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ANEMIA FALCIFORME

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MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE 
ANA CAROLINA CAIRES 
ANEMIA FALCIFORME 
 
É UMA HEMOGLOBINOPATIA HEREDITÁRIA, ONDE O PROBLEMA ESTÁ NA CADEIA BETA DE GLOBINA
INTRODUÇÃO 
É uma hemoglobinopatia de característica autossômica recessiva, na qual há 
uma alteração na estrutura da hemoglobina (Hb), desencadeada por uma 
mutação no gene da β globina da hemácia, em que há a substituição de uma 
base nitrogenada do códon GAG para GTG, resultando na troca do ácido 
glutâmico (Glu) pela valina (Val), essa substituição origina uma molécula de 
hemoglobina anormal denominada hemoglobina S (HbS), ao invés da 
hemoglobina normal chamada de hemoglobina A (HbA). 
Como condição autossômica recessiva, é necessário que a herança 
falciforme seja herdada de ambos os pais. 
Nos casos de herança de somente um deles (FATOR DE RISCO = FILHO DE 
PAIS HETEROZIGOTOS), os pacientes não manifestam a doença 
propriamente dita, mas são considerados portadores do traço falciforme 
(mantém o predomínio de Hb A1) e não requerem acompanhamento ou 
tratamento específicos, somente aconselhamento quanto a essa condição. 
O paciente com traço falciforme é heterozigoto e possui ambas as 
hemoglobinas (A e S), suas hemácias têm meia-vida fisiológica normal e a 
falciformação in vivo só ocorre nos casos de os indivíduos portadores serem 
submetidos a anestesia geral, infecções, vôo em avião não-pressurizado, 
exposição à regiões de grande altitude e excesso de esforço físico. 
EPIDEMIOLOGIA 
→ É a hemoglobinopatia mais comum; 
→ Incidência maior em pacientes negros (FATOR DE RISCO) – explicado pela 
seleção natural, mutação genética como forma de proteção do organismo à 
malária. A molécula de HBS (hemoglobina falcemica) tem alterações 
fisicoquimicas e uma das consequencias disso é que essa molécula é instável 
= sofre oxidação com mais facilidade, então quando o plasmódio invade a 
hemácia portadora de traço falcemico as suas moléculas de HBS são 
rapidamente desnaturadas e forma agregados que se aderem a face interna 
 
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da membrana celular, promovendo uma alteração na superfície da hemácia, 
a proteína banda 3 fica agregada. 
Nós naturalmente temos anticorpos contra agregados da proteína 3, então o 
paciente portador do traço que teve contato com malária, ele opsoniza suas 
hemácias, a hemácia opsonizada quando passa pelo baço é rapidamente 
fagocitada. Entao o paciente que é portador de 1 copia do beta-S que é 
infectado por malária tem uma remoção acelerada das hemácias parasitadas 
da circulação. 
Paciente com traço = tem baço = consegue remover de forma + rápida as 
hemácias parasitadas. 
Paciente com anemia falciforme que contrai malária = morre + rápido. 
→ BA a prevalência é maior. 
→ Dados do teste do pezinho mostram que nascem no Brasil cerca de 3.500 
crianças, por ano, com doença falciforme e 200.000 com o traço falciforme 
entre os recém-nascidos vivos. 
FISIOPATOLOGIA 
É causada pela substituição de adenina por timina (GAG->GTG), codificando 
valina ao invés de ácido glutâmico, na posição 6 da cadeia da Beta- globina, 
com produção de hemoglobina S (HbS). 
Esta pequena modificação estrutural é responsável por profundas 
alterações nas propriedades físico-químicas da molécula da hemoglobina 
no estado desoxigenado. Como : perda de eletronegatividade (diminuição 
das cargas elétricas presentes na superfície da Hb) e ganho de 
hidrofobicidade (uma parte da molécula aumenta sua repulsa pela agua, ou 
seja, apresenta uma tendencia a se agregarem) = logo, a molécula de HbS tem 
uma grande tendencia a polimerização (uma molécula grudar na outra). 
Estas alterações culminam com um evento conhecido como falcização, que 
é a mudança da forma normal da hemácia para a forma de foice, resultando 
em alterações da reologia dos glóbulos vermelhos e da membrana 
eritrocitária. A deformação dos eritrócitos discóides em falcizadas altera a 
funcionalidade da bomba de sódio e potássio, com consequência a perda de 
potássio e água, tornando os eritrócitos mais densos e favorecendo o 
acúmulo de HbS. 
Esses eritrócitos falcizados dificultam a circulação sanguínea, provocando 
vaso-oclusão e infarto na área afetada. Tais problemas produzem isquemia, 
dor, necrose e disfunções, bem como danos permanentes aos tecidos e 
órgãos, além da hemólise crônica. 
A falcização dos eritrócitos ocorre sob condições de desoxigenação, e essa 
alteração estrutural prejudica o fluxo sanguíneo na microcirculação. Nesse 
contexto, a célula se torna mais aderente ao endotélio vascular, 
desencadeando as crises de dor decorrentes da vaso-oclusão. 
No estado desoxigenado, a molécula de HbS torna-se esticada e as globinas 
beta S ficam mais próximas. Essa mudança de conformação favorece o 
contato entre as regiões da desoxiemoglobina, o que não é possível no estado 
oxigenado. Por meio da união de vários tetrâmeros de HbS, forma-se um 
número considerável de moléculas agregadas que geram longos polímeros, 
alterando a morfologia do eritrócito para a forma de foice. 
Nesta etapa, há a mudança do estado líquido e solúvel para o estado sólido e 
insolúvel, alterando-se a viscosidade da solução e formando-se cristais de 
HbS. Essa alteração da solubilidade é a diferença estrutural mais marcante 
sob o ponto de vista patológico da presença da HbS. 
Os eritrócitos falciformes expressam maior número de moléculas de adesão 
na superfície externa da membrana celular do que eritrócitos normais. Essas 
moléculas favorecem a interação com o endotélio e com outras células, 
causando o processo de vaso oclusão, algumas dessas moléculas estão 
presentes apenas nos eritrócitos. 
Os glóbulos vermelhos que não circulam adequadamente na micro 
circulação, acabam provocando uma obstrução do fluxo sanguíneo capilar, ou 
são destruídas precocemente. 
A polimerização + afoiçamento + instabilidade molecular (estresse oxidativo) 
= hemólise extravascular (2/3) e intravascular = dano endotelial difuso. 
Além disso, quando a hemácia é destruída, o conteúdo liberado lesa o 
endotélio e estimula as células inflamatórias, que possuem receptores para 
 
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esses produtos tóxicos gerando uma resposta inflamatória sistêmica que 
também promove um dano ao endotélio. 
O dano endotelial difuso vai resultar nas alterações finais que justificam todas 
as manifestações clinicas da anemia falciforme, a doença microvascular 
(manifestação de vaso-oclusao-vascular, pois com o dano celular tem a 
liberação de fatores adesinogenicos na superficie) e doença macrovascular 
(caracterizada por uma vasculopatia obliterativa, tendo hiperplasia e fibrose 
na parede de grandes vasos). 
O exemplo mais significante é representado pelo baço, onde as condições de 
circulação facilitam a falcização, provocando repetidos infartos que levam à 
fibrose e destruição do órgão na maioria dos pacientes (esplenectomia), não 
ocorrendo à polimerização, a falcização não ocorre de fato na maioria das 
hemácias. 
A inflamação crônica é uma característica da anemia falciforme. Ocorre 
também lesão microvascular, ativação da coagulação, com o endotélio lesado 
expõe o fator tecidual, que desencadeia cascatas de coagulação. 
No organismo do paciente esse processo causa dor, que associada a isquemia 
tecidual aguda causada pelo vaso oclusão, anemia hemolítica e insuficiência 
renal dos órgãos é evolução gerada por complicações clínicas que atinge a 
maioria dos órgãos. 
 
 
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QUADRO CLINICO 
As crises vaso oclusivas são as manifestações mais comumente observadas e 
geralmente desencadeiam dor nas costas, tórax e extremidades. 
A lesão tecidual é principalmente produzida por hipóxia resultante da 
obstrução dos vasos sanguíneos por acúmulo de eritrócitos falcizados. Os 
órgãos que sofrem maiores riscos sãoaqueles com sinus venoso, onde a 
circulação do sangue é lenta e a tensão de oxigênio e o pH são baixos (por 
exemplo: rim, fígado e medula óssea), ou aqueles com limitada 
suplementação de sangue arterial como olhos e cabeça do fêmur. 
Os sintomas são variados e dependem da idade do paciente. A febre é um 
sinal frequente, ocorrendo em 80% dos casos, seguindo por tosse, 
taquipneia, dor torácica e dispneia. Os sintomas mais comuns em crianças 
são febre e tosse, e em adulto dor torácica, dispneia e hemólise. 
Crises vaso oclusivas 
Dores musculares, articulares e ósseas causadas por oclusão na 
microcirculação, há um desequilíbrio entre os vasodilatadores e 
vasoconstritores favorecendo a vasoconstrição. Podem ser desencadeadas 
por diversos estímulos, dentre eles infecções, desidratação, menstruação, 
uso excessivo de bebidas alcóolicas, variações de temperatura. Na infância, 
podem evoluir com dactilite (crianças < 6 anos). 
 
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A dactilite, é uma inflamação aguda dos tecidos que revertem os ossos dos 
tornozelos, punhos, mãos e pés. A região pode ficar avermelhada e quente. 
A dor é muito intensa e a criança fica extremamente irritada e inquieta, 
chorosa e com dificuldade de mobilidade nas regiões acometidas. Pode estar 
associado à febre alta. 
Crises dolorosas 
As crises dolorosas são as complicações mais frequentes e duram em torno 
de 3 a 5 dias. 
É uma das primeiras manifestações da doença e inicia-se aos 6 meses De vida. 
São causadas pelo dano tissular isquêmico, secundário à obstrução do fluxo 
sanguíneo pelas hemácias falcilizadas. 
A redução do fluxo sanguíneo ocasiona hipóxia regional e acidose, que podem 
acelerar o processo de falcização, aumentando o dano isquêmico. 
As dores podem ser agudas ou crônicas. A dor aguda está associada à 
isquemia tecidual aguda, causada pela vaso oclusão, nesse caso o controle 
deve ser rápido para interromper o processo vaso oclusivo. As dores crônicas 
são mais complexas, pois na maioria das situações não há uma única causa 
que pode ser tratada. Está sempre associada na maioria das vezes a necrose 
asséptica da cabeça do úmero ou do fêmur, causada pela isquemia óssea 
crônica em partes pouco vascularizadas. 
Infecções e febres 
Os doentes falciforme são mais propensos à infecção, principalmente os 
menores de 5 anos. Estas crianças têm o baço, órgão responsável pelas nossas 
defesas, hipofuncionante pelo inúmeros infartos sofridos. Isto obriga as 
crianças, nos primeiros 5 anos, a fazer uso de penicilina profilática e vacinas 
especiais (Anti hemophilus e antipneumocóccica). A febre em doente 
falciforme requer investigação médica minuciosa, podendo desenvolver 
infecção generalizada em menos de 24 horas. A infecção deve sempre ser 
investigada e acompanhada com muito zelo pela equipe de saúde, pois ela é 
responsável pela primeira causa de mortalidade nesta doença. Outros sinais 
de infecção sem febre como diarréia, vômitos e tosse com secreção e falta de 
ar. 
As infecções constituem a principal causa de morte nas crianças. As infecções 
podem provocar a morte em poucas horas. 
Bacterianas e virais secundárias ao estado de hipoesplenismo funcional. Risco 
elevado de sepse por pneumococo. 
Anemia 
Moderada a grave. Os pacientes geralmente já estão adaptados a algum grau 
de anemia, com episódios de descompensação causados, por exemplo, por 
uma infecção. 
A hemólise é resultado da liberação de hemoglobina no plasma, onde reage 
e consome óxido nítrico (NO) causando resistência aos efeitos 
vasodilatadores do NO, e causa também a liberação de arginase I (a está 
presente nos eritrócitos) no plasma. A hemólise pode contribuir também para 
a patogênese da hipertensão pulmonar. 
Icterícia 
Os doentes falciformes geralmente têm icterícia devido à destruição rápida 
das células vermelhas do sangue. Quando essas células são destruídas é 
produzido um pigmento chamado bilirrubina que, se o fígado não conseguir 
eliminar por completo, deposita-se na pele e na esclera (branco dos olhos). 
Se estes sinais estiverem associados com dor abdominal importante, vômitos 
e náusea pode-se pensar em presença de cálculo (pedra) na vesícula 
Complicações pulmonares e cardíacas 
Síndrome torácica aguda é a principal. Ocorre com maior frequência em 
crianças, mas é mais grave em adultos. Manifesta-se com dor torácica 
(pleurítica), dispneia e febre. Pode mimetizar um processo infeccioso, 
embolia ou infarto. É considerada uma emergência médica. 
A hemólise intravascular é considerada a principal causa do aumento da 
resistência vascular pulmonar, devido à redução de óxido nítrico ao endotélio 
vascular. 
 
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As manifestações cardíacas que incluem uma miocardiopatia específica é 
causada pela lesão direta do coração pela anemia falciforme. A sobrecarga de 
ferro, secundária as transfusões sanguíneas, podem agravar o acometimento 
cardíaco. As queixas mais frequentes são de palpitações, dispnéia aos 
esforços e eventualmente, dor torácica. 
Sequestro esplênico 
É a retenção de grande volume de sangue dentro do baço de forma repentina 
e abrupta. Pode estar ou não associado com infecção. Ocorre normalmente 
nos primeiros 5 anos de vida e muito raramente após esta idade. É um quadro 
agudo e extremamente grave que, se o paciente não for conduzido a tempo 
para uma unidade hospitalar, para realizar transfusão, pode levar ao óbito 
rapidamente. Ocorre palidez intensa com anemia aguda e sinais de choque 
com aumento do abdomem abruptamente e conseqüente aumento 
importante do tamanho do baço. 
Sintomas neurológicos 
Infartos encefálicos silenciosos secundários a vasculopatia de pequenos 
vasos. Há risco aumentado para acidentes vasculares cerebrais isquêmicos. 
As manifestações neurológicas geralmente são focais e podem incluir 
hemiparesia, hemianestesia, deficiência do campo visual, afasia e paralisia de 
nervos cranianos. Sinais mais generalizados, a exemplo do coma e das 
convulsões, podem ocorrer. 
As pessoas que apresentam sintomas neurológicos agudos devem sempre ser 
internadas. 
Em menores de 1 ano com crise convulsiva, é mandatória a punção lombar 
para afastar infecção do SNC. 
As crianças devem ser avaliadas com ecodoppler transcraniano a partir dos 2 
anos para rastreamento dos pacientes com maior risco de envolvimento 
neurológico. Essa investigação complementar é realizada nos serviços de 
referência. Pacientes suspeitos de estarem em vigência de acidente vascular 
cerebral (AVC) devem ser encaminhados para avaliação de emergência; 
Complicações oculares 
Retinopatia proliferativa, diminuição de acuidade visual, oclusão de artéria 
retiniana e descolamento de retina; 
Sintomas renais e geniturinários 
Hematúria é comum, secundária ao processo de falcização na medula renal. 
Há risco aumentado para perda de função renal e nefropatia falciforme. 
O priapismo pode ocorrer em aproximadamente 40% dos homens e é uma 
emergência médica; o priapismo o é a ereção dolorosa do pênis que pode 
acontecer na forma de episódios breves e recorrentes ou de episódios longos, 
com risco de impotência sexual. 
O tratamento deve ser realizado com exercícios leves, como caminhada e 
ciclismo (no momento do início da crise), banhos mornos, hidratação 
abundante e analgesia. Se com essas medidas não houver melhora em 24 
horas, indica-se a exsanguíneo transfusão parcial ou transfusão simples de 
concentrado de hemácias. Em algumas situações, fazem-se necessárias 
medidas anestésico-cirúrgicas, como punção dos corpos cavernosos, 
esvaziamento cirúrgico e derivações. 
Alterações de crescimento 
Acomete principalmente as crianças e pode ser acompanhada de retardo de 
maturação sexual; 
DIAGNOSTICO 
É mais comumente realizado através do Teste do Pezinho, capaz de 
diagnosticar as síndromes falciformes. 
O teste pode ser realidadoem sangue de cordão umbilical ou amostras de 
sangue venoso coletado em papel de filtro, podendo ser utilizada a mesma 
estratégia de coleta de amostras para outros testes neonatais, como de 
fenilcetonúria e de hipotireoidismo congênito (“testes do pezinho”). 
Também pode ser realizado pela eletroforese de hemoglobina, quando 
houver suspeita clínica. Uma eletroforese de hemoglobina considerada 
 
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normal mostra um predomínio de Hb A1 (96 a 98 %), seguida por Hb A2 (2,5 
a 3,5%) e Hb F (0 a 1,0%). O diagnóstico de anemia falciforme na eletroforese 
é estabelecido pela predominância de Hb S (80 a 99%) e ausência de Hb A1. 
A Hb F também pode aparecer e representar até 15% da Hb total 
Em pessoas com anemia falciforme, exames laboratoriais podem evidenciar 
anemia, sinais de hemólise (hiperbilirrubinemia, aumento de LDH) e presença 
de alterações morfológicas das hemácias como policromasia, esquizócitos e 
drepanócitos. 
PROGRAMA DE TRIAGEM NEONATAL 
O diagnóstico Precoce da DF, no Programa de Triagem Neonatal, constitui 
medida positiva na redução da morbimortalidade da doença. 
O diagnóstico é realizado por meio da triagem neonatal. O ideal é que o 
diagnóstico seja feito com amostra de sangue colhido entre o 3º e o 5º dia de 
vida da criança. 
O propósito primário da Triagem Neonatal das Hemoglobinopatias é a 
identificação de crianças com doenças falciformes. Além disso, a triagem 
também identifica outras Hemoglobinopatias clinicamente significantes, 
incluindo algumas, mas não todas, Beta Talassemias, e a maioria das Alfa 
Talassemias clinicamente significantes. 
Serão identificados também portadores de Hemoglobinopatias (hemoglobina 
traço), que geralmente são assintomáticos, mas cuja identificação pode ter 
implicação genética importante na família. 
A Hemoglobina normal é designada de Hemoglobina A (Hb A). Outras 
hemoglobinas anormais podem ser encontradas, tais como: Hb S, Hb C, Hb D, 
Hb E, Hb J. 
É recomendado a detecção e início de tratamento antes de 4 meses de vida 
para a adequada prevenção das infecções e outras complicações que 
freqüentemente podem levar à morte da criança. 
Nos casos detectados de portadores de traço, os pais da criança poderão ser 
aconselhados a coletar amostra de sangue para realização do mesmo exame 
com a finalidade de aconselhamento familiar. 
Esse programa é dividido em três fases: 
Fase I – Realiza o teste para hipotireoidismo e fenilcetonúria; 
Fase II – Fase I + hemoglobinopatias (doença falciforme); e 
Fase III – Fase I + Fase II + fibrose cística. 
TRATAMENTO 
Pacientes com doenças falciformes devem, sempre que possível, ser 
acompanhados regularmente em serviços especializados (Centros de 
Atenção a Doenças Falciformes) com a presença de equipes multidisciplinares 
(médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e fisioterapeutas). 
Desse modo, os objetivos básicos da terapêutica consistem no tratamento 
das complicações específicas e em cuidados gerais da saúde. Além dos 
cuidados gerais para acompanhamento do crescimento, desenvolvimento 
somático e psicológico, e tratamento específico de lesões orgânicas (como 
colecistopatia, úlceras de pernas, osteomielite etc.) 
O tratamento a longo prazo apoia-se em: a) suplementação com ácido fólico 
(5 mg/dia), deve ser sempre realizada devido à hiperplasia eritropoética; b) 
uso de medicamentos que promovem o aumento da hemoglobina fetal 
(como a hidroxiureia) em pacientes selecionados; c) profilaxia de infecções; 
d) tratamento das crises dolorosas vaso-oclusivas; e) tratamento das demais 
crises agudas (aplásticas, sequestro esplênico, neurológicas, síndrome 
torácica aguda); f) tratamento das infecções. 
AVALIAÇÃO E MANEJO DA DOR AGUDA 
Na suspeita de AVC, sequestro esplênico, síndrome torácica aguda, priapismo 
ou qualquer outro sinal de maior gravidade, os pacientes deverão ser 
encaminhados para avaliação em emergência hospitalar. 
As crises de dor devem ser tratadas, de maneira geral, com repouso, 
hidratação, analgesia e suplementação de O2, se necessário. Na suspeita de 
uma infecção bacteriana como possível desencadeante de uma crise álgica, 
antibioticoterapia empírica deve ser iniciada. 
 
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A otimização da analgesia é fundamental e o uso de analgésicos simples, 
antiinflamatórios não esteroides (AINEs) e opioides orais deve ser 
combinado, de acordo com a intensidade da dor apresentada. De maneira 
geral os pacientes conseguem quantificar a dor apresentada através de uma 
escala analógica de dor. 
Para dores de intensidade mais leve (graduada de 1 a 3), podem ser prescritos 
inicialmente paracetamol ou dipirona. de 4/4 h. Suspender, após 24 h sem 
dor. 
Nos casos de dor de maior intensidade (graduada de 3 a 6) pode-se associar 
uma analgésico simples e um AINE já como medida inicial. Iniciar dipirona, de 
4/4 h + diclofenaco VO, de 8/8 h. Após 24 horas sem dor, retirar o diclofenaco, 
e manter a dipirona, de 4/4 horas; e em caso de retorno da dor, retornar ao 
diclofenaco, e buscar emergência de referência. 
Nos casos de dor graduada de 6 a 10, de forte intensidade, recomenda-se 
iniciar tratamento com analgésico simples, AINE e opioide oral (tramadol ou 
codeína) intercalados. Iniciar dipirona, de 4/4 h + codeína de 4/4 horas 
(intercalados) + diclofenaco VO, de 8/8 h; Após 24 horas, sem dor, retirar a 
dipirona; e manter a codeína; de 4/4 horas com diclofenaco; 
Terapias não farmacológicas como repouso, exercícios de relaxamento e 
respiração e/ou medidas locais, como calor, também são úteis. Compressas 
frias e de gelo devem ser evitadas, pois podem precipitar crises. 
As pessoas que apresentarem fatores de risco – ou aquelas nas quais a dor 
não melhora após 8 horas da instalação da terapia – deverão ser 
hospitalizadas e tratadas de acordo com protocolo de internação. 
Hidratação venosa com NHD sendo fundamental levar em consideração as 
perdas e repor no volume diário. 
Manter dois analgésicos (dipirona e morfina EV), de 4/4 horas, intercalados, 
e o diclofenaco IM, de 8/8 horas; 
Avaliar a necessidade de passar a morfina para infusão contínua; 
Tentar identificar o fator desencadeante para tratá-lo; 
Monitorizar a oximetria de pulso para identificar hipoxemia; precocemente, 
avaliar estudo radiológico para diagnosticar síndrome torácica aguda e iniciar 
tratamento específico; e Avaliar indicação de transfusão, em caso de anemia 
intensa. 
AVALIAÇÃO E MANEJO DA DOR CRÔNICA 
Uma grande proporção de pacientes com doença falciforme sofre de dor 
crônica. Os mecanismos de dor podem ser diferentes daqueles que 
desencadeiam as crises agudas e mais frequentemente envolve articulações, 
necrose avascular, fraturas por compressão, úlceras cutâneas, sensibilização 
central, hiperalgesia, entre outras complicações. Também pode haver um 
componente neuropático envolvido na dor crônica (dor geralmente descrita 
como lancinante, em queimação, ardor, formigamento, sensação de alfinetes 
ou agulhas e de natureza paroxística). 
É essencial a avaliação mais ampla da dor crônica nessa população, 
envolvendo fatores biopsicossociais, a experiência de dor do paciente, o 
impacto na qualidade de vida, a satisfação com o tratamento e possível 
catastrofismo. 
Na dor crônica, o tratamento a ser utilizado dependerá das causas associadas, 
intensidade da dor e duração dos episódios. As causas específicas de dor 
devem ser investigadas e tratadas (úlceras na perna, necrose avascular). 
As medicações analgésicas de uso crônico devem ser tomadas regularmente, 
e podem incluir medicações para controle de dor neuropática, analgésicos 
não opioides e opioides 
Outros tratamentos específicos 
Penicilina V – indicada como profilaxia de infecções bacterianas, deve ser 
utilizada em crianças até os 5 anos de idade. A dose preconizada dos 3 meses 
aos 3 anos éde 125 mg via oral a cada 12 h. Após os 3 anos, a dose deve ser 
ajustada para 250 mg, de 12/12 h até os 5 anos. Pacientes alérgicos a 
penicilina podem utilizar a eritromicina 20 mg/kg/dia divididos em 2 
administrações diárias. 
Penicilina benzatina - administrar IM a cada 21 dias: 
 
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• 300 000U para crianças até 10kg 
• 600 000U para crianças de 10 a 25kg 
• 1 200 000U para indivíduos com mais de 25kg. 
Em casos de alergia à penicilina, administrar 20mg/kg de eritromicina 
etilsuccinato via oral, 2 vezes ao dia. 
Hidroxiuréia – capaz de aumentar a expressão da Hb F, está indicada na 
profilaxia das crises álgicas. A indicação, idade de início de tratamento e dose 
do medicamento são definidos no ambulatório de Hematologia onde o 
paciente acompanha e a medicação é dispensada pela assistência 
farmacêutica estadual. 
Ácido fólico – medicação de uso contínuo. Até 1 ano de idade ou 10 kg, 10 
gotas via oral, 1x/dia. Para maiores de 1 ano, 5 mg, via oral, 3x/semana. 
Quelantes de ferro (como deferasirox) – indicados àqueles pacientes 
submetidos a um programa de transfusões crônicas que desenvolvem 
sobrecarga de ferro secundária ao tratamento. Os quelantes são dispensados 
também pela assistência farmacêutica estadual e prescritos pelo especialista. 
Transfusões de concentrado de hemácias e exsanguinotransfusões – 
indicadas no tratamento da anemia sintomática, AVC, na prevenção do AVC, 
síndrome torácica aguda e priapismo recorrente. Também indicados pelo 
médico especialista ou na avaliação de emergência. 
IMUNIZAÇÕES 
Em razão da provável função esplênica diminuída e, por consequência, a 
redução na capacidade imunológica, recomenda-se um programa de 
vacinação especial precoce, junto ao Centro de Referência para 
Imunobiológicos Especiais - CRIE. A rotina do Programa Nacional de 
Imunizações (PNI) deve ser seguida de acordo com a idade, sendo 
imprescindível a avaliação individual do registro vacinal. Podem ser 
acrescentadas à rotina as vacinas a seguir: 
Influenza inativada - anualmente, na época da campanha vacinal, conforme 
a idade (primeira dose a partir de 6 meses de vida). 
Varicela - crianças devem seguir a rotina do PNI, com uma dose da vacina 
tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela) aos 15 meses de vida e um 
reforço da vacina varicela aos 4 anos. Pessoas com 7 anos de idade ou mais 
não vacinados, devem receber duas doses com intervalo de 4 a 8 semanas 
entre as doses. A solicitação da vacina deve ser feita ao CRIE. 
Hepatite A - até os 4 anos de idade, a criança pode receber a vacina dentro 
da rotina do PNI. A partir dos 5 anos e para adultos que não foram vacinados, 
a solicitação deve ser feita ao CRIE. 
Vacina pneumocócica 23-valente (Pn23) - a partir de 2 anos de idade, 
administrar a primeira dose pelo menos 6 a 8 semanas após a última dose da 
vacina Pneumocócica 10. A segunda dose deve ser administrada cinco anos 
após a primeira dose de Pn23. A solicitação da vacina deve ser feita ao CRIE. 
Vacina meningocócica C - crianças devem seguir a rotina do PNI. Em crianças 
maiores de 12 meses não vacinadas e em adultos, administrar duas doses 
com intervalo de 8 a 12 semanas. Em adolescentes de 11 a 14 anos, 
considerar a dose proposta pela rotina do PNI e, se necessário, acrescentar a 
segunda dose. 
Haemophilus influenzae b - crianças devem seguir a rotina do PNI com a 
vacina pentavalente e receber um reforço entre 12 e 15 meses de vida (a dose 
de reforço deve ser solicitada ao CRIE). A partir de 1 ano de idade até 19 anos, 
para aqueles que não foram vacinados na rotina do PNI, administrar duas 
doses (4 a 8 semanas de intervalo), se imunodeprimido, ou dose única, se 
imunocompetente. Sempre avaliar a possibilidade de atualizar o calendário 
conforme a rotina do PNI 
Febre Amarela – moradores de áreas com recomendação de vacina ou que 
irão viajar para essas áreas podem receber a vacina se não estiverem em uso 
de hidroxiureia. Aqueles em uso da medicação só devem receber a vacina se 
neutrófilos > 1.500 céls/mm³. Nos pacientes que serão submetidos à 
esplenectomia eletiva, a vacinação deverá preceder o procedimento cirúrgico 
pelo período mínimo de 14 dias. Os pacientes já esplenectomizados 
apresentam melhor resposta à vacinação a partir de 14 dias do ato cirúrgico, 
mas deve-se considerar a oportunidade de vacinar como prioritária na 
decisão de quando vacinar. A vacinação com outras vacinas de vírus vivos está 
 
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MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE 
ANA CAROLINA CAIRES 
contraindicada em usuários com imunodeficiência clínica ou laboratorial 
grave. Esses casos devem ser avaliados individualmente e de forma 
compartilhada com o especialista. 
ENCAMINHAMENTO PARA SERVIÇO ESPECIALIZADO 
Todos os pacientes com diagnóstico de doença falciforme devem ser 
encaminhados para atendimento com o hematologista. Junto ao 
acompanhamento com o serviço especializado, é importante que as pessoas 
com anemia falciforme também sigam o acompanhamento na atenção 
primária à saúde, para que tenham um atendimento integral e completo. 
Não há indicação de referência ao serviço especializado pessoas 
exclusivamente com traço falciforme. 
Condições clínicas que indicam a necessidade de encaminhamento para 
serviços de urgência/emergência: 
Doença falciforme com crise álgica não controlada, febre alta (≥ 38,5°C) ou 
outros sinais de gravidade (suspeita de AVC, sequestro esplênico, síndrome 
torácica aguda, priapismo). 
ANÁLISE DO CASO 
 
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MÓDULO III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE 
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