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Apg 14 – Tuberculose Objetivos: 1- Compreender a fisiopatologia da tuberculose; 1.1- Etiologia e epidemiologia; 1.2- Manifestações clínicas 1.3- Tratamento 2- Entender a estrutura das micobactérias e diferencia-la das demais bactérias; 3- Analisar as condições de saúde nas penitenciárias com relação à tuberculose. Tuberculose A tuberculose é uma doença granulomatosa crônica transmissível causada pelo Mycobacterium tuberculosis. Geralmente envolve os pulmões, porém pode afetar qualquer órgão ou tecido no corpo. Epidemiologia A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a tuberculose a causa mais comum de morte decorrente de um único agente infeccioso. Estima-se que 1,7 bilhões de indivíduos sejam infectados pelo mundo, com 8 a 10 milhões de novos casos e 1,5 milhões de mortes por ano. A tuberculose surge em condições de pobreza, aglomerações e de doenças crônicas debilitantes. Algumas doenças também aumentam o risco, como diabetes melito, linfoma de Hodgkin, doença pulmonar crônica (especialmente a silicose), insuficiência renal crônica, desnutrição, etilismo e imunossupressão. Nas regiões do mundo onde a infecção por HIV é predominante, ela é o fator de risco dominante para o desenvolvimento da tuberculose. É importante diferenciar infecção de doença. A infecção implica disseminação de um foco contendo organismos, os quais podem ou não causar lesões teciduais clinicamente significativas (ou seja, doença). Embora outras vias possam estar envolvidas, a maioria das infecções é adquirida pela transmissão direta de pessoa a pessoa, por meio de gotículas contendo organismos de um caso ativo para um hospedeiro suscetível. Na maioria dos indivíduos, desenvolve-se um foco assintomático e autolimitado de infecção pulmonar, embora, menos comumente, a tuberculose primária possa gerar febre e efusões pulmonares. Geralmente, a única evidência de infecção, quando há alguma, é um minúsculo nódulo fibrocalcificado no sítio da infecção. Organismos viáveis podem permanecer dormentes nestes locais durante décadas e, possivelmente, até mesmo por toda a vida do hospedeiro. Estes indivíduos são infectados, porém não possuem a doença ativa; portanto, não transmitem os organismos a outros. Contudo, caso suas defesas imunológicas sejam reduzidas, a infecção pode ser reativada, produzindo doença transmissível e potencialmente fatal. Etiologia As micobactérias são delgados bastonetes ácido- resistentes que possuem altas quantidades de lipídeos complexos que prontamente se unem ao corante Ziehl- Neelsen (carbolfucsina) e, subsequentemente, resistem à descoloração. O M. tuberculosis hominis é responsável pela maioria dos casos de tuberculose; o reservatório da infecção é tipicamente encontrado em indivíduos com doença pulmonar ativa. A transmissão é geralmente direta, por meio da inalação de microrganismos em aerossóis gerados por expectoração, ou pela exposição a secreções contaminadas de indivíduos infectados. A tuberculose de orofaringe ou intestinal contraída pela ingestão de leite contaminado com Mycobacterium bovis é, atualmente, rara, exceto em países onde há vacas leiteiras com tuberculose e venda de leite não pasteurizado. Outras micobactérias, especialmente as do complexo Mycobacterium avium, são muito menos virulentas que o M. tuberculosis e raramente causam doença em indivíduos imunocompetentes. Contudo, causam doença em 10% a 30% de pacientes com AIDS. Patogenia A patogenia da tuberculose em um indivíduo imunocompetente, sem exposição prévia, está centrada no desenvolvimento da imunidade mediada por células, que confere resistência ao organismo e leva ao desenvolvimento de hipersensibilidade a antígenos tuberculosos. As características patológicas da tuberculose, como granulomas caseosos e cavitação, são decorrentes da hipersensibilidade tecidual deletéria, que faz parte da resposta imune do hospedeiro. Como as células efetoras tanto para a imunidade protetora quanto para a hipersensibilidade deletéria são as mesmas, a apresentação da hipersensibilidade tecidual também sinaliza a aquisição de imunidade para o organismo. A sequência de eventos, desde a inalação do inóculo infeccioso, até a contenção do foco primário, e pode ser delineada da seguinte maneira: • Entrada nos macrófagos. Uma linhagem virulenta de micobactéria consegue entrar nos endossomos dos macrófagos, num processo mediado por diversos receptores de macrófagos, como receptor de manose e receptores do complemento, que reconhecem inúmeros componentes das paredes celulares micobacterianas. • Replicação nos macrófagos. Uma vez internalizados, os organismos inibem as respostas microbicidas normais, prevenindo a fusão dos lisossomos com o vacúolo fagocítico e permitindo que a micobactéria persista e prolifere. Portanto, a fase mais inicial da tuberculose primária (as primeiras três semanas), num paciente não sensibilizado, é caracterizada pela proliferação bacilar nos macrófagos alveolares pulmonares e nos espaços aéreos, eventualmente levando a bacteremia e disseminação dos organismos para múltiplos sítios. Apesar da bacteremia, a maioria dos indivíduos neste estágio é assintomática ou apresenta enfermidade branda, semelhante à gripe. • Desenvolvimento de imunidade mediada por células. Isto ocorre aproximadamente três semanas após a exposição. Os antígenos micobacterianos processados alcançam os linfonodos de drenagem e são apresentados às células T CD4 por células dendríticas e macrófagos. Sob influência da IL-12 secretada por macrófagos, são geradas células T CD4+ do subgrupo TH1, capazes de secretar IFN-γ. • Ativação macrofágica mediada por células T e morte de bactérias. O IFN-γ liberado pelas células T CD4+ do subgrupo TH1 é crucial para a ativação dos macrófagos. Os macrófagos ativados, por sua vez, liberam vários mediadores, e regulam positivamente a expressão de genes com importantes efeitos: (1) TNF – responsável pelo recrutamento de monócitos que, por sua vez, sofrem ativação e diferenciação para “histiócitos epitelioides”, que caracterizam a resposta granulomatosa; (2) óxido nítrico-sintase induzível (iNOS) – aumenta os níveis de óxido nítrico (NO), ajudando a criar intermediários de nitrogênio reativos, os quais parecem ser particularmente importantes para a eliminação das micobactérias; e (3) peptídeos antimicrobianos (defensinas) – também são tóxicos para as micobactérias. • Inflamação granulomatosa e lesão tecidual. Além de estimular os macrófagos a eliminarem as micobactérias, a resposta de TH1 rege a formação dos granulomas e da necrose caseosa. Os macrófagos ativados pelo IFN-γ diferenciam-se nos “histiócitos epitelioides” que se agregam para formar granulomas; algumas células epitelioides podem se fundir, formando células gigantes. Em muitos indivíduos, esta resposta interrompe a infecção antes de haver destruição tecidual significativa ou mesmo doença. Em outros indivíduos, com deficiência imunológica devido à idade ou à imunossupressão, a doença progride e a resposta imune contínua leva à necrose caseosa. Os macrófagos ativados também secretam TNF e quimiocinas, os quais promovem o recrutamento de mais monócitos. A importância do TNF é evidenciada pelo fato de que pacientes com artrite reumatoide tratados com um antagonista para TNF possuem maiores riscos de reativação de tuberculose. Em síntese, a imunidade à infecção por tuberculose é mediada, primariamente, pelas células TH1, que estimulam os macrófagos a eliminarem as micobactérias. Esta resposta imune é amplamente efetiva, porém tem como preço a se pagar a hipersensibilidade e a destruição tecidual que a acompanha. Defeitos em qualquer um dos passos de uma resposta de células T TH1 (incluindo-se IL-12, IFN-γ, TNF ou produção de NO) podemlevar a granulomas malformados, ausência de resistência e progressão da doença. Os indivíduos que possuem mutações herdadas em qualquer componente da via de TH1 são extremamente suscetíveis a infecções por micobactérias. A reativação da infecção ou a reexposição aos bacilos em um hospedeiro previamente sensibilizado resulta na rápida mobilização de uma reação de defesa, bem como no aumento da necrose tecidual. Assim como a hipersensibilidade e a resistência aparecem simultaneamente, a perda de hipersensibilidade (indicada pela negatividade à tuberculina em um paciente infectado pelo M. tuberculosis) também aponta para um enfraquecimento da resistência ao organismo. Tuberculose Primária A tuberculose primária é a forma da doença que se desenvolve em um paciente sem exposição prévia e, portanto, sem sensibilização. Cerca de 5% dos recém- infectados adquirem doença significativa. Na grande maioria dos indivíduos sem nenhuma outra condição, a única consequência da tuberculose primária é a formação dos focos de cicatrização discutidos anteriormente. Entretanto, estes focos podem conter bacilos viáveis, sendo, assim, ninhos para a reativação da doença em um momento posterior, caso as defesas do hospedeiro se tornem comprometidas. Menos comumente, a nova infecção pode levar à tuberculose primária progressiva. Esta complicação ocorre em pacientes com imunossupressão importante ou, mesmo, aqueles que possuem defeitos mais sutis nas defesas, como ocorre caracteristicamente na desnutrição. Determinados grupos raciais, como os inuítes, também estão mais propensos ao desenvolvimento de tuberculose primária progressiva. A incidência de tuberculose primária progressiva é especialmente alta em pacientes HIV- positivos, com imunossupressão significativa (ou seja, as contagens de células T CD4+ encontram-se abaixo de 200 células/μL). A imunossupressão tem como consequência a falta de capacidade de formar uma resposta mediada por células T CD4 + , que poderia conter o foco primário. Como a hipersensibilidade e a resistência são, geralmente, fatores concomitantes, a falta de uma reação de hipersensibilidade tecidual leva à ausência dos granulomas caseosos característicos (tuberculose não reativa). Morfologia: Em países onde a tuberculose bovina e o leite infectado foram erradicados, a tuberculose primária quase sempre se inicia nos pulmões. Os bacilos inalados geralmente se implantam nos espaços aéreos distais da porção inferior do lobo superior ou na porção superior do lobo inferior, e encontram-se, tipicamente, próximos da pleura. Durante o desenvolvimento da sensibilização, surge uma área de consolidação inflamatória branco-acinzentada, de 1 a 1,5 cm. Ela é denominada foco de Ghon. Na maior parte dos casos, o centro deste foco sofre necrose caseosa. Os bacilos da tuberculose, estando livres ou no interior de fagócitos, percorrem os vasos linfáticos para os linfonodos regionais, os quais também se tornam caseosos com frequência. Esta combinação de lesões parenquimatosas e nodais denomina-se complexo de Ghon. A disseminação linfática e hematogênica para outras partes do corpo também pode acontecer durante as primeiras semanas. O desenvolvimento da imunidade mediada por células controla a infecção em aproximadamente 95% dos casos. Portanto, o complexo de Ghon sofre fibrose progressiva, geralmente seguida de calcificação (radiograficamente detectável, como o complexo de Ranke). Apesar da disseminação para outros órgãos, não há desenvolvimento de lesões. Histologicamente, os sítios de infecção são envolvidos por uma reação inflamatória característica, marcada pela presença de granulomas caseosos e não caseosos, que consistem em histiócitos epitelioides e células gigantes multinucleadas. Tuberculose Secundária (Tuberculose de Reativação) A tuberculose secundária é o padrão de doença que surge em um indivíduo previamente sensibilizado. Pode ocorrer pouco tempo após a tuberculose primária, no entanto o mais frequente é o surgimento a partir da reativação de lesões primárias dormentes, muitas décadas após a infecção inicial, especialmente quando a resistência do hospedeiro se torna enfraquecida. Também pode resultar de reinfecção, em decorrência da queda da proteção adquirida na doença primária, ou então devido à exposição a um grande inócuo de bacilos virulentos. Seja qual for a fonte de organismos, somente alguns pacientes (<5%) com doença primária desenvolvem tuberculose secundária subsequentemente. A tuberculose pulmonar secundária localiza-se, classicamente, no ápice de um ou ambos os lobos pulmonares superiores. A razão ainda permanece obscura, contudo pode estar relacionada com a alta tensão de oxigênio nos ápices. Devido à preexistência de hipersensibilidade, os bacilos ativam uma resposta tecidual imediata e intensa, que tende a isolar o foco. Como resultado deste isolamento, os linfonodos regionais são envolvidos de forma menos proeminente, em comparação aos primeiros momentos da tuberculose primária. Por outro lado, há pronta formação de cavitação na forma secundária, levando à erosão para o interior das vias aéreas, e disseminação ao longo delas. Estas alterações tornam-se uma importante fonte de infectividade, visto que o paciente agora produz escarro contendo o bacilo. A tuberculose secundária deve ser sempre uma consideração importante em pacientes HIV-positivos que apresentam doença pulmonar. Cabe ressaltar que, embora haja risco aumentado para a tuberculose em todos os estágios da doença por HIV, as manifestações diferem de acordo com o grau de imunossupressão. Por exemplo, pacientes com imunossupressão menos grave (contagens de células T CD4+ >300 células/μL) apresentam tuberculose secundária “usual” (doença apical com cavitação), ao passo que aqueles com imunossupressão mais avançada (contagens de células T CD4+ abaixo de 200 células/μL) demonstram quadro clínico que lembra a tuberculose primária progressiva (consolidação dos lobos inferior e médio, linfadenopatia hilar e doença não cavitária). A extensão da imunossupressão também determina a frequência do envolvimento extrapulmonar, variando de 10% a 15% nos pacientes levemente imunossuprimidos, até mais de 50%, naqueles com deficiência imunológica grave. Morfologia: A lesão inicial é, geralmente, um pequeno foco de consolidação, com menos de 2 cm de diâmetro, e localizado a 1 a 2 cm da pleura apical. Estes focos são áreas bem circunscritas, firmes, de cor branco-acinzentada a amarela, que apresentam quantidade variável de caseação central e fibrose periférica. Nos casos mais favoráveis, o foco parenquimatoso inicial sofre encapsulação fibrosa progressiva, restando apenas cicatrizes fibrocalcificadas. Histologicamente, as lesões ativas apresentam tubérculos coalescentes característicos com caseação central. Embora os bacilos tuberculosos possam ser demonstrados por meio de métodos apropriados nas fases exsudativas e caseosas precoces da formação de granulomas, é geralmente impossível encontrá-los nos estágios fibrocalcificados tardios. A tuberculose pulmonar secundária localizada e apical pode cicatrizar com fibrose, espontaneamente ou após tratamento, ou então a doença pode progredir e se estender através de muitas vias diferentes. Na tuberculose pulmonar progressiva, a lesão apical aumenta de tamanho e a área de caseação se expande. A erosão em um brônquio libera o centro caseoso gerando uma cavidade irregular revestida por material caseoso, que é pobremente delimitada por tecido fibroso. A erosão dos vasos sanguíneos leva à hemoptise. Com o tratamento adequado, o processo pode ser interrompido, embora a cicatrização por fibrose frequentemente distorça a arquitetura pulmonar. Cavidades irregulares, agora livres de necrose caseosa,podem permanecer intactas ou podem sofrer colapso, tornando-se fibróticas. Caso o tratamento não seja adequado, ou caso as defesas do hospedeiro estejam comprometidas, a infecção pode se espalhar por extensão direta e por disseminação através de vias aéreas, canais linfáticos e sistema vascular. A doença pulmonar miliar ocorre quando organismos alcançam a corrente sanguínea através dos vasos linfáticos, e então retornam para o pulmão através das artérias pulmonares. As lesões aparecem como pequenos (2 mm) focos de consolidação, de cor branco-amarelada, espalhados pelo parênquima pulmonar (o termo miliar é derivado da semelhança destes focos com grãos de milheto). Com a tuberculose progressiva, a cavidade pleural torna-se invariavelmente envolvida, de forma que podem se desenvolver efusões pleurais, empiema tuberculoso ou pleurite fibrosa obliterante. Quando o material infeccioso é disseminado através de canais linfáticos ou por expectoração, podem se desenvolver tuberculose endobrônquica, endotraqueal ou laríngea. O revestimento mucoso pode estar salpicado por pequenas lesões granulomatosas, por vezes visíveis apenas ao exame microscópico. A tuberculose miliar sistêmica se instala quando os organismos são disseminados por via hematogênica por todo o corpo. A tuberculose miliar sistêmica é mais evidente no fígado, na medula óssea, no baço, nas glândulas adrenais, nas meninges, nos rins, nas tubas uterinas e no epidídimo. A tuberculose de órgão isolado pode aparecer em qualquer órgão ou tecido colonizado por via hematogênica e pode ser a primeira manifestação da tuberculose. Os órgãos tipicamente envolvidos são as meninges (meningite tuberculosa), os rins (tuberculose renal), as glândulas adrenais, os ossos (osteomielite) e tubas uterinas (salpingite). Quando as vértebras são afetadas, a condição é denominada doença de Pott. Abscessos paraespinais “frios” contendo tecidos necróticos podem percorrer os planos teciduais, apresentando-se como massa abdominal ou pélvica. A linfadenite é a forma mais frequente de tuberculose extrapulmonar, ocorrendo mais frequentemente na região cervical (“escrófula”). A linfadenopatia tende a ser unifocal, e a maioria dos pacientes não apresenta doença extranodal simultânea. Por outro lado, pacientes HIV-positivos quase sempre apresentam doença multifocal, sintomas sistêmicos e tuberculose ativa pulmonar ou em outro órgão. No passado, a tuberculose intestinal contraída pela ingestão de leite contaminado era significativamente comum como um foco primário de tuberculose. Atualmente, em países desenvolvidos, a tuberculose intestinal é mais frequentemente uma complicação da tuberculose secundária avançada prolongada, que é secundária à ingestão de material infectante expectorado. Tipicamente, os microrganismos são retidos em agregados linfoides mucosos dos intestinos delgado e grosso que, então, são acometidos por inflamação com aumento de tamanho e ulceração da mucosa suprajacente, particularmente no íleo. Características Clínicas A tuberculose secundária localizada pode ser assintomática. Quando surgem manifestações, elas são geralmente insidiosas inicialmente, com desenvolvimento gradual de sintomas e sinais, tanto sistêmicos quanto localizados. As manifestações sistêmicas, provavelmente relacionadas com a liberação de citocinas por macrófagos ativados (p. ex., TNF e IL-1), surgem frequentemente no início do curso da doença e incluem: mal-estar, anorexia, perda de peso e febre. Comumente, a febre é baixa e remitente (aparecendo ao final da tarde e diminuindo em seguida), e ocorre sudorese noturna. Com o envolvimento pulmonar progressivo, formam-se quantidades crescentes de escarro, inicialmente mucoide, e depois purulento. Na presença de cavitação, o escarro contém bacilos tuberculosos. Algum grau de hemoptise está presente em cerca de metade dos casos de tuberculose pulmonar. A extensão da infecção para as superfícies pleurais pode gerar dor pleurítica. As manifestações extrapulmonares da tuberculose são numerosas e dependem do sistema de órgãos envolvido (p. ex., a salpingite tuberculosa pode se apresentar como infertilidade; a meningite tuberculosa, como dor de cabeça e deficiências neurológicas; a doença de Pott, como dores nas costas e paraplegia). O diagnóstico da doença pulmonar baseia-se, em parte, no histórico e nos achados físicos e radiográficos de consolidação ou cavitação nos ápices dos pulmões. No entanto, em última análise, os bacilos da tuberculose precisam ser identificados. O método mais utilizado para o diagnóstico da tuberculose ainda é a demonstração de organismos ácido-resistentes no escarro, com o uso de corantes ou de auramina-rodamina fluorescente. Culturas convencionais para micobactérias exigem até 10 semanas; já os ensaios radiométricos baseados em meio líquido, que detectam o metabolismo da micobactéria, são capazes de fornecer uma resposta dentro de duas semanas. A amplificação por PCR pode ser realizada em meio líquido com crescimento, bem como em cortes teciduais, para a identificação da micobactéria. Entretanto, a cultura permanece sendo a modalidade diagnóstica padrão, pois é capaz de identificar um eventual caso PCR-negativo, e também permite que se teste a suscetibilidade a medicamentos. Uma preocupação é a resistência a várias substâncias (MDR), definida como a resistência de micobactérias a dois ou mais medicamentos dentre as substâncias primárias utilizadas para o tratamento da tuberculose, estar se tornando cada vez mais frequente. A OMS estimou que 500 mil novos indivíduos foram infectados por tuberculose multirresistente em 2014. Isto representa aproximadamente 3% dos novos casos e 20% dos casos previamente tratados. O epicentro desta epidemia perturbadora está na Europa oriental e na Rússia, onde, em algumas localidades, até 20% das novas infecções são de linhagens multirresistentes. Mais preocupante ainda é que 5% a 10% destes casos apresentam vasta multirresistência, ou seja, resistência a um largo espectro de antibióticos atualmente utilizados contra a tuberculose. O prognóstico baseia-se na extensão da infecção (localizada ou disseminada), na condição imunológica do hospedeiro e na sensibilidade antibiótica do organismo. Como se pode supor, o prognóstico para os indivíduos com tuberculose multirresistente é reservado. Nos casos persistentes, pode haver o desenvolvimento de amiloidose. Tratamento O esquema de tratamento da tuberculose é padronizado, deve ser realizado de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde e compreende duas fases: a intensiva (ou de ataque), e a de manutenção. A fase intensiva tem o objetivo de reduzir rapidamente a população bacilar e a eliminação dos bacilos com resistência natural a algum medicamento. Uma consequência da redução rápida da população bacilar é a diminuição da contagiosidade. Para tal, são associados medicamentos com alto poder bactericida. A fase de manutenção tem o objetivo de eliminar os bacilos latentes ou persistentes e a redução da possibilidade de recidiva da doença. Nessa fase, são associados dois medicamentos com maior poder bactericida e esterilizante, ou seja, com boa atuação em todas as populações bacilares (COURA, 2013). No Brasil, o esquema básico para tratamento da TB em adultos e adolescentes é composto por quatro fármacos na fase intensiva e dois na fase de manutenção. A apresentação farmacológica dos medicamentos, atualmente em uso, para o esquema básico é de comprimidos em doses fixas combinadas com a apresentação tipo 4 em 1 (RHZE) ou 2 em 1 (RH). O esquema básico em crianças (< de 10 anos de idade) é composto por três fármacos na fase intensiva (RHZ), e dois na fase de manutenção (RH), com apresentações farmacológicas individualizadas (comprimidose/ou suspensão). Esquemas especiais, incluindo outros fármacos, são preconizados para diferentes populações conforme descrito no capítulo específico (ver capítulo Esquemas de Tratamento para a Tuberculose). Os esquemas especiais preconizados possuem complexidade clínica e operacional que fazem com que o Ministério da Saúde recomende a sua utilização, preferencialmente, em unidades com perfis assistenciais especializados. Fisiologia e Estrutura das Micobactérias As bactérias são classificadas no gênero Mycobacterium com base em: (1) sua acidorresistência, (2) presença de ácidos micólicos na parede celular, contendo 70 a 90 carbonos e (3) alto conteúdo (61%-71% mol) de guanina mais citosina (G + C) no seu ácido desoxirribonucleico (DNA). As micobactérias possuem uma complexa parede celular, rica em lipídios, que é responsável por muitas das propriedades características das bactérias (p.ex., acidorresistência; crescimento lento; resistência a detergentes, a antibióticos antibacterianos comuns e a resposta imune do hospedeiro; antigenicidade). As proteínas associadas à parede celular são antígenos biologicamente importantes, estimulando a resposta imune celular do paciente. Preparações extraídas e parcialmente purificadas dessas proteínas (derivados de proteína purificada ou PPDs) são utilizadas como reagentes de testes de pele para medir a exposição a M. tuberculosis. As propriedades de crescimento e a morfologia das colônias são utilizadas para a classificação preliminar das micobactérias. Como observado anteriormente, a M. tuberculosis e as espécies intimamente relacionadas do complexo M. tuberculosis são bactérias de crescimento lento. As colônias dessas micobactérias ou não são pigmentadas ou apresentam uma ligeira coloração marrom. As outras micobactérias, referidas como “micobactérias não tuberculosas” (NTMs), foram classificadas originalmente por Runyon, levando em consideração as suas taxas de crescimento e pigmentação. As micobactérias pigmentadas produzem intensamente carotenoides amarelos, que podem ser estimulados pela exposição à luz , ou são produzidos na ausência de luz (micro-organismos escotocromogênicos). O esquema da classificação de Runyon das NTMs consiste em quatro grupos: fotocromógenos de crescimento lento (p.ex., M. kansasii, M. marinum), escotocromógenos de crescimento lento (p.ex., M. gordonae — um não patógeno comumente isolado), micobactérias não pigmentadas de crescimento lento (p.ex., M. avium, M. intracellulare) e micobactérias de crescimento rápido (p.ex., M. fortuitum, M. chelonae, M. abscessos, M. mucogenicum). Os métodos atualmente usados para a detecção e identificação rápidas de micobactérias tornaram esse esquema menos importante. Todavia, uma micobactéria pigmentada ou de crescimento rápido nunca deve ser confundida com M. tuberculosis. Tuberculose em populações privadas de liberdade A estimativa de prevalência combinada de tuberculose entre prisioneiros foi de 2%, ou seja, 14 vezes maior que na população geral. Fatores associados: Más condições da maioria dos presídios; Confinamento de grande numero de casos baciliferos, em celas na maioria das vezes coletivas; Falta de ventilação e iluminação solar; Celas superpopulosas; Insuficiência dos serviços de saúde penitenciários. Afeta também a população civil, já que familiares, funcionários da prisão e membros do sistema judiciário podem ser portas potenciais de saída para a transmissão da tuberculose. Referências: Manual de Recomendações para o controle da tuberculose no Brasil / Ministério da saúde, secretaria de Vigilância em saúde, departamento de Vigilância das doenças transmissíveis. – Brasília: Ministério da saúde, 2019.,y Murray, Patrick. Microbiologia Médica. Disponível em: Minha Biblioteca, (8ª edição). Grupo GEN, 2017. Moreira TR, Lemos AC, Colodette RM, Gomes AP, Batista RS. Prevalência de tuberculose na população privada de liberdade: revisão sistemática e metanálise. Rev Panam Salud Publica. 2019;43:e16. https:// doi.org/10.26633/RPSP.2019.16
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