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Apg 9 – Endocardite 1- Compreender a fisiopatologia da endocardite; 1.1 Etiologia e formas de contaminação (prevalências); 1.2 Fatores de risco, manifestações clínicas e complicações; 1.3 Exames de diagnóstico e tratamento 2- Entender o acesso à saúde da população da zona rural. Endocardite infecciosa Endocardite infecciosa é a inflamação do endocárdio provocada por microrganismos. Na prática, a maioria das endocardites ocorre em valvas cardíacas; são também consideradas endocardite as infecções que se instalam em próteses valvares. Outras sedes da doença são orifícios anômalos (p. ex., comunicações intercavitárias) e locais de implantes de cateteres ou de outros dispositivos intracardíacos ou intravasculares. Em geral, as endocardites se estabelecem em valvas previamente lesadas, por lesões congênitas ou adquiridas. No Brasil e em outros países em que a prevalência da doença reumática é elevada, a da endocardite infecciosa também o é, por causa desse fator de risco. Nos países em que a doença reumática diminuiu, a incidência de endocardite infecciosa é baixa, embora não tenha caído. Nos últimos anos, surgiram novos grupos de risco, como idosos, usuários de drogas injetáveis, pacientes em hemodiálise e portadores de cardiopatias congênitas que sobrevivem mais tempo graças à terapêutica. Algumas vezes, as lesões prévias não chegam a causar disfunções antes do processo infeccioso. Lesão valvar pregressa favorece a infecção por gerar fluxo turbulento, portanto aumentando o contato dos microrganismos com o revestimento cardíaco. Na maioria dos casos, a endocardite infecciosa localiza-se nas faces das valvas (ou das comunicações anômalas) de maior impacto do fluxo sanguíneo, ou seja, na face atrial da valva mitral, na face ventricular da valva aórtica etc. A valvas mais atingidas são a mitral e a aórtica, em proporções aproximadamente iguais. Em necrópsias e peças cirúrgicas examinadas no Laboratório de Anatomia Patológica do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da USP, há equilíbrio quanto ao acometimento dessas valvas. Em 10% dos casos, há comprometimento de ambas. Do total dos casos, cerca de um terço corresponde a endocardite em próteses. Menos de 10% das endocardites infecciosas ocorrem no lado direito do coração; outros 10% comprometem o endocárdio mural em indivíduos sem valvopatias, em geral em pacientes com cardiopatias congênitas. Etiopatogênese Inúmeros microrganismos podem causar endocardite, sobretudo bactérias dos grupos estreptococos, enterococos e estafilococos. A mortalidade varia bastante conforme o agente. Para haver colonização endocárdica e, portanto, para se desencadear uma endocardite, há necessidade de bacteriemia ou fungemia, transitória ou duradoura; estas se originam de infecções em diversos locais do organismo (cutâneas, urinárias, pulmonares etc.) ou são secundárias a manipulações dentárias, queimaduras, procedimentos invasivos (uso prolongado de sondas uretrais, hemodiálise e, sobretudo, cateteres intravasculares) ou uso de substâncias injetáveis por usuários de drogas. Indivíduos nas duas últimas situações constituem grupo de risco para endocardite, sobretudo as do lado direito do coração. A endocardite que complica precocemente próteses valvares (menos de 60 dias após a cirurgia) resulta geralmente de contaminação pré ou intraoperatória. O estado imunitário do indivíduo também é fator importante na instalação da endocardite infecciosa, que é mais comum em pessoas em tratamento com imunossupressores ou naquelas com neoplasias malignas (especialmente as submetidas a quimio ou radioterapia e, por motivos não bem conhecidos, idosas com tumores intestinais), síndrome da imunodeficiência adquirida, doenças hematológicas ou afecções do tecido conjuntivo. Para ocorrer a colonização, é preciso haver solução de continuidade no endocárdio que favorece a formação de trombo. Entre as moléculas envolvidas na colonização estão algumas integrinas, que ligam fatores extracelulares ao citoesqueleto, inclusive a fibronectina. Estafilococos e outros microrganismos possuem proteínas de superfície com propriedade de se ligar à fibronectina. Os agentes que, por meio desse e de outros mecanismos, têm maior capacidade de adesão às valvas danificadas são os que mais frequentemente levam à endocardite infecciosa. Aspectos morfológicos A endocardite infecciosa é caracterizada pela formação de vegetações (ou trombos) e por destruição tecidual. As vegetações têm tamanhos variados, algumas de difícil visualização, outras suficientemente grandes para levarem a estenose da valva por obstrução mecânica. Trata-se de massas pardacentas ou avermelhadas, quase sempre friáveis, com base aderida aos folhetos valvares, cordas tendíneas ou endocárdio mural. Situam-se mais na face atrial das valvas atrioventriculares e na face ventricular das valvas arteriais, iniciando sobre as linhas de fechamento. Não existe relação direta entre tamanho da lesão e gravidade do quadro clínico ou resposta ao tratamento. Vegetações provocadas por fungos comumente atingem grande volume. Como as vegetações raramente são pediculadas, o exame ecocardiográfico mostra mais deformidades e espessamento valvares do que propriamente um aspecto “arborescente”. A destruição valvar é representada por ulcerações nas margens de fechamento das válvulas, destruição ou perfuração das cúspides, ruptura das cordas tendíneas e, por vezes, desaparecimento quase total da valva. A infecção pode estender-se aos anéis valvares, causando “escapes” (perda de continuidade no arcabouço fibroso da valva, podendo levar a insuficiência, mais comuns em próteses, possivelmente em decorrência da manipulação cirúrgica prévia do local) ou abscessos perivalvares; mais raramente, leva a aneurisma do seio de Valsalva e mesmo comunicações intercavitárias. Histologicamente, as vegetações são constituídas por inflamação aguda, com predomínio de neutrófilos e número menor de macrófagos e outras células, de permeio a rede de fibrina e produtos da destruição tecidual. O encontro do agente etiológico permite o diagnóstico anatomopatológico de certeza (para o diagnóstico, a cultura de material valvar é muito importante). Porém, esse dado nem sempre é possível, pois com frequência os pacientes receberam previamente tratamento com antibióticos. Com a evolução do processo, tanto o trombo como os microrganismos mortos podem se calcificar; nesses casos, o diagnóstico diferencial de cocos calcificados deve ser feito com calcificação de outra natureza. Aspectos clínicos O paciente com endocardite infecciosa evolui com quadro infeccioso e septicêmico e, portanto, tem manifestações sistêmicas em geral exuberantes, como febre, mal-estar, cefaleia, anorexia, aumento de linfonodos e hepatoesplenomegalia. Em consequência da embolia séptica, podem surgir necrose e infecções em outros órgãos, com os sinais e sintomas clínicos correspondentes. Sinais periféricos de endocardite incluem petéquias, nódulos ou pápulas eritematosas muito dolorosas na polpa dos dedos e nos artelhos (nódulos de Osler), hemorragias nas palmas das mãos e na planta dos pés (lesão de Janeway) e hemorragias conjuntivais e na retina. Alguns pacientes têm manifestações de nefropatia pela deposição de imunocomplexos nos glomérulos. Certo número de pacientes desenvolve estado de choque, séptico e/ou cardiogênico, podendo, em alguns casos, ter componente hipovolêmico por causa das hemorragias. Como se vê, o quadro clínico é bastante variado. O ecocardiograma pode mostrar as vegetações, mas são descritos casos tanto falso-negativos como falso-positivos. A hemocultura (ou a cultura direta da lesão quando se faz cirurgia)e o exame histológico da região afetada são muito importantes para o diagnóstico e para o tratamento. Em cerca de 10 a 30% dos pacientes, a hemocultura é negativa, por causa de antibioticoterapia prévia ou porque estão envolvidas bactérias intracelulares de crescimento lento e difícil. As complicações da endocardite podem ser cardíacas ou extracardíacas. Entre as primeiras estão falência cardíaca decorrente de insuficiência valvar (sobretudo aórtica) ou de comprometimento miocárdico por abscesso, abscesso no anel valvar, destruição dos folhetos valvares e/ou das cordas tendíneas com insuficiência valvar aguda, obstrução valvar por trombos volumosos, comunicações intercavitárias, pericardite fibrinopurulenta e infarto do miocárdio por êmbolos nas coronárias. Outra possibilidade é a ocorrência de arritmias por acometimento de áreas próximas ao sistema de condução. Parte da vegetação pode desprender-se, constituindo um êmbolo séptico, potencialmente causador tanto de infarto quanto de infecção no miocárdio ou em órgãos distantes. Além disso, tais êmbolos podem determinar, no local onde se alojam, vasculite aguda, que recebe a designação, imprópria, de aneurisma micótico. A denominação é equivocada porque outros agentes etiológicos, além de fungos (que sequer são os mais frequentes), podem ser a causa das lesões e porque estas, às vezes, não levam a enfraquecimento da parede com a formação de aneurisma. Com ou sem real aneurisma, contudo, nessa lesão há grande risco de ruptura do vaso acometido. O cérebro é sede relativamente comum dessas alterações. Endocardite trombótica não infecciosa Caracteriza-se por vegetações nas valvas cardíacas formadas por fibrina, plaquetas e hemácias, sem agente infeccioso nem reação inflamatória expressiva. A lesão aparece em geral em indivíduos com outras doenças, como neoplasias, lúpus eritematoso sistêmico, infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida e caquexia por qualquer causa. A rigor, as lesões valvares da fase aguda da doença reumática também preenchem os critérios desse diagnóstico. A doença é conhecida também como endocardite mínima, caquética, marântica, terminal ou endocardite de Libman-Sacks (esta última designação, nos pacientes com lúpus eritematoso). Durante muito tempo, a lesão foi considerada achado de necrópsia ou de ecocardiograma sem expressão clínica. No entanto, sabe-se hoje que pode provocar embolia ou disfunção valvar, por vezes graves. Sua frequência é difícil de ser precisada e varia entre diferentes casuísticas; no Laboratório de Anatomia Patológica do InCor, é rara. A endocardite não infecciosa associa-se também a estados de hipercoagulabilidade sanguínea, especialmente a síndrome de anticorpos antifosfolipídeos. Estes constituem um grupo heterogêneo de imunoglobulinas (IgG, IgM e, raramente, IgA) que reagem com fosfolipídeos aniônicos ou complexos aniônicos proteína-fosfolipídeo. Admite-se que a β-2 glicoproteína I ligada a fosfolipídeos aniônicos represente seu sítio de ligação. Tais anticorpos foram detectados inicialmente em portadores de lúpus eritematoso sistêmico e, mais tarde, em usuários de drogas e em pacientes com doenças neoplásicas, infecciosas e do tecido conjuntivo; às vezes, estão aumentados sem que haja qualquer causa aparente. São conhecidos também como anticorpos anticardiolipina e, a despeito de estarem associados a fenômenos trombóticos, são chamados anticoagulantes lúpicos. Por outro lado, a endocardite trombótica não infecciosa pode surgir também em pacientes com lúpus sem anticorpos antifosfolipídeos. Entretanto, a lesão valvar dos portadores de lúpus eritematoso sistêmico difere da lesão da síndrome antifosfolipídeo primária: doentes com lúpus apresentam vegetações e podem sofrer estenose ou insuficiência valvar; portadores da síndrome antifosfolipídeos têm espessamento irregular das valvas e em geral apresentam insuficiência valvar. A endocardite trombótica não infecciosa pode ocorrer em resposta a diversos estímulos, específicos (p. ex., infecção, alergia, hipóxia) ou inespecíficos (p. ex., frio, altitude elevada, hormônios, fístula arteriovenosa), principalmente (mas não exclusivamente) nos pacientes com as doenças citadas. Admite-se que tais estímulos levem a lesão endotelial seguida de depósito de fibrina e plaquetas. As alterações valvares podem adquirir a forma de nódulos, verrugas ou espessamentos únicos ou múltiplos e de tamanho variável, chegando a atingir até 1 cm de diâmetro; podem ser exemplificadas pelas lesões da fase aguda da doença reumática, (não confundir, no entanto, com os nódulos de Aschoff – como mencionado, outro tipo de lesão da fase aguda dessa doença). Como na endocardite infecciosa, são mais frequentes na face atrial das valvas atrioventriculares, principalmente na mitral, e na face ventricular da valva aórtica. A valva sob a vegetação apresenta ruptura do endotélio, focos de alterações do tecido conjuntivo, edema e fragmentação das fibras colágenas, mas sem destruição. Uma característica marcante é a escassez ou ausência de reação inflamatória sob a vegetação. Vasos neoformados são raros ou ausentes. Após a reparação, forma-se nódulo cicatricial. Estudo imuno-histoquímico de valvas cardíacas em pacientes com a síndrome antifosfolipídeos primária ou secundária mostrou depósito subendotelial de imunoglobulinas e componentes do complemento em valvas macro ou microscopicamente alteradas. Diagnóstico A EI continua a impor desafios importantes ao diagnóstico e ao tratamento, apesar dos avanços a respeito da sua epidemiologia e microbiologia. O diagnóstico de EI não pode ser obtido com um único exame, e inclui a consideração das características clínicas, laboratoriais e ecocardiográficas. Os critérios de Duke, modificados por um comitê da AHA, em 2005, fornecem aos profissionais de saúde uma avaliação padronizada de pacientes com suspeita de EI, a qual integra evidências de infecção em hemoculturas, achados ecocardiográficos, sintomas e sinais clínicos, e informações laboratoriais. Os critérios de Duke modificados são classificados em critérios maiores (hemocultura positiva para EI, evidências de envolvimento endocárdico) e menores (predisposição a EI, condição cardíaca predisponente, ou uso de medicamentos ou drogas intravenosos; febre com temperatura superior a 38°C; fenômeno vascular, como evidência de embolia arterial; fenômeno imunológico, como glomerulonefrite; evidências microbiológicas, como hemocultura que não atende aos critérios maiores). Os casos são classificados como “definitivos” se atendem a dois critérios maiores, a um critério maior e dois critérios menores, ou a cinco critérios menores. Os casos são definidos como “possíveis” se atendem a um critério maior e um critério menor, ou a três critérios menores. O diagnóstico de EI é rejeitado quando um diagnóstico alternativo é obtido, a infecção é resolvida com tratamento antibiótico por até 4 dias, ou faltam evidências histológicas de infecção. A hemocultura permanece como procedimento diagnóstico mais definitivo e é essencial para direcionar o tratamento. Três conjuntos separados de hemoculturas a partir de três pontos diferentes de punção venosa devem ser obtidos dentro de 24 h. Contudo, o uso indiscriminado de antibióticos dificultou ainda mais a identificação do organismo causal. Os critérios de Duke modificados recomendam a inclusão do S. aureus como um critério maior, seja uma infecção nosocomial ou adquirida em comunidade, bem como de Streptococcus viridans, Streptococcus bovis e grupos HACEK. Uma única hemocultura positiva para Coxiella burnetti e um título de anticorpos IgG antifase I superior a 1:800 também são considerados critérios maiores. Hemoculturasnegativas podem adiar o diagnóstico e o tratamento, além de afetarem profundamente o resultado. Esse resultado negativo pode resultar da administração prévia de antibióticos, ou ocorrer diante de organismos causais que apresentam crescimento lento, requerem meios de cultura especiais ou não são prontamente cultivados. O ecocardiograma é a técnica primária para detecção de formações vegetativas e complicações cardíacas resultantes da EI, constituindo uma ferramenta importante no diagnóstico e no tratamento da doença. O ACC e a AHA recomendam a realização de um ecocardiograma em todas as pessoas com suspeita de EI. Dentre os critérios de Duke modificados, o principal atualmente são as evidências de envolvimento endocárdico ao ecocardiograma. Recomenda-se o uso do ecocardiograma transtorácico quando há risco inicial baixo ou uma leve suspeita clínica; e o ecocardiograma transesofágico deve ser utilizado em casos com apresentações clínicas moderada ou altamente suspeitas. Os indivíduos altamente suspeitos incluem aqueles com próteses valvares, EI anterior, doença congênita complexa, insuficiência cardíaca ou sopro cardíaco de início recente. Tratamento Tem por objetivo identificar e eliminar o microrganismo causal, minimizar os efeitos cardíacos residuais e tratar o efeito patológico da embolia. A escolha da terapia antimicrobiana depende do organismo cultivado e da sua ocorrência em uma valva nativa ou prótese valvar. O S. aureus, como causa mais comum de EI, é primariamente o resultado de infecções nosocomiais de cateteres intravasculares, ferimentos cirúrgicos e dispositivos protéticos permanentes. A literatura apresenta as diretrizes para a prevenção e o tratamento das infecções relacionadas a dispositivos cardiovasculares não valvares. O surgimento generalizado de organismos resistentes a diversos medicamentos, incluindo S. aureus, impõe um sério desafio ao tratamento da EI. Além de antibioticoterapia, a cirurgia pode ser necessária em casos de infecção sem resolução, insuficiência cardíaca grave e embolia significativa. A maioria das pessoas com EI alcança a cura com tratamento clínico ou cirúrgico. Aquelas com quadros de endocardite infecciosa devem ser instruídas a respeito de seus sinais e sintomas, e informadas sobre a possibilidade de recidivas. Deve-se buscar tratamento médico imediato, se houver recidiva dos sinais ou sintomas. O uso de antibióticos profiláticos para prevenção da EI é controverso. As recomendações atuais concluem que apenas uma quantidade muito pequena de casos de EI pode ser prevenida com profilaxia antibiótica em procedimentos odontológicos. Assim sendo, a profilaxia é recomendada apenas para pessoas com EI anterior, cardiopatia congênita (como cardiopatia coronariana cianótica não reparada, reparada com prótese ou com defeitos residuais), prótese valvar e transplante de coração, que desenvolvem valvopatia cardíaca. Seu uso somente com base na elevação do risco vitalício de EI não é recomendado. Entender o acesso à saúde da população da zona rural A atenção à saúde de populações rurais é uma demanda complexa e uma preocupação mundial, uma vez que há dificuldades em fixar profissionais em exercício por longos períodos em áreas rurais por falta de um programa de “retenção aprimorada” abordando fatores que influenciem na decisão de trabalhadores de saúde para permanecer nessas áreas, e também políticas e intervenções do sistema de saúde que respondam a esses fatores; a população se encontra dispersa em áreas de difícil acesso; as condições de vida e trabalho diferem das situações urbanas por conta da precariedade, e as tecnologias mais avançadas estão concentradas em grandes centros urbanos, entre outras situações, que dificultam encaminhamentos dos usuários para tratamentos especializados. Em relação à Atenção Primária à Saúde (APS), denominada no Brasil de Atenção Básica (AB), a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) tem a Estratégia Saúde da Família como prioritária para expansão e consolidação da AB. Essa estratégia é operacionalizada por meio dos seguintes princípios: a Universalidade; Equidade; e Integralidade. Como diretrizes: a Regionalização e Hierarquização, Territorialização, População Adscrita, Cuidado centrado na pessoa, Resolutividade, Longitudinalidade do cuidado, Coordenação do cuidado, Ordenação da rede e Participação da comunidade. No entanto, pouco se sabe sobre a eficácia das intervenções e sua sustentabilidade em áreas rurais. No Brasil, apesar de existir uma Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e das Florestas, na prática, é possível que não haja articulação dessa política com a Política Nacional de APS do país. Atualmente, a política que regulamenta a APS no Brasil é a Portaria GM 2436/2017, que é aplicada tanto para áreas urbanas quanto rurais. Destaca-se que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 50% da população mundial vivem em áreas rurais e remotas e é atendida por 38% da força de trabalho de enfermagem e por menos de 25% da força de trabalho médico. A má distribuição espacial da força de trabalho em saúde representa um obstáculo à realização de cobertura universal de saúde sendo motivo de preocupações com a equidade, uma vez que afeta o acesso aos cuidados àqueles que apresentam eficiência alocativa, visto que os recursos não estão devidamente investidos nas áreas onde teriam maior impacto. Além da dimensão geográfica, outros desafios dificultam o desenvolvimento do sistema de saúde no Brasil, dentre eles as desigualdades sociais e econômicas, culturais, educacionais e estruturais, o que favorece aos altos índices de pobreza e analfabetismo, saneamento e acesso insuficiente aos serviços de saúde em todos os seus níveis. Em relação à mortalidade nas áreas urbana e rural observa-se na área urbana o grupo de menores de 1 ano concentra 3,1% do total de óbitos, enquanto na área rural, este percentual é de 5,4%. A maior diferença foi encontrada no grupo de 1 a 4 anos, em que o percentual da área rural foi de 1,6%, que é mais que o dobro da área urbana (0,7%). A população rural enfrenta também a falta de acesso regular a fonte de água potável, estima-se que 72,2% da população rural brasileira acessa água por meio de poços, cacimbas, açudes e barreiros, e esse acesso precário apresenta grande potencial para provocar gastroenterites infecciosas e suas complicações6. Um estudo que avaliou a frequência de Internações por Condições Sensíveis na Atenção Primária entre os anos de 2004 a 2015 evidenciou que em municípios de pequeno porte com grande proporção de população rural (79% a 51%) as gastroenterites infecciosas e suas complicações foram as principais causas de internação7. Apesar da ampla cobertura da APS no Brasil, com mais da metade da população assistida por equipes da ESF, ainda há diferenças no tocante ao acesso e à oferta de cuidados de saúde para populações rurais em que a ESF tem como desafio o enfrentamento de garantia da atenção integral. Estudo8) constatou que em áreas rurais as desigualdades de acesso a cuidados primários de saúde ainda são maiores, por falta de medicamentos e exames, pelas limitações no retorno dos usuários para outros serviços e pela ausência de profissionais de saúde em algumas áreas remotas. A este respeito, destaca-se que na América Latina o déficit de médicos e, sobretudo de enfermeiros é elevado, com distribuição inadequada de profissionais. As áreas urbanas concentram a maior parte desses profissionais que nas áreas rurais e remotas. Em relação à alocação de pessoal em áreas rurais, em nível internacional, a OMS recomenda algumas estratégias de adesão de trabalhadores de saúde para atuar em áreas rurais, de forma a contribuir na implementação de ações de saúde para melhoria da qualidade de vida das pessoas:a inserção de futuros profissionais durante a graduação em experiências comunitárias rurais; o fornecimento de bolsas de estudos ou outros subsídios educacionais com retorno de prestação de serviço em áreas rurais ou remotas, e para os trabalhadores já inseridos na área rural, a implementação de um programa de educação permanente em saúde rural. No que se refere ao trabalho dos profissionais de saúde em zona rural, é comum ocorrer em situações de relativo isolamento ou com um quantitativo menor de profissionais e poucos recursos, apesar da existência de relação de proximidade do profissional de saúde com as comunidades rurais. Em relação ao cotidiano de trabalho de enfermeiros de áreas rurais da APS, há uma dinâmica de trabalho diferenciada, condicionada pelas características próprias da ruralidade, e pelas dificuldades inerentes às condições de vida e saúde da população que demanda cuidados em saúde. Desse modo, a escolha de enfermeiros como participantes do estudo deu- se em função da relevância desses profissionais na APS, envolvimento com o trabalho em equipe que na ESF desenvolvem atividades de natureza educativa, assistencial e administrativa, incluindo atividades de coordenação de equipe de enfermagem e de ACS. Referências: Norris, Tommie L. Porth - Fisiopatologia. Disponível em: Minha Biblioteca, (10ª edição). Grupo GEN, 2021. Filho, Geraldo B. Bogliolo - Patologia. Disponível em: Minha Biblioteca, (9ª edição). Grupo GEN, 2016.
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