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Anemia Falciforme Definição: A doença falciforme, causada por uma mutação no gene da β-globina (HBB), compreende um grupo de anemias hemolíticas crônicas, todas caracterizadas por fenômenos vasooclusivos, vasoculopatia, amplas lesões agudas e crônicas de diversos órgãos e mortalidade prematura. A anemia falciforme (HbSHbS -SS – homozigoto) é uma anemia hemolítica crônica hereditária que surge em decorrência da HbS que polimeriza e promove a deformação dos eritrócitos de formato bicôncavo para forma de foice em situações de baixa tensão de O2. Classificação: ➢ Traço Falciforme: Pacientes heterozigotos (HbAHbS), são assintomáticos. ➢ Doença da Hemoglobina SC: Pacientes heterozigotos (HbCHbS). A doença da hemoglobina S-C é uma hemoglobinopatia que provoca sintomas similares aos da doença falciforme, mas geralmente menos graves. A anemia na doença da Hb S-C é mais leve do que na anemia da doença falciforme; alguns pacientes até apresentam níveis normais de hemoglobina e ocorre esplenomegalia. Os sintomas são semelhantes aos sintomas da doença falciforme, mas costumam ser menos frequentes e menos graves. Suspeita-se da doença da hemoglobina S-C em todos os pacientes nos quais as características clínicas sugerem anemia falciforme ou naqueles em que os eritrócitos se mostram falciformes. O esfregaço de sangue periférico corado revela células-alvo, esferócitos e, raramente, células falciformes (drepanócitos). A falcização é identificada em uma preparação específica e a eletroforese hemoglobina estabelece o diagnóstico. ➢ Beta Talassemia HBS: Clinicamente, a talassemia beta da Hb S causa sintomas moderados de anemia e sinais e sintomas da anemia falciforme, quase sempre menos frequentes e menos graves do que os da doença falciforme pura. As talassemias são doenças que promovem a diminuição ou ausência na síntese de cadeias de globulinas alfa e/ou beta, caracterizando as alfatalassemias ou beta-talassemias. Indivíduos homozigotos para alfa, ou seja, alfa-talassemias são sintomáticos, enquanto os heterozigotos são assintomáticos. São classificados em talassemia major (grave, necessita de transfusões), intermediária (anemia com ou sem esplenomegalia) e minor/ traço (assintomática). As talassemias consistem em um grupo heterogêneo de doenças hereditárias caracterizadas por redução ou ausência de síntese de uma ou mais cadeias globínicas das moléculas de hemoglobina. Nas alfa-talassemias ocorre a diminuição das cadeias alfa e excesso de cadeias beta, que são instáveis e precipitam no interior dos eritroblastos, interferindo em sua maturação. Essa alteração leva à destruição intramedular dos precursores dos eritrócitos, gerando uma eritropoiese ineficaz. Além disso, a degradação dos componentes de cadeia globínica leva à alteração da membrana e à alteração da deformidade celular, contribuindo para o processo hemolítico. Nas beta-talassemias ocorre uma divisão: Beta, na qual há ausência de cadeias beta ou totalmente infuncionantes e a Beta1, na qual há diminuição da síntese de cadeias beta. As cadeias alfas são insolúveis e precipitam nos precursores eritrocitários, acarretando a maturação defeituosa e destruição celular, principalmente intramedular. As células anormais que não são destruídas na medula óssea e caem no sangue periférico são removidas rapidamente pelo baço e pelo fígado. O baço aumenta gradativamente e exacerba a anemia pela hemodiluição. A anemia grave resultante desse processo estimula a produção de eritropoetina, causando expansão da medula óssea e hematopoese extramedular. Na Talassemia por persistência da Hemoglobina fetal, a produção das cadeias gama persiste no adulto, formando-se a HbF (alfa2 gama2). A forma heterozigota é assintomática. Fisiopatologia: A doença é causada por uma mutação que origina uma hemoglobina anormal, denominada hemoglobina S (HbS), ao invés da hemoglobina normal denominada hemoglobina A (HbA). Essa mutação leva à troca de um aminoácido na cadeia beta da hemoglobina, Anemia Falciforme e Talassemia 4 o ácido glutâmico (hidrofílico) por uma valina (hidrofóbica) na posição 6. Essa modificação estrutural é responsável por profundas alterações nas propriedades físico- químicas da molécula da hemoglobina no estado desoxigenado. A substituição de um aminoácido hidrofílico por um hidrofóbico cria uma área que não interage com a água. Na tentativa de manter a hidrofilia, a hemoglobina S forma agregados. Essas alterações levam ao evento conhecido como falcização, que é a mudança da alteração morfológica normal da hemácia para a forma de foice ou meia-lua, resultando em alterações da reologia dos glóbulos vermelhos e da membrana eritrocitária. Esses glóbulos vermelhos em forma de foice não circulam de forma adequada na microcirculação, dificultando a circulação sanguínea, provocando em vaso-oclusão, ou seja, em obstrução do fluxo sanguíneo capilar, e infarto na área afetada, consequentemente esses eventos resultam em isquemia, dor, necrose e disfunções, bem como danos permanentes aos tecidos e órgãos. Esse mecanismo fisiopatológico acarreta graves manifestações clínicas. Laboratório: Idealmente, para a triagem neonatal para HbS, também conhecida como “Teste do Pezinho”, a amostra de sangue deve ser colhida entre 48 horas e sete dias após o nascimento, embora seja aceitável ate o 30º dia. As hemoglonopatias foram incluídas na triagem neonatal devido sua alta frequência na população brasileira. Apesar de existirem vários tipos de hemoglobinas anormais, geralmente apenas a HbS e HbC costumam ser pesquisadas na triagem. As hemácias do RN normal contem Hb F e A – padrão FA. É importante lembrar que os RN com padrão FA podem não ser necessariamente normais do ponto de vista hematológico: eles não tem a DF, mas podem ter talassemia ou outros distúrbios da série vermelha. O aconselhamento genético dos pacientes diagnosticados com a doença falciforme, bem como de seus familiares, faz parte do protocolo de acompanhamento dos pacientes com doença falciforme. O teste de triagem neonatal deverá ser sempre realizado, visando à adesão precoce da criança nos programas de atendimento aos pacientes. O diagnóstico da doença falciforme consiste na detecção da hemoglobina (Hb) variante denominada hemoglobina S (HbS), além das outras hemoglobinas variantes ou de síntese que possam estar a ela associada. A eletroforese de hemoglobina é o exame de avaliação laboratorial de escolha para detecção de hemoglobinopatias, sendo importante à realização precoce desse exame. A eletroforese de hemoglobina é um teste fácil de ser realizado e que discrimina o tipo de hemoglobina presente na amostra investigada. Esse exame deve ser sempre solicitado, e se não houver possibilidade de encaminhamento imediato, deve-se armazenar a amostra de sangue. É importante lembrar que a realização de transfusão sanguínea prejudica a realização da eletroforese, que somente poderá ser realizada cerca de três meses após, sendo assim, uma amostra de sangue deve ser coletada para eletroforese antes da transfusão em casos suspeitos. Algumas análises laboratoriais devem estar associadas ao acompanhamento de pacientes com hemoglobinopatias, principalmente os portadores de doença falciforme. Desses exames, destaca-se a realização do hemograma, que será muito útil na avaliação do grau de anemia, sendo o eritrograma elemento importante para o seguimento do paciente. A análise do eritrograma sempre deverá ser acompanhada pela avaliação morfológica das hemácias, analisando-se a presença de alterações nas formas (poiquilocitose, com presença de hemácias em forma de foice ou drepanócitos em decorrência da HbS; hemácias em forma de alvo ou targetcells na presença da HbC e de talassemias); tamanho (anisocitose, hemácias de tamanhos diferentes, principalmente se existe o aumentode reticulócitos) e coloração (hipocromia e policromasia em decorrência do aumento dos reticulócitos). A anemia da DF é normocrômica e normocítica. A contagem de reticulócitos varia entre 3 e 25%. Na associação entre S/PHHF não há hemólise. A concentração basal de Hb, isso é, aquela determinada com a criança estável, varia entre 6 e 12 g/ dL, sendo mais elevada nas crianças SC. Valores de VCM e/ou HCM podem indicar associação com beta-talassemia ou co-herança de alfa-talassemia. É necessário que sempre se descarte a possibilidade de anemia ferropriva, por ser uma deficiência nutricional comum em pediatria. A leucocitose é achado frequente, podendo existir desvio para a esquerda, mesmo com paciente fora da crise. A contagem de plaquetas em geral está elevada, embora a plaquetopenia basal possa estar presente nos quadros de hiperesplenismo. A Hb F está presente no RN normal a termo em níveis de 75 a 90%, geralmente atinge menos de 2% dos 6 aos 12 meses de idade. No pré-termo, dependendo da idade gestacional, ela pode representar 100%. Essas proporções são validas também para crianças com DF, o que explica o aparecimento dos sintomas por volta dos 6º mês de vida. Complicações Agudas: ➢ Crises Dolorosas: As crises vaso-oclusivas, também chamadas crises dolorosas, são episódios de lesão hipóxica e infarto que causam dor intensa na região afetada. Embora infecção, desidratação e acidose (todas favorecendo a falcização) possam atuar como fatores desencadeantes, na maioria dos casos a causa predisponente não é identificada. Os locais mais comumente envolvidos são ossos, pulmões, fígado, cérebro, baço e pênis. Em crianças, crises ósseas dolorosas são extremamente comuns e, com frequência, é difícil distingui-las da osteomielite aguda. Essas costumam manifestar-se como síndrome mão-pé ou dactilite dos ossos das mãos ou dos pés, ou de ambos. A vasoclusão resulta em múltiplas manifestações. Os episódios intermitentes de vasoclusão em estruturas de tecido conectivo e musculoesqueléticas provocam isquemia que se manifesta como dor aguda e hipersensibilidade, febre, taquicardia e ansiedade. Esses episódios recorrentes, denominados crises álgicas, constituem a manifestação clínica mais comum. Sua frequência e gravidade variam enormemente. A dor pode surgir em quase qualquer parte do corpo e durar poucas horas até duas semanas. As crises repetidas que exigem internação (> 3 por ano) estão correlacionadas com redução da sobrevida na idade adulta, sugerindo que esses episódios estejam associados a acúmulo de lesão crônica dos órgãos-alvo. Os fatores desencadeantes consistem em infecção, febre, exercício excessivo, ansiedade, mudanças abruptas da temperatura, hipoxia ou corantes hipertônicos. A crise álgica é a principal manifestação clínica do paciente com anemia falciforme. As manifestações clínicas dos pacientes falcêmicos devem-se principalmente a dois fatores: a oclusão vascular pelos glóbulos vermelhos seguida de infarto nos diversos tecidos e órgãos, e a hemólise crônica e seus mecanismos compensadores. Associados, esses eventos danificam progressivamente os diversos órgãos e podem alterar o crescimento e provocar atraso puberal. ➢ Síndrome Torácica Aguda: O termo Síndrome Torácica Aguda reflete a dificuldade na distinção entre infecção pulmonar (bacteriana ou viral) de outras condições que podem ocorrer na doença falciforme, incluindo a embolia gordurosa ou infarto pulmonar por oclusão da microvasculatura ou tromboembolismo, causando alterações inflamatórias no pulmão. A fisiopatogenia da STA é multifatorial, cujo resultado final é a trombose microvascular. A síndrome torácica aguda constitui uma manifestação distinta, caracterizada por dor torácica, taquipneia, febre, tosse e dessaturação da oxigenação arterial. Pode simular pneumonia, embolia pulmonar, infarto e embolia da medula óssea, isquemia miocárdica ou infarto pulmonar in situ. Acredita-se que a síndrome torácica aguda possa refletir falcização in situ nos pulmões, produzindo dor e disfunção pulmonar temporária. Com frequência, é difícil ou mesmo impossível distinguir a síndrome torácica aguda de outros distúrbios. Infarto pulmonar e pneumonia são as afecções subjacentes ou concomitantes mais frequentes em pacientes com tal síndrome. Os episódios repetidos de dor torácica aguda estão correlacionados com redução da sobrevida. Nos casos agudos, a redução da saturação arterial de oxigênio é especialmente grave, visto que promove a falcização em escala maciça. As crises pulmonares crônicas, agudas ou subagudas causam hipertensão pulmonar e cor pulmonale, constituindo uma causa cada vez mais comum de morte à medida que o paciente sobrevive por mais tempo. Existe considerável controvérsia sobre o possível papel desempenhado pela HbS plasmática livre na remoção do dióxido de nitrogênio (NO2), elevando, assim, o tônus vascular pulmonar. Ensaios clínicos com sildenafila para restaurar os níveis de NO2 foram interrompidos, devido aos efeitos adversos. ➢ Sequestro Esplênico: Os microinfartos repetidos podem destruir os tecidos que apresentam leitos microvasculares propensos à falcização. Assim, com frequência ocorre perda da função esplênica nos primeiros 18 a 36 meses de vida, causando suscetibilidade às infecções, em particular por pneumococos. A obstrução venosa aguda do baço ( crise de sequestro esplênico), evento raro no início da infância, pode exigir transfusão de emergência e/ou esplenectomia para impedir a retenção do débito arterial no baço obstruído. O sequestro esplênico é a segunda causa de morte entre as crianças com AF, podendo ocorrer entre os 2 meses de idade até por volta dos 3 anos, e nos pacientes com doença falciforme, em idades maiores. Caracteriza-se por um quadro de instalação abrupta com palidez e aumento do volume do baço com dor abdominal, fraqueza súbita, podendo ser desencadeado com processos infecciosos. Por isso os pais são ensinados a palpar o baço, para que possam identificar precocemente o sequestro esplênico e procurar ajuda. Complicações Crônicas: ➢ Úlcera de Perna: As úlceras ocorrem em geral no terço inferior da perna, sobre e ao redor do maléolo e sobre a tíbia ou o dorso do pé. Sua etiologia pode ser traumática, por contusões ou picadas de insetos, espontânea e por hipóxia tissular devido a crises vaso-oclusivas crônicas. São lesões exsudativas, de tamanho variável, com margem definida, bordas em relevo, recoberta por uma película amarela e susceptíveis a infecção. Mostram-se extremamente dolorosas, de difícil tratamento e com alto índice de recorrência. ➢ Osteonecrose de Quadril: A osteonecrose ocorre, em geral nas extremidades proximais dos ossos do fêmur e do úmero devido à dificuldade de oxigenação desses ossos pelo afoiçamento crônico e vaso-oclusão do leito vascular terminal. Pode provocar dores fortes, de difícil controle analgésico, e levar à limitação dos movimentos das articulações, muitas vezes com deformidades ósseas graves, comprometendo uma qualidade de vida satisfatória. Obs.: Na DF, a gravidez promove maior risco para a gestante e o aborto espontâneo ocorre com frequência. Deve-se realizar a pesquisa de anticorpos irregulares, de acordo com a história transfusional prévia Risco para Infecções: O fenômeno da vaso-oclusão também leva à destruição progressiva do baço e consequentemente à autoesplenectomia, sendo responsável pela susceptibilidade aumentada a infecções graves. Como há a possibilidade potencial de evolução com choque hipovolêmico, trata- se de uma emergência clínica. Os pacientes falcêmicos são suscetíveis às infecções sobretudo por germes encapsulados, uma vez que a função esplênica é perdida devido ao progressivo infarto no baço. Há elevado risco de sepse fulminante no paciente falcêmico já nos primeiros anos de vida, eembora diminua após os 5 anos, pacientes podem desenvolver infecções graves mais tarde. Outro fator importante na doença falciforme é que as infecções virais e bacterianas induzem ao aumento de fibrinogênio e estimulam a aderência da célula falciforme ao endotélio, o que promove a vasoconstricção e a hipóxia tecidual. Isso gera uma lesão tecidual que agudamente pode apresentar-se como crises dolorosas, acidente vascular cerebral, síndrome torácica aguda. Geralmente os pacientes portadores da DF toleram bem a anemia crônica e precisam de transfusão sanguínea somente em condições clinicas especiais como: crise aplástica, sequestro esplênico, acidente vascular cerebral e síndrome torácica aguda. Tratamento: Os pais devem ser orientados sobre a importância de manter a hidratação e a nutrição adequadas à criança e de reconhecer os níveis de hemoglobina e sinais de palidez do paciente, como também sobre a prevenção das infecções através das vacinas e do uso da penicilina profilática. O aconselhamento genético deve ser oferecido aos pais e outros familiares, caso desejarem. Os pacientes e seus familiares devem ser ensinados a reconhecer crises álgicas, assim como a origem e a intensidade da dor, para que possam, no domicílio, proceder a uma hidratação adequada e fazer uso de analgésicos tão logo surjam as dores, e procurar tratamento hospitalar caso essas medidas simples sejam ineficazes. A prática de exercícios pode ser encorajada, desde que sejam regulares, moderadas e o esforço progrida lentamente. Os responsáveis e o paciente devem ser alertados sobre a necessidade da hidratação, antes, durante e após as atividades físicas. Também devem ser lembrados que as variações de temperatura, como calor ou frio, podem desencadear crises. Os níveis de hemoglobina devem ser solicitados e avaliados a cada consulta, o paciente deve ter conhecimento dos seus valores médios de hemoglobina, a fim de que sejam evitadas transfusões desnecessárias. A criança com doença falciforme, além de receber todas as vacinas recomendadas no calendário de vacinação, requer outras adicionais, como a vacina contra o pneumococo, meningite e vírus influenza. As vacinas especiais são indicadas e realizadas nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE). Em todas as consultas deve ser verificado, através da carteira de vacinação, se o esquema de vacinação está sendo realizado. O uso de penicilina profilática via oral, administrada duas vezes ao dia, em crianças de 3 a 6 meses de idade, diminuiu em 84% a incidência de bacteremia por pneumococo. Na Bahia, tem sido empregada a penicilina V oral ou a penicilina G benzatina a cada 21 dias. Referências Bibliográficas: • Schafer AI, Goldman.L. Cecil Tratado de Medicina Interna. 26ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2018. • Braunwald E, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL, Jameson JL. Medicina Interna de Harrison. 20ª Ed. Amgh Editora; 2020. • SuperMaterial SanarFlix • Resumos da Med
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