duplo ou múltiplo 3. Velocidade de desenvolvimento da oclusão (quanto mais rápido a oclusão menor o tempo para anastomoses) 4. Vulnerabilidade do tecido à isquemia → ex.: cérebro e rim mais sucetíveis, ossos mais resistentes Evolução do infarto Infarto → área visível macroscopicamente → margem hiperêmica → heterólise → reparação fibroblástica → organização (cicatriz) Obs: encéfalo → área cístificada → gliose por astrócitos (reparação típica SNC) Obs: tempo de organização de um infarto → 6 a 12 semenas Infarto cerebral com necrose de liquefação Isquemia e Infarto 12 Consequências As consequencias dependem da sua extensão e do órgão comprometido, podendo ser fatais ou passarem despercebidos Sistema nervoso: tronco encefálico podem ser fatais por comprometerem áreas vitais, como o centro cardiorrespiratório; mais frequentemente, os infartos cerebrais comprometem a via piramidal e deixam sequelas motoras. Miocárdio: potencialmente graves, pois podem levar à morte por insuficiência cardíaca, arritmias e outras complicações MMII: a necrose isquêmica nos membros causada por aterosclerose grave e complicada evolui para gangrena e é a principal causa de amputação desses membros em adultos Infartos esplênicos extensos: alterações hematológicas decorrentes da hemocaterese deficiente ou com complicações infecciosas (sepse fulminante) por bactérias encapsuladas Rins: manifestar-se com dor lombar e hematúria, mas geralmente são pouco extensos para levar a insuficiência renal, exceto em casos de ateroembolismo maciço Intestinos: manifestam-se com quadro de abdome agudo e têm alta taxa de letalidade No infarto intestinal, é frequente gangrena por crescimento de microrganismos anaeróbios da microbiota endógena se a lesão não é removida cirurgicamente Pulmões: a gravidade do infarto está relacionada com a embolia pulmonar Os infartos evoluem para cura com cicatrização (ou gliose, no sistema nervoso central), que pode ser completa, resultando em cicatriz retrátil, ou incompleta, com formação de cistos (mais raro) Sendo áreas desvitalizadas, os infartos podem complicar-se com colonização e proliferação de bactérias anaeróbias, originando abscessos ou gangrena Cura de infartos por calcificação é rara