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1 Louyse Jerônimo de Morais Transtorno de ansiedade Referência: aula do prof. Rivando Rodrigues Introdução Antes do DSM-V, os transtornos de ansiedade eram compostos pelo transtorno do pânico, transtorno da ansiedade generalizada [TAG], fobias sociais e fobia específica, TOC e distúrbio de estresse pós-traumático. Após o DSM-V, o transtorno do estresse pós-traumático e o TOC ficaram em outro capítulo. Hoje, temos os principais diagnósticos – TAG, pânico e fobias social e específicas. O transtorno de ansiedade de separação e o mutismo seletivo são diagnósticos mais da infância e da adolescência. • Ansiedade: estado de humor desconfortável, uma apreensão negativa em relação ao futuro, uma inquietação interna desagradável. Relaciona-se à sensação de aperto no peito e na garganta, de compressão, de sufocamento. • Medo: ansiedade causada por perigo real conscientemente reconhecido. O medo é algo universal dos animais superiores e do homem. A angústia tem uma coisa mais relacionada ao aperto do peito, a uma sensação de mal-estar muito grande, mas alguns fazem a relação da angústia com a parte cardíaca, enquanto que a ansiedade é algo mais desconfortável. Você pode ter uma ansiedade quando vai encontrar alguém, quando vai se submeter a algum teste ou prova, quando vai ter encontro amoroso e não necessariamente isso é uma doença ou vai implicar em uma conduta medicamentosa. É importante fazer essa diferenciação do que seria patológico e do que seria normal. O medo já é relacionado a algo que se conhece, isto é, mais objetivo. É algo mais conscientemente reconhecido. • Fobia: são medos determinados psicologicamente, desproporcionais e incompatíveis com a possibilidades de perigo real oferecidas pelos desencadeantes, chamados de objetos ou situações fobígenas. Veja que é incompatível que isso cause algum mal ao ser humano, mas a pessoa é tomada de algo muito maior diante do objeto fóbico. • Pânico: é uma reação de medo intenso, relacionada geralmente ao perigo imaginário de morte iminente, descontrole ou desintegração. No pânico, a causa e o fator desencadeante é desconhecido. Por exemplo você não vai ter um pânico porque brigou com o pai ou a mãe. O pânico é uma sensação, um medo de morte iminente, porém sem um fator desencadeante. Ansiedade normal vs. patológica Tal distinção é fundamental em virtude de suas implicações terapêuticas. Para isso, precisamos analisar: • Intensidade das manifestações • Duração: a ansiedade acomete o indivíduo por mais de 6 meses, quando se fala crises de pânico, elas ocorrem 2x/semana. • Proporcionalidade entre estímulo e reação • Grau de limitação: grau de prejuízo nas relações interpessoais. Isso é importante porque, na desordem psiquiátrica, sempre temos um grau de limitação ou uma dificuldade de exercer laboralmente atividades e etc. Manifestações clínicas • Subjetivas [psicógicas]: medos, desrealização, sensação de estar no limite, preocupações, despersonalização. Nessa situação, o benzodiazepínico não vai atuar bem. • Somáticas: tonturas, palpitações, boca seca, dor abdominal, parestesias, sensação de “bola na garganta”, falta de ar, hiperventilação, diarreia, dor de cabeça, dor torácica. o Ocorrem por descarga hiperadrenérgica o Isso implica em conduta medicamentosa • Possibilidades: reação normal, induzida por drogas ou abstinência a elas, condição médica geral, epifenômeno de transtornos psiquiátricos, transtornos de ansiedade. Doenças cujos sintomas podem mimetizar ansiedade • Hipertireoidismo • Feocromocitoma • Hipoglicemia • Angina pectoris / arritmias cardíacas • Asma brônquica • Edema / embolia pulmonar • Anemia • Epilepsia parcial complexa • Neurocisticercose • Traumatismo craniano / hematoma subdural 2 Louyse Jerônimo de Morais Medicamentos • Benzodiazepínicos [abstinência] • Antidepressivos: sobretudo, quando inicia o tratamento. Portanto, geralmente se inicia com a metade da dose. • Antipsicóticos • Barbitúricos [abstinência] • Insulina • Corticoides • Hormônios da tireoide Ansiedade induzida por substâncias • Drogas: álcool [abstinência], derivados anfetamínicos, cannabis, cocaína [uso ou abstinência], solventes. Alguns pacientes não aguentam tomar ritalina, porque causa muita ansiedade. • Diversos: inseticidas, metais pesados. Ansiedade e outros transtornos psiquiátricos • Transtornos mentais orgânicos • Esquizofrenia • Depressão • Reação de ajustamento • Transtornos alimentares • Abuso de álcool e drogas Transtornos de ansiedade • Transtorno do pânico • TAG: será o objetivo da aula. • Transtorno de ansiedade social • Transtornos fóbicos: agorafobia, fobias simples [específicas] • Transtorno de ansiedade e de separação • Mutismo seletivo Transtorno de ansiedade generalizada 1. História • Neurose: descrito pelo escocês William Cullen 1769 [enfermidades nervosas], aquelas que não seriam provocadas por uma afecção específica dos órgãos, mas por afecção geral do sistema nervoso. • Um século depois, George Miller Bear desenvolveu o conceito de neurastenia [fraqueza dos nervos]: sintomas de cansaço, cefaleia, dores, ansiedade e sintomas depressivos. • CID 10 conserva o conceito síndrome: cansaço, dificuldade de concentração, sintomas físicos e alteração do sono. O conceito de transtorno de ansiedade, com contexto de sintomatologia específica, vai estar bem mais marcante no DSM- III. • Freud retoma o conceito de neurose de ansiedade [ansiedade crônica livre flutuante]: neurose de ansiedade de angústia tem muita relação com o transtorno do pânico. O DSM não aceita muito as ideias de Freud. • DSM III: considera TAG uma categoria residual, e o diagnóstico era excluído se tivesse a presença de comorbidades. Sabemos, hoje em dia, que as patologias psiquiátricas são cheias de comorbidades. Duração mínima dos sintomas 1 mês. • DSM III TR – duração mínima de 6 meses e foi dado ênfase à presença de “preocupação irrealista” 2. Definição O TAG caracteriza-se por sintomas ansiosos persistentes afetando o comportamento dos indivíduos em situações da vida cotidiana. Esses sintomas ansiosos flutuam ao longo do dia, por exemplo, pode ser uma ansiedade mais pela manhã, pela tarde ou pela noite. O contexto da ansiedade está muito relacionado com preocupações da vida cotidiana de forma muito exacerbada – estudos, família, trabalho etc. • Sintomas de tensão motora: fadiga, cefaleia, dificuldade para relaxar. • Sintomas de hiperatividade autonômica: palpitações, sudorese, falta de ar, urgência miccional. Aqui cabe uma diferenciação, porque o paciente não tem crises. Ele tem um contexto de ansiedade que dura em torno de 6 meses. No pânico, ele tem ataques de ansiedade. • Sintomas de hipervigilância: insônia, irritabilidade e dificuldade de concentração. Faz diagnóstico diferencial com TDAH. O TAG caracteriza-se pelo aparecimento de humor ansioso com algumas preocupações de forma apreensiva sobre eventos negativos. A diversidade de sintomas clínicos faz com que o paciente procure inicialmente um clínico, reumatologista, cardiologista, em vez de psiquiatra. 3. DSM V 3 Louyse Jerônimo de Morais A. Ansiedade e preocupação excessiva [expectativa apreensiva], ocorrendo na maioria dos dias pelo período mínimo de seis meses, com diversos eventos ou atividades [tais como desempenho escolar ou profissional] B. O indivíduo considera difícil controlar a preocupação C. A ansiedade e a preocupação estão associadas com três ou mais dos seguintes sintomas [com pelo menos alguns deles presentes na maioria dos dias nos últimos seis meses] Nota: apenas um item é exigido para crianças 1. Inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele 2. Fatigabilidade 3. Dificuldade em concentrar-se ousensações de “branco” na mente 4. Irritabilidade 5. Tensão muscular 6. Perturbação do sono: dificuldades em conciliar ou manter o sono, ou sono insatisfatório e inquieto. D. A ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância [droga de abuso, medicamento] ou a outra condição médica [por exemplo, hipertireoidismo]. F. A perturbação não é melhor explicada por outro transtorno mental. 4. Epidemiologia • Prevalência de 3 a 4%. Tem um estudo interessante com vestibulandos, sobretudo os de medicina, em que essa prevalência é de 15 a 20%. • DSM V o Adolescentes: 0,9% o Adultos em comunidade geral EUA: 2,9% o Em outros países ao longo de 12 meses varia de 0,4% a 3,6% o É mais comum nas mulheres 2:1 5. Hipóteses etiológicas Pensa-se em algo multifatorial. A questão biológica é levantada porque os pacientes respondem ao tratamento medicamentoso. Pensa-se, no ponto de vista orgânico, no envolvimento de neurotransmissores GABA, noradrenérgicos e serotoninérgicos. 6. Idade de início e curso da TAG Costuma surgir no começo da terceira década de vida, mas o início na infância e adolescência não é raro. Muitas vezes, o tratamento só ocorre na vida adulta, mais de uma década depois do aparecimento do transtorno. Alguns interpretam os sintomas como parte de sua personalidade. O transtorno da ansiedade é uma doença e precisa de tratamento medicamentoso e psicoterapêutico. 7. Fatores de risco e prognóstico • Temperamentais: inibição comportamental, afetividade negativa [neuroticismo] e evitação de danos. • Ambientais: adversidades na infância e superproteção parental. • Genéticos e fisiológicos: um terço do risco de experimentar TAG é genético. Apesar de não ter um gene definido, existe uma epigenética envolvida – questão ambiental alterando o gene do indivíduo. Modelo etiológico integrado do TAG É um conjunto de alterações genéticas e ambientais, com alterações de neurotransmissores. Vulnerabilidade genética para transtorno de angústia Temperamento inibido na infância – tendência a exibir medo e evitar situações ou eventos novos Influência ambiental – estressores, eventos traumáticos, condicionamento do medo, aprendizagem vicariante, uso ou abstinência de substâncias, condições clínicas associadas. Disfunções do sistema noradrenérgico ascendente [locus ceruleus], do sistema de inibição comportamental septo – hipocampal e/ou do sistema executivo do medo [amígdala, hipotálamo anterior e medial e substância cinzenta periaquedutal] TAG 4 Louyse Jerônimo de Morais Fisiopatologia A eficácia de medicações sugere o envolvimento de monoaminas na gênese do TAG. Antigamente, a ansiedade era tratada com benzodiazepínicos, só que tais medicamentos não são uma boa opção, porque só agem nos sintomas somáticos. Hoje em dia, tratamos TAG com antidepressivos, principalmente os duais, que atuam inibindo serotonina e noradrenalina. Na dificuldade de se usar essas drogas, opta-se por inibidores seletivos, e alguns pacientes melhoram. • Buspirona 5HT1a: envolvimento da serotonina como modulador. • Clorimipramina e venlafaxina: tem ações mistas sobre o sistema serotoninérgicos e noradrenérgicos. Hoje temos usado muito mais a venlafaxina, porque a clorimipramina é um antidepressivo tricíclico. • O envolvimento do ácido gama-aminobutírico [GABA]: ação rápida e eficaz dos benzodiazepínicos. Estes últimos, usamos no início do tratamento, com um tempo reduzido. Diagnósticos diferenciais • Cardiopatias • Fobias • Transtorno depressivo • Transtorno do pânico Tratamento • Medicamentoso • Benzodiazepínicos • Antidepressivos • Psicoterapia 1. Benzodiazepínicos • Mostraram um rápido início de ação. • Restrição: uso abusivo e dependência • Taxa de recaída após descontinuação varia de 63 e 81%, além de uma proporção de pacientes que não atingiram remissão de sintomas. Os benzodiazepínicos são mais eficazes nos sintomas somáticos da TAG e menos nos sintomas cognitivos [preocupações excessivas, antecipação catastróficas] Essas drogas eram muito usadas na década de 70. Hoje em dia, pode ser usado nos primeiros 15 dias ou apenas nas crises de ansiedade, como um Rivotril sublingual. Nessa situação, o paciente não toma todo dia. 2. Inibidores seletivos da recaptação da serotonina • Paroxetina: demonstrou ser superior ao placebo. O professor não usa muito porque aumenta o peso em mulher. Usa-se muito em pacientes com parafilias, para diminuir libido, e em transtorno do pânico em alguns pacientes. • Escitalopram: superior ao placebo. É o que o professor usa mais no TAG. • Sertralina, fluvoxamina e citalopram: faz sertralina porque é o que tem na rede, assim como a fluoxetina. Esta última não é boa, porque é bastante energizante e aumenta muito a ansiedade. O citalopram estamos abandonando, porque causa sintomas negativos para o paciente. 3. Inibidores seletivos da recaptação da serotonina e noradrenalina - duais Têm efeitos colaterais leves e moderados, podendo melhorar com uso continuado. Tais efeitos envolvem náusea, tonturas, sonolência, boca seca e disfunção sexual. • Venlafaxina, desvenlafaxina e duloxetina: são os mais usados atualmente. A duloxetina é indicada para ansiedade ou depressão se o paciente tem uma sintomatologia com dor. A venlafaxina é a droga com mais estudos. Geralmente começa com a metade e, com oito dias, começa a dosagem inteira. O que é interessante é que a venlafaxina só é um dual a partir de 150 mg, até 75 mg, é um inibidor seletivo da recaptação da serotonina. Vai observando a resposta e, se não tiver boa remissão com dose baixa, aumenta. Os efeitos colaterais da venlafaxina são náuseas, retardo na ejaculação, anorgasmia, diminuição da libido etc. A desvenlafaxina, metabólito da venlafaxina, tem sido mais usada no sexo feminino, principalmente no período climatérico. Ainda não se abandonou o uso da venlafaxina. 4. Antidepressivos tricíclicos A limitação de seu uso associa-se à maior incidência de efeitos colaterais e ao seu risco de envenenamento devido à cardiotoxicidade. • Buspirona: vem sendo usado no tratamento da TAG desde 1980. Pode fazer associado com venlafaxina ou duloxetina. 5 Louyse Jerônimo de Morais • Mecanismo de ação: agonismo parcial de receptores 5HT1A e antagonismo dopaminérgico, levando à modulação do disparo serotoninérgico. • A buspirona também tem período de latência, então sua ação não é inicial como é a do benzo. Conduta diagnóstica e terapêutica Avaliar comorbidade, ideação suicida, insônia, abuso de substância, não adesão, potencial para engravidar, paciente idoso, questões culturais. • ISRS/ISRSN: avaliação de 4 a 6 semanas com dose adequada. o Resposta: manter tratamento por 1 ano. Se o paciente mantiver sintomatologia, pode aumentar a dose ou associar com pregabalina. Hoje em dia, a pregabalina é a droga de associação com maior frequência, muito mais do que a buspirona. Mesmo assim, se não houver resposta, muda tratamento. É importante sempre avaliar comorbidades: • Insônia • Depressão: dose adequada de AG ou potencialização com bupropiona, APA ou picolonato de cromo. Depressão pode exigir ECT. • Trocar combinação que inclua ISRS, ISRN, NaSSa ou ATC ou adicionar terceira droga diferente, TPS pode ser adicionado. • TAB: adicionar estabilizador de humor, anticonvulsivante ou APA. Pode exigir monitoramento laboratorial. • Outro transtorno de ansiedade: para transtorno do pânico, adicionar ATC, ISRS/ISRN ou BZD; para TAS adicionar ISRS, APA, pregabalina ou LEV; para TOC, adicionar ISRS ouCMI; para TEPT adicionar ISRS, ISRN, APA ou prazozin. O tratamento não é só medicamentoso, mas sim com psicoterapia também. A terapia que mais se estuda é a TCC. Se resposta parcial ou sem resposta, reavaliar o diagnóstico. 6 Louyse Jerônimo de Morais Manejo dos transtornos de ansiedade. ADT, antidepressivo tricíclico; APS, atenção primária à saúde; BZD, benzodiazepínico; EGPA, escala de gravidade e prejuízo da ansiedade; FE, fobia específica; IMAO, inibidor da monoaminoxidase; ISRSN, inibidor seletivo da recaptação da serotonina e da noradrenalina; ISRS, inibidor seletivo da recaptação da serotonina; TAG, transtorno de ansiedade generalizada; TAS, transtorno de ansiedade social; TAS-G, transtorno de ansiedade social (generalizado); TCC, terapia cognitivo- comportamental; TEPT, transtorno de estresse pós-traumático; TOC, transtorno obsessivo-compulsivo; TP, transtorno de pânico. Fonte: DUNCAN, 2022.
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