Buscar

ANTROPOLOGIA, IDENTIDADE E DIVERSIDADE

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 42 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 42 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 42 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Antropologia, 
identidade e 
diversidade
E-book 3
César Niemietz
Neste E-book:
Introdução ���������������������������������������������������� 3
Sobre as construções das identidades e das 
diversidades ����������������������������������������������������������� 3
Povo, Estado, nação e identidade�������������������������� 4
A invasão da América e o choque entre “outros” � 8
A identidade nacional e o Estado 
visto como objeto de análise 
antropológica ���������������������������������������������16
O Estado como um mito ��������������������������������������16
O Estado e a nação como comunidades 
“imaginadas” ��������������������������������������������������������18
Sobre a formação das estruturas racistas ��������� 21
O etnocídio como efeito perverso do 
etnocentrismo e do racismo ��������������������������������24
A identidade negra ontem e hoje �������������������������32
Considerações finais�������������������������������38
Síntese ���������������������������������������������������������39
2
E-book 
1
E-book 
3
INTRODUÇÃO
As identidades contemporâneas são marcadas por 
elementos diversos� Neste capítulo, estudaremos 
um desses marcadores, a saber, a nação� Desse 
modo, refletiremos sobre como a ideia de nação é 
formada pelos grupos humanos, e como ela, por sua 
vez, acaba definindo uma certa identidade nacional, 
resultando em um sentimento muito particular: o 
nacionalismo�
De saída, uma constatação: não é possível afirmar 
que a nação e seus componentes básicos (língua, 
sentimento étnico e território) são naturais� Desse 
modo, a própria ideia de pertencimento a uma deter-
minada nação precisa ser colocada sob análise� Para 
tanto, recorreremos aos estudos de antropólogos 
e historiadores que se debruçam exaustivamente 
sobre essas questões�
3
POVO, ESTADO, 
NAÇÃO E 
IDENTIDADE
Em linhas gerais, podemos compreender povo como 
um agrupamento de pessoas que compartilham de-
terminadas afinidades entre si. Esse tipo de organi-
zação, no entanto, não é formalizado, de maneira que 
essas afinidades podem ser pensadas de maneira 
mais ou menos rigorosas� De outro lado, nação in-
dica um agrupamento de pessoas que ocupa um 
determinado território de maneira soberana, com-
partilhando relativo consenso sobre a identidade 
que se pretende projetar internamente – sobre o 
próprio grupo – e externamente – sobre os demais�
Dessa forma, outros elementos podem entrar na de-
finição de nação, tais como a existência de um sen-
timento que delimita uma origem comum entre as 
pessoas do grupo, bem como os costumes, língua, 
tradições, valores e ideias que estão circunscritas 
a essa identidade� Esse agrupamento característico 
pode vir a se tornar um Estado e um país, mas isso 
não é uma regra�
Se compreendermos o Estado como uma unidade 
administrativa que delimita o alcance governamen-
tal internamente, através das leis, e externamente, 
através da política externa, veremos que se trata de 
4
uma concepção também muito recente na história 
dos grupos humanos�
O Estado moderno, da forma como o pensamos nos 
dias de hoje, tem suas origens nos séculos 16 e 17, 
embora tenha se constituído de fato a partir do fim 
do século 18 e durante o século 19, na chamada “era 
das revoluções” (HOBSBAWN, 1990)� Essa forma de 
Estado, como a conhecemos, indica um domínio 
político direto sobre seus habitantes e a rigidez de 
suas fronteiras� Como exemplo posterior, tomemos 
a nossa Constituição Federal, de 1988, uma vez que 
é o documento legal máximo do Estado brasileiro, 
segundo o qual todas as demais legislações mu-
nicipais e estaduais devem a ele se subordinar, em 
última instância�
A propósito da crescente força que as intervenções 
dos Estados passaram a ter sobre as populações 
situadas em seu território, durante o século 19, o 
historiador Eric Hobsbawm afirma que:
[...] se tornaram tão universais e rotinizadas 
nos Estados “modernos” que uma família 
teria que viver em um lugar muito inacessível 
se um de seus membros não quisesse entrar 
em contato regular com o Estado nacional e 
seus agentes: através do carteiro, do policial 
ou do guarda, e oportunamente do profes-
sor; através dos homens que trabalhavam 
nas estradas de ferro, quando estas eram 
públicas; para não mencionar os quartéis 
de soldados ou mesmo as bandas militares 
5
amplamente audíveis (HOBSBAWM, 1990, 
p. 102).
Nos dias de hoje, existem Estados que se caracte-
rizam como representantes de mais de uma nação, 
a exemplo do Canadá, no qual convivem legalmente 
grupos correspondentes às primeiras nações (first 
nations), anteriores à constituição política e social 
do país, que se organizam e reivindicam políticas 
voltadas às suas características étnicas específicas. 
Esses grupos que habitam o território canadense 
possuem assembleia própria, que conta com a par-
ticipação de cerca de 900 mil pessoas, oriundas de 
634 grupos�
Na página da Assembly of first nations (Assembleia 
das primeiras nações – http://www.afn.ca), é pos-
sível consultar os documentos e ideias referentes à 
identidade desses grupos, dentre as quais se desta-
cam a noção de autodeterminação, ancestralidade, 
direitos e responsabilidades, que vão para além da 
nacionalidade canadense�
Os movimentos de autorreconhecimento da ances-
tralidade étnica das identidades autóctones têm 
sido reconhecidos por países diversos� No caso do 
Canadá e da Austrália, por exemplo, os Estados ini-
ciaram a partir da segunda metade do século 20 uma 
série de pronunciamentos e políticas voltadas para 
o perdão e reconciliação em relação às populações 
originárias que foram vítimas dos extermínios físicos 
e culturais promovidos pelos Estados� Essa mu-
6
http://www.afn.ca
dança de perspectiva levou a Bolívia a oficialmente 
reconhecer sua plurinacionalidade, uma vez que 
grupos étnicos distintos estão situados nos limites 
administrativos do país – sobretudo os quéchuas 
e os aimarás, grupos que já traziam componentes 
nacionais antes da invasão espanhola�
Os atributos particulares que definem as nações são 
historicamente construídos, uma vez que, há muito 
tempo, o conceito de raça – tomado de empréstimo 
da biologia – deixou de ser empregado para designar 
o que define uma nação como particular. A história, 
desse modo, passa a ser o componente decisivo 
para a formação das identidades nacionais�
Podcast 1 
7
https://famonline.instructure.com/files/86487/download?download_frd=1
A INVASÃO DA 
AMÉRICA E O 
CHOQUE ENTRE 
“OUTROS”
Um primeiro ponto deve deter nossa atenção no que 
concerne aos impactos resultantes dos encontros 
entre as diferentes culturas� Esse ponto deriva de 
questões apresentadas por Tzvetan Todorov (1983) 
e contribuem para localizarmos um dos vetores pre-
sentes no processo de formação das identidades na-
cionais� Em obra intitulada A conquista da América: 
a questão do outro, Todorov expõe ao leitor suas 
intenções:
Quero falar da descoberta que o eu faz do 
outro. O assunto é imenso. Mal acabamos 
de formulá-lo em linhas gerais já o vemos 
subdividir-se em categorias e direções múl-
tiplas, infinitas. Podem-se descobrir os ou-
tros em si mesmo, e perceber que não se é 
uma substância homogênea, e radicalmente 
diferente de tudo o que não é si mesmo; eu 
e um outro. Mas cada um dos outros é um 
eu também, sujeito como eu. Somente meu 
ponto de vista, segundo o qual todos estão lá 
e eu estou só aqui, pode realmente separá-
-los e distingui-los de mim. Posso conceber 
8
os outros como uma abstração, como uma 
instância da configuração psíquica de todo 
indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em 
relação a mim. Ou então como um grupo so-
cial concreto ao qual nós não pertencemos 
(TODOROV, 1983, p. 3).
Questões bastante profundas que, em linhas ge-
rais, podem ser elaboradas retomando a noção 
anteriormente apresentada no Módulo I, a partir do 
conceito de alteridade� Esse termo contribui de ma-
neira interessante para pensarmos no momento em 
que os europeus chegaram ao continente americano, 
sobretudo a chegada dosespanhóis na região do 
México e da América Central, junto às naus capita-
neadas por Cristóvão Colombo, e a estranheza que 
marcou tanto a percepção dos indígenas quanto a 
dos europeus invasores: quem era o outro como 
indivíduo, e quem era o outro como grupo social? 
Fugindo das representações românticas que inter-
pretam a conquista do território americano pelos 
espanhóis como uma descoberta, Todorov não mede 
palavras para designar o que ocorreu nas décadas 
que se seguiram a essa chegada� Trata-se, segundo 
ele, do “maior genocídio da história da humanida-
de” (TODOROV, 1983, p� 7)� Desse encontro violento 
e genocida, forçado pelos europeus, decorreria a 
formação das identidades nacionais presentes nos 
países modernos�
9
Mas, para além do extermínio físico, ocorreu também 
uma forma de percepção ambígua dos indígenas 
que demarcaria, segundo Todorov, a relação entre 
colonizadores e colonizados também nos séculos 
seguintes� Essa forma de se ver o outro está re-
lacionada a uma tendência de projetar-se sobre o 
outro suas próprias experiências. No entanto, como 
o outro é diferente, passa-se a elaborar uma justifi-
cativa de superioridade moral sobre ele, uma vez que 
ele estaria em um estágio não-civilizado da história 
humana� Nesse sentido, a igreja e o Estado toma-
ram para si a missão de colonizar os territórios e 
exterminar também a cultura dos próprios indígenas, 
negando suas diferenças�
No caso brasileiro, o historiador Sérgio Buarque de 
Holanda (2010) apresenta registros das primeiras 
impressões que os portugueses tiveram sobre os 
índios que aqui estavam� A partir de ampla análise 
documental, o historiador percebe que a referência 
sobre o lugar e sobre os índios esteve baseada em 
uma perspectiva cristã, que via o território como 
uma espécie de jardim de Éden, um paraíso perdido 
(HOLANDA, 2010)�
Desse modo, pode-se dizer que a tendência dos in-
vasores europeus foi dupla: assimilar os índios como 
iguais, mas atribuir a eles um estatuto de inferiori-
dade, uma vez que ainda não estariam no mesmo 
patamar humano que os europeus� Nas palavras 
de Todorov:
10
Estas duas figuras básicas da experiência da 
alteridade baseiam-se no egocentrismo, na 
identificação de seus próprios valores com 
os valores em geral, de seu eu com o uni-
verso; na convicção de que o mundo é um 
(TODOROV, 1983).
Todavia, essa concepção foi sendo progressivamen-
te modificada à medida que os processos de colo-
nização avançavam, sobretudo a partir da segunda 
metade do século 16�
A iconografia europeia relacionada à colonização 
produziu uma série de registros interessantes aos 
nossos olhos contemporâneos� Na imagem a se-
guir, podemos observar a representação que um 
europeu, Jean Théodore de Bry (1561-1623), fez a 
respeito dos Tupinambá brasileiros� Importa com-
preendermos que o gravurista nunca esteve em terri-
tório brasileiro, de modo que sua representação dos 
indígenas se pautou exclusivamente pelos relatos 
que alguns viajantes fizeram sobre os costumes 
antropofágicos dos indígenas – o consumo ritual da 
carne dos inimigos vencidos em guerra, com o pro-
pósito de assimilar suas qualidades –, intensificando 
o caráter brutal do ritual para atender às demandas 
da imprensa europeia que então ganhava força�
11
Figura 1: Cenas de antropofagia no Brasil, Theodore de Bry, 1596.
Fonte: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/18720/
cenas-de-antropofagia-no-brasil. Acesso em: 28 jun. 2019.
Quando da chegada dos portugueses ao território 
brasileiro, aqui existiam diferentes grupos indígenas, 
cada qual com seus costumes, tradições e línguas� 
Essa diversidade existente, todavia, não foi conside-
rada de maneira aprofundada pelos europeus, pois 
todos foram identificados igualmente como índios, 
termo este que tem origem nas excursões feitas an-
teriormente pelos europeus no continente asiático�
Dentre a pluralidade de grupos étnicos que ocu-
pavam o território brasileiro, destacavam-se dois 
grandes grupos, os tupinambás e os tapuias, sub-
divididos em muitos outros� À semelhança do ocor-
rido com as populações indígenas no restante do 
12
https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/18720/cenas-de-antropofagia-no-brasil
https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/18720/cenas-de-antropofagia-no-brasil
continente de colonização espanhola, os índios 
que estavam no território, hoje reconhecido como 
brasileiro, presenciaram um verdadeiro extermínio, 
seja pela violência direta dos invasores, mediante 
assassinatos, estupros e crueldades de toda sorte, 
seja pelas doenças trazidas junto com os europeus, 
para as quais os indígenas não possuíam anticorpos 
adequados� Desse modo, junto à perseguição feita 
por grupos com diferentes intenções – destacando-
-se os jesuítas e os bandeirantes, por exemplo –, os 
indígenas foram vitimados por gripe, pneumonia, 
sífilis, disenteria e tuberculose (SHELTON, 2005).
Abordamos acima que o choque cultural referen-
te às invasões europeias no continente america-
no trouxe uma série de representações parciais e 
equivocadas a respeito dos grupos autóctones que 
habitavam o território� Tais representações, por sua 
vez, justificaram inúmeras violências em relação às 
populações indígenas, de maneira a estigmatizar 
suas identidades étnicas� Mas será que essas falsas 
representações estão restritas apenas ao passado 
pouco lisonjeiro da atuação dos invasores? Para 
responder a essa pergunta, convém refletirmos so-
bre os mecanismos de produção das identidades 
nacionais nos séculos seguintes�
13
SAIBA MAIS:
O povo brasileiro: a formação e o sentido do Bra-
sil (1995), escrito por Darcy Ribeiro�
O antropólogo Darcy Ribeiro (1922 – 1997) se 
consolidou como uma das principais referências 
para o estudo das relações étnicas formadoras 
da experiência nacional brasileira. Embora ad-
mita que nossa identidade étnica esteja relacio-
nada com diferentes matrizes culturais, o antro-
pólogo não defende o processo de intercâmbio 
desses grupos como harmonioso� Segundo ele, 
o processo que estabeleceu uma certa unidade 
étnica, percebida como identidade nacional, es-
teve e permanece relacionado com processos 
de violência e desigualdades. Em suas palavras, 
a unidade nacional “resultou de um proces-
so continuado e violento de unificação políti-
ca, logrado mediante um esforço deliberado 
de supressão de toda identidade étnica dis-
crepante e de repressão e opressão de toda 
tendência virtualmente separatista. Inclusive de 
movimentos sociais que aspiravam fundamen-
talmente edificar uma sociedade mais aberta 
e solidária. A luta pela unificação potenciali-
za e reforça, nessas condições, a repressão 
social e classista, castigando como separatis-
tas movimentos que eram meramente republi-
canos ou antioligárquicos” (RIBEIRO, 2015, p� 23)� 
 
14
 
Figura 2: Capa do livro O povo brasileiro, de Darcy 
Ribeiro
Fonte: https://globaleditora.com.br/catalogos/
livro/?id=3607
15
https://globaleditora.com.br/catalogos/livro/?id=3607
https://globaleditora.com.br/catalogos/livro/?id=3607
A IDENTIDADE 
NACIONAL E O 
ESTADO VISTO COMO 
OBJETO DE ANÁLISE 
ANTROPOLÓGICA
O Estado como um mito
O filósofo polonês Ernst Cassirer (1874–1945) reali-
zou uma instigante análise a respeito da identidade 
nacional e da estrutura do Estado, pensando este 
como uma espécie de mito moderno� Publicado pou-
co antes da morte do autor, em 1945, a obra O mito 
do Estado foi escrita como tentativa de compreensão 
dos acontecimentos que marcaram a primeira meta-
de do século 20: duas grandes guerras e ascensão 
dos regimes nazista e fascista� Cassirer defende que 
o Estado é resultado de uma construção coletiva 
mítica, pois seus elementos constitutivos seriam os 
mesmos encontrados nos mitos, a exemplo do culto 
ao herói, do culto à superioridade racial, e da crença 
de que as nações possuem um destino inevitável, 
geralmente visto como grandioso (CASSIRER, 1976)�
Os três componentes apontados porCassirer per-
manecem, em maior ou menor medida, recorrentes 
nos diferentes nacionalismos desde fins do século 
16
18� Basta pensarmos em como esses elementos 
constam em nossa própria experiência nacional 
e nas dos demais países contemporâneos� Nesse 
sentido, é comum o expediente de definição de he-
róis nacionais, cuja superioridade moral se torna 
algo indiscutível, mesmo à luz de evidências que 
demonstram o contrário� Além disso, se a noção de 
raça já deixou de ser considerada devido às suas 
inconsistências empíricas, a ideia de que existem 
nações superiores e outras, consequentemente, in-
feriores, é algo bastante presente, por exemplo, em 
filmes estrangeiros, como se pode notar em boa 
parcela da produção hollywoodiana contemporânea�
Podcast 2 
O terceiro ponto apresentado por Cassirer tam-
bém é fundamental para compreendermos como 
os Estados modernos possuem semelhanças com 
estruturas míticas� A ideia de que algumas nações 
possuem como destino inevitável impor seu poder 
sobre outras nações é algo que permanece cons-
tante, se pensarmos nos discursos proferidos por 
líderes de diferentes nações ao justificarem invasões 
militares em países alheios�
17
https://famonline.instructure.com/files/86488/download?download_frd=1
O Estado e a nação como 
comunidades “imaginadas”
O antropólogo Benedict Richard O’Gorman Anderson 
(1936–2015) desenvolveu profunda análise a respei-
to das origens da identidade nacional� Em primeiro 
lugar, diz o autor, não é possível localizar a data de 
nascimento ou o registro oficial de surgimento de 
uma nação� As nações, desse modo, são constru-
ções coletivas, sem início bem determinado e que 
se valem de elementos que gradualmente lhes dão 
feições e que se tornam recorrentes�
Dentre esses elementos, destaca-se a importância 
exercida pelos meios de comunicação, bem como 
também pelo sistema educacional – responsável 
pela reprodução da história considerada oficial de 
uma nação – e pelas ações realizadas por parte do 
Estado, para afirmar sua identidade sobre sua po-
pulação, mas também é possível notar a influência 
de outros componentes menos evidentes, a exemplo 
do censo, do mapa e do museu� Mas como esses 
três elementos podem servir para reforçar uma de-
terminada identidade nacional?
Se pensarmos em como nossa ideia de nação de-
pende em grande medida de determinadas infor-
mações, inseridas em contextos que lhes atribuem 
significados particulares – por exemplo, quantida-
de de pessoas e características dessas pessoas –, 
podemos perceber que os resultados dos censos 
18
são fundamentais para demarcarmos os limites de 
nossa população�
De outro lado, os mapas definem os limites físicos, 
sendo que tais limites, como sabemos, variam con-
forme o momento histórico em que estão situados� 
Historicamente, os territórios são incorporados e 
perdidos pelos países ao longo de guerras e disputas 
com seus vizinhos�
Por fim, os museus possibilitam a definição de uma 
história oficial, ou seja, uma narrativa que interessa 
à construção da identidade que as nações reivindi-
cam� Evidentemente, essas construções nem sempre 
estão de acordo com os fatos históricos tal como 
eles ocorreram� Por exemplo, historicamente sabe-
mos que a atuação dos bandeirantes no sudeste do 
Brasil foi marcada pela extrema violência com a qual 
trataram as populações nativas, capturando-as e 
sujeitando-as a todo tipo de crueldades� Entretanto, 
a despeito dos conhecimentos históricos a respeito 
do assunto, os diversos monumentos aos bandei-
rantes, presentes, por exemplo, na cidade de São 
Paulo, tornaram-se símbolos constitutivos da pró-
pria identidade paulistana�
19
Figura 2: Monumento ao Anhanguera, esculpido por Luigi Brizzolara 
e inaugurado em 1924. Atualmente está exposto em frente ao Parque 
Trianon, na Avenida Paulista.Fonte: https://www.al.sp.gov.br/
noticia/?id=272834 Acesso em: 28 jun. 2019.
A partir dessas considerações, podemos pensar que 
os censos, os museus e os mapas produzem um 
certo sentido de identidade nacional� Esse sentido, 
como afirma Anderson, é tributário de operações 
simbólicas relacionadas às dinâmicas culturais:
O meu ponto de partida é que tanto a nacio-
nalidade – ou, como talvez se prefira dizer, 
devido aos múltiplos significados desse ter-
mo, a condição nacional – quanto o nacio-
nalismo são produtos culturais específicos. 
Para bem entendê-los, temos de considerar, 
com cuidado, suas origens históricas, de que 
maneiras seus significados se transforma-
ram ao longo do tempo e por que dispõem, 
20
https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=272834
https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=272834
nos dias de hoje, de uma legitimidade emo-
cional tão profunda (ANDERSON, 2009, p. 
30).
Essas considerações realizadas pelo antropólogo 
demonstram que as raízes da nossa identidade na-
cional são sujeitas à ação cultural e aos movimentos 
históricos. Entretanto, essas afirmações não indicam 
que esses sentimentos sejam meramente fictícios, 
uma vez que as ideias de nação e de nacionalismo 
produzem emoções profundas entre as pessoas�
Sobre a formação das estruturas 
racistas
Assim como os demais conceitos, a categoria raça 
atende a diferentes significados que são mobilizados 
de acordo com interesses dos grupos que a utilizam� 
Todavia, para além de assumir um significado me-
ramente semântico, o termo raça trouxe consigo, 
durante muito tempo, uma série de teorias anexas� 
São as chamadas teorias raciais�
Vimos anteriormente que a noção de etnia designa 
a identidade de um determinado grupo, sendo este 
marcado por semelhanças relacionadas a uma an-
cestralidade comum e a padrões culturais discer-
níveis em relação a outros grupos� Raça, por outro 
lado, pretende indicar que essas diferenças estão 
relacionadas a componentes físicos e biológicos� 
21
Assim, a noção de raça serviu equivocadamente, ao 
longo dos tempos, para indicar diferenças que são 
culturais e sociais, tais como posições de status 
dentro dos grupos hierarquizados e pertencimentos 
a grupos sociais específicos.
Embora não seja do nosso interesse neste material 
entrar em questões pertinentes ao campo da bio-
logia, pode-se afirmar que a noção de raça, como 
elemento de diferenciação das espécies vivas, pou-
co contribui para definir os grupos humanos, uma 
vez que a raça humana se constitui como única� As 
diferenças, desse modo, estariam em outra esfera� 
Mas, qual é, de fato, o problema existente de fato na 
utilização desse termo?
De saída, podemos afirmar algo que parece óbvio: 
uma categoria é sempre formulada por um indiví-
duo ou uma pessoa cuja função é necessariamente 
categorizar as diferenças� Um possível problema 
referente a esse fato é que, em muitos momentos, 
os categorizadores possuem eles próprios uma de-
terminada visão estreita a respeito do mundo em 
que estão situados� Dessa forma, corre-se o risco 
de reproduzir-se nas categorias os próprios precon-
ceitos dos categorizadores� O etnocentrismo e o ra-
cismo são exemplos constantes desses equívocos� 
Essas perspectivas sobre as teorias subjacentes 
à categoria raça foram apresentadas por Claude 
Lévi-Strauss, em texto clássico intitulado Raça e 
História (1952)�
22
Lévi-Strauss parte da noção de que o uso da catego-
ria raça justificou uma série de violências em relação 
a populações humanas. Essas violências, estudadas 
por Lévi-Strauss, estariam relacionadas às teorias 
racistas que apresentam concepções pseudocientí-
ficas, uma vez que as diferentes aptidões humanas 
pouco ou nada teriam a ver com a base biológica�
A análise realizada por Lévi-Strauss indica também 
a diversidade humana como necessariamente dinâ-
mica, uma vez que as identidades são construídas e 
reconstruídas em um movimento incessante:
A humanidade está constantemente em luta 
com dois processos contraditórios, para ins-
taurar a unificação, enquanto que o outro 
visa manter ou restabelecer a diversificação. 
A posição de cada época ou de cada cultura 
no sistema, a orientação segundo a qualesta 
se encontra comprometida são tais que só 
um desses processos lhe parece ter sentido, 
parecendo o outro ser a negação do primeiro 
(LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 361).
Nesse sentido, a Antropologia surge então como 
uma forma de adquirir subsídios para lidar com as 
diversidades humanas de maneira mais compreensi-
va. Ainda sobre o assunto, Lévi-Strauss afirma que:
23
A tolerância não é uma posição contemplati-
va dispensando indulgências ao que foi e ao 
que é. É uma atitude dinâmica, que consiste 
em prever, em compreender e em promover 
o que quer ser. A diversidade das culturas 
humanas está atrás de nós, à nossa volta e 
à nossa frente. A única exigência que pode-
mos fazer valer a seu respeito (exigência que 
cria para cada indivíduo deveres correspon-
dentes) é que ela se realize sob formas em 
que cada uma seja uma contribuição para 
a maior generosidade das outras (LÉVI-
STRAUSS, 1993, p. 366).
O etnocídio como efeito 
perverso do etnocentrismo e do 
racismo
Se o etnocentrismo pode ser compreendido como 
uma forma limitada de compreensão da diversidade 
humana, é possível verificar seus efeitos quando 
essa perspectiva passa a ser colocada em prática 
por grupos que detêm poder de imposição de suas 
vontades sobre os outros?
Como resposta para a pergunta formulada acima, 
refletiremos brevemente sobre o termo etnocídio, 
que indica, em linhas gerais, o genocídio realizado 
por um grupo em relação ao espírito de outros, ou 
seja, em relação à sua cultura� Essas observações se 
24
apoiam em outro texto clássico da Antropologia, in-
titulado Do etnocídio, escrito pelo antropólogo Pierre 
Clastres (1934–1977) e publicado originalmente em 
1974� Mas antes de discutirmos sobre essa noção, 
convém lembrarmos do que trata o termo genocídio�
A ascensão do nazismo na Alemanha, durante a 
primeira metade do século 20, esteve relacionada a 
um movimento de apelo à identidade que serviu de 
justificativa para a criação do Terceiro Reich (1933-
1945), a saber, a ideia de que os alemães possuíam 
uma origem única, pura e superior sobre os demais 
grupos humanos do mundo� Essa noção esteve rela-
cionada à ideia de raça ariana, elaborada e apresen-
tada por Adolf Hitler em seu livro Main Kampf (Minha 
luta), publicado originalmente em 1925� Nesta obra, 
Hitler apresentou uma suposta teoria segundo a qual 
não apenas os alemães eram dotados de pureza ra-
cial originária, mas também outros grupos poderiam 
ser vistos como impuros e degenerados, do ponto de 
vista de suas raças e de seus posicionamentos ide-
ológicos� Entre esses grupos marginalizados foram 
incluídos judeus, homossexuais, ciganos, eslavos e 
comunistas, entre outros�
Após a chegada de Hitler ao poder, os nazistas, de-
fensores de ideais políticos reconhecidamente de 
extrema-direita, iniciaram uma série de perseguições 
aos grupos considerados por eles inferiores� Sob 
o lema Deutschland über alles (Alemanha acima 
de tudo), desenvolveram formas de policiamento e 
prisões específicas para esses grupos, resultando 
naquilo que foi chamado por eles de solução final, ou 
25
seja, o extermínio físico dos grupos marginalizados 
em campos de concentração�
Figura 3: Imagem 4: Dawid Samoszul, criança judia que foi assas-
sinada pelos nazistas no campo de concentração de Treblinka, aos 
nove anos de idade.Fonte: https://encyclopedia.ushmm.org/content/
pt-br/article/introduction-to-the-holocaust. Acesso: 28 jun. 2019.
26
A morte sistemática de milhares de pessoas sob 
o pretexto da pureza racial nunca antes havia sido 
empreendida e registrada da forma como os nazis-
tas o fizeram. Desse modo, após a Segunda Guerra 
Mundial, durante os tribunais que julgaram os crimes 
cometidos pelos nazistas, na cidade de Nuremberg, 
em 1946, empregou-se o termo genocídio para de-
signar as atrocidades e o extermínio físico em massa 
de pessoas nos campos de concentração nazistas�
Mas uma questão importante pode ser destacada 
desses eventos� Existe a possibilidade de exterminar 
um grupo humano sem necessariamente recorrer à 
sua destruição física? Essa questão foi respondida 
por Pierre Clastres ao recorrer ao termo etnocídio, 
ou seja, o extermínio cultural de um grupo, de ma-
neira a aniquilar seus valores, suas religiões e suas 
características étnicas� Assim, os termos genocídio 
e etnocídio teriam semelhanças e diferenças:
Ele [o termo etnocídio] tem em comum com 
o genocídio uma visão idêntica do Outro: o 
Outro é a diferença, certamente, mas é so-
bretudo a má diferença. Essas duas atitudes 
distinguem-se quanto à natureza do trata-
mento reservado à diferença. O espírito, se 
se pode dizer, genocida quer pura e simples-
mente negá-la. Exterminam-se os outros 
porque eles são absolutamente maus. O et-
nocida, em contrapartida, admite a relativida-
de do mal na diferença: os outros são maus, 
mas pode-se melhorá-los obrigando-os a se 
27
transformar até que se tornem, se possível, 
idênticos ao modelo que lhes é proposto, 
que lhes é imposto (CLASTRES, 2004, p. 85).
Há de se ressaltar que, no Brasil e em outros países, 
as populações indígenas foram submetidas aos dois 
processos – genocídio e etnocídio –, uma vez que a 
perseguição aos índios no Brasil é constante desde a 
invasão dos portugueses� Durante a Ditadura Militar 
(1964-1985), por exemplo, a despeito da dificuldade 
de acesso a informações devido à ampla censu-
ra promovida pelos militares, alguns documentos 
evidenciam a devastação dos territórios indígenas 
e o extermínio dessas populações através de as-
sassinatos e da introdução de doenças, a exemplo 
da varíola, que foi inoculada em índios por aqueles 
que estiveram na dianteira do processo de ocupação 
do interior do país� Sobre esse assunto, os poucos 
registros que não foram destruídos, constavam no 
relatório do procurador Jader de Figueiredo Correia, 
realizado em 1967, sobre a atuação do Serviço 
Nacional do Índio (SNI)�
Se seguirmos as observações de Pierre Clastres, 
veremos que os processos de etnocídio não estive-
ram limitados às invasões e colonização por parte 
dos europeus na África, América, Ásia e Oceania� O 
processo de identificação do outro não necessaria-
mente como maus, mas como grupos que podem 
ser melhorados ou civilizados seguindo padrões 
culturais específicos (religiosos, econômicos, entre 
outros), é algo recorrente mesmo nos dias de hoje e 
28
convém ao leitor deste material que procure refletir 
e identificar a permanência de práticas etnocidas 
em nossas sociedades contemporâneas�
Figura 4: Guarda Rural Indígena, criada pela Funai em 1968, que 
submeteu os índios a treinamentos militares.Fonte: Acervo O Globo. 
Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/a-historia-
-de-resistencia-morte-dos-povos-indigenas-na-ditadura-mili-
tar-21110809. Acesso em: 28 jun. 2019.
29
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/a-historia-de-resistencia-morte-dos-povos-indigenas-na-ditadura-militar-21110809
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/a-historia-de-resistencia-morte-dos-povos-indigenas-na-ditadura-militar-21110809
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/a-historia-de-resistencia-morte-dos-povos-indigenas-na-ditadura-militar-21110809
Saiba mais:
Filme Martírio (2016), dirigido por Vincent Carelli, 
Ernesto de Carvalho e Tatiana Almeida� Produ-
ção: Papo Amarelo Produções Cinematográficas 
e Vídeo nas Aldeias� 162min
Figura 3: Pôster do filme Martírio.
Créditos Figura 6:� Fonte: https://letterboxd�
com/film/martirio/. Acesso em: 28 jun. 2019.
Com o objetivo de reconstruir a luta indígena no 
Brasil desde a redemocratização do país, os ci-
neastas apresentam em Martírio importantes re-
gistros para se compreender como o massacre 
e a perseguição aos índios permanecem como 
constantes em nossa política contemporânea� 
Além desse potente documento político, antro-
pológico e jurídico, Carelli se notabilizou como 
um dos principais cineastas que se empenham 
em documentar a situação indígena no Brasil� 
Em companhia de outros cineastas e antropólo-
gos, Carelli é um dosresponsáveis pela iniciati-
va Filme nas aldeias, que desde 1986 estimula 
30
projetos audiovisuais desenvolvidos pelos pró-
prios índios� A partir dos anos 2000, o projeto se 
tornou uma ONG autônoma. É possível encontrar 
no site da ONG (http://videonasaldeias�org�br/) 
uma plataforma de streaming com produções 
feitas por antropólogos e índios de diferentes et-
nias� Dentre as produções realizadas pela ONG, 
recomenda-se a série Índios no Brasil, apresen-
tada por Ailton Krenak, a respeito dos diversos 
grupos indígenas presentes no território brasi-
leiro� É possível assistir à série completa, dispo-
nibilizada pela própria ONG, através do endereço 
https://vimeo�com/showcase/1426010 (Acesso 
em: 12 jun� 2019)�
31
A IDENTIDADE 
NEGRA ONTEM E 
HOJE
No Brasil, os processos de extermínio da popula-
ção indígena ao longo da construção da identidade 
nacional brasileira foram seguidos pela sujeição, 
sequestro e assassinato das populações negras 
sequestradas no continente africano e trazidas ao 
território brasileiro para serem escravizadas�
Se pensarmos na escravidão, ou seja, na sujeição 
de uma pessoa ou um grupo por outras pessoas ou 
grupos, veremos que não é algo incomum na história 
das sociedades humanas� Entretanto, não é possível 
estabelecer semelhança entre as formas antigas de 
escravidão e a forma como se desenvolveu a escra-
vidão de negros africanos no Brasil� Não é possível, 
pois quando os negros africanos vieram para cá à 
força foram considerados mercadorias e ferramentas 
de trabalho, que se tornaram fundamentais para o 
tipo de colônia de exploração que aqui se consoli-
dou� Esses dois componentes de identidades dos 
escravizados distinguem e particularizam signifi-
cativamente os processos de escravidão ocorridos 
em território brasileiro diante dos demais�
Diferentemente dos indígenas, a quem ocasional-
mente as instituições reconheciam algum grau de 
humanidade – ainda que quase sempre formal –, 
32
os negros escravizados foram considerados como 
meros objetos sobre os quais o Estado e os escravi-
zadores tiveram diretos de posse garantidos� Nesse 
sentido, a historiadora Keila Grinberg afirma que:
Durante todo o período colonial, os castigos 
infligidos aos escravos eram prerrogativa 
dos senhores, praticamente uma obrigação, 
reconhecida e corroborada pelos costumes e 
pelas leis. Assim, o castigo deveria ser “jus-
to”, só executado quando houvesse motivos 
e de maneira corretiva, para evitar a reinci-
dência. Se o domínio mais amplo sobre a 
ordem escravista era mantido pelas autori-
dades coloniais, que reprimiam as fugas e a 
formação de quilombos, a continuidade da 
dominação dos senhores sobre seus escra-
vos cabia aos próprios senhores. A ação do 
poder real se dava fora da unidade produti-
va, fora da casa do senhor. Fosse executado 
pelas autoridades ou pelo senhor, o controle 
dos comportamentos seguia a mesma lógi-
ca: a punição deveria ser pública, exemplar, 
reafirmando o poder do senhor ou do sobe-
rano (GRINBERG, 2018, p. 138).
Cada vez mais os historiadores têm encontrado re-
gistros que comprovam que os negros escravizados 
não assistiram passivelmente sua sujeição� Exemplo 
dessas fugas e resistências constantes foi o famoso 
quilombo de Palmares, cuja existência durou cerca 
33
de cem anos e se tornou uma sociedade à parte, 
composta por negros que fugiram da escravidão� 
Mas, além deste exemplo clássico, outras inúmeras 
formas de resistência marcaram a identidade dos 
escravizados no Brasil�
Ao deter os lamentáveis títulos de maior destino dos 
negros sequestrados e de última nação a abolir a 
escravidão africana, é impossível deixar de se com-
preender nossas dinâmicas políticas, econômicas e 
sociais sem considerar o fato de que foram séculos 
de tráfico transatlântico e de exploração de pessoas 
tornadas escravas, de meados do século 16 até a 
abolição oficial, em 1888.
A propósito das interpretações sobre a identida-
de que formou a nação brasileira, existe uma linha 
interpretativa que se costuma atribuir ao antropó-
logo e historiador Gilberto Freyre (1900–1987), au-
tor de obras como Casa Grande & Senzala (1933) 
e Sobrados & Mucambos (1936)� Em ambas as 
obras, Freyre apresenta a relação de dependência 
e aproximação entre o espaço dos escravos e dos 
escravistas, mas também induz uma representação 
relativamente passiva no que concerne à miscige-
nação de brancos e negros no Brasil�
De maneira sintética, a tese freyreana está próxi-
ma daquilo que ficou conhecido como democracia 
racial (embora o termo, propriamente dito, não seja 
constante na obra do autor)� De acordo com Freyre, o 
intercurso sexual e o intercâmbio cultural de africa-
nos e portugueses procederam, no Brasil, um certo 
34
efeito democratizante no que se refere às distâncias 
entre esses povos�
Embora não negligenciasse as violências às quais 
os escravizados foram submetidos, Freyre acaba 
por defender essa miscigenação como algo que te-
ria atenuado os antagonismos dos grupos durante 
o processo de colonização� No entanto, a tese de 
Gilberto Freyre foi questionada por dois importan-
tes intelectuais: Florestan Fernandes e Abdias do 
Nascimento�
O sociólogo Florestan Fernandes (1920–1995) rea-
lizou intensos estudos sobre a realidade dos negros 
no Brasil� Em obra intitulada A integração do negro 
na sociedade de classes (1964), Fernandes procura 
investigar os modos possíveis de inserção dos ne-
gros com a emergência do capitalismo brasileiro.
Entre os diversos pontos tratados pelo sociólogo, 
destaca-se a dificuldade estrutural que marcou a 
integração dos negros, devido à permanência da 
mentalidade escravista na sociedade brasileira, que 
não conferiu democraticamente as mesmas possibi-
lidades e posições sociais a negros e brancos após 
a abolição da escravidão. Afirma Fernandes que os 
negros, no Brasil, correspondem ao:
[...] contingente da população nacional que 
teve o pior ponto de partida para a integração 
ao regime social que se formou ao longo da 
desagregação da ordem social escravocrata 
e senhorial e do desenvolvimento posterior 
35
do capitalismo no Brasil (FERNANDES, 1973, 
p. 9).
Os efeitos perversos e nada democráticos da es-
cravidão foram também tratados por Abdias do 
Nascimento (1914–2011), intelectual negro de gran-
de relevância para as discussões sobre o racismo 
no Brasil – racismo este identificável nas institui-
ções brasileiras, a exemplo da família, da escola e 
do Estado – portanto, racismo institucional�
Segundo Nascimento, em obra de referência para 
os estudos brasileiros sobre a identidade negra, O 
genocídio do negro brasileiro: um processo de ra-
cismo mascarado (1978), a tese de Gilberto Freyre 
esconderia uma grande perversidade ao naturalizar 
as relações entre escravos e escravistas, de modo 
a apresentar uma espécie de mito do senhor bene-
volente que, segundo o autor, nunca existiu:
Durante séculos, por mais incrível que pare-
ça, esse duro e ignóbil sistema escravocrata 
desfrutou a fama, sobretudo no estrangeiro, 
de ser uma instituição benigna, de caráter 
humano. Isto graças ao colonialismo por-
tuguês que permanentemente adotou for-
mas de comportamento muito específicas 
para disfarçar sua fundamental violência e 
crueldade. Um dos recursos utilizados nesse 
sentido foram a mentira e a dissimulação 
[...]. Essa rabulice colonizadora pretendia 
imprimir o selo de legalidade, benevolência 
36
e generosidade civilizadora à sua atuação 
no território africano. Porém todas essas e 
outras dissimulações oficiais não dissimu-
laram a realidade, que consistia no saque de 
terras e povos, e na repressão e negação de 
suas culturas – ambos sustentados e rea-
lizados, não pelo artifício jurídico, mas sim 
pela força militar imperialista (NASCIMENTO, 
1978, p. 50).
Esse procedimento ao qual Nascimento se refere, 
baseado em uma miscigenação cultural harmoniosa 
entre portugueses e negros africanos escravizados, 
estaria na própria interpretação de como funciona a 
mentalidade colonial�Esse assunto será tratado com 
atenção na próxima unidade, mas antes ficaremos 
com as constatações de Nascimento:
No Brasil, é a escravidão que define a quali-
dade, a extensão, e a intensidade da relação 
física e espiritual dos filhos de três conti-
nentes que lá se encontraram: confrontan-
do um ao outro no esforço épico de edifi-
car um novo país, com suas características 
próprias, tanto na composição étnica do 
seu povo quanto na especificidade do seu 
espírito – quer dizer, uma cultura e uma ci-
vilização com seu próprio ritmo e identidade 
(NASCIMENTO, 1978, p. 59).
37
CONSIDERAÇÕES 
FINAIS
Nesta unidade tratamos dos assuntos pertinentes 
à construção das identidades nacionais� Como ob-
servamos anteriormente, as ideias de nação e de 
nacionalismo exerceram e exercem grande influência 
sobre os horizontes culturais das pessoas desde o 
final do século 18.
Muitos conflitos que ocorrem atualmente, em dife-
rentes partes do mundo, apresentam componentes 
referentes históricos que estão relacionados aos 
efeitos do nacionalismo� Boa parte da diversidade 
cultural presente hoje em países distintos ao redor 
do mundo também é influenciada pela noção e iden-
tidade nacional�
Na próxima unidade, voltaremos nossas atenções 
para a construção das diversidades no interior dos 
espaços de socialização contemporâneos� Como 
será visto, para refletirmos sobre esses aspectos que 
demarcam identidades e comportamentos, precisa-
remos de apoio das novas teorias sobre a formação 
de identidades�
38
b) Contra o conceito de “democracia 
racial”: a crítica de Florestan 
Fernandes e Abdias do Nascimento 
às teses de Gilberto Freyre.
a) Características da escravidão 
negra no Brasil. Pessoas tornadas 
mercadorias e ferramentas de 
trabalho;
 A identidade negra ontem e hoje:
5
b) Etnocídio como extermínio 
cultural, segundo Pierre Clastres.
a) Genocídio e fundamentos 
racistas do Terceiro Reich;
Sobre a formação das estruturas 
racistas. Raça e história, segundo 
Claude Lévi-Strauss;
4.1
Sobre a formação das estruturas 
racistas. Raça e história, segundo 
Claude Lévi-Strauss;
4
b) O Estado pensado como 
“comunidade imaginada”: Benedict 
Anderson. Sentidos identitários 
despertados pela nação.
a) O Estado pensado como “mito”: 
Ernst Cassirer. Elementos 
constitutivos do imaginário sobre o 
Estado;
A identidade nacional e o Estado 
vistos como objetos de análise 
antropológica:
3
b) Iconografia e representações dos 
indígenas.
a) Tzvetan Todorov sobre a 
conquista da América. Dificuldades 
na representação do “outro”;
A invasão da América e o choque 
entre “outros”
2
b) Plurinacionalidade e Estados 
contemporâneos.
a) Estados no século 19;
Povo, Estado, nação e identidade:t
SOBRE AS CONSTRUÇÕES DAS 
IDENTIDADES E DAS DIVERSIDADES
1
Referências
ALMADA, Sandra. Abdias nascimento: retratos do Brasil 
negro. São Paulo: Selo Negro, 2009.
BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, 
Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e pen-
samento afrodiaspórico. São Paulo: Autêntica, 2018.
CASSIRER, Ernst. O mito do estado. Trad. Álvaro Cabral. 
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência. São Paulo: 
Cosac Naify, 2004.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na so-
ciedade de classes. v. 1. São Paulo: Ática, 1978.
GRINBERG, Keila. Castigos físicos e legislação. In 
SCHWARCZ, Lilia; GOMES, Flavio (Orgs.). Dicionário da 
escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2018.
HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. 
Tradução de Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. Rio 
de Janeiro: Paz e terra, 1990.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. São 
Paulo: Paz e Terra, 2015.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso. São 
Paulo: Companhia das Letras, 2010.
MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: Edusp, 
2007.
NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: 
um processo de racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz 
& Terra, 1978.
NASCIMENTO, Elisa Larkin (ed.). A matriz africana no 
mundo. São Paulo: Selo Negro Edições, 2008.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sen-
tido do Brasil. São Paulo: Global Editora e Distribuidora 
Ltda, 2015.
SHELTON, Dinah. Encyclopedia of genocide and crimes 
against humanity. Farming Hills: Macmillan Reference, 
2005.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão 
do outro. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: 
Martins Fontes, 1983.
	_GoBack
	Introdução
	Sobre as construções das identidades e das diversidades
	Povo, Estado, nação e identidade
	A invasão da América e o choque entre “outros”
	A identidade nacional e o Estado visto como objeto de análise antropológica
	O Estado como um mito
	O Estado e a nação como comunidades “imaginadas”
	Sobre a formação das estruturas racistas
	O etnocídio como efeito perverso do etnocentrismo e do racismo
	A identidade negra ontem e hoje
	Considerações finais
	Síntese
	bt_foward 15: 
	Página 1: 
	bt_foward 17: 
	Página 40: 
	Página 41:

Outros materiais