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Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica E d u a r d o A l b e r t o B r a i e r | Martins Fontes o v a i ̂ & Eduardo Alberto Braier PSICOTERAPIA BREVE DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA Tradução: IPEPLAN 'orf\ BIBL'iOt£:'.A c/i O , 4* % 0 ^ Martins Fontes São Paulo 2000 c.o, m f 4'k.wrf , 2 l/ v O I i ’ r £.«fa ofo-fl /oi publicada originalmente em espanhol com o título PSICOTERAPIA BREVE DE OR1ENTACIÓN PSICOANALÍTICA por Ediciones Nueva Vision, Buenos Aires, em 1984. Copyright © Ediciones Nueva Vision SAiC, Buenos Aires, 1984. Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Lida., São Paulo. 1986, para a presente edição. Ia edição novembro de 1986 3® edição março de 1997 2a tiragem março de 2000 Coordenação da tradução Maria Risolera de Oliveira Marcondes Revisão da tradução Maria Esteia Hei der Cavalheiro Revisão gráfica Eloisa da Silva Aragão Ivete Batista dos Santos Produção gráfica Geraldo Alves Paginação/Fotolitos Studio 3 Desenvolvimento Editorial Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Braier. Eduardo Alberto Psicoterapia breve de orientação psicanalítica / Eduardo Alberto Braier : tradução IPEPLAN. - 3a ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1997. - (Psicologia e Pedagogia) Título original: Psicoterapia breve de orientación psicoanalítica. Bibliografia. ISBN 85-336-0598-6 1. Psicanálise 2. Psicoterapia breve 1. Título. II. Série. CDD-616.8914 97-1058________________ ____________________ NLM-WM 420 Índices para catálogo sistemático: I. Psicoterapia breve : Psicanálise : Medicina 616.8914 Todos os direitos para a língua portuguesa reservados à Livraria Martins Fontes Editora Ltda. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil Tei. (11) 239-3677 Fax (11) 3105-6867 e-mail: info@martinsfontes.com http.il Mww. martinsfontes. com r índice Prefácio à edição brasileira XV por Maurício Knobel Prefácio 1 1. Introdução 3 Referências bibliográficas 7 2. Resenha histórico-bibliográfica 9 A psicoterapia breve na Argentina 12 Referências bibliográficas 13 3. Fundamentos teóricos 15 Introdução 15 Pelos caminhos da psicanálise 16 A psicoterapia individual breve de orientação psicanalítica Os fins terapêuticos 18 A temporalidade 21 A técnica 21 Resultados e mecanismos terapêuticos 49 Referências bibliográficas 56 TÉCNICA 4. Entrevistas preliminares 63 Introdução 63 O estabelecimento da relação terapêutica 63 A história clínica 65 Avaliação diagnostica eprognostica 65 Avaliação diagnostica 65 Papel do psicodiagnóstico 69 Avaliação prognostica 70 A devolução diagnóstico-prognóstica 71 Contrato sobre as metas terapêuticas e a duração do tratamento 73 Explicitação do método de trabalho. Fixação das demais normas contratuais 76 Referências bibliográficas 77 5. Planejamento do tratamento 79 Referências bibliográficas 81 6. O tratamento 83 Introdução 83 A relação paciente-terapeuta no tratamento breve 84 Uma regra básica de funcionamento em psicoterapia breve de orientação psicanalítica 89 0 emprego constante do método da associação livre (“regra fundamental" da psicanálise) nos tratamentos breves 90 Adoção de uma regra básica de funcionamento para psicoterapias breves 93 Uso operativo do método da associação livre nos tratamentos breves 93 Conformação definitiva de uma regra de funcionamento para psicoterapias breves 95 Digressões sobre afocalização e a atenção do terapeuta 95 Elementos psicoterapêuticos verbais 99 Generalidades 99 As interpretações na psicoterapia breve de orientação psicanalítica 100 Outras intervenções verbais 117 Sobre as sessões 118 Outros recursos terapêuticos 119 O emprego de psicofármacos 120 A participação de familiares e/ou pessoas próximas do paciente no tratamento 121 Referências bibliográficas 125 7. Uma sessão de psicoterapia breve 129 A sessão 136 Comentários sobre a sessão 141 Referências bibliográficas 148 8. Dificuldades do terapeuta para a formação, prática e investigação em psicoterapias breves 149 Introdução 149 A dificuldade de adaptação ao enquadramento da psicoterapia breve 151 "Psicoterapia breve 'versus'psicanálise” 151 Na intimidade da relação terapeuta paciente 152 Dificuldades ante o término do tratamento psicoterapêutico breve 159 Dificuldades na avaliação dos resultados obtidos em psicoterapia breve 159 Desprestígio da psicoterapia breve enquanto indicação terapêutica 160 Outras dificuldades do terapeuta ante as terapias breves 161 Conclusões 162 Referências bibliográficas 163 9. A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve 165 Introdução 165 Reações causadas no paciente pela separação 166 Reações causadas no terapeuta pela separação 170 Aspectos técnicos 171 Conclusões 174 Referências bibliográficas 175 10. Alguns problemas técnicos característicos e riscos em psicoterapia breve 177 Referências bibliográficas 182 11. A avaliação dos resultados terapêuticos em psicoterapia breve 185 Introdução 185 Um método de avaliação 186 A avaliação imediata 187 Alternativas do paciente ao terminar o tratamento 194 A avaliação mediata 196 Problemas na avaliação dos resultados terapêuticos 200 Referências bibliográficas 204 12. Indicações da psicoterapia breve 207 Referências bibliográficas 211 13. Dos tratamentos breves 213 Exemplificação do método psicoterapêutico de objetivos limitados 213 Dados biográficos de interesse (resumo) 214 Avaliação diagnostica 215 A hipótesepsicodinâmica inicial 216 A s metas terapêuticas 219 Prognóstico 220 Planificação do tratamento 220 Evolução durante o tratamento 223 Avaliação dos resultados terapêuticos 225 Considerações finais 228 O caso da jovem que vomitava às segundas-feiras. Aprofundamento no foco 229 Motivos da consulta 230 Dados biográficos de interesse 231 Avaliação diagnostica 232 Hipótese psicodinâmica inicial. Conflitiva focal 232 Metas terapêuticas 233 Prognóstico 233 Planificação do tratamento 234 Evolução durante o tratamento 235 Avaliação dos resultados terapêuticos 241 Considerações finais 245 Referências bibliográficas 249 14. Formação de terapeutas em psicoterapia breve 251 Introdução 251 Aprendizagem teórica 252 Treinamento psicoterapêutico 253 Supervisão clínica 254 Algumas condições necessárias para um terapeuta em psicoterapias breves 254 Referências bibliográficas 263 Notas 265 Para Susana, Natacha e Florencia. Para meus pais. “Defrontamo-nos então com o trabalho de adaptar nossa técnica às novas condições.” Sigmund Freud, Os caminhos da terapia psicanalítica (1919). Prefácio à edição brasileira Apresentar ao leitor a edição brasileira do livro de Braier é uma honra e um prazer. É também sentir que estamos contribuin do para o esforço atual para tornar a psicoterapia acessível a uma ampla camada da população que necessita desta modalidade de atendimento. Eduardo A. Braier é um psicanalista argentino, que recebeu a formação rigorosa do Instituto de Psicanálise da Associação Psi canalítica Argentina. São poucos, infelizmente, os que conseguem associar o rigor da prática psicanalítica a uma consciência social e comunitária. E isso não apenas no devaneio intelectual, mas na confrontação do dia-a-dia com o paciente que procura ajuda nos hospitais e centros de saúde. Braier procurou oferecer uma contribuição concreta para aqueles que buscam ajuda para os problemas emocionais, sem te rem acesso a uma técnica complexa, demorada e elitista. Conhece e reconhece a Psicoterapia Breve e resolve elaborar, através do próprio exercício clínico, uma teoria da técnica para a sua prática. Como participante das investigações sobre psicoterapias bre ves do Colégio Acta, de 1967, posso constatar o amadurecimento das idéias, a precisão dos conceitos, a elaboração cuidadosa das técnicas ao longo desses anos bem como a organização e clareza com que são agora apresentados. X V I Os fundamentos teóricos de Braier têmorigem na psicanáli se. Como bom discípulo de Freud, aceita o desafio do mestre e procura “adaptar nossa técnica às nossas condições”. De aluno fiel converte-se em mestre generoso e nos oferece esta contribui ção, esta modalidade de terapia que resulta de uma cuidadosa ava liação da técnica psicanalítica. Estuda minuciosa e cuidadosamente os princípios clássicos e a prática da psicanálise e compara-os com a sua própria experiên cia neste campo relativamente novo da psicoterapia. Braier é o psicanalista cauteloso unido ao terapeuta audacioso, com os pés no chão e voltado para o futuro. A linguagem é, por momentos, rigidamente psicanalítica, mas reflete sempre uma compreensão dinâmica do processo terapêutico, veículo de uma proposta con creta e acessível. Aceita a possível utilização de recursos terapêuticos múlti plos e afirma que ninguém é dono da verdade, privilegiando di versas e diferentes hipóteses, principalmente dentro da área psica nalítica. A sua técnica criteriosamente elaborada é apresentada com metodologia, depois de uma revisão minuciosa dos conceitos de Malan e da terapia focal. Inicia com o estudo das entrevistas preli minares e, a meu ver, merece especial destaque a afirmação de que é necessária uma ampla e minuciosa avaliação diagnostica, sem a qual será difícil iniciar um processo psicoterapéutico. O capítulo cinco, sobre “Planejamento do tratamento”, é extremamente rico pelos conceitos que traz. No estudo sobre “O Tratamento”, o autor parece não ter esquecido nenhum daqueles detalhes que respondem às muitas perguntas que constantemente nos fazem os alunos e os estudiosos da técnica. O livro traz muitas respostas e sua contribuição didática é inquestionável. A apresentação detalhada de um caso clínico é uma ilustra ção de grande valor didático e um estímulo para o aprendizado e a compreensão da proposta do autor. Não disfarça as dificuldades que existem para a formação de quem pretende se iniciar na práti ca desta modalidade psicoterapêutica e reconhece seus problemas técnicos e riscos. Os difíceis temas da avaliação e das indicações são aborda dos em capítulos separados e de grande valor para a pesquisa. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Prefácio à edição brasileira X V II Os exemplos clínicos ajudam o leitor a entender e a familiari zar-se com esta técnica tão concisa, aqui apresentada de modo abrangente. O modelo de “ficha clínica para psicoterapias breves” que encerra o livro é um guia útil para quem procura sistematizar estes estudos. O país e os leitores de língua portuguesa vão se beneficiar com esta obra, que, além de seu valor didático, teórico, prático e de pesquisa, é um importante auxiliar clínico. Considero necessário parabenizar a empresa editora pela seleção desta obra. Não se trata de um “transplante artificial”, só válido na sua microcultura de origem, e sim de uma ampla e imparcial obra teórico-técnica, perfeitamente aplicável em nossa cultura, em nossa sociedade. Braier consegue aqui abrir nossos olhos a uma realidade, ofe recer a teoria de uma técnica compreensível dentro do campo psi- canalítico e mostrar que a psicoterapia não é necessariamente o privilégio de uma classe social, mas deve ser uma possibilidade aberta para muitos; mostra também que este mundo conflitante necessita cada vez mais de especialistas com conhecimentos sérios e profunda sensibilidade social. A polêmica sobre “investigação” da personalidade ou seu “tratamento” é estéril, academicista e, do ponto de vista psicanalí- tico, uma atitude resistencial. Não existe pesquisa em psicanálise sem assistência a quem procura este contato único e absolutamen te singular. Este trabalho é uma mostra do quanto se pode fazer quando existe compreensão humana do ser humano e não uma escondida fobia ao contato interpessoal criativo e enriquecedor da alma. Campinas, junho de 1986. PROF. DR. MAURÍCIO KNOBEL Professor Titular de Psiquiatria Clínica da FCM da UNICAMP Professor Titular de Processos Psicoterápicos do Dept° de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC Campinas. Prefácio Meu interesse pela psicoterapia breve nasceu em meus anos de residente em Psiquiatria (1968-71), primeiro no Serviço de Psicopatologia do Hospital Pinero e, depois, no serviço de mesmo nome no Hospital Ramos Mejía. No trabalho hospitalar, defron- tei-me com o problema ocasionado pela necessidade de propor cionar assistência psiquiátrica a grandes massas da população. Isso motivou minha apresentação a concurso para obter uma bolsa municipal que era oferecida pela Secretaria de Saúde Pública de Buenos Aires, que me proporcionou uma experiência clínica de um ano na investigação de terapias breves, no segundo dos servi ços citados (1971-72). Desde então, e concomitantemente à mi nha dedicação a terapias prolongadas, não abandonaria mais o .estudo e a investigação das técnicas de objetivos e tempos limita dos, sempre partindo do corpo teórico-psicanalítico. Minha práti ca em tais técnicas, além da exercida em consultório particular, inclui uma passagem de aproximadamente 2 anos pelo CEMEP (Centro de Psicologia Médica), como terapeuta da instituição (1972-73). A isto se somou o poderoso estímulo que significou o intercâmbio científico com colegas, o trabalho docente que venho exercendo sobre o assunto em hospitais, instituições e em nível privado e, mais recentemente, o enorme enriquecimento que me proporcionou a formação na Associação Psicanalítica Argentina. Todos esses fatos me animaram, finalmente, a empreender a ár dua tarefa de escrever este livro. Minha intenção é de nele expor 2 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica com clareza principalmente as experiências e idéias pessoais que venho acumulando até o momento, complementadas por uma revisão crítica, que de nenhum modo pretende ser completa, da bibliografia existente sobre o tema. Como sempre ocorre, certos pontos despertaram em mim um interesse maior que outros, motivando alguns desenvolvimentos. Entre eles se encontram: os fundamentos teóricos, a regra de fun cionamento do paciente, os tipos de atenção do terapeuta, as difi culdades do terapeuta para a formação, a prática e a investigação em psicoterapias breves, o termino do tratamento, alguns incon venientes técnicos e riscos a eles relacionados e os problemas concernentes à avaliação dos resultados terapêuticos. Quero expressar meus mais sinceros agradecimentos a todos aqueles que de uma maneira ou de outra me ajudaram nesse em preendimento, especialmente: Ao Dr. Luiz Allegro, que realizou um leitura crítica dos ori ginais e, além disso, me incentivou constantemente, assim como ao Dr. Marcos Guites, que leu o capítulo 13. Ao Dr. Héctor J. Fiorini, pelo generoso estímulo e pelas su gestões que pessoalmente me ofereceu durante anos de frutíferas discussões sobre as psicoterapias. Boa parte de meu entusiasmo pelo tema deve-se à leitura de seus excelentes trabalhos. Ao Sr. Ifim Kantor, a quem coube a enorme tarefa, realizada com carinho e esmero, de transcrever meus ilegíveis manuscritos. A Dra. Blanca R. Montevecchio, que supervisionou os trata mentos breves que efetuei durante minha investigação no Serviço de Psicopatologia do Hospital Municipal J. M. Ramos Mejía. Ao Dr. Moisés Kijak e a Elisabeth G. De Garma, que foram meus analistas. Aos colegas membros dos diferentes grupos de estudo por mim coordenados, principalmente os seguintes: doutores Víctor Feder, Alejandro Puente, Alba Brengio, Delia Saffoires, Mónica Noseda, Isaías Finkelstein, Ricardo Frigerio; licenciados Jorge A. Brener, Aída Núnez, Claudia H. De Zanoto, Silvia S. De Fin kelstein e Suzana Boz. A meus pacientes. Buenos Aires, agosto de 1980. EDUARDO A. BRAIER 1. Introdução As chamadas psicoterapias breves surgiram essencialmente como uma resposta ao problema assistencial colocado pela massa cada vez maior de população consultante. Em nosso meio, os inci pientes serviços de psicopatologia hospitalar,os centros de saúde mental, as instituições privadas e os hospitais psiquiátricos tive ram, em determinado momento, e de forma similar a outros paí ses, de implementar técnicas breves. Da mesma maneira, a seu tempo, tinham incorporado, com idêntica finalidade, o uso de modernos psicofármacos e da psicoterapia grupai, já que os tera peutas, em quantidade insuficiente, não conseguiam cobrir a demanda de pacientes. As terapias de curto prazo, individuais e grupais, permitiram ampliar a assistência psiquiátrica, propósito este que, por outro lado, não era compatível com o emprego de tratamentos longos. As limitações econômicas de muitos que acorrem em busca de ajuda terapêutica foram e são, sem dúvida, um fator que vem exercendo uma influência decisiva no desenvol vimento e na difusão das terapias breves, naturalmente mais aces síveis às pessoas de poucos recursos. Os objetivos terapêuticos deveríam, então, centrar-se na superação de sintomas e incidentes agudos ou situações perturbadoras atuais, que se apresentam como prioritárias por sua urgência e/ou importância. Esses procedimentos terapêuticos vão alcançando, de um modo gradual, novos traços distintivos, o que nos conduz, de ime diato, ao problema de sua denominação. Os diversos nomes que 4 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica recebem revelam as tentativas de tomar precisas algumas daquelas que se consideram suas principais características (embora indu zam, em definitivo, a aumentar a confusão reinante), as quais, é conveniente citar para poder, desde já, deixar claro a que situações e métodos psicoterápicos vou referir-me ao longo desta obra. Em primeiro lugar cabe examinar a denominação psicotera pia breve, que por ser, sem dúvida, a mais difundida e imposta pelo uso, empregamos aqui com muita freqüência1. Apesar disso, há que se admitir que não é a mais adequada: em princípio porque essas terapias são breves do ponto de vista do terapeuta, e quando sua duração é comparada com a do tratamento psicanalítico, em geral mais prolongado (1), mas podem não parecer breves por exemplo para o paciente. Acima de tudo, tal denominação é dis cutível, já que uma psicoterapia pode ser de duração certamente prolongada - um ano ou mais - mas ter as metas limitadas e as características técnicas próprias e essenciais desses procedimen tos (focalização, planejamento, etc.), que as distinguem da psica nálise corrente e de outras psicoterapias. As terapias a que fazemos referência também são conhecidas como psicoterapias de tempo limitado, denominação essa que novamente alude à sua temporalidade, mas que denota não só bre vidade, como também a fixação de um limite de tempo para o tra tamento, em virtude do qual este passa a ter, geralmente c de ante mão, uma data de finalização preestabelecida. Tampouco este é um fato necessariamente constante nesses tratamentos. Outra denominação a que se costuma recorrer, a de psicote rapias de objetivos limitados, é, a meu ver, muito apropriada, já que se refere a um elemento importante e que, diferentemente de outros elementos, sempre se faz presente em tais terapias, que por conseguinte poderão ser concomitantemente de tempo limitado ou não. Pode-se também empregar a denominação psicoterapia bre ve de orientação psicanalítica, que dá título a este livro, e que cscolhi porque me interessa explicitar que se trata de uma terapia originada nas teorias de psicanálise e, assim, estabelecer uma di ferença com respeito aos tratamentos breves alicerçados em ou tras orientações terapêuticas (terapias comportamentais, análise transacional, etc.). Introdução 5 Alguns autores preferem designá-las com nomes que servem para destacar algumas de suas peculiaridades técnicas e que suge rem diferenças com relação às da psicanálise clássica: terapias planejadas (3) ou focais (4), por exemplo. Entre nós Szpilka e Knobel propuseram denominá-las psico terapias não-regressivas, para acentuar outro aspecto importante delas (5). A chamada psicoterapia de emergência concerne, no meu entender, à forma de psicoterapia rápida ou breve que partilha apenas algumas das características e dos métodos de que nos ocu pamos. Refere-se, particularmente, a uma terapia de urgência em “situações especiais de crise e exigência” (2), tais como episódios de natureza psicótica (tentativas de suicídio, delírios agudos, etc.). Em tais situações, com ffeqüência prevalece a necessidade de estancar a crise, obtendo-se um alívio sintomático, de modo que na maioria dos casos deve-se postergar a busca.de insight no paciente até um segundo momento terapêutico, já que de imediato suas condições egóicas não costumam permiti-lo. Nesta obra referir-me-ei, sobretudo, a uma psicoterapia de objetivos limitados, basicamente interpretativa ou de insight, que deve ser empregada em indivíduos com capacidade egóica sufi ciente para serem tratados por meio dela, É necessário afastar a absurda antinomia que alguns preten dem criar entre a psicanálise e a P.B.. Ambos os métodos constam de objetivos terapêuticos, indicações clínicas e técnicas diferen tes. É perigoso incorrer no erro de pensar que a psicanálise é o único tratamento válido realizável, como também no de superva- lorizar os alcances da P.B., atribuindo-lhes resultados espetacula res. (De minha parte, longe de querer apresentar o tratamento breve como uma panacéia, tratarei aqui não só de suas possibili dades, mas também, e com certo detalhe, de suas limitações e ris cos.) É melhor dizer que é possível instrumentar uma terapêutica breve baseada no esquema conceituai da psicanálise, o que signi ficará uma proveitosa aplicação de suas teorias em situações nas quais não é possível utilizar a técnica psicanalítica corrente, como por exemplo, no ambiente hospitalar. Além disso, considero que não devemos deixar de atender aos numerosos pacientes que, tanto no meio hospitalar como no consultório particular, não 6 podem, por motivos diversos (econômicos, mas também de resis tência, ou por sua idade avançada, etc.) ser abordados através de um tratamento psicanalítico, exigindo que adaptemos nossos recursos técnicos às possibilidades e necessidades do paciente, sem esperar que sejam eles quem devam amoldar-se a um único método terapêutico. Caso isso ocorresse, correriamos o risco de tomar por intratáveis indivíduos que simplesmente - e frequente mente só em caráter transitório - não estão em condições de ser analisados. Cabe acrescentar que em muitas ocasiões uma terapia de objetivos e tempo limitados pode ser o passo inicial em direção a um posterior tratamento analítico, convertcndo-se, num primei ro momento, na mais conveniente, ou ainda, na única abordagem terapêutica viável, que poderá trazer, como resultado, uma mudança nas condições do paciente que o torne apto para efetuar, em seguida, uma psicoterapia prolongada. A superação das diversas dificuldades dos profissionais para encarar a formação, a prática e a investigação em P.B. surge clara mente como premissa. De um tempo para cá, já são muitos os que falam na importância do emprego deste método terapêutico, mas são poucos os que preconizam e aplicam procedimentos técnicos apropriados ao contexto em que tal método cabe. Também chama a atenção a escassa participação dos analistas de maior experiência na investigação dessas terapias. Pessoalmente, interessei-me em obter uma compreensão profunda de algumas das motivações inconscientes do terapeuta que subjazem a suas dificuldades para ajustar-se ao enquadramento requerido pela P.B. Constitui uma necessidade premente contar com uma teo ria da técnica da P.B. estruturada com mais solidez, que possibi lite um ensino adequado de seus princípios básicos (sem que tal afirmação desmereça o reconhecimento da existência de contri buições de decisiva importância sobre o tema, que enriqueceram profundamente nossa visão dele). Oriento meu trabalho em direção a essa meta, tentando conceituar uma modalidadeterapêutica que reconhece suas fontes no corpo teórico da psicanálise, mas que, segundo creio, se diferencia nitidamente de sua técnica. Acima de tudo, procurei sistematizar os sucessivos passos do processo terapêutico e ensaiei um critério de avaliação dos re sultados. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Introdução 7 Também serão bem-vindas a realização e a transmissão de novas experiências clínicas organizadas em P.B., que possibilitem validar ou questionar as concepções teóricas sustentadas atual mente. Por último, desejo esclarecer que nesta obra irei ocupar-me especialmente do que tange à psicoterapia individual breve em pacientes adultos e adolescentes, ainda que muitos dos conceitos apresentados sejam extensivos ao tratamento de crianças e aos procedimentos grupais (psicoterapia breve de casal, grupo fami liar, etc.). Referências bibliográficas 1. Alexander F., “Eficacia dei contacto breve”, em Alexander, F e French, T., Terapêutica psicoanalítica, Paidós, Buenos Aires, 1965, cap. IX. 2. Bellar, L. e Swall, L., Psicoterapia breve y de emergencia, Pax- México, México, 1969. 3. French, T., “Planificación de la psicoterapia”, em Alexander, F. e French, T., ob. cit., em 1, cap. VII. 4. Malan, D. H., A Study of Brief Psychotherapy, Tavistock, Londres; Charles Thomas, Springfield, Illinois, 1963. (Versão castelhana: La psicoterapia breve, Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1974.) 5. Szpilka, J. e Knobel, M., “Acerca de la psicoterapia breve”, Coloquio Acta 1967: Psicoterapia breve, Acta psiq. psicol. Amér, Lat., vol. XIV, n°2, Buenos Aires, junho de 1968. 2. Resenha histórico-bibliográfica Passaremos em revista os principais acontecimentos e obras que marcaram a evolução da terapêutica breve de orientação psi canalítica. Devo começar tal revisão assinalando que os primeiros tra tamentos efetuados pelo próprio Freud na etapa pré-analítica e no começo da analítica eram, de certo modo, terapias breves, pois duravam só alguns meses. O fundador da psicanálise se achava empenhado, inícialmente, em buscar curas rápidas, a princípio dirigidas para a solução de determinados conflitos e sintomas1. Freud atendeu a Gustav Mahler, com resultados satisfatórios, durante algo mais de... quatro horas, a maior parte das quais trans correram enquanto ambos passeavam por Leyden (9). Outro trata mento célebre, o do Homem dos ratos, que conseguiu bons resul tados, e cujo histórico clínico foi publicado em 1909 (5), durou tão-somente 11 meses. Gradualmente e com os progressos da psicanálise, o trata mento foi-se tornando mais prolongado. Incidem fatores como a resistência, a sobredeterminação dos sintomas, a necessidade de elaboração, os fenômenos transferenciais, etc. (12). O desenvolvimento dos acontecimentos mais relevantes pode ser resumido como se segue: 1914: no histórico clinico do Homem dos lobos, redigido em 1914 e editado em 1918 (7j, Freud disse que fixou pela primeira 10 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica vez uma data para o término da análise, numa tentativa de acelerar o desenvolvimento do processo terapêutico2. 1916: Ferenczi menciona, pela primeira vez, a necessidade de uma psicoterapia breve, sendo repreendido por Freud (13 )3. 1918: em uma conferência pronunciada em Budapeste e edi tada no ano seguinte (“Os caminhos da terapia psicanalítica” [8]), Freud propõe uma psicoterapia de base psicanalítica para respon der à necessidade assistencial da população, e sugere que se com binem os recursos terapêuticos da análise com outros métodos. Tal proposta é de importância decisiva para fundamentar, poste riormente, a configuração de uma terapia breve de orientação psi canalítica. 1920-1925: S. Ferenczi e O. Rank realizam tentativas para abreviar a cura psicanalítica. Escrevem conjuntamente um livro, no qual abordam o tema (3), recebendo duras críticas de Freud. Ferenczi propõe o chamado “método ativo”, que logo aban donará. Rank, por sua vez, defende a possibilidade de um trata mento analítico breve baseado na tentativa de superar, em poucos meses de análise, o trauma do nascimento, que considera o nódulo da neurose. 1937: em “Análise terminável e interminável”, Freud assina la que as tentativas de abreviar a duração da análise que consome muito tempo não requerem justificação “e se baseiam em impera tivas considerações de razão e de conveniência” . Em várias passa gens desse artigo sublinhará que o encurtamento da duração da análise é um fato desejável. Mas também fustigará as tentativas que Rank efetuara nessa direção desde 1924, baseadas em sua concepção a respeito do trauma de nascimento. O mesmo fará em relação a Ferenczi. Neste, um de seus últimos trabalhos, Freud recorda que, para acelerar o tratamento analítico no caso do Homem dos lobos, re correu ao expediente de fixar-lhe um limite de tempo. Acrescenta que posteriormente também tomou essa medida em outros casos, dizendo a respeito dela: “(...) é eficaz, contanto que se faça no momento oportuno. Mas não se pode garantir o cumprimento total da tarefa. Pelo contrário, podemos ter certeza de que, enquanto parte do material se tornará acessível sob a pressão dessa amea ça, outra parte ficará guardada e enterrada como estava antes, e Resenha histórico-bibliográfica 11 perdida para nossos esforços terapêuticos. Porque, uma vez que o analista tenha fixado o limite de tempo, não pode prolongá-lo; de outro modo, o paciente perdería a fé que nele deposita” (6). 1941: o Instituto de Psicanálise de Chicago organiza um con gresso nacional sobre psicoterapia breve. Aumenta o interesse pelo tema nos Estados Unidos. 1946: aparece Psychoanalytic Therapy (Ronald Press, Nova York), de F. Alexander e T. French e colaboradores do Instituto de Psicanálise de Chicago, obra que inicia uma nova e decisiva etapa no campo das técnicas breves. Os autores recolocam a necessida de de abreviar o tratamento analítico e de efetuar terapias breves com uma compreensão psicanalítica. Incluem conceitos sobre planejamento da psicoterapia, flexibilidade do terapeuta, manejo da relação transferenciai e do ambiente, utilidade de ressaltar a realidade externa e eficácia do contato breve. Tomam como ponto de partida uma experiência clínica na qual intervém um número importante de terapeutas experientes. O livro descreve numerosos históricos clínicos (1). 1963: publica-se A Study o f Brief Psychotherapy, de D. H. Malan (Tavistock Publications Limited, Londres). A obra descreve uma experiência clínica de investigação baseada em tratamentos de curto prazo, realizada por terapeutas da Clínica Tavistock, de orientação kleiniana. Nela se detalha a técnica focal. O autor acen tua a conveniência de interpretar a transferência de maneira exaus tiva dentro da terapia breve (em acentuada dissidência com muitos outros), assim como a necessidade de trabalhar a separação entre paciente e terapeuta, causada pelo término do tratamento. Além disso desenvolve, brilhantemente, um método psicodinâmico para avaliar os resultados terapêuticos. O livro oferece uma detalhada apresentação de 19 casos tratados com psicoterapia individual bre ve, que inclui os acompanhamentos efetuados. A supervisão dos tratamentos esteve a cargo de M. Balint (12). 1965: aparece Short-Term Psychotherapy, obra compilada por L. Wolberg (Grune and Stratton, Inc., Nova York), que contém trabalhos de Avnet, Masserman, Hoch, Rado, Alexander, L. Wol berg, Kalinowsky, Wolf, Harrower e A. Wolberg. Sobressai o de L. Wolberg, a respeito da técnica da psicoterapia breve (16). 12 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Também nesse ano L. Bellak e L. Swall publicam Emergency Psychotherapy and Brief Psychotherapy (Grune and Stratton, No va York). Os autores incluem diversos temas, entre os quais se destacam: o enfoque do tratamento à luz da psicologia psicanalíti ca do ego, a aplicação da teoria da aprendizagem, o insight e a ela boração (2). 1971: em TheBrieferPsychotherapies (Brunner Mazel, Inc., Nova York), Small realiza uma extensa compilação das idéias de numerosos autores sobre o tema (14). A psicoterapia breve na Argentina 1967: tem lugar o Colóquio Acta 1967: Investigações sobre psicoterapia breve, que apresenta valiosas contribuições. Partici pam, entre outros, R. J. Usandivaras, J. 1. Szpilka, M. Knobel, A. E. Fontana, G. S. de Dellarossa, H. Ferrari, A. G. Marticorena e A. Dellarossa (15). Esse colóquio é um testemunho do crescente interesse que começa a se manifestar, em nosso meio, pelo proble ma das psicoterapias (individuais ou grupais) em serviços psi quiátricos - dc recente criação - de hospitais gerais, hospitais psiquiátricos e instituições privadas, que oferecem tratamentos a honorários reduzidos em razão da demanda cada vez maior de assistência psicológica por parte da população. Empregam-se tra tamentos de duração limitada com base psicanalítica, mas a ativi dade é desorganizada e confusa e não se apresentam, ainda, maio res perspectivas de instrumentalizar técnicas suficientemente sis tematizadas e coerentes. 1970: aparece o primeiro livro de autor argentino, exclusiva mente consagrado ao tema: Psicoterapia breve, de H. Kesselman, com prólogo de J. Bleger. O autor, utilizando o esquema referen cial de Pichon-Rivière aborda, entre outros aspectos, o planeja mento e as técnicas de mobilização, e assinala algumas caracterís ticas essenciais das interpretações a serem utilizadas no trabalho terapêutico (10). 1973: publica-se Teoria y técnica de psicoterapias, de H. J. Fiorini, amplo e valioso estudo sobre o tema, no qual se destacam especialmente o capítulo referente à primeira entrevista em psico- Resenha histórico-bibliogràfica 13 terapia breve e o que oferece um modelo teórico do foco terapêu tico (4). 1975: Psicoanálisisypsicoterapia breve en la adolescência*, de J. C. Kusnetzoff, aborda, em sua segunda parte, o tema da psico terapia individual e grupai breve do adolescente. É de especial interesse o capítulo destinado à teoria da comunicação e à psicote rapia breve, assim como a inclusão da família no tratamento (11). 1980: em nosso meio atualmente é indiscutível a necessidade de se recorrer a psicoterapias menos custosas que a análise, tanto em tempo como em dinheiro, a fim de responder à demanda de um número cada vez maior de indivíduos. A aplicação das chama das psicoterapias breves se difunde ostensivamente, mas ainda não se lhes reconhece um status teórico, que, no entanto, começa a se delinear, sendo relativamente escassas as investigações que têm suscitado. Referências bibliográficas 1. Alexander, F. e French, T., Terapêutica psicoanalítica, Paidós, Bue nos Aires, 1965. 2. Bellak, L. e Small, L., Psicoterapia brevey de emergencia, Pax- Mé xico, México, 1969. 3. Ferenczi, S. e Rank, O., The Development of Psychoanalysis, Zurich International Press, Leipzig e Viena, 1924. 4. Fiorini, H. J., Teoriay técnica de psicoterapias, Nueva Vision, Bue nos Aires, 1973. 5. Freud, S., “Análisis de un caso de neurosis obsesiva”, em O.C., Bi blioteca Nueva, Madri, 1948, t. II. 6 . __“Análisis terminable y interminable”, em O.C., Biblioteca Nue va, Madri, 1968, t. III. 7 . __ “Historia de uma neurosis infantil”, em O. C., ob. cit. em 5, t. II. 8 . __“Los caminos de la terapia psicoanalítica”, em O. C., ob. cit., em 5, t. II. 9. Jones, E., “Vida y obra de Sigmund Freud”, Nova, Buenos Aires, 1960, t. II. * Traduzido para o português sob o título Psicanálise e psicoterapias breves na adolescência, tradução de Patrícia M. E. Cenacchi, edição brasileira adaptada e revis ta pelo autor, Rio de Janeiro, Zahar, 1980. (N. do T.) 14 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica 10. Kesselman, H., Psicoterapia breve, Kargieman, Buenos Aires, 1970. 11. KusnetzofF, J. C., Psicoanálisis y psicoterapia breve en la adoles cência, Kargieman, Buenos Aires, 1975. 12. Malan, D. H., A Study of Brief Psychotherapy, Tavistock, Londres, Charles Thomas, Springfield, Illinois, 1963 (Versão castelhana: La psicoterapia breve, Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1974). 13. Rey Ardid, R., Prólogo al tomo III de S. Freud, O.C., ob. cit. em 6, 1968. 14. Small, L., Psicoterapias breves, Granica, Buenos Aires, 1972. 15. Usandivaras, R. J. e outros, Coloquio Acta 1967: Psicoterapia bre ve, Actapsiq. psicol. Amér. Lat., vol. XIV, n° 2, Buenos Aires, junho de 1968. 16. Wolberg, L. e col., Psicoterapia breve, Gredos, Madri, 1968. 3. Fundamentos teóricos' Introdução Os problemas de teoria em terapias breves são numerosos e comprometem o seu reconhecimento dentro do panorama psico- terapêutico. Atualmente creio que podemos encontrar contribuições mui to valiosas ao tema, mas, se há pontos de coincidência entre os diversos autores no que concerne a uma teoria do processo, tam bém é certo que paralelamente ainda reina muita confusão entre os leitores, talvez provocada por uma verdadeira miscelânea de conceitos teóricos que nem sempre podem articular-se entre si. Como assinala Fiorini, falta uma estrutura unitária que suste esses procedimentos (13). E para sua obtenção que devemos diri gir nossos esforços. Gostaria de assinalar uma carência particularmente notória, que é a de uma concepção mais ou menos definida e aceita quanto aos mecanismos terapêuticos atuantes nessas terapias. Neste capítulo me proponho a discorrer sobre alguns temas cuja recolocação considero de importância decisiva dentro da ten tativa de configurar um marco conceituai para as psicoterapias de objetivos e tempo limitados. Além disso, procurarei, ao longo desta obra, expor o marco conceituai que venho adotando pes soalmente, e ao qual pretendo dotar da necessária coerência, atri buto - disso tenho consciência - nada fácil de alcançar. Meu pon- 16 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica to de partida, como o de muitos investigadores, são as teorias psi- canalíticas. Na verdade, não encontro motivos para prescindir de teorias tão valiosas como a do inconsciente, do conflito psíquico, da sobredeterminação, dos mecanismos defensivos, da gênese dos sonhos, das séries complementares, da estrutura do aparelho psí quico, da transferência, das resistências e de tantas outras que nos permitem compreender a problemática do paciente e do processo terapêutico2. Porém, o que realmente terá de ser modificado é a técnica, que por múltiplas razões não poderá continuar sendo a mesma que a empregada em psicanálise, devendo ajustar-se ao contexto próprio desses procedimentos. Incluo-me assim entre aqueles que propõem uma psicoterapia breve de orientação psica nalítica, mas entendendo que deve ser algo tecnicamente muito diferente de uma “psicanálise breve”. Pelos caminhos da psicanálise Minha concepção da terapêutica breve é fiel aos princípios básicos formulados por Freud num trabalho que adquire signifi cação especial dentro do tema que nos ocupa e que talvez não tenha sido suficientemente valorizado. Refiro-me à conferência pronunciada em Budapeste em 1918, e publicada um ano depois sob o título de “Os caminhos da terapia psicanalítica” (26). Já naquela época, Freud adiantou-se a fatos que sobreviriam poste riormente, entre os quais hoje podemos incluir o aparecimento dos tratamentos breves como uma tentativa de possibilitar a assis tência psicológica a um número maior de pessoas. Muitos dos pensamentos expressos naquela ocasião vigoram ainda hoje. Na parte final do trabalho, Freud assinala a necessidade de no futuro os psicanalistas adotarem medidas para estender o tratamento psi- coterapêutico a grandes massas da população. Reconhece que se tropeça em inconvenientes para consegui-lo, derivados de carac terísticas próprias do método psicanalítico, que limita a atenção a poucos indivíduos, e de fatores de ordem econômica. Dirigindo- se a seus colegas psicanalistas, Freud disse textualmente: “Qui sera examinar com os senhores uma situação que pertence ao futuroe que talvez lhes pareça fantástica. Mas, a meu ver, merece Fundamentos teóricos 17 que acostumemos a ela nosso pensamento. Sabem muito bem que nossa ação terapêutica é bastante restrita. Somos poucos, e cada um de nós não pode tratar mais do que um número limitado de doentes por ano, por maior que seja nossa capacidade de trabalho. Diante da magnitude da miséria neurótica de que padece o mundo e de que quiçá pudesse não padecer, nosso rendimento terapêutico é quantitativamente insignificante. Além disso, nossas condições de existência humana limitam nossa ação às classes abastadas da sociedade.” Mais adiante antecipa a criação de estabelecimentos assistenciais estatais, nos quais os psicanalistas tratem gratuita mente dos pacientes por meio da psicoterapia: “Por outro lado, é possível prever que algum dia chegará a vez de despertar a cons ciência da sociedade, e adverti-la de que os pobres têm tanto direito ao auxílio do psicoterapeuta como ao do cirurgião, e de que as neuroses ameaçam tão gravemente a saúde do povo como a tuberculose, não podendo ser seu tratamento tampouco abandona do à iniciativa individual. Criar-se-ão, então, instituições módicas para as quais serão designados analistas encarregados de conser var a resistência e o rendimento de homens que, abandonados a si mesmos, se entregariam à bebida, de mulheres prestes a sucumbir sob o peso das privações e de crianças cujo único porvir é a delin quência ou a neurose. O tratamento seria, naturalmente, gratuito.” Assinala logo a seguir a necessidade de se modificar, nessas cir cunstâncias, a técnica psicanalítica, o que me parece da maior importância, pois hoje em dia muitos analistas resistem a fazê-lo, mostrando-se “mais realistas que o rei” . “Caberá a nós, então, o trabalho de adaptar nossa técnica às novas condições” (o grifo é meu). Em seguida expõe, ao contrário do que alguns poderíam supor, seu ponto de vista a respeito do uso de diferentes recursos terapêuticos em tais casos, em lugar de preconizar, de modo ex clusivo, o método psicanalítico (o que endossaria o critério que hoje sustenta a multiplicidade de elementos terapêuticos nas tera pias breves, especialmente nas que ocorrem em instituições assis tenciais): “Na aplicação popular de nossos métodos talvez tenha mos de misturar ao ouro puro da análise o cobre da sugestão dire ta; também a influência hipnótica poderia aqui voltar a ter lugar como no tratamento das neuroses de guerra”3 ainda que, de ime diato, sublinhe que os componentes básicos de tais tratamentos 18 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica deverão provir da psicanálise (isso, como tudo o que disse ante riormente, também se converteu em realidade, já que atualmente se conta com a P.B. de orientação psicanalítica): “Mas, quaisquer que sejam a estrutura e a composição dessa psicoterapia para o povo, seus elementos mais importantes e eficazes continuarão sendo, desde já, os tomados da psicanálise propriamente dita, ri gorosa e livre de toda tendenciosidade” (o grifo é meu). A psicoterapia individual breve de orientação psicanalítica Ante a perspectiva de se adotar uma técnica breve de base psicanalítica, faz-se necessário, para definir melhor seus elemen tos principais, estabelecer uma comparação com nosso modelo original, o tratamento psicanalítico. Desse modo, tentarei clarifi car os pontos de contato entre os dois métodos terapêuticos e, muito especialmente, suas diferenças4. Dentro dos procedimentos breves, referir-me-ei, fundamentalmente, à técnica dirigida ao insight, sobre a qual podem apresentar-se mais dúvidas a respeito de suas relações com a técnica analítica, contrariamente ao que acontece com uma terapia essencialmente de apoio, cuja caracte rização é mais simples e mais conhecida. Juntando-me à iniciativa de alguns setores, como Bellak (6), Small (6), (48) e Malan (40) e com um propósito principalmente didático, considerarei três aspectos essenciais: 1) os fins terapêu ticos, 2) a temporalidade, 3) a técnica. Os fins terapêuticos A psicanálise reconhece como meta fundamental o tornar consciente o inconsciente. Mas a experiência clínica nos permite comprovar que essa finalidade traz, além disso, a perspectiva simultânea de uma reconstrução da estrutura da personalidade do analisando como resultado terapêutico talvez mais transcen dente. Essa reconstrução envolve a resolução de conflitos básicos e de seus derivados através da elaboração e do conseqüente ga nho de um maior bem-estar, com o qual se pretende eliminar ou aliviar os sintomas de modo franco e duradouro. Fundamentos teóricos 19 Na terapia de objetivos limitados, como o próprio nome indi ca, as metas são reduzidas e mais modestas que as do tratamento psicanalítico. A limitação dos objetivos terapêuticos é caracterís tica do procedimento de que nos ocupamos, e aparece em função das necessidades mais ou menos imediatas do indivíduo. Os obje tivos podem colocar-se em termos da superação dos sintomas e problemas atuais da realidade do paciente, o que implica, antes de tudo, o propósito de que este possa enfrentar mais adequadamente determinadas situações conflitivas e recuperar sua capacidade de autodesenvolvimento, de modo que na prática se ache em condi ções de adotar certas determinações quando isso se revele neces sário. Exemplo: uma jovem professora, com francas alterações de caráter, apresentava recentemente sintomas de depressão e dc conversão histérica (paralisia dos membros inferiores e des maios), ligados a situações conflitivas surgidas em sua relação com a diretoria de sua escola, tudo isso lhe ocasionando sérias dificuldades adaptativas no plano profissional. Fixaram-se os seguintes objetivos para uma terapia de curta duração: conseguir que a jovem obtivesse um alívio de seus sintomas e sobretudo que pudesse compreender e manejar melhor os conflitos subjacentes a seu problema atual a fim de poder reintegrar-se no trabalho e de senvolver-se mais saudavelmente em seu meio profissional. De preferência, e na medida do possível, a solução dos pro blemas imediatos e o alívio sintomático deverão, em um sentido psicodinâmico, corresponder à obtenção de um princípio de insight do paciente a respeito dos conflitos subjacentes (o que supõe que cm certa medida também nos propomos a tornar conscientes aspectos inconscientes, ainda que a meta central, em si, não seja a exploração do inconsciente como ocorre na psicanálise). Além disso, o trabalho pode ser encarado a partir do lugar do terapeuta e com uma visão dinâmica, como tendo o propósito de clarificar e resolver, ainda que de modo parcial, parte da patologia do pacien te. Malan fala precisamcntc em “elaborar brevemente um dado aspecto da psicopatologia” (40). No exemplo há pouco citado, isto consistia esscncialmente em conseguir que a paciente se conscientizasse parcialmente de aspectos do conflito básico rela cionado com a figura da mãe, diante da qual mantinha uma atitu de infantil de extrema submissão, que se alternava com tentativas 20 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica de rebelião, do que derivavam dificuldades em sua relação com representantes da autoridade materna, como sucedia com a direto ra. Segundo Malan, sua proposta oferecería a vantagem de nos permitir incluir expectativas de resultados terapêuticos maiores do que se concebéssemos as metas meramente circunscritas à re missão de um determinado sintoma ou à resolução de uma situa ção crítica (40). Assim, no tratamento da professora, por detrás do intento de resolver aspectos do conflito primário com a figura materna, poder-se-ia aspirar não só a obter a remissão ou a dimi nuição da intensidade dos sintomas atuais, além de conseguir que a jovem pudesse solucionar seus problemas de relação com a dire tora, mas também a conseguir mudanças favoráveis em suas rela ções patológicas com outras mulheres que representassem sua mãe (uma companheira mais velha, a dona da pensão, etc.), umamaior iniciativa e a superação de inibições, não só na área profis sional como também em outras (sexual, social, etc.). Considero então que toda formulação, nos termos correntes, de objetivos terapêuticos limitados, deve pressupor, no terapeuta, uma refor mulação de tais objetivos num sentido psicodinâmico que os abar que e que quase sempre haverá de transcendê-los em alguma me dida. Explica-se, assim, a aparição posterior de certas mudanças no paciente no que concerne a problemas em outras áreas de sua vida que, inclusive, não chegam a ser mais tratados de maneira explícita ou direta durante a terapia, mas que se acham ligados, de certo modo, às perturbações que tenham sido objeto de nossa abordagem terapêutica. Numa ordem de importância geralmente secundária, figu ram diversas formas de oferecer ajuda ao paciente no que se refere às situações perturbadoras, seja procurando aliviar sua ansiedade através de meios como por exemplo os psicofármacos, seja inter vindo diretamente nessas situações de sua realidade, como no caso da assistência social, etc. Ao aprofundar mais o tema dos objetivos terapêuticos, ve mos que estes, na realidade, não são tão limitados em uma terapia breve de predomínio interpretativo. Tal impressão aumenta assim que admitamos que tal terapia inclui a presença de outras metas, valiosas, implícitas e constantes, vinculadas às enunciadas até aqui e que podem ser concebidas em termos da recuperação da Fundamentos teóricos 21 auto-estima (6) e da aquisição de consciência da enfermidade. (Tratarei mais detidamente desses aspectos no capítulo 11.) A temporalidade Enquanto que num tratamento psicanalítico a duração não é determinada de antemão, prolongando-se durante anos, nas cha madas terapias breves é comum que a fixemos previamente, e que seja mais curta, em geral, de uns meses. Essas peculiaridades, das quais derivam as denominações talvez mais difundidas desses procedimentos (psicoterapias breves, psicoterapias de tempo li mitado, etc.), configuram um traço diferenciado muito destacado dos mesmos, ainda que, como já assinalei, não esteja presente necessariamente em todos os casos. Stekel, entre outros, apontou a incidência favorável que, no processo terapêutico, poderia ter a limitação temporal estabelecida de antemão, a qual estimularia o progresso da terapia (50)5. De ime diato, cabe assinalar que quando se fixa um prazo de encerramento, este cria invariavelmente uma situação bastante diferente na situa ção psicanalítica, influenciando de modo decisivo os diferentes aspectos do vínculo terapêutico, em especial a finalização do trata mento, tema que mais adiante analiso detidamente (ver os capítulos 8 e 9). Mas, acima de tudo, deve-se levar em conta que a limitação temporal confere à terapia uma estrutura mais definida em termos de “princípio, meio e fim” (43), introduzindo definitivamente na relação terapêutica um novo e necessário elemento de realidade, que esmorece no paciente a produção de fantasias regressivas oni potentes de união permanente com o terapeuta. Tais fantasias se desenvolvem e se manejam com mais facilidade no contexto do tra tamento psicanalítico do que no da terapia da qual nos ocupamos. A técnica O método breve pode ser tecnicamente diferenciado da psi canálise corrente. Pouco a pouco foi-se configurando uma teoria do tratamento que compreende uma atitude particular diante de 22 distintos fenômenos psicoterapêuticos - transferência, regressão, resistências, etc. - , enquanto se confirmam alguns princípios dinâmicos operativos, cuja validade é corroborada pela experiên cia clínica. Desenvolverei aqui os seguintes aspectos: - O trabalho com os conflitos. - Regressão. Dependência. Transferência. Neurose de trans ferência. - O problema da resistência. - Insight e elaboração. - Fortalecimento e ativação das funções egóicas. - Focalização. - Multiplicidade de recursos terapêuticos. - Planejamento. - Quadro comparativo entre algumas características teórico- técnicas da psicanálise e da psicoterapia breve de orienta ção psicanalítica. -Outros conceitos de especial aplicação em psicoterapia breve (situação-problema, foco, ponto de urgência e hipó tese psicodinâmica inicial). Psicoterapia breve de orientação psicanalítica O trabalho com os conflitos6 Podem-se estabelecer claras diferenças entre uma psicotera pia de objetivos limitados e um tratamento psicanalítico no que diz respeito à abordagem dos conflitos psíquicos do paciente. Recordemos, primeiramente, como se tratam os conflitos em psicanálise. A investigação psicanalítica demonstra-nos que as si tuações conflitivas atuais do indivíduo estão relacionadas a con flitos infantis, dos quais, em realidade, decorrem. São exemplos de conflitos derivados os que a professora antes mencionada apre sentava na sua relação com a diretora da escola, relação caracteri zada por uma marcada submissão a ela. ou os de uma mulher que obstinadamente rivaliza com sua sogra. Ambas as situações reme tem a um conflito infantil com a figura materna, transferida para as relações atuais. Fundamentos teóricos 23 Os conflitos infantis genéticos se produzem, como sabemos, em relação com os objetos primários do sujeito, sendo sua nature za edípica ou pré-edípica. Durante o tratamento analítico, o pa ciente revive tais conflitos (sobretudo no seio da relação transfe renciai com o terapeuta), que são analisados profundamente a fim de se conseguir sua resolução (e a de seus derivados) por meio do trabalho elaborativo (elaboração dos conflitos). Na P.B. orientada em direção ao insight há, como primeiro fator distintivo digno de nota, uma eleição dos conflitos (deriva dos) a serem tratados, que recairá nos que prevalecem por sua urgência e/ou, por sua importância, quer dizer, que subjazem ao problema atual, motivo do tratamento (ver “Focalização”, p. 37, e “O foco”, pp. 40 ss.)7. É habitual, além disso, que o trabalho tera pêutico se circunscreva, a priori, a encarar exclusivamente esses derivados do conflito primitivo infantil, sem se aprofundar mais nele, por princípios elementares de prudência, evitando-se que se produza uma excessiva mobilização afetiva e, sobretudo, que se favoreça no paciente a regressão. O terapeuta deverá centrar-se, de preferência, nos atuais fatores determinantes desses conflitos subjacentes focais; freqüentemente isso bastará para se obterem bons resultados terapêuticos e, principalmente, para serem alcan çados os objetivos propostos8. Mas também considero que em alguns tratamentos breves é necessário e possível confrontar o paciente com o conflito origi nal. Isso ocorre quando, seja no começo seja mais freqüentemente no transcurso do tratamento, tem-se a impressão de que de outro modo não se obterão maiores progressos no transcorrer deste, e/ou quando aspectos desse conflito básico se acham muito próxi mos à superfície psíquica do paciente. Em algumas ocasiões é o próprio paciente, se tem capacidade de insight, quem menciona o conflito infantil, relacionando-o com sua situação conflitiva. Em todas essas circunstâncias, o terapeuta pode empreender um tra balho interpretativo cauteloso de certos componentes do conflito básico, em especial dos que estejam imediatamente vinculados à problemática focal e que adquiram relevância para a finalidade de se alcançar a clarificação e a superação de tal problemática. Não se deverão abordar outros aspectos do conflito, já que não tem sentido abrir feridas de maneira indiscriminada na estrutura defen- 24 siva do paciente, pondo a descoberto conteúdos que, sem dúvida, não se terá oportunidade de analisar suficiente e convenientemen te nessa terapia. Freqüentemente colocar-se-á, para nós, o problema de saber até onde poderemos nos aprofundar, mediante interpretações, com vistas a nos aproximarmos das metas terapêuticas propostas, o que terá de ser avaliado em cada caso particular (ver pp. 101, 102 e 111 ss.). Trata-se de um ponto querequer tato e experiência por parte do terapeuta. Quando se trata de uma psicoterapia de breve duração, o terapeuta pode sentir-se pressionado pelo tempo, devendo evitar sobretudo cair em interpretações prematuras sobre os conflitos infantis. Já sabemos com quanta insistência Freud preveniu a respeito dos riscos de tal procedimento no tratamento psicanalí tico (24). Como se pode perceber a esta altura de minha exposição, em P.B., diferentemente do que ocorre na psicanálise, realiza-se uma tarefa interpretativa parcial dos conflitos do paciente, circunscrita àqueles que tenham sido escolhidos, os quais, por sua vez, são abordados de um modo também parcial, lncursione-se ou não na interpretação das raízes infantis da conflitiva focal, sempre se faz uma tentativa de solucionar interpretativamente os conflitos deri vados, ainda que esta não seja idêntica à que se possa obter atra vés da psicanálise. Trata-se de uma resolução parcial ou incom pleta ( 1), que consiste na produção de certas mudanças dinâmicas nos conflitos, muitas vezes suficientes para se obterem benefícios terapêuticos nada desdenháveis. (Quanto às prováveis modifica ções no estado dos conflitos, ver p. 53.) Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Regressão. Dependência. Transferência. Neurose de transferência Os fenômenos regressivos, de dependência, transferenciais e neurótico-transferenciais acham-se intimamente relacionados no tratamento psicanalítico. Denominações tais como dependência regressiva ou neurose transferenciai regressiva refletem, em algu ma medida, essa correlação. Por isso farei referência a esses con- Fundamentos teóricos 25 ceitos de maneira conjunta, dentro de um mesmo subtítulo deste capítulo, numa tentativa de esclarecer as diferenças que nesses as pectos apresenta o tratamento breve de insight com relação à psi canálise. A regressão pode ser entendida como o processo pelo qual readquirem vigência estados ou modos de funcionamento psíqui co pertencentes a etapas anteriores do desenvolvimento do indiví duo. Na realidade, Freud ocupou-se do conceito de regressão em diferentes contextos a enfermidade mental, a transferência com o analista, os sonhos e a classificou em três tipos: tópica, tempo ral e formal (18) (25). Aqui vou referir-me em especial à regres são temporal na transferência com o terapeuta. No processo analítico trata-se de favorecer, por diferentes meios (posição deitada do paciente, associação livre, silêncio do analista, freqüência às sessões, etc.), uma regressão vivencial útil, a qual representa um meio essencial para se alcançar o objetivo terapêutico. A regressão é necessária para a revivescência dos conflitos originais infantis do analisando em sua relação com o analista (neurose de transferência) e sua conseqüente elaboração. Isso implica, além disso, que a regressão produzida gere um in cremento da dependência do analisando em relação ao analista, que costuma representar basicamente figuras parentais. Espera- se, é claro, que o processo regressivo se reverta ao longo do cami nho terapêutico, dando lugar a um crescimento psicológico paula tino, que tornará possível que o paciente assuma realmente uma conduta mais adulta na vida. Para compreender as diferentes peculiaridades ao vínculo terapêutico em terapias breves de insight, é preciso além disso levar em conta os conceitos de transferência e de neurose de transferência9. Laplanche e Pontalis descrevem a transferência como “o pro cesso em virtude do qual os desejos inconscientes se atualizam sobre certos objetos, dentro de um determinado tipo de relação estabelecida com eles, e, de um modo especial, dentro da relação analítica”. Acrescentam: “Trata-se de uma repetição de protótipos infantis, vivida com um marcado sentimento de atualidade” (38) (P- 459). 26 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Quanto à neurose transferenciai, diremos que é a reprodução da neurose infantil na relação com o analista. Pressupõe a reedi ção seletiva de determinadas situações e mecanismos infantis na relação terapêutica, ou seja, citando novamente Laplanche e Pon- talis (38), a neurose transferenciai consiste em uma “neurose arti ficial em que tendem a se organizar as manifestações de transfe rência” (p. 258). Esses autores estabelecem, com base nos escritos de Freud, a diferença entre as reações de transferência propria mente dita. Em relação a esta última expressam-se: “de um lado, coordena as relações de transferência a princípio difusas (‘trans ferência flutuante’, segundo Glover) e, de outro, permite ao con junto de sintomas e condutas patológicas do paciente adotar uma nova função ao referir-se à situação analítica” (p. 259). Mesmo assim, Freud faz referência à neurose transferenciai como a uma “massa de pautas culturais neuróticas estereotipadas, expostas na situação analítica” (15). (Os grifos são meus.) A transferência, inicialmente considerada por Freud como um obstáculo no tratamento psicanalítico, logo passou a ocupar, tanto para ele como para a maior parte dos psicanalistas, um papel de decisiva importância na cura (22), até converter-se sua análise na tarefa central. Deste fato se depreende que é conveniente per mitir - e inclusive promover - durante a terapia psicanalitica, o desenvolvimento da neurose transferenciai, cuja resolução, por meio da elaboração, será fundamental se aspira à cura do anali sando. E oportuno recordar aqui a definição que dá Rangel! da psicanálise como método terapêutico: “A psicanálise é um méto do de terapia pelo qual se estabelecem condições favoráveis para o desenvolvimento de uma neurose transferenciai, na qual o pas sado se restaura no presente com o propósito de, mediante um ata que interpretativo sistemático às resistências que se opõem a isso, obter uma resolução dessa neurose (transferenciai e infantil), com o fim de provocar mudanças estruturais no aparelho mental do paciente para que este seja capaz de uma adaptação ótima à vida” (grifos do autor). Rangell acrescenta que tais condições indispen sáveis distinguem qualitativamente a psicanálise de seus diversos derivados (46). Na psicoterapia breve de insight, em troca, não é conveniente favorecer o desenvolvimento da regressão nem de uma neurose Fundamentos teóricos 27 transferenciai. Os mecanismos terapêuticos não se sustentam, em geral, no desenvolvimento, na análise e na resolução da neurose transferenciai, dado que as condições do paciente e/ou do enqua dramento não são apropriadas para tais fins; por outro lado, como as metas terapêuticas não estão dirigidas para a reestruturação da personalidade nem para resolver conflitos básicos do indivíduo, mas sim para mitigar alguns sofrimentos atuais, não seria coeren te que o insight de aspectos da relação transferenciai neurótica, regressivo-dependente, continuasse sendo o recurso terapêutico fundamental nesse novo contexto; o que adquire importância agora é a busca de insight do paciente a respeito de situações con- flitivas atuais de sua vida cotidiana (que são as que habitualmente dão origem à consulta), razão pela qual o trabalho interpretativo recai mais em suas relações com os objetos de sua realidade exter na do que na relação com o terapeuta. Segundo Szpilka e Knobel, nesses procedimentos é preciso precaver-se de estimular tanto a regressão como a neurose de transferência (51) (37). Bellak e Small (6), do mesmo modo que Wolberg (54), entre outros, também aconselham que sc evite, den tro do possível, o desenvolvimento da neurose transferenciai. Seu desencadeamento, junto ao de uma regressão vivencial, pode con- siderar-se uma complicação (às vezes inevitável) nas psicotera- pias breves, já que, ao deixar truncada sua elaboração, tendo em vista as limitações inerentes a esses tratamentos, deixaria - iatro- genicamente - o paciente em um estado regressivo-dependente, expondo-o a diversas reações transferenciais nocivas em virtude da mobilização afetivaproduzida e, em particular, a dificuldades para aceitar sua separação com relação ao terapeuta, ante a pers pectiva de terminar sua terapia10. Por meio de diferentes recursos, aos quais mais adiante me referirei em detalhes (ver capítulo ò), deve-se procurar que o paciente não concentre muita libido na relação com o terapeuta. Se bem que os fenômenos transferenciais também ocorram, às vezes inexoravelmente, na psicoterapia breve, podemos esperar que a adoção de algumas medidas técnicas impeça que a transfe rência alcance demasiada intensidade e chegue a cobrir e a domi nar a situação terapêutica, configurando uma neurose de transfe- Psicoterapia breve de orientação psicanalítica28 rência11. A terapia deve sustentar-se no predomínio de uma trans ferência sublimada (6). A regressão só deveria ser permitida em pequeno grau, não indo além dos níveis requeridos para possibilitar a exploração e experiências iniciais de insight de situações conflitivas atuais. O tratamento, em lugar de fomentar a dependência do paciente, deve inclinar-se para a estimulação e o reforçamento de sua iniciativa pessoal, ou seja, de suas capacidades autônomas. Os critérios apresentados até aqui definem as características que terá de assumir a relação terapêutica em P.B. (ver capítulo 6, especialmente “A relação paciente-terapeuta no tratamento bre ve”, pp. 84 ss.). O problema da resistência12 No tratamento psicanalítico, chamamos resistência aos diversos obstáculos que o analisando opõe ao acesso ao seu pró prio inconsciente, isto é, ao trabalho terapêutico e à cura. Em 1925, Freud distinguiu e sistematizou cinco formas de resistência de um ponto dc vista estrutural, em seu trabalho “Ini bição, sintoma e angústia” (21). Três delas procedem do ego e são: as resistências da repressão, as da transferência e as do ganho secundário da doença. As outras são as resistências do id, também chamadas por Freud de resistências do inconsciente, e as resistên cias do superego13. A análise exaustiva das resistências constitui uma parte im prescindível de todo tratamento psicanalítico. O prolongamento deste deve-se, em grande parte, à necessidade de elaboração daquelas (27). Na terapia breve interpretativa, também surgem resistências no paciente, que podem ser consideradas, por acréscimo, como obstáculos que este interpõe ao avanço do processo psicoterapêu- tico especificamente do insight. Habitualmente, a análise das resistências em P.B. não apre senta, como se poderia supor, o mesmo caráter intensivo que em psicanálise. A limitação temporal, quando existe, é um dos moti vos para que isso ocorra, ainda que não o único; basicamente, a pró pria índole do procedimento não contempla fins tão ambiciosos. O tratamento das resistências que dependem dos mecanis mos defensivos do ego, em P.B., pode apresentar as seguintes características: a) algumas defesas são combatidas, quer dizer, analisadas; b) outras, em troca, são respeitadas ou ainda reforça das pelo trabalho terapêutico, de acordo com o que pareça indica do em cada caso, com base nas condições do paciente e do enqua dramento. Como exemplo do mencionado no item a, podemos citar a necessidade de trabalhar as defesas maníacas (negação, onipotência, etc.), perigosamente incrementadas, ou, o que é mais comum, ter de atacar parcialmente as barreiras repressivas de conteúdos inerentes ao sofrimento atual, além dos mecanismos de isolamento, intelectualização, projeção, etc. Pelo contrário, e a propósito do expresso no item b, com frequência optamos por não perturbar certos mecanismos defensivos caracterológicos, permi tindo ao paciente que os conserve, seja porque queremos evitar uma mobilização afetiva excessiva e difícil de manejar no trata mento, seja por tratar-se de defesas relativamente úteis, as quais - ainda que só ocasionalmente - poderia ser conveniente reforçar. O tema da resistência da transferência em P.B. também mere ce alguns comentários. Ao menos nas terapias desse tipo, tal resis tência não costuma ser muito intensa. Isso se deve ao seguinte: sabemos que esse tipo de resistência obedece em parte ao ressen timento despertado no paciente, por sentir-se frustrado em sua relação transferenciai com o terapeuta, razão pela qual Menninger propõe chamá-la de resistência de frustração ou de vingança (41). Na medida em que, em P.B., a relação terapêutica é menos frustrante para o paciente, já que existe um vínculo mais “real” e uma maior proximidade afetiva da parte do terapeuta, conseqüen- temente a hostilidade que desperta naquele pode ser menor do que a que o tratamento psicanalítico desperta; portanto, as resistências transferenciais também serão menores (35). Mas o terapeuta de verá lutar sempre para que se obtenha esse resultado, procurando fazer com que predomine uma transferência positiva. Quando es sas resistências se exacerbam, achamo-nos ante um dos motivos fundamentais, para cuja dissolução, a meu ver, se justifica o em prego de interpretações transferenciais no tratamento breve (ver capítulo 6, pp. 107 ss,). Fundamentos teóricos______________________ _____________ _ 30 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica “Insight ” e elaboração14 Entre os problemas ainda não resolvidos no terreno da psico terapia breve de base psicanalítica, acham-se os que concernem ao papel do insight e da elaboração e sua relação com as mudan ças que se obtêm nos pacientes. Começaremos por lembrar sucintamente os significados es senciais de ambos os termos. Com o insight queremos dizer, como L. Grinberg, “a aquisi ção do conhecimento da própria realidade psíquica” (31). Tal conhecimento pressupõe uma participação afetiva: não se trata simplesmente de compreender no sentido intelectual, mas tam bém de poder experimentar emocionalmente o contato com os aspectos inconscientes do mesmo. A elaboração ou trabalho elaborativo (working through) é um conceito de significado complexo e não suficientemente defi nido na bibliografia psicanalítica. Uma definição simples a des creve como “o processo pelo qual um paciente em análise desco bre, gradualmente, através de um lapso de tempo prolongado, as conotações totais de alguma interpretação ou insighf’ (47). (“Elaboração”, p. 49, grifos do autor.) E conhecida a importância do insight e da elaboração no tra tamento analítico. A finalidade das interpretações do analista, que são, por excelência, seu instrumento terapêutico, é promover o insight dos conflitos no paciente. E oportuno citar aqui Rycroft: “O objetivo do tratamento psicanalítico é definido, algumas ve zes, em termos da aquisição de insight, ainda que mesmo Freud nunca tenha utilizado essa formulação, preferindo a idéia de que seu objetivo é fazer consciente o inconsciente” (47). (“Insighf’, p. 68, grifos do autor.) Com relação a esse ponto, Grinberg diz: “Freud havia assinalado que o objetivo básico do analista é conhecer; por conseguinte, não deve estar preocupado com o objetivo terapêutico. Esse objetivo de conhecer, em realidade, não se contradiz com o objetivo terapêutico, sendo o insight o fator central, e a pré-condição de toda mudança duradoura na personalidade” (31). A elaboração, como trabalho de aprofundamento do pacien te, implicará que este assimile as interpretações corretas do ana- Fundamentos teóricos 31 lista, condição essencial para o êxito terapêutico (39). A respeito do princípio da elaboração, cabe lembrar: a) Requer dois fatores elementares: tempo (é por isso que a necessidade de elaboração constitui uma causa importante do prolongamento do tratamento psicanalítico) e trabalho (o labor analítico) (27). Do último se depreende que tem lugar no paciente fundamentalmente na presença do analista e com a participação deste. b) Em seu desenvolvimento intervém a regressão do anali sando (31). c) Inclui a tarefa de superar as resistências e a análise exaus tiva dos conflitos, na qual tem especial importância o que trans corre dentro dos limitesda neurose transferenciai (27). Na terapia breve de orientação psicanalítica, a concepção da existência de insight e de elaboração apresenta numerosos pontos obscuros. Sendo assim, é válido falar-se em insight nesses tratamen tos? Creio que sim, ainda que com certas ressalvas, como vere mos em seguida. Propiciar ao paciente a aquisição de insight por meio de in terpretações - especialmente dos psicodinamismos relacionados com o transtorno atual, motivo do tratamento deve constituir, a meu ver, nosso principal propósito na terapia dinâmica breve, sempre que as condições psíquicas do paciente o permitirem. Es sa atitude terapêutica nos permitirá abrigar maiores esperanças de conseguir um progresso mais sólido e estável no paciente, ao aumentar sua capacidade egóica para enfrentar e resolver as situa ções conflitivas. A busca de insight no tratamento breve é preco nizada por numerosos autores, entre eles, Bellak e Small, os quais assinalam, clara e repetidamente, seu valor, em diferentes passa gens de sua obra (6). Mas a técnica breve requer restrições pecu liares para o insight do paciente, que é necessário consignar: - Com respeito à sua extensão entendo que em geral dadas as limitações do enquadramento - e sobretudo quando se trata de uma terapia de curta duração - só nos resta a alternativa de pro porcionar o que poderiamos considerar como experiências ini ciais de “insight”, um autoconhecimento limitado às dificuldades habitualmente contidas no foco terapêutico (mas que tampouco 32 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica pode dar conta de todos os aspectos do conflito subjacente ao pro blema vital focal, mas, unicamente, dos mais próximos e aces síveis à compreensão psicológica do paciente dentro desse enqua dramento). Isso poderá servir, ser suficiente - ou não - para os pa cientes, para obter mudanças dinâmicas favoráveis, pôr em mar cha um processo progressivo que continue ainda depois de finali zado o tratamento e estimular sua auto-observação e motivação para as experiências psicoterapêuticas de índole interpretativa. Em suma, numa terapia de objetivos - e, eventualmente, de tempo - limitados, também o insight estará naturalmente limitado em sua extensão, diferentemente daquele mais amplo, decorrente de um tratamento intensivo e prolongado como o psicanalítico; trata- se de uma verdade óbvia, mas que é necessário ter presente para estudar tudo aquilo que se relacione com mecanismos terapêuti cos e grau de eficácia dos procedimentos breves. - Quanto ao tipo e profundidade, cabe assinalar que enquanto o insight psicanalítico tem lugar em meio a uma atmosfera regres siva que o favorece, dependendo principalmente da atividade inter pretativa a respeito das diversas reações próprias da neurose de transferência, em P.B. a busca de insight está dirigida, com mais freqüência, para as relações do sujeito com os objetos externos de sua vida cotidiana e presente, ainda que não despreze os fenôme nos transferenciais mais notórios, que trabalham como obstáculo (resistências transferenciais), e/ou ilustram a problemática do paciente, como se verá mais adiante (pp. 106 s.). Mais abrangente, o insight psicanalítico também o é na medida em que oferece maiores possibilidades de alcance de situações infantis reprimidas que serão revividas na situação transferenciai, permitindo, em sín tese, uma conexão mais completa do que sucede no mundo externo extra-analítico e na relação transferenciai analítica do paciente com sua vida passada. São tipos e graus de profundidade diferen tes de insight, mas nem por isso devem ser-lhes negadas totalmen te a validade e a eficácia que se obtêm no tratamento breve. (“Não se pode sustentar, com tanta ênfase, que o insight através da trans ferência seja o único tipo de insight que sirva para a organização e reintegração do ego”, afirma Karno [36].) Todavia, é possível estabelecer outra diferença com o insight do tratamento psicanalítico, que remete à natureza mesma do Fundamentos teóricos 33 fenômeno de compreensão psicológica no paciente, e também obedece à necessidade de controlar a intensidade dos fenômenos regressivos e transferenciais: Szpilka e Knobel sugerem que em terapias breves o insight possua uma “maior participação cogniti va que afetiva” (51), levando o paciente, como medida prudente e mediante um determinado estilo interpretativo (ver pp. 110 ss.) na relação transferenciai, antes à compreensão que à revivescência das situações infantis determinantes de seu problema atual (51). Expressa dessa maneira, essa proposição corre o risco de ser dis torcida. Entendo que não implica, como alguns poderíam supor, um mero insight intelectual (que configuraria uma nova forma de resistência), pois não deixa de ter certa ressonância afetiva. Mas a diferença entre o insight psicanalítico, que é mais pleno e vivido, em suma, dotado de uma maior e às vezes diferente repercussão emocional, e o insight do tratamento breve tem de ser, nesse senti do, um fenômeno na medida do possível mais controlado pela ati vidade terapêutica, em especial se explora circunstancialmente aspectos da transferência com o terapeuta correspondentes ao infantil-genético. (Será menos necessário controlá-lo se atender aos componentes mais atuais da transferência com o terapeuta ou com outros objetos da realidade externa do paciente.) Examinemos agora o problema da elaboração na terapia dinâmica breve, cuja bibliografia, como se podería supor, é suma mente escassa. Bellak e Small citam, como princípios gerais da “psicoterapia rápida”, a comunicação, o insight (do terapeuta e do paciente) e a elaboração (6). Como não se estimula o desenvolvimento da regressão nem o da neurose transferenciai, e não se realiza uma análise intensiva desta nem das resistências, considero que em P.B. não podemos falar em elaboração no mesmo sentido que em psicanálise. Em todo caso, o trabalho de elaboração real será escasso, principal- mente se existe limitação de tempo. Este, como vimos, é um fator fundamental para que a elaboração tenha lugar15. Estaríamos, então, diante de um dos pontos mais discutíveis no que diz respei to à validade terapêutica desses procedimentos. Sem dúvida, é possível conceber um processo qualitativamente distinto do pro cesso de elaboração analítica, sem a profunda reestruturação meta psicológica que ela implica e basicamente circunscrito à conflitiva 34 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica focal. Um processo imperfeito e incompleto, mas enfim de mu dança, que em circunstâncias em que o tratamento esteja limitado em sua duração, também o estará, mas que em alguns pacientes, com capacidades egóicas suficientes, poderá talvez ainda conti nuar, depois de concluído o tratamento breve. Nesse último caso seria uma espécie de “auto-elaboração”, a qual se teria iniciado, a princípio, com o trabalho terapêutico, para seguir um caminho pro gressivo até a consolidação dos resultados16. Os mecanismos ínti mos desse fenômeno, que apresentaria, talvez, grande importância terapêutica em alguns casos, ficam difíceis de precisar no momen to17. Talvez as modificações significativas que às vezes se eviden ciam, inclusive na estrutura de personalidade de pacientes tratados com o procedimento breve, em testes projetivos efetuados anos depois de finalizado o tratamento (32), se relacionem a mecanis mos desse tipo. Mais adiante, considerando os resultados e meca nismos terapêuticos, retornaremos à discussão desses fatos. Finalmente, cabe acrescentar que numa terapia de objetivos e tempo limitados talvez seja necessário concluir que o insight e a elaboração terão de ser em boa parte estimulados, quer dizer, faci litados e agilizados mediante o papel ativo do terapeuta, dadas as condições de focalização e de curta duração do tratamento. Fortalecimento e ativação das funções egóicas Considero que a aquisição de insight por parte do paciente, através de interpretações do terapeuta,seja a forma mais aprecia da de se conseguir o fortalecimento de seu ego. No entanto, de vem ser levadas em conta outras formas, cuja significação tera pêutica não é muito menor, em meio às terapias breves, e que não são, necessariamente, incompatíveis com a busca de insight. Muitas vezes, as diversas medidas terapêuticas destinadas ao reasseguramento e à ativação de funções egóicas são englobadas sob a denominação genérica de psicoterapia de apoio. O emprego de tal denominação encerra o risco de que os terapeutas, sem con siderar mais cuidadosamente tais medidas, desprezem-na, já que nos círculos psicanalíticos o termo apoio, como se sabe, está carre- Fundamentos teóricos 35 gado em alguns casos de um sentimento francamente pejorativo, porquanto costuma implicar basicamente o fomento e a utilização de uma relação regressivo-dependente não analisada, e por isso mesmo não-progressiva, e sem que se intente colocar o paciente em contato com as motivações profundas de seu sofrimento. Por conse guinte, ante a possibilidade de que surjam mal-entendidos, é con veniente estabelecer algumas distinções sobre o tema. Começaremos por reconhecer, também em P.B., a necessida de de apelar, às vezes exclusivamente, quando não há uma alter nativa melhor, para técnicas de apoio emocional; é o caso de pacientes que por debilidades egóicas não conseguem tolerar uma terapia interpretativa, e para os quais o único resultado que se pro cura obter é uma supressão de sintomas. Mas devemos discrimi nar com clareza esta posição terapêutica de outra, que se caracte riza pelo emprego de certo tipo de intervenção verbal que busca conseguir reforçamento e ativação do ego, de distinta e mesmo oposta natureza, e que pode ser alternada, coerentemente, com as interpretações. “Todos os nossos pacientes, em graus variáveis, duvidam de seu discernimento, de suas percepções e de seu valor. Se só inter pretamos ou só analisamos, deixamos sem querer a impressão de que suas reações são meras repetições de seu passado infantil, e que sua conduta é imatura, errônea ou insana. Se parte de nossa meta terapêutica consiste em aumentar as funções egóicas sãs do paciente e sua capacidade para as relações objetais, é importante confirmar aqueles aspectos de sua conduta que indicam um fun cionamento sadio.” Esta frase pertence a um artigo de Grecnson e Wexler (30) e se refere ao tratamento analítico, mas pode resultar extremamente significativa e útil se, com ligeiras alterações, a aplicarmos também à técnica breve. Mais adiante, os autores con tinuam: “(...) muitos de nossos pacientes necessitam ter a experiên cia de sentir que estão no caminho certo. Necessitam da expe riência de que se reconheçam e se respeitem suas funções egóicas e suas relações objetais adequadas”. Há motivos para atribuir fun damental importância a esses conceitos no campo das terapias breves, dos quais, precisamente, o paciente deve emergir recon- fortado e reafirmado em suas capacidades egóicas e recuperando sua facilidade resolutiva nas situações de conflito. 36 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Dessa maneira observamos que na psicoterapia de apoio pro priamente dita ou “pura” as medidas de apoio promovem a depen dência regressiva no paciente, e ao mesmo tempo se valem desta para exercer seu efeito, na medida em que o terapeuta assume um papel protetor-autoritário (empregando, por exemplo, interven ções diretivas), que costuma fomentar a idealização de sua figura. Nesta outra forma de reasseguramento egóico, pelo contrário, a atividade do terapeuta orienta-se, em troca, em direção à estimu lação das capacidades autônomas do paciente, assinalando seus rendimentos egóicos adequados, em lugar de incentivar uma rela ção dependente. Quer dizer, se partimos dos recursos que o pa ciente verdadeiramente possui, e ao assinalar-lhe esse fato, pro movemos nele um sentimento de reafirmação ou reasseguramen to que pode funcionar, não só para fortalecer, mas também para ativar diversos funcionamentos egóicos18. Assim mesmo, esta ati tude terapêutica não impede, como se depreende do que assina lam Greerson e Wexler, a análise de aspectos inconscientes do pa ciente, incluindo os mecanismos de defesa neuróticos do ego. As psicoterapias dinâmicas, incluindo as de objetivos e tem po limitados, são, em sua maioria, o resultado de uma reunião de elementos próprios de uma técnica de insight com estes outros elementos reforçadores e estimuladores de determinadas funções do ego19. Mas é mister que tais psicoterapias se traduzam numa combinação antes de tudo coerente de intervenções, que deverá fundar-se numa compreensão psicodinâmica adequada do proces so terapêutico20. Diremos então, que as terapias breves são, em seu enfoque e na prática, com muito mais freqüência, “mistas”, em vez de serem puramente interpretativas, ou reforçadoras do ego não-interpreta- tivas, ou ainda exclusivamente de apoio no sentido antes descrito, sendo essa natureza “mista” uma característica relevante de tais terapias (podemos, sim, falar de tratamentos breves em que pre domina o insight e de tratamentos breves em que predomina o re- forçamento ou o apoio egóico, segundo o lado para o qual se incli ne a balança em cada caso21. Fiorini proporciona alguns bons exemplos das diversas inter venções capazes de sustentar e ativar o funcionamento egóico (12). Para este autor, o protótipo da atividade terapêutica nesses trata- Fundamentos teóricos 3 ? mentos está representado por uma tarefa em “frente dupla”, na qual se têm sempre presentes “as partes sãs” do paciente, e portanto não só são feitas menções a seus aspectos infantis, regressivos e patoló gicos, mas também a seus aspectos adultos, progressivos e sadios, mantendo certo equilíbrio nas referências a uns e outros (12) (13)22. Focalização O trabalho terapêutico em P.B. está “enfocado” para determi nada problemática do paciente, que adquire prioridade, dada a sua urgência e/ou importância, enquanto se deixam de lado as demais dificuldades. Trata-se de outra característica substancial desse tipo de terapia, por isso também chamada ds focal (40), que per mite distingui-la da técnica psicanalítica corrente a qual não opera com um módulo conceituai de foco (ver “O foco”, pp. 40 ss.). Multiplicidade de recursos terapêuticos Eis aqui outro aspecto distintivo da P.B. (14) (48) (55). Estes procedimentos admitem - e com frequência requerem - a associa ção de diversos elementos terapêuticos, o que os afasta ainda mais do enquadramento e dos cânones psicanalíticos. Todo recurso que tenha demonstrado ser útil no campo da terapêutica psiquiátrica poderá eventualmente ser incorporado ao tratamento, em virtude da necessidade de se alcançarem os objeti vos terapêuticos; assim, além dos distintos tipos de intervenção verbal não-interpretativa (assinalamentos, sugestões, fornecimen to dc informações, intervenções de reasseguramento, etc.), poder- se-ão anexar à psicoterapia individual outros elementos, tais como psicodrogas, técnicas grupais, comunitárias, etc., cujas perspecti vas de inclusão correm em paralelo com os progressos que, no tra balho científico, se registram no emprego de distintos recursos psi- coterapêuticos. E sumamente valiosa a participação de outros profissionais da saúde mental (psicólogos, psicopedagogos, assis tentes sociais, terapeutas ocupacionais, etc.) nos tratamentos, nu ma tarefa efetuada em equipe2'. 38 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica Os diferentes instrumentos psicoterapêuticos devem ser im plementados coerentemente, sempre com adequada compreensão e fundamentação psicodinâmica. A inclusão de tais instrumentos depende, além disso, da maior ou menor flexibilidade do terapeu ta e de sua capacidade para tentar criativamente combinações te rapêuticas harmônicas e eficazes. Planejamento E outro traço da P.B., que a distingue nitidamente da psicaná lise. Junto às metas e à duração do tratamentofixam-se os pontos fundamentais do processo terapêutico, que compreende um plano de tratamento prévio ao desenvolvimento do mesmo, e que chega a cobrir até a etapa final de avaliação de resultados (ver capítulo 5). Quadro comparativo de algumas características teórico-técnicas da psicanálise e da psicoterapia breve de orientação psicanalítica Em forma de síntese e considerando-se as limitações que supõe todo esquema, será útil a esta altura expor em um quadro as caracte rísticas de um e de outro procedimento, a fim de se obter uma visão que nos facilite a discriminação entre ambos (ver página seguinte). Outros conceitos de especial aplicação em psicoterapia breve (situação-problema, foco, ponto de urgência e hipótese psicodinâmica inicial) Uma prova a mais da confusão reinante no terreno teórico da PB. é a imprecisão com que os profissionais empregam corrente mente alguns termos, tais como foco ou ponto de urgência. Estes, que fazem parte de um jargão característico das terapias breves, nem sempre podem distinguir-se com facilidade uns dos outros. Diante de necessidade de alcançar uma conceitualização teórica su ficientemente clara, tentarei, na forma de proposta, precisar seu sig nificado, tendo em vista a obtenção de um maior discernimento. Fundamentos teóricos 39 Descreverei sucessivamente: a) a situação-problema; b) o foco', c) o ponto de urgência e d) a hipótese psicodinâmica ini cial. Explicitarei, sobretudo, o que quero dizer pessoalmente com cada um desses termos, e estabelecerei tanto as diferenças funda mentais como as relações que existem entre eles. Psicanálise Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Fins terapêuticos A exploração do incons ciente. Resolução de con flitos básicos e seus deri vados. Reestruturação da personalidade Limitados. Superação de sin tomas e problemas atuais Duração Prolongada Indeterminada Limita, babitualmente a con flitos derivados T É C N IC A Trabalho com os conflitos Refere-se especialmente a conflitos básicos Limita-se habitualmente a conflitos derivados Regressão. Dependência São favorecidas Não são favorecidas Desenvolvimento e análise da neurose de transferência Sim Não Análise de resistência Intensiva Limitada Insight Sim Sim. Limitado. Referido so bretudo ao “dc fora”. Mais cognitivo que afetivo Elaboração Sim Não. Processos geradores de mudanças Fortalecimento e ativação das funções egóicas Não (ou muito pouco) Sim Focalização Não Sim Multiplicidade dos recursos terapêuticos Não Sim Planejamento Não Sim 40 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica a) A situação-problema Com essa denominação tento indicar que se trata de uma situa ção que se torna presente na vida do indivíduo, diante da qual e por motivo de cuja ação descompensadora surgem ou podem surgir nele dificuldades de índole psíquica que operam como obstáculo para alcançar um desenvolvimento adequado. A situação-proble ma - ou situação crítica, situação-obstáculo, situação desenca- deante, etc. - pode ser provocada por ocorrências tais como um exame, uma viagem ou uma intervenção cirúrgica próximas, a perda de um ser querido, um acidente, uma crise evolutiva como a da adolescência, uma gravidez, o nascimento de um filho, uma mu dança de trabalho, etc. Implica, então, referência a fatos que são manifestos e objetiváveis. Com relação a eles, e como conseqüência de uma falta de resolução favorável, aparecem no sujeito inibições e sintomas diversos (ansiedade, medo, depressão, distúrbios corpo rais, etc.), que costumam constituir o motivo (manifesto) da consul ta c que poderão ou não ser ligados pelo paciente - e pelo terapeuta - às situações-problema que na realidade os provocam24. A existência de uma ou mais situações atuais dessa natureza pode ser detectada com freqüência em grande parte dos pacientes que solicitam assistência psiquiátrica, e que são passíveis de se rem tratados por meio da técnica breve. b) O foco Constitui talvez um dos elementos mais característicos e dis tintivos da atual P.B. Muitos autores, entre os quais se destacam Stekel (50), F. Deutsch (8), Alexander (5), French (5), Wolberg (55), Bellak (6), Small (6) e Malan (40), assinalaram a conveniên cia de focalizar, quer dizer, de concentrar a tarefa terapêutica em determinado sintoma, problemática ou setor da psicopatologia do paciente. Mas foi sobretudo Malan, junto com Balint, quem se ocupou mais exaustivamente do foco terapêutico e promoveu a denominação terapia “focal” (40). Entre nós cabe citar muito especialmente Fiorini, a quem devemos o desenvolvimento de um modelo conceituai de foco (11). Ao propiciar uma centralização da tarefa, a focalização con tribui para tornar mais efetiva a atividade terapêutica em função Fundamentos teóricos 41 das metas selecionadas e em uma terapia de duração limitada; mas não só uma limitação temporal a justifica: a técnica focal também é adequada àqueles pacientes que podem realizar psico- terapias sem prazo fixo de duração, e inclusive prolongadas, nas quais, por diversos motivos (idade avançada, por exemplo), o tra tamento psicanalítico é contra-indicado. O terapeuta pode, então, circunscrever-se a certos problemas do paciente, realizando uma abordagem interpretativa setorial e respeitar o resto de sua organi zação patológica e das áreas de sua vida. Trabalhar com uma técnica de “enfoque” implica, entre outras coisas (40): a) manter a coerência e a operatividade a res peito da fixação de objetivos terapêuticos prioritários, b) planejar o tratamento, c) combater a passividade e o perfeccionismo do terapeuta, d) contrapor-se ao desenvolvimento da neurose de transferência (há uma orientação constante em direção à realida de e ao atual do paciente). Contudo, a noção de foco ainda é, como assinala Fiorini (11) (13), sumamente ambígua e se confunde com a situação de crise (situação-problema), com os sintomas que motivam a consulta, com os pontos de urgência, com as metas do tratamento, etc. É evidente que não resultou fácil achar e adotar majoritariamente uma definição que expresse de modo pleno a natureza e o signifi cado do foco. A que formulou Malan, no sentido de ser “a inter pretação essencial, sobre a qual se funda toda a terapia” (40), tam pouco é, no meu entender, totalmente esclarecedora, já que, ao se revestir de um caráter técnico, não explica em que consiste ou como está constituído o foco. Comenta Fiorini: “A diversidade de significados que possam ser atribuídos à noção de foco ilustra o estado atual da teoria.” E acrescenta: “Sem um esforço de preci são e delimitação rigoroso de seus conceitos básicos não é possí vel construir uma teoria com certo grau de verificabilidade” (13). O que devemos entender realmente por foco? Como surge, como se configura e como se delimita, na prática psicoterapêutica? Procurarei encontrar minhas próprias respostas a essas perguntas. O foco deve ser concebido, primordial e essencialmente, a partir de uma perspectiva psicopatológica. Nesse sentido será definido como uma estrutura integrada pelos distintos fatores intervenientes na gênese da que foi escolhida como a problemáti- 42 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica ca central do tratamento (uma determinada situação-problema e as manifestações sintomatológicas a ela ligadas), constituindo, ao mesmo tempo, uma hipótese ou um conjunto de hipóteses do terapeuta a respeito dos mecanismos operantes dentro de tal pro blemática, ou seja, da complexa interação existente entre os fato res. Podemos considerar que atua como um artifício teórico-técni- co, especialmente válido para esses procedimentos, por meio do qual se tenta basicamente delimitar zonas da problemática geral do paciente e/ou dos episódios de sua vida, dirigindo preferente- mente para aí, a partir desse momento, a exploração terapêutica, enquanto esta corresponde a uma finalidade também limitada e preestabelecida. O modelo teórico de foco que Fiorinidesenvolveu é de gran de utilidade prática. Sucintamente recordaremos a estrutura do foco proposta por este autor: na prática terapêutica, todo foco tem um eixo central, que geralmente é definido pelo motivo da con sulta (sintomas, situações de crise). Subjacente e ligado ao motivo da consulta, existe um conflito nuclear exacerbado, o qual se inse re em uma situação grupai específica. Motivo da consulta, confli to nuclear subjacente e situação grupai são aspectos “de uma situação que condensa um conjunto de determinações”, e na qual um exame analitico nos permite distinguir zonas com diversos componentes: aspectos caracterológicos do paciente, aspectos histórico-genéticos individuais e grupais reativados, além de uma zona relativa ao momento evolutivo individual e grupai e outra de determinantes do contexto social mais amplo, à qual também se vinculam todos os componentes citados. Esses diver sos componentes se encontram atualizados e totalizados pela situação (11). Vejamos um exemplo a partir do caso da professo ra, citado anteriormente. Essa mulher, de 31 anos, solteira, professora rural de uma escola primária localizada no sul da Argentina, que se encontrava de passagem em Buenos Aires, consultou um serviço psiquiátrico hospitalar por ter apresentado episódios de paresia de ambos os membros inferiores, seguidos em certa ocasião de desmaio. Como o exame médico não revelasse nenhuma alteração orgâni ca, o diagnóstico se orientou na direção de uma afecção essencial mente psíquica. Paralelamente, cia se achava deprimida. Por outro Fundamentos teóricos 43 lado, manifestou que tinha problemas de adaptação ao trabalho, ocasionados pela má relação que mantinha com a diretora da escola, a qual estava passando por um período de extrema tensão e a fazia sentir-se muito exigida e mesmo perseguida. Os sintomas, claramente vinculados a tal situação, tinham aparecido após áspe ras discussões com a diretora. A mãe desta última, por outro lado, havia sofrido de uma enfermidade crônica, com paralisia dos membros inferiores, tendo falecido há um ano. Descobriu-se que os sintomas e a situação desencadeante que constituíam o motivo da consulta correspondiam a um conflito da paciente com figuras femininas de autoridade, evidenciável através de diferentes experiências de sua vida. Esse é o conflito nuclear. A paciente residia em um lugar muito distante de seu meio familiar. Tempos atrás havia-se afastado de sua mãe - com quem vivia no norte do pais, e a quem descreveu como uma mulher sumamente autoritária e depreciativa para com ela - e radicou-se no sul, onde assumiu o trabalho docente. Seus irmãos (três mulhe res e dois homens) moravam por sua vez em diferentes locais do país. Seu pai, alcoólatra crônico, tinha-se ausentado do lar quatro anos atrás e se ignorava seu destino. Tratava-se, então, de uma família que correspondia ao tipo esquizóide (7), com seus mem bros distantes e dispersos ou ainda desaparecidos, como no caso do pai. Tudo isso faz parte da situação grupai Se procurarmos precisar os componentes dessa situação, veremos que: a) Entre os aspectos caracterológicos em jogo destacava- se o conflito suscitado por uma instância superegóica muito severa, junto a uma busca oral regressiva de afeto através de conversões (identificação com a mãe da diretora - carinhosa mente cuidada por esta última até a morte - movida pelo desejo de ser tratada de modo semelhante; obtenção de benefícios secun dários de seus sintomas, ao ser assistida pelos demais professores, representantes dos irmãos, os quais também eram professores)25. Os principais mecanismos defensivos empregados nessas cir cunstâncias foram a repressão, a regressão, a projeção e a conver são. Apresentava traços histéricos de caráter, sobre uma estrutura que parecia basicamente melancólica. As funções egóicas esta vam em geral debilitadas, ainda que conservasse certa eficiência 44 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalitica em seu trabalho e revelasse suficiente tolerância à dor para enfrentar uma psicoterapia de insight. Sua auto-estima se achava muito diminuída. b) Dentro do momento evolutivo individual e grupai cabe des tacar que sua migração, realizada com o objetivo de conseguir um desprendimento em relação à mãe e libertar-se de sua opressão, acarretou de imediato o incremento de suas carências afetivas e de seu sentimento de solidão e insegurança no novo meio, no qual custava a fazer amigos justamente quando se achava mais necessi tada para reafirmar-se em sua tentativa de emancipação. Aos 31 anos, sua falta de parceiro e seus fracassos amorosos anteriores pesavam, aumentando especialmente sua angústia e favorecendo o desenvolvimento de mecanismos regressivos, numa busca neuróti ca de afeto. A desconexão existente entre quase todos os membros do grupo familiar e sobretudo o desaparecimento do pai contri buíam para fazer deste um momento muito difícil para a paciente. c) Suas precárias condições econômicas eram outro fator pre mente que a obrigavam a um rápido restabelecimento para poder reintegrar-se ao trabalho (achava-se em gozo de licença), o qual era seu único meio de vida, ao mesmo tempo em que era fundamental para manter sua auto-estima (o magistério era altamente valorizado em seu meio social). Por outro lado experimentava um sentimento de inferioridade diante dos demais professores, já que se sentia víti ma dos preconceitos existentes contra os denominados cabecitas negras*. Estes são os determinantes do contexto social. De minha parte, e tentando uma síntese, entendo basicamen te que o foco, organizado sempre em tomo de uma situação-pro- blema e dos sintomas provenientes desta, compreende em sua conformação uma conflitiva subjacente mais ou menos ampla e complexa, que podemos chamar conflitiva focal, com um conflito infantil e primário, edípico ou pré-edípico, ao qual se remete em última instância tal conflitiva, e que vem a constituir o nó da estrutura focal (ver O trabalho com os conflitos, pp. 22 a 24. No exemplo antes citado, a conflitiva focal é representada fundamen- * Expressão pejorativa semelhante à nossa “cabeça chata”, utilizada nas cida des para se referir àqueles que têm origem rural e sangue indígena, apresentando tez escura e cabelos negros e lisos. (N. do T.) Fundamentos teóricos 45 talmente por conflitos derivados, que encontram sua expressão no ambiente de trabalho, no qual a paciente repete aspectos de suas relações familiares (em especial com a diretora), e que se origina ram a partir de um conflito primário com a figura materna, enrai zado em fixações edípicas e pré-edípicas a ela. A escolha por parte do terapeuta, de uma situação-problema e do conseqüente foco para sua abordagem preferencial num tra tamento breve depende, entre vários fatores, de seus critérios pes soais e de sua experiência prévia. Esses gravitarão em torno de suas impressões quanto à patologia do paciente, sobretudo no que diz respeito à determinação das perturbações que privilegiará, e que poderão ser tratadas com possibilidades de êxito terapêutico nas condições de que disponha para levar adiante o tratamento. Eventualmente, diante de um mesmo caso e num mesmo momen to, dois ou mais terapeutas poderão chegar a diferir na escolha26. Ao começar uma terapia focal, dever-se-á contar pelo menos com um esboço inicial de foco terapêutico, configurado a partir das descobertas obtidas nas entrevistas clínicas e no psicodiagnóstico. Numa terapia breve, quanto mais precoce e mais claramente demarcável for o foco, melhor será o prognós tico do tratamento, pois permitirá um trabalho mais efetivo. No começo, muitas vezes, os limites focais são imprecisos27. Durante o processo terapêutico costuma-se assistir a uma “evolução” desse mesmo foco, através da qual, em virtude da técnica de “enfoque” empregada, tal foco não só vai-se deli mitando melhor, quer dizer, se cristalizando, mas também o terapeuta obtém um aprofundamentona compreensão de seus psicodinamismos28. Um critério psicanalítico para a investiga ção do foco deverá privilegiar o reconhecimento das raízes in fantis da conflitiva focal, ainda que nem por isso tenha de de sembocar forçosamente na tentativa de proporcionar insight ao paciente acerca dos mesmos, o qual dependerá, como já vimos em parte (p. 23), de diversos fatores. A evolução habitual do foco com o trabalho terapêutico pode ser observada no esquema desta página. Às vezes teremos de mudar o foco e as metas terapêuticas em pleno tratamento. Isso pode ocorrer: a) surgindo situações novas, imprevistas e traumáticas na vida do paciente, que obriguem uma recolocação e o adiamento da tarefa programada inicialmente; 46 D iagnóstico Psicoterapia breve de orientação psieanalítica Processo terapêutico 1. L im ites confusos no com eço 2 e 3. O foco vai-se delim itando m ais claram ente na superfície (pode ser relativam ente isolado de outras conflitivas) e crescendo em profundidade b) ante revelações do paciente, durante a terapia, de certos fatos ou sofrimentos de importância, que omitiu deliberada ou involu ntariamente no começo, que tornam aconselhável modificar tanto o foco como os objetivos29; c) como circunstância habitual nos estágios finais dos tratamentos, diante da iminente separação pa- ciente-tcrapeuta. Em torno do término se vai perfilando um novo foco - diante da significação singular que este possa alcançar em cada paciente, dadas sua história e características pessoais - que se superpõe primeiro ao anterior no processo terapêutico, poden do, depois, ocupar exclusivamente o primeiro plano. c) O ponto de urgência Esse conceito, já conhecido dentro da técnica psieanalítica, também se reveste de grande importância prática na P.B.. No meu entender, o ponto de urgência corresponde à situação psí quica inconsciente de conflito que, pela ação de fatores atuais, predomina no sujeito num dado momento, sendo motivo de de terminadas ansiedades e defesas. Por exemplo, temor inconscien te de ser abandonado pelo terapeuta, que gera um incremento da angústia e uma reação defensiva de desprezo e hostilidade em relação a ele30. Fundamentos teóricos Freqüentemente a detecção do ponto de urgência conduz, co mo a própria denominação sugere, ao trabalho terapêutico imedia to do mesmo; daí seu valor clínico. Sua busca parte de uma inter rogação que o terapeuta se formula: a que obedece a ansiedade do paciente neste momento? Pressupõe, então, a indagação a respeito de um ponto crítico, que adquire de imediato prioridade no traba lho terapêutico, pois mobiliza ansiedades e produz descompensa ção no paciente. Para esse ponto deverão orientar-se, em conse- qüência, as distintas medidas terapêuticas. Interessam sobretudo as interpretações: o fato de que estas obtenham uma repercussão emocional efetiva no paciente dependerá fundamentalmente de que estejam ou não dirigidas para o ponto de urgência. O ponto de urgência pode ser inerente ao foco (focal) - sub- jazindo diretamente à situação-problema ou ligando-se a fatos que correspondem de algum modo à conflitiva focal - ou ser rela tivamente estranho a ele (extrafocal). Este último acontece com freqüência, sendo, por exemplo, o caso de situações de emergên cia inesperadas (a morte de um ser querido, um roubo, etc.) que costumam apresentar-se durante o tratamento, afetando o pacien te, e que “saem do foco”. Também nessas ocasiões é imprescindí vel atender ao ponto de urgência, auxiliando o paciente; pretender continuar nesse momento o trabalho com a conflitiva focal, for çando o paciente, apesar e por cima da ansiedade que essa situa ção imprevista nele provoca, é uma obstinação que, além de reve lar falta de senso comum, resulta ineficaz. Precisamente para po dermos voltar a nos ocupar produtivamente da problemática prin cipal do tratamento, precisaremos antes desembaraçar o campo dos estímulos traumáticos que impedem circunstancialmente que o paciente concentre seu interesse naquela problemática, pertur bando assim a focalização do trabalho terapêutico. Somente quan do a calma tiver sido restabelecida, o paciente poderá recuperar a capacidade de concentração focal necessária. Enquanto um tratamento breve costuma se desenvolver sobre a base de uma estrutura focal (11) apenas ou no máximo de dois focos (toda vez que se leve em conta o que se relaciona à sepa ração definida, pela conclusão da terapia), o ponto de urgência é, pelo contrário, variável. Na verdade deveriamos empregar o plu ral e dizer os pontos de urgência, pois são vários os que se suce 48 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica dem, desde as entrevistas iniciais51 até as etapas finais do trata mento. Tais pontos são diferentes entre si, ainda que em sua maior parte se incluam numa mesma conflitiva focal52. Tal variabilidade se deve à influência de diversos estímulos procedentes dos mundos interno e externo do paciente. Entre estes últimos distinguimos: a) os que são próprios de sua vida cotidiana e b) os que provêm da atividade terapêutica. Com relação aos estímulos citados em b é desejável, em certa medida, que o ponto de urgência vá-se modi ficando, já que isso pode ser indício de uma mobilização afetiva útil, produzida pela atividade terapêutica. d) A hipótesepsicodinâmica inicial Também é chamada de hipótese psicodinâmica mínima (40), formulação psicodinâmica (55), formulação psicodinâmica pre coce (17), etc. Em meu conceito, a hipótese psicodinâmica inicial pode ser entendida como um esboço reconstrutivo da história dinâmica do paciente, uma tentativa de compreensão global de sua psicopato- logia que tende a incluir todas as perturbações do paciente que nos sejam conhecidas (40) (entre as quais se destacam as corres pondentes ao foco), e que se constitui a partir dos dados que aflo ram nas primeiras entrevistas e no psicodiagnóstico. A concepção dessa hipótese psicodinâmica inicial está regi da pelas teorias psicanalíticas (determinismo psíquico, sobrede- terminação, séries complementares, etc.). Tem caráter provisório, pois é susceptível de ser confirmada, ampliada ou retificada, com base nas descobertas obtidas durante o tratamento. Enquanto a estrutura do foco se organiza, única e exclusiva mente em torno de uma determinada situação-problema da vida atual do paciente, envolvendo apenas certos setores de sua psico- patologia, a hipótese psicodinâmica inicial, tal como a concebo, é mais abrangente, englobando inclusive a hipótese focal". Pode riamos dizer que enquanto o foco aponta mais especificamente para o campo das situações que deverão ser trabalhadas terapeu- ticamente, tentando modificações e resoluções, a hipótese psico dinâmica inicial alude, além disso, aos conflitos restantes - extra- focais - do paciente, ou seja, a tudo o que dinamicamente pode Fundamentos teóricos 49 mos compreender e inferir acerca deste, e que não necessariamen te tentaremos modificar. A elaboração de uma hipótese psicodinâmica inicial por parte do terapeuta ou da equipe terapêutica permitirá: a) extrair elementos suficientes para uma devolução diagnostica (D.D.) ao paciente (ver capítulo 4, p. 67), que por sua vez aciona a busca de acordo com o paciente sobre as metas terapêuticas (M.T.), b) desenvolver um plano (P) de tratamento (ver capítulo 5), coerente com a hipótese formulada e com os objetivos selecionados. Tentarei esquematizar resumidamente as seqüências que ocor rem na prática psicoterapêutica, nas quais se integram as várias noções expostas até aqui34. Resultados e mecanismos terapêuticos A experiência clínica tem demonstrado que com o método breve é possível obter efeitos terapêuticos altamente benéficos e duradouros, que podem ser verificados por meio de acompanha mentos. Malan sustenta que podem ser alcançados bons resulta dos em uma ampla variedade de casos, os quais não se reduzem aos pacientes cuja psicopatologia seja leve e de sintomas recentes (40). Os resultados positivos, que abarcam desde o puro alívio ou a eliminação da ansiedade e de outros sintomas até modificações na estrutura da personalidade, devem ser investigados a partir de critérios dinâmicos. Diante de tais mudanças indagamo-nos acer ca de sua natureza íntima, seu alcance e sua estabilidade. Mas neste ponto desejo formular uma advertência: não devemos per der de vista que os resultados, em cada caso, devem ser avaliados, inicial e primordialmente, em relação ao que acontece com a situação-problema e seus sintomas; de outro modo, e com a fina lidade de investigar o grau de eficácia desses tratamentos, nossa atitude não seria coerente com suas finalidades terapêuticas, na medida em que buscássemos o que não corresponde diretamente a elas, erro no qual muitos incorrem. Num segundo momento po- der-se-á, sim, concentrar o interesse na indagação das modifica ções que transcendam as metas terapêuticas fixadas. 50 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica H s d d a . -o oCS O D . o -3 B . rs H eS 5 “ 2 ■= y o: <u <« O r3 ° »■“ d 7! £ S * 3 . G _ M? X c 5 f t/3 > PS fi I y )T 3 C C 1>° Ü E Fundamentos teóricos Entre os resultados favoráveis que se registram, podemos mencionar: 1. Alívio ou supressão dos sintomas. 2. Mudanças com relação a perturbações próprias da situa- ção-problema (superação de inibições, desenvolvimento mais ade quado e eficaz, aquisição ou recuperação da capacidade de tomar decisões). 3. Aquisição de consciência da enfermidade psíquica. 4. Elevação, recuperação ou auto-regulação da auto-estima. 5. Outras modificações favoráveis (referentes a dificuldades em diversas áreas da vida do sujeito, tais como sexualidade, rela ções familiares, de amizade ou trabalho, estudo, etc., principal mente as que não foram abordadas de maneira direta durante a psicoterapia). 6. Consideração de projetos para o futuro (esboço de planos a respeito de diferentes atividades da experiência de vida do su jeito). 7. Modificações na estrutura da personalidade. A P.B. pode resultar também absolutamente ineficaz em al gumas situações, sobretudo quando se trata de pacientes cuja patologia é grave; não são raras as recaídas. (O tema dos resulta dos desfavoráveis e os riscos do tratamento breve se desenvolvem no capítulo 10.) Voltando aos resultados positivos da terapia breve, cabe per guntarmos: A que mecanismos respondem? É possível definir o processo de mudança existente? Eis aqui uma questão que ainda não está totalmente elucidada e que entra no terreno da investiga ção, estando estritamente ligada ao problema da estabilidade das mudanças, ou seja, ao tempo em que estas se mantêm, e ao alcan ce das mesmas, isto é, a maior ou menor extensão que registram em relação às áreas de conduta35 e/ou da vida do paciente (sexuali dade, trabalho, estudo, etc.). E evidente a participação de diversos mecanismos terapêuti cos nesses procedimentos, em virtude dos distintos recursos e estratégias operantes (13) (14); sem dúvida resulta particularmen te difícil precisar, do ponto de vista metapsicológico, certos pro cessos geradores de mudança em relação ao tipo de atividade tera pêutica desenvolvida. 52 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Como não pretendo oferecer aqui um panorama amplo sobre o tema, centrar-me-ei em mecanismos que, além de importantes na gênese de modificações dinâmicas e duradouras, configuram atrativos pontos de investigação. São eles: o insight e a elabora ção, temas que já abordei antes (pp. 30 ss.), mas que é necessário voltar a considerar. Deixarei de lado o fortalecimento e a ativação das funções cgóicas, processos dignos de se considerar, mas que já foram muito bem descritos por Fiorini (10) (12). Direi unicamente que não só costumam conduzir à consolidação dos ganhos obtidos pelo paciente através da terapia, em particular das condutas adap- tativas, mas também a outras modificações favoráveis, que costu mam ser traduzidas num desempenho eficaz em distintas áreas de sua vida, permitindo ampliar o alcance ou a extensão das mudan ças a partir de uma elevação da auto-estima, c num maior desen volvimento de sua iniciativa pessoal e das diferentes capacidades egóicas. O paciente agora ousa ensaiar outras atitudes e levar adiante ações que antes se via impedido de realizar por sentimen tos de insegurança e desvalorização. Tampouco me ocuparei aqui dos mecanismos somente volta dos para produzir alívio dos sintomas (catarse, sugestão, adminis tração de psicodrogas, etc.), nem da cura transferenciai (à qual Alexander e French conferem valor terapêutico [2] [4] [16]36) nem, por último, de certo tipo de falsa solução do conflito, assina lado por Malan (40), que logo citarei37. O insight em P.B. relaciona-se fundamentalmente eom os conflitos focais do paciente. A eficácia de tal insight seria discutí vel porque, como temos visto (pp. 31ss.), provém principalmente da análise das situações da realidade externa do paciente. A ques tão centra-se em saber se confiamos ou não no valor terapêutico de um insight que em geral não se baseia na análise exaustiva da neurose transferenciai. Para alguns autores, não tem validade por esse motivo; além do mais, ao conceber - equivocadamente, em minha opinião - que o insight em P.B. deva ser exclusivamente de natureza cognitiva, atribuem-lhe apenas efeitos superficiais adap- tativos. Outros, entre os quais me incluo, reconhecem nele, apesar de suas restrições, uma maior efetividade. Penso que, por influên cia de um insight parcial do conflito derivado, o paciente com fre- Fundamentos teóricos 53 qüência pode conseguir uma resolução, também parcial, prove niente da obtenção de certas modificações dinâmicas no conflito, pelo qual este costuma ao menos diminuir de intensidade, eviden ciando-se clinicamente uma melhora nas dificuldades concernen tes à situação conflitiva. A eficácia terapêutica resultante da ação destes procedimentos é satisfatória para um grande número de situações ou quadros clínicos, ainda se contarmos com a possibi lidade de ocorrerem recaídas em virtude da multideterminação dos sintomas; contudo, como diz Wolberg, “uma solução parcial é melhor do que nenhuma” (55)38. De todo modo, o insight é o mecanismo graças ao qual a melhora conseguida terá mais possibilidade de se manter. For nece, além disso, consciência da enfermidade, o que facilitará futuras consultas, caso sejam necessárias, ajudando a conceber projetos de vida com base no autoconhecimento obtido com o tra tamento, de possibilidades e limitações pessoais. Finalmente, a extensão e a aplicação do insight do conflito no paciente a dife rentes contextos (elaboração) explicaria a amplitude das mudan ças, refletidas em outras modificações favoráveis que às vezes se produzem. “Na prática (...), (a) elaboração das resistências pode consti tuir-se num penoso trabalho para o analisado e numa dura prova para a paciência do médico. Mas também constitui parte do traba lho que efetua as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão” (27). A frase de Freud (1914) seria lapidar para aqueles que pre tendessem conceber um processo terapêutico de tempo e objeti vos limitados, capaz de promover alguma mudança dinâmica na conduta ou na personalidade do paciente. Chega-se então às se guintes conclusões: não é possível conseguir modificações pro fundas, e toda psicoterapia que não cumpra a citada condição de elaboração das resistências é um trabalho só de sugestão. Que os analistas mantenham hoje taxativa e estritamente tais princípios é compreensível, mas acontece que alguns vão mais longe e rejei tam a opção da terapêutica breve por considerá-la totalmente ine ficaz. Com a mera interpretação do conteúdo, não acompanhada de uma análise intensiva e de uma elaboração das corresponden tes resistências - dizem - o paciente não conseguiría alcançar 54Psicoterapia breve de orientação psicanalítica uma verdadeira ou suficiente conscientização (45)39. Apenas con seguiría um insight “intelectual”, insuficiente para que se produ zam nele modificações em um nível mais profundo. Isso parece acontecer com a P.B., do ponto de vista da teoria, mas talvez a prá tica da mesma nos demonstre outros fatos. Não creio que na tera pêutica breve as coisas devam ser situadas de modo inapelável num extremo: se considerarmos as resistências, vemos que de fato não podem ser interpretadas rigorosamente como na psicanálise, mas o terapeuta ocupa-se delas em certa medida a fim de reduzir sua intensidade, principalmente no que respeita à oposição do pa ciente ao insight da problemática focal40; e não pode ser outro o caminho para se conseguir que o paciente tome consciência real de suas tendências inconscientes. Já no terreno da experiência clínica, encontramos vários in vestigadores que reconhecem a existência de importantes mudan ças dinâmicas em pacientes que foram tratados com o método breve. Apesar de, ao empregarmos tal método, não nos propor mos a obter, por exemplo, modificações profundas na estrutura da personalidade, em certas ocasiões é possível observar, sobretudo pelas entrevistas de acompanhamento e no psicodiagnóstico (32), a presença de mudanças favoráveis, que chamam a atenção da personalidade, cujos mecanismos não têm sido explicados satisfa toriamente. Com respeito ao psicodiagnóstico, é significativo que os estudos efetuados pouco depois de finalizado o tratamento bre ve não registrem um progresso maior, o que pode acontecer quan do se realizam vários anos depois, e sem que haja mediado outro tratamento psicoterapêutieo (32). Isto nos remete a um processo ativo de mudança que ocorre no paciente durante esse período. Wolberg, um dos autores mais entusiastas das mudanças que se podem esperar nas terapias breves, talvez peque por um exces so de otimismo. Afirma este autor (55) que um tratamento curto adequadamente conduzido pode desencadear, a partir da solução de um aspecto do problema do paciente, um processo evolutivo, uma reação em série, que com o avançar dos anos promova uma mudança interior, e até prepare “alterações substanciais na perso nalidade que lhes abram (aos pacientes) o caminho para uma auto-realizaçào mais completa”41. “No final do tratamento - diz - Fundamentos teóricos 55 não há por que deter o processo de transformação do paciente, que pode perdurar pelo resto de sua vida. Essa circunstância não é fortuita: é um acerto do psiquiatra, que com sua intervenção con segue liberar as forças construtivas latentes42 na pessoa do enfer mo Assinala, além disso: “Édifícil, retrospectivamente, de fin ir o ocorrido, e ainda mais difícil deduzir dessa experiência regras precisas aplicáveis a outros casos.” Pouco mais adiante continua: “As vezes se produz uma reação em cadeia, sem que intervenha, ao que parece, nenhuma deliberação consciente, e em virtude de forças que escapam ao nosso conhecimento. A obser vação pós-clínica pode revelar amplas mudanças que apenas se adivinhavam ao terminar o tratamento.” (Os grifos são meus.) Wolberg às vezes reitera essas opiniões e esses resultados de sua própria experiência. Também Alexander sustenta idéias simi lares a algumas das que propõe Wolberg: “O importante é que a cura nunca se realiza totalmente durante o tratamento. Neste co locamos o paciente sobre a pista, e então o ego assume a direção. As vezes basta eliminar um bloqueio emocional para que o ego comece a atuar (...), etc.”(2). Noutro lugar expressa Alexander: “Também na psicanálise confiamos nas faculdades regenerado- ras do ego. Referimo-nos a elas de uma maneira bem mais vaga, como o desejo, a vontade do paciente de se curar, ou ainda, mais vagamente, como sua capacidade de cooperação” (4). (Os grifos são meus.) Logicamente, as possibilidades de progresso são variáveis em cada caso e dependem não só de suas próprias potencialida des, mas também de outros fatores, como por exemplo as condi ções de seu meio ambiente. Diz Alexander: “Até onde chegará o impulso do tratamento é sempre uma interrogação sem resposta ao finalizar uma análise41, pois o tratamento carece de qualquer medida exata para se verificar a mudança psíquica ou se preverem os acontecimentos futuros” (3). Ainda que aceitemos que mudanças profundas ocasional mente ocorram, inclusive na estrutura da personalidade, deve mos convir que não há respostas que revelem a natureza íntima do processo que gera essas mudanças, e do qual falam Wolberg e Alexander, mesmo que, convém esclarecer, não sejam levantadas hipóteses explicativas definidas tampouco se recorra, em nenhum 56 Psicoterapia breve de orientação psieanalitica momento, ao termo elaboração, quando se mencionam esses me canismos autônomos (2) (4) (55). De minha parte penso que tais mecanismos poderíam estar ligados ao menos parcialmente a uma espécie de processo “elaborativo”, que, ainda que só em pe quena escala, desenvolver-se-ia nos tratamentos breves, contan do com uma etapa pós-terapêutica provavelmente muito impor tante (ver pp. 32 ss.)44. No processo de investigação há ainda, nesse campo, muito trabalho pela frente. Referências bibliográficas 1. 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No campo da P.B., as principais finalidades de tais entrevis tas são: • O estabelecimento da relação terapêutica. • A elaboração da história clínica. • A avaliação diagnostica e prognostica. • A devolução diagnóstico-prognóstica. • O contrato sobre metas terapêuticas e duração do tratamento. • A explicitação do método de trabalho e a fixação das demais normas contratuais. O número de entrevistas a se realizar, variável em cada caso, será o que se revele necessário para atingir os fins enunciados. Veremos a seguir cada um destes pontos. O estabelecimento da relação terapêutica Neste aspecto, as entrevistas preliminares desempenham um papel fundamental. Dos primeiros contatos com o paciente de pende, em boa parte, o destino da relação deste com seu terapeuta 64 (que poderá ser ou não aquele que o tenha entrevistado). Trata-se então de poder criar condições favoráveis para a instauração de um vínculo terapêutico, em relação ao qual importa muito a con duta que assuma o entrevistador, quer dizer, sua contribuição para o estabelecimento de uma relação de trabalho. Será benéfico que possa mostrar-se interessado pelos problemas do paciente, dis posto a oferecer-lhe sua ajuda e confiante em seu método terapêu tico, além de claro e explícito, desde o primeiro momento, em sua comunicação com o paciente. Para isso convém que lhe comuni que previamente a finalidade das primeiras entrevistas (conhece rem-se mutuamente, realizar um estudo o mais completo possível de seu caso para poder decidir a conduta terapêutica a ser seguida, etc. ) e que, no decorrer das mesmas, informe-o detalhadamente a respeito dos diferentes aspectos do tratamento que seguirá. A experiência clínica demonstra que tais atitudes ajudam bastante no estabelecimento de uma relação terapêutica. Tenta-se, desse modo, diminuir as resistências produzidas por preconceitos, mal entendidos ou temores a respeito do tratamento, tudo o que pode facilmente conduzir à deserção (4). Em essência, terá que comba ter a ambigüidade, fomentadora de condutas resistenciais e fenô menos regressivos. O entrevistador deverá, além disso, assumirum papel ativo, dirigindo os diversos momentos das entrevistas em função dos objetivos desta fase do procedimento, essencialmente diagnostica e contratual. Formulará perguntas, fornecerá informação, etc., e às vezes poderá recorrer a assinalamentos e interpretações. Considero que o emprego de interpretações nas entrevistas iniciais deva limitar-se principalmente aos seguintes fins: a) esclarecer e orientar a relação transferenciai quando sur jam obstáculos a ela que ameaçam inclusive provocar a deserção do paciente; b) efetuar uma devolução diagnóstico-prognóstica, na qual pode-se recorrer às chamadas interpretações panorâmicas (ver p. 72), c) detectar a capacidade do paciente para efetuar uma psico terapia de insight, empregando isolada e prudentemente interpre tações de ensaio (1)'. Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Entrevistas preliminares 65 A história clinica Em P.B. é necessário realizar uma indagação exaustiva dos dados do paciente. Uma história clínica em que se leva em conta esta indicação poderá oferecer-nos elementos valiosos para com preender melhor a natureza dos problemas atuais do paciente, em relação à sua história de vida, mediante a descoberta de situações traumáticas, modos patológicos e repetitivos de conduta, etc. A respeito da metodologia a ser empregada, cabe recomen dar a adoção de um modelo de anamnese como ponto de referên cia, embora isso não implique que se tenha de seguir uma ordem rígida para interrogar o paciente. Convém assinalar o interesse particular de que se reveste em P.B. a indagação do motivo da consulta. O habitual é que este se ache ligado à situação-problema que dará lugar ao tratamento. Será conveniente obter amplas informações sobre os antecedentes dessa situação-problema, os sintomas que a acompanham, os fatores desencadeantes, etc. Essas averiguações podem ser reali zadas deixando-se em primeiro lugar que o paciente exponha li vremente suas dificuldades atuais, ou seja, através dos momentos livres da entrevista, que logo poderá ser dirigida ou semidirigida quando for necessário obter determinados dados do paciente (antecedentes familiares e pessoais). Avaliação diagnostica e prognostica Avaliação diagnostica E preciso efetuar uma ampla e minuciosa avaliação diagnos tica do paciente, que não deve permanecer circunscrita ao diag nóstico clínico, insuficiente para efetuar a formulação prognosti ca e a indicação terapêutica (psicoterapia breve, psicoterapia em que predomine o insight ou de apoio, psicoterapia prolongada, de grupo, etc.), a escolha de objetivos e o planejamento do tratamen to2. Se se decide pela realização de uma terapia de duração limita da, esta demandará, com maior razão ainda, um conhecimento 66 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica prévio do paciente o mais profundo possível (hipótese psicodinâ- mica inicial) para organizar o plano terapêutico correspondente. Os elementos necessários para os distintos diagnósticos devem ser obtidos basicamente por meio de entrevistas clínicas e de testes psicológicos, aos quais podem somar-se outros exames, que as circunstâncias requeiram (exame médico geral, neurológi co, eletroencefalográfico, etc.). Consideramos aqui: 1) O diagnóstico nosográfico-dinâmico, que inclui as condições egóicas; 2) A avaliação do grau de moti vação para o tratamento e de atitudes para o “insight 3) A deter minação do foco. O diagnóstico nosográfico-dinâmico Implica o diagnóstico atual da enfermidade do paciente (neu rose, caracteropatia, psicopatia, psicose) e de personalidade. Exem plo: depressão reativa num neurótico obsessivo, cuja personalida de apresenta um predomínio de traços paranóide-obsessivos. Devem incluir-se também: O diagnóstico do tipo de grupo familiar de origem, sua inci dência na problemática atual, além da influência que possa exer cer o meio ambiente, compondo na realidade um diagnóstico psi- cossociopatológico. Uma avaliação das condições egóicas, para a qual se investi gam os recursos de que dispõe o ego do paciente, quer dizer, seus aspectos adultos ou sadios, que serão os aliados do terapeuta, e suas debilidades. Este último fato permitirá que se tomem os cui dados necessários diante das prováveis dificuldades que pode ríam sobrevir durante o tratamento, o qual, além disso, procurará contribuir, por meio do trabalho terapêutico, para que o paciente adquira ou recupere as capacidades egóicas que lhe faltam. Em psicoterapia breve interessa indagar principalmente: a) As funções egóicas básicas (percepção, atenção, memória, pensamento, etc.). E elementar que estas funções se apresentem em condições mínimas para tomar possível a psicoterapia. b) As relações objetais. Segundo Bellak e Small, elas serão examinadas, no que diz respeito à sua qualidade e intensidade e aspectos manifestos e latentes (2), a partir da conduta evidenciada pelo paciente durante as entrevistas clínicas, da história de suas relações interpessoais, de suas fantasias, sonhos, recordações, de nossa contratransferência e dos dados fornecidos pelos testes psi cológicos. Essas indagações são de grande valor para efetuar um prognóstico e uma estratégia terapêutica, porque nos permitem prever, em certa medida, as características da relação transferen ciai durante a terapia, a maior ou menor capacidade do paciente para estabelecer uma boa relação terapêutica, os inconvenientes que nesse sentido podem surgir durante o tratamento, e muito especialmente o momento do término da terapia e do desligamen to do terapeuta. c) O controle de impulsos. Pode ser excessivo ou, pelo con trário, estar diminuído. Em ambos os casos, será necessário tomar certas medidas terapêuticas (emprego de técnicas dramáticas em um, aumento do número de sessões em outro, etc.). d) A tolerância à ansiedade e à frustração. Trata-se de detec tar as condições do paciente para tolerar uma psicoterapia inter- pretativa, em virtude da mobilização afetiva que esta costuma produzir (para isso, pode-se apelar para diversos recursos, entre eles as interpretações de ensaio [1], nas primeiras entrevistas, para comprovar sua reação às mesmas), assim como sua capacida de para superar sem maiores conseqüências o luto causado por sua separação do terapeuta no fim da terapia (convirá averiguar a existência de lutos na história do paciente, e que repercussão tive ram nele). e) Os mecanismos defensivos. Será necessário precisar as principais defesas empregadas pelo paciente, determinação que é de grande importância para a indicação terapêutica, para o plane jamento e para o prognóstico. Exemplo: um repertório reduzido de defesas estereotipadas será um elemento prognóstico desfavo rável para uma psicoterapia de insight; em contrapartida, a varie dade de mecanismos defensivos tomará favoráveis as perspecti vas prognosticas. f) A regulação da auto-estima. Em geral, os que procuram terapia apresentam uma diminuição da auto-estima, devendo o trabalho terapêutico resultar numa elevação da mesma. Entrevistas preliminares________________________________ 0/ 68 Finalmente chegaremos à avaliação da potência e plasticida de do ego. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Avaliação do grau de motivação para o tratamento e das atitudes para o "insight" Diversos indicadores, provenientes das entrevistas diagnosti cas e da realização dos testes psicológicos, nos dão uma idéia acerca do grau de motivação do paciente para receber ajuda tera pêutica, isto é, para assistir às sessões de tratamento, e em espe cial sobre sua motivação e condições para o insight (8). Suas res postas às interpretações de ensaio (1) e assinalamentos nos darão a medida de sua capacidade de auto-observação, sua resistência ou sua permeabilidade ante as intervenções do terapeuta. Diretamente ligado à capacidade de insight do paciente acha- se seu grau de consciência da enfermidade, que também terá de ser detectado. A motivação para o trabalho terapêutico ésusceptível de ser estimulada durante as primeiras entrevistas e no decorrer do trata mento. A esse respeito cabe assinalar o papel fundamental que de sempenha a forma pela qual o entrevistador faz a devolução diag- nóstico-prognóstíca para o paciente no começo da relação. Determinação do foco Trata-se da possibilidade de precisar e delimitar um foco, passo tecnicamente essencial para nosso trabalho terapêutico pos terior. Quando se trata de quadros agudos (neuroses traumáticas, depressões reativas), que devem resolver-se através do tratamen to, a escolha e a demarcação do foco são facilitadas, do mesmo modo que a definição dos objetivos terapêuticos. Outras vezes torna-se mais dificultosa, se o paciente apresenta transtornos ge neralizados em todas ou em quase todas as áreas de conduta, de tal forma que não conseguimos destacar um problema ou conflito como ponto de partida, sobretudo se não há uma situação definida Entrevistas preliminares 69 de urgência que predomine; em outras palavras, não encontramos “a ponta do novelo” para abordar o caso através de uma terapia setorial (trata-se de indivíduos com sérias alterações de personali dade, cuja enfermidade data de muitos anos, em geral caractero- patas, boderline ou neuróticos crônicos). A determinação do foco e o aprofundamento em sua confliti- va engloba o diagnóstico do ponto de urgência e acha-se por sua vez compreendida dentro da formulação psicodinâmica antecipa da, já que esta última não é outra coisa senão uma hipótese diag nostica integral, enquanto os diferentes diagnósticos e avaliações citados até aqui constituem as versões interpretativas parciais de tal formulação. Papel do psicodiagnóstico Embora este não seja meu campo específico de atividade, desejo fazer algumas considerações a respeito5. A aplicação de testes psicológicos é muito útil para o diag nóstico, prognóstico e para as indicações e contra-indicações da terapia breve. Quando se recomenda esse tipo de tratamento, essa aplicação adquire suma importância no planejamento terapêutico. Tenho dito e o repito: em P.B. coloca-se a necessidade de se obter, de antemão, um conhecimento amplo e profundo acerca do paciente, que facilite a formulação da hipótese psicodinâmica ini cial e conseqüentemente nossa tarefa terapêutica, com a base num plano de trabalho determinado, pelo menos em seus traços princi pais. Sobretudo se a terapia é de duração limitada, não haverá tempo para esperar a emergência de certos conteúdos, como num tratamento analítico. Daí que a aplicação de testes deveria efetuar- se de maneira sistemática em pacientes para os quais se prevê a realização de um tratamento breve e planejado, ou pelo menos nos casos em que se esbarre com dificuldades diagnosticas e/ou tera pêuticas4. Sou dos que pensam que o tempo investido no processo psicodiagnóstico, ainda que considerável, às vezes fica ampla mente compensado, quando se deve empreender uma psicoterapia de duração limitada5. 70 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Embora pareça contraditório destinar um número apreciável de horas à realização do psicodiagnóstico quando se trata de pou par tempo (como ocorre no caso das terapias hospitalares de curto prazo), não o é, na realidade, pois a riqueza dos dados que podem ser obtidos não só pode contribuir para a consecução de bons resultados, mas também para agilizar o processo terapêutico, cuja duração poderá eventualmente abreviar-se no alcance dos objeti vos propostos. A bateria de testes a ser empregada pode constar do Teste de Rorscharch (5) (7) (10), do Teste das Relações Objetais de Phillipson (5) (10) ou do Teste de Apercepçâo Temática de Murray (5), e completar-se com o de Bender, desenho livre, figura huma na, casal, desiderativo, etc. Quando as circunstâncias o aconse lhem, acrescentem-se os testes de inteligência. Os dados que se extraem são muitos e valiosos: diagnóstico da personalidade e do quadro psicopatológico; psicodinamismos; capacidade de insight, condições egóicas. Dentro destas últimas, o psicodiagnóstico descreve as características das relações objetais (por diversos indícios dos testes projetivos, como, por exemplo, o Phillipson ou o T.A.T. [5]), os mecanismos defensivos, a tolerância à ansiedade e à frustração, especialmente quanto à capacidade de suportar a separação do terapeuta6, a força do ego, etc. Também poderão efetuar-se recomendações terapêuticas, a partir dos dados obtidos (sobre o tipo de tratamento, sexo do tera peuta, etc.)7, e apreciações prognosticas. Avaliação prognostica Em geral é possível realizar uma avaliação prognostica, so bretudo do momento ou quadro atual que motiva o tratamento. Os resultados deste dependerão de fatores provenientes do paciente, do terapeuta e do âmbito assistencial em que tenha lugar (hospi tal, clínica, consultório particular). Tais fatores devem ser consi derados sempre em conjunto, e não de maneira isolada. Com relação ao paciente, influirão especialmente as diversas condições diagnosticas a respeito dos aspectos já citados. São ele mentos para um prognóstico favorável: Entrevistas preliminares 71 • Início recente e agudo do sofrimento ou problema atual a ser abordado ou, como assinala Courtenay (3), que se trate de um “momento propício” numa enfermidade relativamente crônica. • Leveza e limitação da patologia (3). •Condições favoráveis do meio familiar e social para o desenvolvimento da tarefa terapêutica e aceitação das mudanças do paciente. • Ego forte, com funções básicas em bom estado, capacidade de estabelecer boas relações objetais e de tolerar adequadamente a separação que sobrevirá ao finalizar-se a terapia (relação transferenciai com grau leve de ambivalência e dependência), plasticidade de defesas, etc. • Alto grau de motivação para o tratamento. Incide conside ravelmente na produção de bons resultados terapêuticos, mesmo nos casos que apresentem certa gravidade (8). • Capacidade de insight. • Possibilidade de determinar o foco antecipadamente (antes de iniciado o tratamento ou em suas primeiras sessões)8. Com relação ao terapeuta, as perspectivas prognosticas são favoráveis quando, além de este reunir as condições necessárias para o exercicio da P.B. (ver capítulo 14), existe uma contratransferên- cia positiva que facilita a instauração de um bom vínculo com o paciente. Com relação ao contexto assistencial, interessam as possibi lidades terapêuticas que oferece em seus aspectos temporais, es paciais, equipe de profissionais, etc. É claro que o prognóstico terapêutico, além disso, deve ser feito em função das metas combinadas, segundo estas pareçam ou não alcançáveis dentro das condições gerais que regerão o traba lho terapêutico. A devolução diagnóstico-prognóstica Além da devolução dos dados do psicodiagnóstico, a cargo do psicólogo que o efetuou - que por diversas razões, em nenhum caso deveria se omitir (12) - e mesmo que tenha sido outro o pro fissional que realizou as entrevistas clinicas, cabe uma nova devo 72 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica lução da parte deste último, a qual naturalmente será baseada nas conclusões a que chegou, não só depois das entrevistas, mas tam bém como conseqüência do emprego dos diferentes meios auxi liares de diagnóstico. Esta segunda devolução é resultante da tare fa desenvolvida em equipe e deve antes de tudo manter coerência com relação à devolução psicodiagnóstica. O entrevistador transmitirá oralmente ao paciente, numa lin guagem simples e clara, impressões gerais a respeito de sua pro blemática. Mencionarei, a seguir, alguns dos objetivos de tal con duta: a) Fazer o paciente sentir que se presta atenção nele e se pensa em suas dificuldades, procurando compreendê-las. Trata-se de uma nova contribuição em busca de uma aliança de trabalho. b) Fornecer-lhe certo esclarecimento preliminar a respeito de sua problemática. c) Reforçar sua motivação para entender e resolver suas difi culdadespor meio da psicoterapia. d) Facilitar o passo seguinte, que será a escolha de metas te rapêuticas, ao lhe apresentar, e em parte sugerir, o conflito do qual julgamos poderiam surgir tais metas. (Em outras palavras, a devo lução será centrada naquilo que em nossa opinião deve converter- se na problemática central do tratamento, com o que além disso se irá delineando o provável foco terapêutico.) Como foi dito, serão transmitidas ao paciente apenas algu mas apreciações acerca de sua problemática, sem se estender nem aprofundar em demasia, já que não é proveitoso fazê-lo nesta etapa. Para isso pode-se recorrer às interpretações denominadas panorâmicas (4), que permitem esboçar, de maneira global, psi- codinamismos subjacentes à situação-problema. A devolução, além dos aspectos diagnósticos, deve abranger referências ao prognóstico capazes de tranqüilizar e reanimar o paciente. Isto lhe dará a idéia de que podemos oferecer-lhe nossa ajuda e de que tem possibilidade de resolver seus sofrimentos ou pelo menos de ali viá-los. Poderiamos reiterar o mesmo com relação às metas tera pêuticas, uma vez combinadas. Entrevistas preliminares 73 Contrato sobre as metas terapêuticas e a duração do tratamento Depois de efetuada a devolução diagnostica, paciente e entrevistador trocarão opiniões acerca dos possíveis objetivos da terapia a ser realizada, até chegar a estabelecê-los claramente e de comum acordo. Devem-se em princípio conhecer e levar em conta os pontos de vista do paciente acerca das metas do tratamento, equivocados ou não segundo nosso julgamento. Com essa finalidade, já se terá formulado ao paciente perguntas, como: Que expectativas tem acerca do tratamento? Em que problemas você crê necessitar de ajuda? Em que supõe que tem de consistir essa ajuda?, etc. As respostas correspondentes nos darão além disso alguma idéia de suas fantasias a respeito de enfermidade e de cura, das quais pro vêm os objetivos que ele se coloca, assim como de sua motivação e capacidade de insight. Isso não exclui que por meio de devolu ção efetuada se tente chamar sua atenção sobre determinada “con- flitiva” e acrescentar sua motivação para enfrentá-la. O terapeuta se referirá aos objetivos do modo mais claro e simples possível. Por exemplo, dirá ao paciente que entre ambos poderíam tratar de esclarecer por que ele sente tanto temor quan do lhe solicitam qualquer tarefa em seu emprego e de conseguir que enfrente essas situações de forma mais adequada. Também dirá que se procurará melhorar seu estado de ânimo e esclarecer também o que sucede com sua família, etc. Paralelamente, o tera peuta deve formular os fins terapêuticos de um ponto de vista psi- codinâmico: em um caso pensará sobretudo em elevar a auto-esti- ma; em outro, em atenuar as exigências superegóicas; num tercei ro, em revelar o significado inconsciente de tal conduta e atacar determinados mecanismos defensivos, etc. E preciso que os objetivos a que se proponham sejam presu mivelmente alcançáveis, isto é, que se ajustem às possibilidades que oferecem paciente e terapeuta e às condições gerais em que terá lugar a terapia. Poder-se-ão classificar como primordiais e secundários, segundo sua importância; em imediatos e mediatos, de acordo com a ordem cronológica em que se procure alcançá- los, seguindo, se necessário, um escalonamento estratégico; e em explícitos e implícitos, se tiverem ou não sido verbalizados e com 74 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica binados com o paciente. (Toda terapia breve de insight pressupõe a existência de fins terapêuticos inerentes à natureza mesma do processo, por exemplo, que o paciente alcance maior consciência da enfermidade ou eleve sua auto-estima. Esses fins, quase cons tantemente presentes, também constituem por conseguinte objeti vos terapêuticos gerais, diferenciados dos particulares, que sur gem em cada caso.) Quando não se chega a um acordo real sobre as metas da te rapia (pode tratar-se, inclusive, de um pseudo-acordo por submis são do paciente às sugestões do terapeuta, que atuam naquele como ordens), cabem várias alternativas: a) aceitar o que propõe o paciente, caso em que o terapeuta deverá renunciar aos propósitos terapêuticos que tinha previa mente, ou postergá-los para uma segunda etapa, b) realizar uma tarefa de esclarecimento que tenda a motivar o paciente a em preender uma terapia com base nas metas que consideram conve nientes, c) se as dissidências forem muito grandes, não efetuar nenhum tratamento9. A duração de um tratamento breve varia segundo as circuns tâncias: • Pode estar predeterminada por modalidades institucionais, que estabelecem prazos para os tratamentos geralmente de modo convencional e que correspondem a necessidades organizacionais dentro do planejamento assistencial que tais instituições adotam (de 3, 6, 12 meses, etc.). • Em muitas oportunidades, situações próprias do paciente, que inclusive podem ter motivado o tratamento, colocam, por sua vez, uma limitação temporal espontânea ao mesmo: acontecimen tos como uma viagem, por exemplo, poderão determinar uma finalização obrigatória, por acaso também adequada. • Em outras ocasiões, que se apresentam especialmente no consultório particular, a duração do tratamento depende do que o terapeuta e o paciente resolvam. Assim, poderá contar ou não com um final prefixado. Não só os objetivos, mas também a duração do tratamento deveríam, dentro do possível, ser estabelecidos de comum acordo entre terapeuta e paciente, antes de seu início. A isso se tem referi do, entre nós, Ulloa (13). Em lugar de encarregar da duração do Entrevistas preliminares 75 tratamento fatores alheios à situação mesma do paciente, ou que este tenha a impressão de que é imposta pelo terapeuta, seria pre ferível que se pudesse obter uma vez mais a opinião do paciente sobre essa questão, a fim de a elaborarem conjuntamente. O que é pouco - ou muito - tempo para um pode não ser para o outro. “A fixação do tempo - assinala Ulloa - faz-se com a participação explícita do paciente no nível em que ele esteja capacitado para tal elaboração” (13). Isso não implica que aceitaremos ingenuamente as idéias do paciente, mas que buscaremos soluções depois de uma revisão adequada da situação. Quando a duração do tratamento for determinada de antemão, o terapeuta deve procurar, como condição primordial, que a mesma guarde relação direta com os objetivos terapêuticos pro postos, quer dizer, com o tempo que empiricamente estime neces sário para cada paciente alcançar esses objetivos (sem que isso seja um impedimento para efetuar uma recontratação do tratamento, se, uma vez chegado o seu término, seus fins não se cumprirem)10. Fixar previamente uma data para o término da terapia supõe vantagens e desvantagens. Com freqüência, o melhor será não limitá-la, mas às vezes ocorre o contrário: para antepacientes que apresentem uma atitude receosa e de desconfiança (habitualmen te com marcados traços fóbicos ou paranóicos), pode ser conve niente determinar uma data exata - não muito longínqua - para a finalização, com o objetivo de evitar fantasias de ser preso numa armadilha pelo terapeuta; tranqüiliza-os saber, desde o começo, que existe uma data em que o tratamento será concluído. Dessa maneira aceitam com menos dificuldades serem tratados, do que quando se acham ante uma terapia de duração indeterminada. Esta situação se apresenta mais comumente em pacientes de es trato socioeconômico baixo, os quais em princípio não concebem que a psicoterapia deva estender-se demasiadamente no tempo para solucionar seus padecimentos. Se não apelarmos com flexi bilidade para este recurso estratégico, o mais comum é que a abandonem em algum momento ou que simplesmente não a ini ciem. Em contrapartida, se se fixa um prazo, seus receios diante do tratamento são menores, sendo até possível que depois dese jem prolongá-lo. Por último, outras vezes a limitação de tempoparece necessária para estimular e agilizar o trabalho terapêutico do paciente. 76 A lé m d is s o , é m is te r e x p l ic a r a o p a c ie n te , q u e u m a v e z t e r m in a d a a te r a p ia , r e a l iz a r á , j u n to c o m o te r a p e u ta , u m b a la n ç o d o s r e s u l ta d o s o b t id o s , p a r a o q u e a m b o s le v a rã o e m c o n ta s e u e s ta d o n e s s e m o m e n to , e q u e a p a r t i r d a í se r e s o lv e r á a c o n d u ta m a is a d e q u a d a a a s s u m ir ( s e p a r a ç ã o f in a l , f ix a ç ã o d e e n tr e v is ta s d e c o n t r o le , r e c o n t r a to , in d ic a ç ã o d e o u tr o tr a ta m e n to , e tc .) . Explicitação do método de trabalho. Fixação das demais normas contratuais E útil oferecer ao paciente uma idéia acerca das característi cas do tratamento que terá de seguir, ou seja, quais serão, respecti vamente, suas funções, as do terapeuta e eventualmente as da equipe terapêutica. O beneficio dessa tarefa informativa reside em que o paciente, em vez de resistir, à intolerância das ansieda des provocadas pelo desconhecido, poderá pelo contrário coope rar com o terapeuta, tomando conhecimento da técnica que orien tará o trabalho de ambos. No que diz respeito às funções do paciente, dever-se-á fazer empenho em explicar-lhe cuidadosa e detalhadamente o que será sua regra básica de funcionamento no decorrer da psicoterapia. (Da regra básica de funcionamento ocupo-me no capítulo 6, pp. 89 ss.) Convém que o paciente tenha uma noção prévia do papel do terapeuta. Quando se pensa em efetuar uma psicoterapia interpre- tativa, poder-se-á explicar-lhe que se trata fúndamentalmente de ajudá-lo a compreender melhor sua situação, tentando trazer-lhe um ponto de vista diferente, que vá mais além do que lhe permite seu senso comum; que será baseado sobretudo em revelar-lhe aspectos obscuros ou desconhecidos para ele, que podem estar provocando e/ou incrementando seus sofrimentos, e que isso será efetuado através de interpretações, das quais se dará alguma idéia elementar. Desse modo, procuraremos fazer com que se familiari ze o mais rápido possível com o tratamento e se abrevie a etapa de ansiedade, desconcerto ou estranheza, que em princípio costu mam provocar as interpretações, e que em P.B. considero que possa ser prejudicial. Com relação a isso costumo advertir ao pa Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Entrevistas preliminares 77 ciente que é possível que minhas intervenções, particularmente no início do tratamento, lhe pareçam apesar de tudo um pouco es tranhas, e que na realidade notará alguma diferença em relação às conversas que mantém habitualmente com as pessoas. A todos esses esclarecimentos podem agregar-se outros, não menos benéficos para o desenvolvimento do tratamento: cabe as sinalar ao paciente que nossa tentativa de fazê-lo entender suas dificuldades a partir de uma nova perspectiva, que lhe permita en frentá-las melhor, corresponde ao fato de que tais dificuldades superam suas possibilidades de solucioná-las por sua conta; mas, acrescento - ante uma sugestão de Montevechio (9) é de se esperar que ao protagonista de uma situação perturbadora resulte difícil compreender com clareza o que está acontecendo ao seu redor e que, para o terapeuta, do lado de fora, pode tornar-se pos sível entendê-lo e ajudá-lo, graças a seus conhecimentos e expe riência. Com isto tende-se a contrabalançar sua sensação de fra casso ao ter de ir à consulta, como também a fantasia de onipotên cia do terapeuta, sendo conveniente que se ajuste desde o primeiro momento a uma relação mais “real” com este (9). Também convém informar o paciente se se pretende empre gar outros recursos terapêuticos (psicofármacos, entrevistas com familiares, etc.), comunicando, ainda que minimamente, seu sen tido e alcance. Por último, devem fixar-se as diferentes condições do conta to terapêutico, em especial as correspondentes aos aspectos espa- ço-temporais do enquadramento: posição espacial do terapeuta e paciente (geralmente devem sentar-se frente a frente), horários, frequência e duração das sessões; eventualmente, datas do térmi no do tratamento, das entrevistas de avaliação e do novo psico- diagnóstico. Os demais detalhes não diferem do que já se conhece (férias do terapeuta, feriados, honorários, etc.). Referências bibliográficas 1. A lex an d er, F ., “ In d icac io n es p ara la te rap ia”, em F. A lex an d er e T. F ren ch , Terapêutica psicoanalítica, P a idós, B u en o s A ires , 1965, cap. VI. 78 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica 2. B ellak , L. e Sm all, L., Psicoterapia breve y de emergencia, Pax- M éx íco , M éx ico , 1969. 3. C o u rten ay , M ., Sexual Discord in Marriage, T av isto ck , L ondres, 1968. C itado p o r L. S m all, Psicoterapias breves, G ran ica , B uenos A ires , 1972. 4. F io rin i, H. J., “L a p rim era en trev ista em p sico te rap ia b rev e” , em H. J. F io rin i, Teoria y técnica de psicoterapias, N u ev a V isio n , B uenos A ires , 1973, cap . 4. 5. F ricd en th a l, H ., “ L a reco m en d ac ió n de p sico te rap ia a p a rtir dei d iag n ó stico p sico ló g ico ” , Acta psiq. psicol. Amér. Lat., B uenos A ires, 1968, vol. X IV , n° 2. 6. G arc ia A rzeno , M . E ., C o m u n icac ió n personal. 7. F larrow er, M ., “ C óm o ve el tra ta in ien to breve u n p s icó lo g o c lín ico ” , em L. W olberg , Psicoterapia breve, G redos, M ad rid , 1968. 8. M alan , D. H ., A Studv oJ B rie f Psychotherapy, T av isto ck , L ondres, C h arles T hom as, S p rin g fie ld , Illino is, 1963. (V ersão caste lh an a : La psicoterapia breve, C en tro E d ito r de A m érica L atina , B uenos A ires , 1974.) 9. M o n tev ech io , B. R ., C o m u n icac ió n personal. 10. O cam p o , M . L. S. e G arc ia A rzeno , M . E. “El proceso psicodiagnósti- co”, em M. L. S. Ocampo e M. E. Garcia Arzeno, Las técnicas proyecti- vas y el proceso psicodiagnóstico, N ueva V ision , B u en o s A ires , 1.1, cap . I. 1 1 . __ , “ In d icad o res p a ra la reco m en d ac ió n d e te rap ia b reve ex tra ídos de la en trev is ta d ev o lu tiv a” , em M . L. S. O cam p o e M . E. G arc ia A rzen o , ob. cit. em 10, t. 11, cap . XI. 1 2 . __ , “ L a en trev ista de d ev o lu c ió n de in fo rm ac ió n ” , em M . L. S. O cam p o e M . E. G arc ia A rzeno , ob. cit. em 10, t. 11, cap. IX. 13. U lloa , F. O ., “ C o m en tá rio al a rtícu lo de H éc to r Juan F io rin i” , em W. R. G rim so n (com p.) e o u tros, Nuevas perspectivas en salud mental. Instituciones yproblemas, N u ev a V ision , B uenos A ires , 1973. 5. Planejamento do tratamento A elaboração de um plano terapêutico é uma das característi cas que distinguem as psicoterapias breves. Diversos autores têm- se referido à necessidade de planejamento, entre eles French (3) e Alexander (1), que em algumas passagens da Terapêutica psica- nalítica chamam ao tratamento breve terapia planejada (2) (3), o que demonstra a importância que tais autores outorgam ao plane jamento. Este consiste no projeto de uma estratégia terapêutica, efetuado com o fim de alcançar os objetivos propostos. Para conceber a estratégia, dever-se-ão ter presentes diversos elementos provenientes do paciente, do terapeuta e eventualmente da instituição. Com relação ao paciente, será essencial partir dos vários dados obtidos pela avaliação diagnóstico-prognóstica (ver capítulo 4), que terá culminado no desenvolvimento de uma for mulação psicodinâmica antecipada (3). Planejaremos nossa ação terapêutica com base numa estrutura de foco terapêutico inicial. Com relação ao terapeuta e à instituição, dever-se-ão considerar fatores como a experiência prévia daquele e sua habilidade no manejo dos distintos recursos (fatores que deverão ser levados em conta em relação a toda a equipe terapêutica),assim como as pos sibilidades que oferece a instituição. Com a revisão desses elementos, já estaremos em condições de estabelecer um planejamento estratégico adequado. Um programa terapêutico deve surgir, necessariamente, da recolocação das distintas questões técnicas que são suscitadas em 80 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica cada caso particular. Inclui a determinação do tipo de psicoterapia a ser aplicada (em que predomine o insight, de fortalecimento cgóico ou de apoio), os conflitos que vamos abordar, aqueles que serão deixados de lado e a provável seqüência de tal abordagem; estabelecer-se-á muito especialmente a atitude terapêutica a ser assumida diante dos distintos mecanismos defensivos do paciente (incisiva ou pelo contrário de abstenção, ou inclusive de reforça- mento desses); organizar-se-á tudo o que se refere às condições temporais (duração, número e periodicidade das sessões sema nais, duração total do tratamento, etc.) e espaciais do enquadra mento. Outros aspectos relevantes a serem considerados serão: as regras de funcionamento do paciente durante o tratamento (ver capítulo 6), a atitude geral do terapeuta ante o paciente (cálida, muito ativa, diretiva, cautelosa, etc.) que, logicamente, irá sendo regulada pelos indicadores que aparecerem no decorrer das ses sões, os diversos tipos de intervenção do terapeuta (interpretações em suas distintas variantes, assinalamentos, perguntas, informa ções, sugestões, etc.) c o uso de outros recursos terapêuticos (psi- cofármacos, inclusão de familiares e/ou pessoas que lhe são pró ximas, técnicas dramáticas, serviço social, etc.). Também é útil pensar em possíveis inconvenientes terapêuti cos que possam surgir durante o tratamento e na melhor forma de enfrentá-los (3), e ainda em tarefas a realizar se a evolução do paciente o permitir (a abordagem de determinado conflito subja cente, por exemplo). O planejamento deve, além disso, tender para a previsão dos possíveis rumos e das características que pode tomar o processo terapêutico em seus aspectos mais gerais. A experiência demons tra que é conveniente contar desde o começo com uma idéia ante cipada, ainda que elementar e provisória, do princípio do desen volvimento e do final da terapia. Recomendo sobretudo não omi tir tudo o que se refira à conclusão do tratamento, que em certa medida também deverá ser planejada: será necessário prestar atenção às situações que poderá reviver cada paciente na ocasião de enfrentar o luto pela separação do terapeuta e de acordo com isso ao tipo de relação objetai e ao grau de tolerância à frustração que apresenta. Projetar-se-á então alguma tarefa em relação a tal luto que até em sua mínima expressão inclua sempre o assinala- Planejamento do tratamento 81 mento da situação de perda, envolvendo detalhes, tais como o nú mero de sessões semanais a se estabelecerem nas últimas etapas do tratamento (ver capítulo 9). Trata-se em suma que a terapia não fique entregue exclusiva mente à intuição e à improvisação sobre o seu andamento (2). Mas essas alternativas só podem ser previstas até certo ponto, por que de nenhum modo dever-se-á entender que todas essas medi das possuem um caráter rígido e inalterável, já que, pelo contrá rio, o terapeuta deverá ser dotado de uma flexibilidade tal que lhe permita modificar seus planos quando as circunstâncias o exijam, para poder enfrentar com eficácia as situações mutáveis e inespe radas que podem apresentar-se no decorrer do tratamento. Finalmente, recordemos que o planejamento costuma ser fa cilitado e enriquecido pela participação nele, ao lado do terapeuta, dos demais profissionais que evcntualmente intervenham no tra tamento. O intercâmbio de dados e idéias freqüentemente possibilita uma elaboração mais minuciosa, profunda e definitivamente mais adequada do projeto terapêutico, que além disso será comparti lhado precisamente por aqueles que devem colocá-lo em prática em seguida, o que resulta essencial para se obter eficácia terapêu tica. Por isso, em síntese, considero que quando numa terapia está envolvida uma equipe de especialistas (dois ou mais profissio nais), deve ser sempre esta, em conjunto, a encarregada de elabo rar o programa terapêutico. Referências bibliográficas 1. A lex an d er, F., “A lcan ce d e la p s ico te ra p ia” , em F. A lex an d er e T. F rench , Terapêutica psicoanalítica, P a idós, B u en o s A ires , 1965. 2. ___ , “ E ficac ia dei co n tac to b re v e ” , em F. A lex an d e r e T . F ren ch , ob. cit. em l ,c a p . IX . 3. F rench , T ., “ P lan ifícac ió n de la p s ico te ra p ia” , em F. A lex an d er e T. F ren ch , ob. cit. em 1, cap . V II. 6. O tratamento Introdução Uma vez cumpridas as etapas diagnostica e contratual, assim como a de planejamento, inicia-se o tratamento, que se apoiará dentro do possível em hipóteses psicopatológicas e terapêuticas consistentes e ao mesmo tempo em objetivos e enquadramento definidos. Com relaçào aos diferentes aspectos de técnica concernen tes ao tratamento propriamente dito, considerar-se-á em primeiro lugar a relação paciente terapeuta, cujo estudo é ponto de parti da obrigatório para a compreensão dos temas subseqüentes; em seguida referir-me-ei à regra de funcionamento para o paciente, que terá de ser adotada no decorrer da terapia, e ao papel que nesta última poderia caber ao método psicanalítico de associação livre; depois abordarei o problema da atenção do terapeuta em relação à tarefa de focalização; de imediato, examinarei os ele mentos psicoterapêuticos verbais, dedicando uma maior exten são às interpretações, instrumento fundamental na P.B. psicanali- ticamente orientada; por último, figuram algumas reflexões acer ca das sessões e de outros recursos terapêuticos, entre os quais incluo aqueles em que minha própria experiência é maior (uso de psicodrogas e participação de familiares e/ou pessoas próximas do paciente). 84 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica A relação paciente-terapeuta no tratamento breve Referir-me-ei à relação terapêutica na psicoterapia dinâmica breve e às diferenças existentes entre ela e sua correspondente no tratamento psicanalítico. Tomarei como base um resumo que in clui a opinião de alguns autores acerca do tema. Para compreender o porquê das particularidades do vínculo terapêutico em P.B., convém considerar primordialmente o que acontece em relação à transferência e à neurose transferenciai re gressiva1. Antes de passar a ver como podem ser manejadas em uma terapia breve de orientação psicanalitica, efetuaremos uma rápida revisão das características da relação terapêutica no trata mento psicanalítico, que servirá portanto para apontar diferenças significativas. Há, no contexto psicanalítico, condições que facilitam o esta belecimento, o desenvolvimento e a análise da neurose transferen ciai regressiva, a qual, como disse antes (ver capítulo 3, p. 26), é fundamental no processo terapêutico. Assim observamos que: O analista procura manter o anonimato - o que por sua vez contribui para criar um clima de ambiguidade - a fim de não en torpecer a produção dos fenômenos transferenciais; além disso, trata de adotar uma atitude neutra e relativamente distante, o que também implica promover no paciente uma situação de frustra ção-, o vínculo é marcadamente assimétrico, fato acentuado, entre outras coisas, pelo uso do divã. Também no aspecto temporal, o enquadramento favorece a dependência regressiva, constando de várias sessões semanais e de uma duração do tratamento, em princípio, não limitada. Com relação à situação espacial, a posição do paciente, dei tado no divã, encontra-se ligada a fenômenos regressivos, tais co mo o dormir e o meditar, e fomenta, além disso, o desenvolvimen to da neurose transferenciai, dado que, ao estar o paciente privado de ver o analista, o teste de realidade torna-se mais difícil. A regra fundamental psicanalitica, queconsiste no emprego, por parte do paciente, da associação livre, determina neste, por si mesma, um funcionamento mental regressivo. Sob outro ponto de vista cabe acrescentar que, de acordo com Racker (37), ao impli car a abolição do rechaço às associações e à sua comunicação e a 0 tratamento 85 superação das resistências que por isso se vão produzindo, a regra fundamental incide na transferência na situação analítica, confe rindo-lhe uma intensidade particular, pois se produz, em conse- qüência, a projeção dos objetos internos no analista, especialmen te do superego. O analista, por sua vez, emprega a atenção flutuante, tenden do assim a uma comunicação de inconsciente para inconsciente (17). Intervém verbalmente, partindo do material que o paciente traz de maneira espontânea, e sobretudo mediante a interpretação; ante os silêncios, costuma manter uma atitude de espera, permi tindo que se prolonguem. As interpretações transferenciais são muito valorizadas, cons tituindo, para a maioria dos analistas, o instrumento técnico es sencial, e para alguns inclusive o único com efeitos modificado- res (4). Penso que tais interpretações encorajam o paciente à revi são minuciosa e profunda de suas fantasias transferenciais e pro movem a revivescência de situações infantis, favorecendo assim o desenvolvimento da neurose de transferência. Na psicoterapia breve, em troca, devem desencorajar-se tan to o desenvolvimento da regressão como o da neurose transferen ciai (ver capítulo 3, pp. 27 s.), e inclusive faz-se necessário con trolar dentro do possível a intensidade dos fenômenos regressivo- transferenciais. Disso deriva uma série de medidas técnicas que conferem perfis próprios à terapêutica breve. O vínculo que se estabelece com o paciente é mais realista e definido, já que a ambigüidade aqui é inconveniente (11), pois promove situações persecutórias e por isso regressivas. Uma rela ção mais baseada na realidade contrabalança as tendências ao es tabelecimento de uma relação transferenciai neurótica. Fiorini qualificou o papel que o terapeuta deve assumir na psicoterapia de esclarecimento (em boa medida equiparávei, de acordo com a descrição deste autor, à terapia dinâmica breve) como papel real de docente experiente, sublinhando assim o que seria, a seu ver, um dos aspectos mais importantes (7). Por parte do terapeuta, e ao contrário do que ocorre no trata mento psicanalítico, existe uma maior proximidade afetiva, que se espera opere positivamente sobre o processo terapêutico. E que em princípio será preciso que se estabeleça rapidamente um bom 86 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica rapport, sobretudo se se trata de uma terapia cujo tempo será limi tado; dever-se-á fomentar o rápido desenvolvimento de uma alian ça terapêutica, condição básica para aspirar ao êxito. O terapeuta deverá então, na medida do possível, mostrar-se moderadamente cálido, oferecer uma imagem confiável e demonstrar interesse pe los problemas do paciente. A relação terapêutica exige a manutenção de um delicado equilíbrio entre gratificações e privações do paciente. Deve-se per mitir-lhe certo grau de gratificação de necessidades emocionais (por exemplo, respondendo às perguntas formuladas por ele [42]); do contrário corre-se o perigo de despertar ou incrementar - por causa do ressentimento provocado pela frustração - a produção de reações hostis passíveis de determinar um aumento das resistên cias, às quais não teremos tempo suficiente para nos dedicar. Gra tificá-lo em demasia pressupõe, do mesmo modo, certos riscos, tais como dificultar a integração da agressividade e favorecer a dependência (33). Dever-se-á, em suma, tender à manutenção de uma relação transferenciai positiva sublimada ao longo de toda a terapia (2). Só assim poderemos esperar que o paciente assuma uma atitude de colaboração e possa aceitar e utilizar com proveito as interpre tações2. Sentimentos transferenciais de idealização muito intensos podem complicar e prolongar o tratamento; quando surgem, é preciso dissolvê-los prontamente mediante a tarefa interpretativa. Cabe dizer o mesmo a respeito da hostilidade e do erotismo trans ferenciais. Finalmente, a relação será menos assimétrica que no trata mento psicanalítico. O número reduzido de sessões semanais e a duração limitada e geralmente prefixada do tratamento breve desencorajam a re gressão. A posição frente a frente, que é habitual em terapias breves, diferentemente do que se adota em psicanálise (emprego do divã), atua contrapondo-se às tendências do paciente ao desenvolvimen to da regressão e da neurose de transferência. (A percepção visual ajuda a que se situe na realidade.) Tal posição aparece, além disso, como a mais adequada ao tipo de comunicação que tem lugar en tre paciente e terapeuta nessas terapias, posto que se traduz num O tratamento 87 intercâmbio verbal fluido, mais próximo de um diálogo corrente que o psicanalítico. Temos recordado que a regra fundamental da psicanálise é um dos fatores que explicam a intensidade particular que a transferên cia adquire no tratamento psicanalítico. Como em P.B. se trata de evitar um efeito dessa natureza, considero que tal regra não deve ser empregada do mesmo modo que no tratamento psicanalítico. Mais adiante abordarei exaustivamente esse ponto (pp. 89 ss.). Voltando ao tema da comunicação em P.B., é preciso assina lar a função ativa que o terapeuta tem de exercer, e que será deci siva para o alcance de bons resultados. Isto se deve em primeiro lugar à sua possível incidência no vínculo, coadjuvando na manu tenção de uma transferência positiva - em contraste com os efei tos que teria uma atitude menos participante, que pudesse gerar descontentamento ou hostilidade. Deve-se também ao fato de que um papel ativo tem importância para a gestão da focalização da tarefa terapêutica (14), dado que comumente é necessário alcan çar determinadas metas e se dispõe de tempo limitado para isso. A situação requer certa ativação egóica no paciente, que se consegue precisamente através desse funcionamento ativo, pois não pode mos esperar demasiado tempo para que vença, por si mesmo, suas dificuldades para se manter numa comunicação terapêutica pro dutiva e poder aprofundar-se no conflito em questão. O terapeuta simplesmente tenta agilizar o intercâmbio, procurando produzir um efeito catalisador no processo terapêutico. Ao mesmo tempo deve dedicar-se desde o começo e plenamente a ajudar o paciente a resolver situações perturbadoras de sua vida diária. Com tal fim, recorrerá com ffeqüência a intervenções não-interpretativas. For mulará perguntas, assinalamentos, efetuará sugestões, oferecerá informações. Às vezes terá de tomar a iniciativa na comunicação (12), propondo o tema a ser tratado. (Exemplo: “Vejamos aquilo que você mencionou de passagem na última sessão.” Ou por meio de perguntas: “Como passou este fim de semana? Aconteceu al guma coisa especial?”.) E quanto às interpretações, têm de estar dirigidas fundamentalmente ao esclarecimento da conflitiva fo cal3. Em suma, o papel do terapeuta é mais ativo e diretivo que na técnica psicanalítica no que concerne à atitude ante o material que o paciente traz. O terapeuta encaminha a exploração em uma de- 88 terminada direção, escolhendo entre o material aquele relativo ao foco e descartando o extrafocal4. Em certas ocasiões, pode caber ao terapeuta uma participa ção decididamente ativa e direta nos problemas atuais do pacien te. Por meio de sugestões, poderá incidir em alguma medida sobre eles. Assim, por exemplo, ante uma situação fobígena talvez con sidere necessário, depois que o paciente alcançou certa com preensão psicológica do conflito, estimulá-lo a enfrentá-la (27) (49), atitude avalizada já desde 1918 por Freud, com suas reco mendações acerca do tratamento das fobias (21), e posteriormente adotada por muitos profissionais na terapia psicanalitica. A res peito disso, expressaHaley: “A psicanálise dos tempos de Freud não era somente mais breve, mas também mais ativa. Freud esco lhia o tema sobre o qual um paciente tinha de associar e quando este obtinha algum insight do problema sugeria-lhe que se mos trasse ativo em sua vida pessoal, agora que já dispunha de tal conhecimento” (26)\ (Os grifos são meus.) Em geral evita-se o prolongamento excessivo dos silêncios, não só porque incrementa a ansiedade e a conseqüente regressão (42), mas também porque se trata de utilizar operativamente o tempo disponível. Em particular, os silêncios prolongados do te rapeuta podem provocar hostilidade transferenciai devido à frus tração ocasionada. Ante a posição frente a frente entre terapeuta e paciente, tam bém adquirem significação as manifestações pré-verbais do pri meiro. E necessário levar em conta a repercussão dos seus gestos e de sua atitude corporal no paciente se se pretende propiciar a produção de uma aliança terapêutica. Wolberg recomenda que o terapeuta dê “livre expressão à sua mímica facial” (48). E claro então que essas contribuições ao processo de tratamento, que po deriamos chamar de expressões terapêuticas do terapeuta, como o olhar atento e os gestos que revelam interesse pelo relato do paciente, serão benéficas, desde que sejam espontâneas e não-es- tudadas. Por último, o tratamento efetuado no contexto institucional e o uso de diferentes recursos terapêuticos, com eventual participa ção de outros profissionais ligados ao campo da saúde mental, são fatores que contribuem para modificar as condições da relação Psicoterapia breve de orientação psicanalitica 0 tratamento 89 terapêutica, já que introduzem diversas variantes no campo dos fenômenos transferenciais e eontratransferenciais, marcando no vas e substanciais diferenças com o que acontece na psicanálise individual (7) (14). Uma regra básica de funcionam ento em psicoterapia breve de orientação psicanalítictt Na técnica psicanalítica, Freud instituiu o método da associa ção livre, pelo qual o paciente deve comunicar ao analista o que lhe ocorrer, quer dizer, todos os pensamentos que assomem à sua mente, sem nenhuma restrição. A livre associação é, junto com os sonhos c os atos falhos, uma via facilitadora de acesso ao incons ciente, e ao reger de modo praticamente ininterrupto no decorrer do tratamento psicanalítico, configura o que Freud chamou de “regra fundamental”. No terreno das terapias de tempo e objetivos limitados sur gem várias interrogações relacionadas com este tema: 1) Qual deve ser a regra de funcionamento para o paciente? 2) Que papel há de lhe caber no procedimento da livre associação? Deve-se deixá-la completamente de lado ou, pelo contrário, é necessário empregá-la? Neste último caso, como, do mesmo modo que no tratamento psicanalítico ou diferentemente? Revisando as obras mais destacadas da bibliografia corres pondente à psicoterapia breve de orientação psicanalítica, desco brimos que, apesar de se tratar de um aspecto técnico de decisiva importância, ou se tem omitido toda a referência à regra da asso ciação livre (abundando em troca as considerações sobre outros temas, tais como o papel da transferência, o das interpretações, etc.) ou no máximo registram-se alguns pontos de vista em torno da mesma - em geral no sentido de não utilizá-la - na maioria das vezes formulados “de passagem” e com certo caráter dogmático. Vejamos alguns deles: “(...) é desacertada essa atitude passiva e abstencionista, como também o é a associação livre (...)”; “Em geral, a falta material de tempo não nos permite empregar os recursos tradicionais da associação livre, passividade e anonima to”. (L. Wolberg [48]. Os grifos são meus.) “Não acredito nesses 90 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica tratamentos difusos, em que o paciente se senta para discutir a seu bel-prazer qualquer tema que se apresente e a falar praticamente de tudo o que aconteceu e vai acontecer, sem uma idéia diretriz, sobretudo em se tratando de uma psicoterapia breve” (Hoch [28]). “Na psicoterapia rápida, a associação livre, enquanto tal, não é um instrumento essencial” (Bellak e Small [2]). Também Malan, em sua obra sobre psicoterapia breve, sus tenta que a indicação que se dá ao paciente de “dizer o que lhe venha à mente” raramente parece ser necessária. Em outra parte do livro, fala em desencorajar a associação livre (34). No meu entender, não se explicitam claramente os funda mentos em que se sustentam esses critérios7. De minha parte, da rei minha opinião acerca dos problemas que aqui se colocam e que considero que requerem um estudo mais minucioso. O emprego constante do método da associação livre (“regra fundamental” da psicanálise) nos tratamentos breves Começarei por examinar as vantagens e as desvantagens que acarretaria o uso constante (desde o começo do tratamento e de modo praticamente contínuo, durante o mesmo, tal como se faz no tratamento psicanalítico) da associação livre em terapias breves. Analisaremos primeiro as desvantagens. Já recordei os con ceitos de Racker (p. 84) no sentido de que a abolição do rechaço às associações e à sua comunicação por parte do paciente, pelo emprego da associação livre, determina uma maior intensidade de transferência no tratamento psicanalítico, ao dar lugar à ime diata projeção dos objetos internos no analista, em especial do su- perego (37). Esse fato é conveniente para o tratamento psicanalíti co, mas não para a P.B., já que no caso desta última nosso propósi to é o de proteger o paciente tanto da regressão como da neurose de transferência. A associação livre no processo psicanalítico favorece a re gressão e constitui em si mesma um funcionamento mental re gressivo, assemelhando-se a fenômenos como a meditação e o sonho. Produz efeitos regressivos, tais como: a) Incrementar as ansiedades paranóides (entre outros motivos, pela projeção do 910 tratamento superego sobre o analista e o temor ao próprio e desconhecido que poderá emergir), situação que, imagino, além de certo nível pode perturbar consideravelmente um tratamento de duração breve, b) Gerar uma atmosfera de ambigüidade, inadequada a essas tera pias. c) Conduzir o paciente à dispersão, quer dizer, levado pelo curso de suas associações, ele se desvia excessivamente das situa ções conflitivas a serem tratadas (sem maior aproveitamento do tempo em função do problema central do tratamento). Desse mo do, também abre brechas no paciente, pois permite que aflore material vinculado a outros conflitos relativamente alheios ao foco, inclusive os inerentes a situações ou etapas arcaicas, que ficam então a descoberto. Finalmente isso leva a acentuar a dependên cia regressiva em relação ao terapeuta, a qual, em terapia breve, reitero, deverá ser desencorajada8. Em suma, o emprego constante do método da associação livre no tratamento intensificaria os fenômenos transferenciais- regressivos até um ponto indesejável, pelo que, a meu ver, na maioria dos casos não me parece recomendável. Mas cabe agora examinar as vantagens de se adotar a “regra fundamental”. Seriam definidas desde já, pela facilitação do aces so aos conteúdos inconscientes. Sua aplicação pode ser especial mente útil quando se trata de pacientes com excessiva tendência à intelectualização, pois nesse caso a defesa pode ser incrementada se têm de se referir a um tema determinado (à situaçâo-problema), fato que pode resultar propício no tratamento para ser utilizado como o “argumento” ou “libreto” conhecido de antemão. Talvez seja essa uma das poucas situações de exceção em que se poderia apelar para o uso da “regra fundamental”’. Em grupos de discussão, alguns colegas me assinalaram a possibilidade - e suposta conveniência de que em terapias bre ves todo paciente se ajustasse permanentemente à livre associa ção sempre que o terapeuta recorresse a intervenções focalizadas, mostrando-lhe a relação - ou, pelo contrário, a desconexão - domaterial com a problemática principal do tratamento, com o que se respeitaria a essência do procedimento em seu caráter de tera pêutica focal. Sem dúvida, embora não duvide de que antes de mais nada é preciso que seja o terapeuta quem não perca de vista os objetivos do tratamento, e por conseguinte o que corresponde à conflitiva focal - o motivo de preocupação não deve ser tanto que 92 o paciente “saia do foco”, mas sim que o terapeuta se descuide de relocalizá-lo nele; acrescento a este requisito os benefícios que comumente oferece o fato de que também o paciente concentre sua atenção desde o princípio nos problemas a resolver, e não creio que as vantagens provenientes do uso da associação livre, por exemplo, a eventual conexão entre as associações espontâneas e os elementos focais, sejam argumento suficiente para seu em prego sistemático e constante, dados os inconvenientes que o mesmo pode acarretar e que já foram assinalados10. Por outro la do, até agora, ainda que seja possível que no caso de uma situação traumática de reconhecida eficácia patogênica as associações livres do paciente girem em sua grande maioria em torno dela, como o atesta a experiência clínica psicanalítica (com as denomi nadas neuroses traumáticas, por exemplo), o certo é que nem todos os casos tratáveis por meio da P.B. pressupõem a presença de tal situação claramente definida e de suficiente intensidade traumática, razão pela qual a utilização da “regra fundamental” psicanalítica podería dar lugar em alguns momentos ao aprofun damento na estrutura focal, como em outros - e insisto neste aspecto - ao afastamento dela, quer dizer, a “enveredar por outros caminhos”, com as conhecidas conseqüências. Assim sendo, o que pode ocorrer na prática das terapias bre ves? Que o papel ativo e focalizador desempenhado pelo terapeu ta, característica dominante dessas terapias, se interponha reduzin do ou até deixando sem efeito a associação livre espontânea do paciente, quer dizer, entrando em aberta contradição com esta como método dc trabalho. O terapeuta, com suas freqüentes inter venções, graças às quais promove a ativação egóica no paciente (não só através de assinalamentos e interpretações, mas também sugerindo temas ou fazendo perguntas, isto é, atuando de modo mais diretivo no que diz respeito à orientação que deverá imprimir ao pensamento do paciente em direção a uma problemática deter minada), estimulará, sim, neste, o que Fiorini chamou de “associa ções intencionalmente dirigidas”. (“Operativamente, a focalização conduz a trabalhar sobre associações intencionalmente dirigidas, mais do que sobre associações livres”, afirma este autor [8]".) Assim mesmo, e em boa medida, a posição frente a frente, que é a usual nessas terapias, costuma perturbar a associação livre, Psicoterapia breve de orientação psicanalítica 0 tratamento propiciando antes o estabelecimento de uma comunicação em que predomina o processo secundário e portanto mais aproximada do que seria um diálogo corrente. Adoção de uma regra básica de funcionamento para psicoterapias breves F. Fromm Reichman (22) escreveu: “Muitos psicanalistas consideram que uma quantidade suficiente de material dissociado reconhecível chega à superfície e pode ter acesso à consciência no intercâmbio psicoterapêutico mais dirigido.” Isso significa que, por mais que a associação livre favoreça a exploração do incons ciente, isso não implica que sem sua ajuda esta não seja exeqüível. Além disso, o natural e lógico para o paciente é ter que falar ante o terapeuta fundamentalmente de seus sintomas e situações conflitivas. Se a norma de funcionamento se baseia nessa premis sa, a comunicação se verá em geral facilitada, gerando-se um menor montante de ansiedade paranóide. Podemos assim dedicar- nos de maneira seletiva a seus sofrimentos atuais, os quais terão de se converter em tema primordial da terapia (focalização). Por esses motivos, costumo formular uma prescrição de trabalho para os pacientes antes de começar o tratamento breve que consiste no seguinte: esclareço-lhes que poderão falar do que desejem, mas que em princípio convirá que se refiram preferencialmente a tudo aquilo que suponham ter alguma relação com os problemas que combinamos abordar (poderá tratar-se tanto de relatos acerca de fatos atuais da vida deles, como de recordações, pensamentos variados, fantasias, vivências e sonhos). Uso operativo do método da associação livre nos tratamentos breves Será necessário descartar quase por completo a utilização da associação livre em terapias breves? Penso que não. Do mesmo modo que com outros recursos da técnica psicanalítica, podere mos apelar para esses métodos em determinadas circunstâncias. 94 Em minha experiência pessoal, venho ensaiando isso de maneira isolada nos tratamentos - tendo-me resultado de suma utilidade - perante a emergência de certo material que impressionava como significativo e sobretudo podia supor-se - ou inclusive compro var-se - estar ligado à estrutura focal (podendo relacionar-se a um sonho, ao aparecimento de um determinado sintoma, sentimento, fantasia, ato falho, etc.)12. Nesse momento, convidava o paciente a me comunicar as associações que iam surgindo a partir desse material. Essa instrumentalização seletiva do método da associa ção livre permite seu aproveitamento, já que é possível exercer certo controle sobre os efeitos regressivos que seu emprego pode ría provocar, diferentemente do que resultaria se utilizado cons tantemente13. A flexibilidade de que o terapeuta deverá fazer uso há de pos sibilitar-lhe a opção de utilizar este recurso técnico quando o con sidere oportuno e ante pacientes capazes de responder positiva- mente ao mesmo14. A manobra em questão tem naturalmente a in tenção de aprofundar-se no material correspondente ao foco tera pêutico e ffeqüentemente permite ratificar, ampliar ou corrigir as hipóteses psicodinâmicas em jogo, com base no obtido. Dessa maneira, também seríamos consequentes a respeito desse ponto com o que Freud propunha em 1918, quer dizer, a aplicação nas psicoterapias de elementos tomados da psicanálise, mas mediando uma tarefa de “adaptar nossa técnica às novas con dições” (21). Em resumo e com respeito ao destino do método da associa ção livre como recurso técnico no campo das terapias breves, não considero adequado o emprego sistemático do mesmo - salvo es cassas exceções - e creio necessário alertar a respeito de tal emprego quando corresponde a uma simples transposição da téc nica psicanalitica corrente e carece de fundamentos válidos. Des taco, sim, os benefícios de um uso limitado e seletivo do procedi mento no tratamento breve, sugerindo-o com determinados pa cientes e em determinadas circunstâncias, definidas pelo surgi mento de algum elemento significativo, a partir do qual poderá ter lugar o processo associativo, a fim de se aprofundar na conflitiva focal. Psicoterapia breve de orientação psicanalitica 0 tratamento 95 Conformação definitiva de uma regra de funcionamento para psicoterapias breves Finalmente, à norma ou prescrição de trabalho antes propos ta (p. 93), segundo a qual a principal contribuição do paciente será fornecer todo tipo de material que chegue a relacionar com seu sofrimento atual, poderia então agregar-se a explicitação do even tual emprego do método da associação livre em alguns momentos da terapia - ainda que, repito, só em caso de pacientes que reve lem atitudes egóicas suficientes para que tal emprego traga bene fícios . informando-se em detalhe em que consiste o mesmo antes de começar o tratamento. A citada norma de funcionamento se ajustaria às condições próprias da terapia breve. Considero que em grande medida, as sim como a “regra fundamental”, no dizer de Laplanche e Pontalis, “estrutura a situação analitica” (32) (“Regra fundamen tal”, p. 370), esta norma poderia selar as caracteristicas essenciais da relação terapêutica naterapia breve psicanaliticamente orienta da, definindo muito especialmente seu próprio focalizador. Digressões sobre a focalização e a atenção do terapeuta Tem-se dito que na terapia focal o terapeuta deve empregar uma atenção seletiva, em virtude da qual tende a conservar men talmente um foco (na descrição de Malan, a interpretação central em torno da qual deve girar todo o tratamento). Ao mesmo tempo, o terapeuta se concentra de preferência no material que aparece mais diretamente ligado à problemática focal, conduz o paciente ao foco através do trabalho interpretativo e descarta o material distanciado dele (34); tal estado de atenção seletiva parece certa mente o oposto da atenção flutuante recomendada por Freud, de acordo com o qual o analista deve escutar o analisando, evitando na medida do possível privilegiar algum aspecto do material, quer dizer, sem focalizar sua atenção, sendo sua finalidade poder des cobrir neste as conexões inconscientes (17). Sem dúvida, conside ro que o emprego de atenção seletiva em P.B. de nenhuma maneira deve implicar a ausência total de atenção flutuante por parte do 96 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica terapeuta. Resulta bastante útil em muitos momentos recuperar justamente a atenção flutuante, que ao ver-se inevitavelmente dificultada de maneira parcial pela necessidade estratégica de fo- calização, de planejamento e de um papel ativo do terapeuta (antes de tudo, o estar cara a cara, o que torna muito mais difícil mantê-la, já que devemos controlar nossa mímica, às vezes não muito apropriada para a ocasião quando nos abandonamos à aten ção flutuante), não deve por isso ficar anulada no decorrer do pro cesso terapêutico toda vez que desejamos preservar em alguma medida um método mais depurado de exploração do inconsciente, o qual requer seu concurso. Sustento que é possível, pois, valer-se dela, justamente para facilitar o aprofundamento na mesma con- flitiva focal, c ainda para a produção de interpretações focalizadas a partir da contribuição que oferecem as associações espontâneas do terapeuta diante do material focal do paciente. Não se empregando a atenção flutuante, o tratamento breve, no meu entender, corre o risco de se reduzir automática e exclusi vamente a uma terapia do pré-consáente, podendo estereotipar- se consideravelmente o intercâmbio verbal terapeuta-paciente e empobrecer-se o procedimento em suas possibilidades terapêuti cas. Se se prescindir por completo da atenção flutuante, assim como da associação livre, a comunicação terapêutica não seria em momento algum - aceitemo-lo ou não a partir de um ponto de vista terapêutico, mas antes de mais nada coloquemo-lo clara mente - de inconsciente para inconsciente, como em troca se pro cura que seja no tratamento psicanalítico, o qual se sustenta, para isso, na associação livre do paciente e, em contrapartida, na aten ção flutuante do analista (17). Penso que nessas circunstâncias poder-se-ia questionar muito mais severamente que em outras - e com direito - a existência de algum grau de insight e de elabora ção do paciente nessas terapias, obstacularizados ou impedidos ambos pelo tipo de comunicação estabelecida. A atenção flutuante do terapeuta, flexivelmente utilizada em P.B., não traz, a meu ver, consequências desfavoráveis para o tra tamento, muito pelo contrário. Embora retomemos periodicamente, quando seja necessário, à atenção seletiva e implementemos os resultados da atenção flutuante para gerar intervenções focaliza das, nada arriscaremos. Tratarei em seguida de esclarecer um pouco mais esses conceitos. 0 tratamento 97 Sob essa perspectiva chegamos à proposta do que seria no terapeuta uma combinação sucessiva, operativa e flexível de mo mentos de atenção flutuante, seguidos de momentos de atenção mais seletiva, que se alternam de acordo com as vicissitudes da comunicação terapêutica, ainda que sempre se dê no final um retorno ao estado de atenção seletiva focal. Como norma elemen tar, poderiamos estabelecer que toda vez que se solicitem associa ções livres ao paciente, tem-se de escutá-lo em estado de atenção flutuante (qualquer outra atitude implicaria neste caso uma incoe rência técnica, pois se nos decidirmos a procurar que circunstan cialmente o paciente vença a censura existente entre seu conscien te e seu pré-consciente, não vamos incorrer no erro de substituí- la, antepondo nossa própria censura às suas comunicações, efe tuando uma seleção à qual o paciente tenha renunciado [17]). No entanto, isso não significa que o emprego da atenção flutuante em P.B. tenha de reduzir-se somente a tais circunstâncias. Creio que de maneira geral o que poderia embasá-la como requisito básico seria o surgimento de material presumível ou - melhor ainda - claramente relacionado (pelo terapeuta) com o focai, tenha sido tal material trazido de modo espontâneo pelo paciente, tenha apa recido como conseqüência de intervenções focalizadoras do tera peuta (perguntas, assinalamentos, interpretações, pedidos de as sociação livre a partir de um elemento, etc.). Uma possível se- qüência ilustrativa da combinação dos tipos de atenção que pro ponho para o trabalho focalizador é a seguinte: em virtude de sua atenção seletiva, o terapeuta distingue um elemento focal signifi cativo no material do paciente (relativo a um sonho, por exemplo). Em seguida, solicita-lhe associações livres partindo de tal ele mento e se dispõe então a escutá-las com atenção flutuante. Em seguida se dá, por exemplo, o passo na direção da gestação de uma interpretação, como conseqüência da atividade pensante do terapeuta que tem lugar nesse momento (associações, conexões, sínteses, etc.), com retorno final à focalização (atenção seletiva focal) para a conseqüente seleção interna voluntária entre as linhas interpretativas (quando surge mais de uma) do que se rela ciona ao eixo terapêutico, de onde poderá sobrevir - ou não - a formulação de uma interpretação, que tem de ser focalizada. Esta poderá, por sua vez, ter como resposta: a) a emergência de mate- 98 rial focal (associações dirigidas) (8), ante o que o terapeuta tem de abandonar-se igualmente à atenção flutuante e reiniciar o ciclo, ou, então, b) resistencialmente, o distanciamento do foco, o qual, ao transcorrer certo tempo e ser corroborado pelo tera peuta, que voltou a focalizar - automaticamente - sua atenção, o levará a reencaminhar o paciente ao foco, por exemplo, com um assínalamento. Em síntese, material do paciente —> focalização baseada na atenção seletiva do terapeuta —» pedido de associa ção livre ao paciente —» atenção flutuante do terapeuta —> gesta ção da interpretação: atividade pensante com trabalho final de seleção interna do terapeuta (atenção seletiva focal) —»interpre tação focalizada -> material focal atenção flutuante do tera peuta, etc. Mas não podemos extrair algo mais dessa exemplificação? De fato, ela mostra que a atenção seletiva serve basicamente para efetuar uma seleção do material do paciente (em razão de nosso interesse seletivo na problemática focal daquele), mas que na rea lidade a dita seleção segue uma recepção, em estado de atenção flutuante, por parte do terapeuta, do material focal que sobrevêm em continuação, e que é empregando essencialmente esta forma de atenção, a flutuante, que o terapeuta desenvolverá seu trabalho interpretativo. Desse modo, a noção de atenção seletiva na psico terapia focal também encerra no fundo a presença de estados de atenção flutuante do terapeuta (no conceito antes mencionado, de que a atenção seletiva pressupõe a concentração preferencial do terapeuta no material ligado à problemática focal, estaria implícito o emprego da atenção flutuante para a recepção de tal material). Esta é a forma pela qual pessoalmente concebo o que sucede - ou deveria suceder com a atenção do terapeuta na psicoterapia focal, e que me parece sumamente necessário explicitar, já que os diversos autores que vêm se referindo a essa técnica se ocuparam pouco ou nada de aclarar esse tema - da mesma maneira que o relativo à associação livre apesar da sua indubitável importância. Os pacientes que têm certa capacidade para centrar-se na con- flitiva focal nos eximem de maiores preocupações e esforços para orientá-los em direção a ela, facilitando-nos o exercício de nossa atenção flutuante (isto se apresenta do mesmo modo diante dos quadros de neuroses traumáticas, nos quais com freqüência a Psicoterapia breve de orientação psicanalítica O tratamento 99 maior parte do material trazido está vinculada mais ou menos diretamente à situação traumática, inerente ao foco terapêutico). Em suma, a atenção flutuante em P.B. pode ser empregada em diferentes momentos terapeuticamente significativos de nosso trabalho15. A combinação que sugiro tem seu correlato no que foi pro posto para o paciente, quer dizer, colocação seletiva consciente de material focal e associações livres a partir de um elemento focal. A combinação atenção flutuante/atenção seletiva, que pare cería difícil de concretizar na prática, pode dar-se em grau satisfa tório e de modo quase espontâneo em terapeutas convenientemen te treinados. Há uma regulação, que com o tempo se torna auto mática, da atenção, segundo as formas em que se vão dando as seqüências. Vale a pena preservar nesses procedimentos certo grau de atenção flutuante, capitalizada, como vimos, para os fins de aprofundar a elucidação dos psicodinamismos focais e de dar lugar à produção de intervenções focalizadas, tudo isso possibili tando o progresso terapêutico. Elementos psicoterapêuticos verbais Generalidades Em P.B., as intervenções verbais do terapeuta devem reunir três condições básicas: 1?) Manter certa coerência interna (7) (13). Isso quer dizer que de um ponto de vista dinâmico não é admissível que haja con tradições no emprego das diferentes intervenções do terapeuta, as quais devem responder a uma estratégia terapêutica elaborada de acordo com as necessidades de cada caso. E inaceitável, por exemplo, que às intervenções tendentes a desencorajar a regres são se sigam outras que, pelo contrário, a favoreçam. Quando se cometem tais erros tem-se a impressão de que a terapia breve se converte num expoente da improvisação e da imprudência. 2?) Constituir-se de uma proporção elevada de intervenções não-interpretativas. Os assinalamentos, perguntas e comentários 100 que estimulam o intercâmbio verbal têm de ser empregados com uma freqüência maior do que na psicanálise tradicional, a fim de contrabalançar os efeitos da estimulação da dependência que um uso quase exclusivo de interpretações poderia trazer associado. Considera-se desse modo que se deva reafirmar uma relação tera peuta paciente em termos de realidade e de uma menor assime tria. Por outro lado, apelar com freqüência para intervenções não- interpretativas constitui uma clara expressão do papel ativo e focal izador do psicoterapeuta nesse tipo de terapia. 3°) Estar focalizadas. As intervenções, interpretativas ou não, deverão estar de preferência focalizadas, quer dizer, dirigidas seletivamente à problemática focal16. Dessa maneira serão tam bém focalizadoras em seus efeitos, já que estimulam a colocação por parte do paciente de material relacionado com o foco. Trata- se de uma premissa essencial dessas terapias, mediante a qual se procura centralizar o trabalho terapêutico nos problemas vitais e atuais do paciente e não abrir nele outras brechas, como acontece quando se segue uma direção definida e previamente incluída nu ma estratégia terapêutica determinada. Dentre as diferentes intervenções do terapeuta, me ocuparei detalhadamente das interpretações, mencionando sucintamente as restantes. As interpretações na psicoterapia breve de orientação psicanalitica Ainda é objeto de viva discussão tudo o que concerne às interpretações em P.B. Examinarei aqui as contribuições de di versos autores e exporei, além disso, meus pontos de vista a res peito. A apresentação do tema será feita na seguinte ordem: a) Introdução. b) Interpretações e transferências. c) Variantes qualitativas nas interpretações. Atenuação dos efeitos regressivos. d) Interpretação dos sonhos. e) O terapeuta diante do trabalho interpretativo. Psicoterapia breve de orientação psicanalitica 0 tratamento 101 a) Introdução Em primeiro lugar pode-se colocar a que lugar, em ordem de importância, corresponde a interpretação como instrumento terapêutico na P.B. de orientação psicanalítica. A meu ver deve ser a ferramenta fundamental, pois o objetivo principal continua sen do a busca de insight no paciente (sem que por isso se desconheça a incidência de outros mecanismos terapêuticos, que em minha opinião têm um papel secundário). Não obstante, cabería insistir em algumas considerações a respeito. Se aceitamos, partindo das idéias de Rogers (40), que toda interpretação, seja ou não “trans ferenciai”, favorece o estabelecimento de uma relação acentuada- mente dependente do paciente em relação ao terapeuta, parece conveniente que em P.B. as interpretações, sem deixar de ser, como na psicanálise, o elemento terapêutico essencial, se alter nem em maior medida com outros tipos de intervenção verbal (assinalamentos, perguntas, sugestões, etc.), capazes de relocali- zar o paciente uma vez ou outra em sua condição de adulto e nu ma relação menos assimétrica com o terapeuta. Numa palavra, é desejável que o tratamento não se reduza a um emprego exclusi vamente sustentado ou baseado em interpretações, por serem es tas indutoras da dependência regressiva. Quanto à sua profundidade17, minha impressão é de que habitualmente é limitada pelas próprias características do enqua dramento. Existem, por exemplo, dificuldades para se exercer controle sobre as ansiedades que o paciente sofre por efeito das interpretações, dado o número relativamente reduzido de sessões semanais e, comumente, o curto prazo do tratamento. Além dis so, interpretações “profundas” podem, em certas ocasiões, indu zir a estados regressivos de certa consideração; será preciso tam bém contar com a possibilidade de que se produzam reações des favoráveis pelo incremento das resistências. Pois bem, em algu mas oportunidades, um tratamento coloca a necessidade de se atingirem certos niveis de profundidade para que os objetivos terapêuticos propostos possam ser alcançados. E conveniente então avaliar antes a capacidade do paciente para assimilar inter pretações desse teor, efetuando-se ocasional e prudentemente como experiência (48)18. 102 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica O trabalho terapêutico na P.B. de insight é limitado em com paração com o que tem lugar na análise. Poderiamos dizer que o é tanto na superfície (ao ser focalizado) como em profundidade (não abarcando certos aspectos dos conflitos centrais do trata mento, sobretudo os que se acham ligados a conteúdos muito re primidos). Além disso, ignora a maior parte das manifestações inerentes à neurose de transferência, a qual, como sabemos, al cança pouco ou nenhum desenvolvimento no tratamento breve. b) Interpretações e transferências Um dos aspectos mais importantes e polêmicos da teoria da técnica da P.B. diz respeito aos tipos de interpretação que devem ser utilizados no que se refere à transferência ou, melhor dizendo, às transferências19. Examinaremos, agora, os pormenores do uso das denomina das interpretações “transferenciais” e “extratransferenciais”20. Interpretações "extratransferenciais " Em primeiro lugar, vamos analisar o papel das interpretações “extratransferenciais” na terapêutica breve, as que na técnica psi- canalítica não costumam ser levadas muito em conta ou são dire tamente desestimuladas. A meu ver podem configurar sem dúvi da um recurso válido, usual e importante no trabalho interpretati- vo, e não carecem de valor para o tratamento psicanalítico. Isso obedece ao fatode que, em matéria de terapias breves, devemos nos dedicar à tarefa de resolver problemas atuais da realidade externa do paciente mediante a análise e a conseqüente busca de insight a respeito da natureza das situações conflitivas que apre sentam suas transferências, desenvolvidas em qualquer pessoa com quem se relaciona em sua vida diária (cônjuge, filhos, pais, chefes, etc.). Mas o emprego dessas interpretações parece requerer toda via fundamentos teóricos suficientemente sólidos. O que ocorre é que em psicanálise as interpretações “extratransferenciais” quase sempre têm sido, como disse antes, subestimadas, atribuindo-se- 0 tratamento 103 lhes um valor muito secundário na cura, em comparação com as “transferências”. Um claro exemplo disso é a posição adotada por Strachey (41). Entre nós, Guiter, partindo da revisão de pontos essenciais do pensamento freudiano, expõe conceitos que permi tem reivindicar as interpretações “extratransferenciais” em sua significação terapêutica dentro do tratamento psicanalítico (25). Esse autor resgata seus fundamentos teórico-técnicos, o que se reveste de singular importância, já que disso dependerão em gran de parte a validade e o alcance terapêutico que adjudiquemos à técnica breve que apele frcqüentemente para as interpretações mencionadas. Dos pensamentos de Guiter acerca das interpretações não relacionadas com o analista, tenho selecionado aqueles que me parecem mais eloqüentes e ilustrativos (25). Em que pese sua ex tensão, quero transcrevê-los, pois sua menção resulta mais que oportuna ao abordar este tema: “A análise é uma investigação do inconsciente. Não da trans ferência, nem das recordações, nem de nenhuma circunstância em particular.” Depois começa a expor seus pontos de vista em tomo das interpretações que operam “centrando o ponto de urgência fora da transferência ao psicanalista”, as que fazem alusão a “transferên cias” a outras pessoas em relação atual, passada ou futura com o paciente (ainda vou enfatizar - esclarece - as interpretações que se referem à vida atual do paciente, contemporâneas à situação analítica, por serem as mais descuidadas pela psicanálise em seu esquema teórico). Ao dizer isto - continua Guiter - vou afastar- me da maneira tradicional de trabalhar (talvez melhor do que tra balhar, devesse dizer teorizar acerca de técnica, dado que as necessidades da prática psicoterapêutica obrigam o analista a sair e ampliar sua estreita margem conceituai) de muitos psicanalistas de nosso país, nesse momento (1973) em que trabalham partindo da hipótese de que tudo o que o paciente diz se refere ao analista, e que a meta da análise é a busca do objeto transferido para este em suas múltiplas variantes e em seu interjogo com o analisado. Não estou de acordo com essa maneira de trabalhar. Freud confe ria grande valor à transferência, mas, a meu ver, como elemento incluído dentro de uma totalidade englobada pela reconstrução, 104 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica que inclui também o histórico próximo e distante da vida do paciente. O “aqui, agora e comigo” é, para mim, somente uma parte do processo analítico. “O paciente vem à sessão estimulado pela angústia ocasiona da por um determinado problema com raízes no passado e estimu lado a partir do presente. Esse presente pode estar constituído pelo próprio analista ou por qualquer estímulo do dia ou dias ante riores (equiparando-o a um sonho, o elemento estimulador pode ser comparado a um resíduo diurno).” “(...) De modo que, quando um paciente vem à sessão pode chegar estimulado por excitações que ultrapassam sua capacidade de elaboração (e que traz para elaborar na sessão), e essas excita ções podem então ter-se originado na relação com processos reais ou transferenciais, alheios ao analista. Penso então que a missão do analista é interpretar esses fatos sem incluir-se, pois o nível do conflito nesse momento não se relaciona com ele” (grifos do autor). Continuando, Guiter refuta as críticas que se formulam contra essa modalidade de trabalho (no que concerne ao favorecimento de “atuações”, ao grau de veracidade acerca do que o paciente nos relata ou à circunstância de que se trate de “um fato que já passou”, enquanto “na sessão, a situação é presente”). Por razões de espaço abstenho-me de transcrever a passagem correspondente. Mais adiante expressa: “A transferência pode acontecer em qualquer parte; não é forçoso que seja com o analista. Mais ainda, quanto mais se interprete o paciente em relação ao analista, tanto mais se pode tomar essa técnica como defesa, sem ver as transfe rências em outra parte.” (Assinala antes, que mesmo Freud “inter pretava transferências em outros contextos”.) Prossegue dizendo: “Outro problema que se coloca é este: se tudo o que o paciente diz se relaciona com seu analista, e quase tudo o que ocorre na sessão é transferência, reduz-se ao mínimo a relação adulta (ou sã) entre o paciente e o analista, fomentando, no primeiro, regressões patológicas. Dessa maneira, o paciente sempre é um menino de quem o analista é um pai, e se fomenta, iatrogenicamente, a regressão, mas não a regressão útil, de modo que, nesse nivel, o que se consegue é adoecer mais o paciente. 0 tratamento 105 Assim sendo, nós, os analistas, podemos ser paradoxalmente reforçadores de neuroses” (grifos do autor). A clareza expositiva de Guiter me exime de maiores comen tários e, na minha opinião, avaliza com acréscimos o emprego das interpretações “extratransferenciais”. Concordo com o critério de Guiter e entendo que nenhuma terapia interpretativa deva descuidar-se das diferentes transferên cias extraterapêuticas, muito menos reduzir a tarefa à analise da transferência ao terapeuta. Mas, no terreno de P.B., devemos reconhecer a existência de um inconveniente em nosso trabalho de análise das relações do paciente com os diferentes objetos transferenciais de sua realida de externa: o terapeuta conhece pouco o paciente em sua relação terapêutica, em virtude do limitado contato que proporciona o tra tamento. Disso poderíam derivar apreciações e interpretações errôneas da realidade externa do paciente (ainda quando a com preensão da transferência, já evidenciada com o terapeuta, seja de todo o modo um elemento valioso para diagnosticar as caracterís ticas das relações objetais do paciente, do mesmo modo que a compreensão da contratransferência, cabe recordar precisamente que, em psicanálise, o conhecimento que o analista adquire no decorrer do tempo sobre as características da transferência desen volvida pelo paciente para com ele, geralmente, lhe resulta de grande ajuda para inferir e interpretar as demais transferências do paciente. Em PB. devemo-nos desenvolver praticamente sem essa ajuda desde o começo). Mas considero que esse obstáculo pode ser - e é - vencido na maioria das vezes mediante um prévio estu do clínico e psicodiagnóstico o mais amplo possível do paciente, que se impõe em P.B. quase como imprescindível para oferecer sustentação adequada ao nosso trabalho terapêutico posterior. Por outro lado, em função do enquadramento da P.B. e como venho repetindo, os mecanismos terapêuticos não consistem do desenvolvimento e da elaboração da neurose transferenciai; o tra balho não tem por que concentrar-se então na análise exaustiva da relação terapêutica - que poderia propiciar o desenvolvimento da neurose de transferência - recorrendo-se, em troca, a interpreta ções que a desvelem e clarifiquem parcialmente só em determina- 106 das circunstâncias que assim o aconselhem e que citarei em se guida. Com o propósito de evitar fenômenos transferenciais inten sos, Pumpian-Mindlin (36) sugere “desviar a transferência”, quer dizer, os problemas a tratar, em direção a uma figura importante para o paciente, em vez de concentrar a atividade na relação paciente-terapeuta. Eu não chamaria a isto “desviar a transferên cia” - em que desviar poderia ser entendidocomo desviar de maneira forçada, senão melhor, de acordo com o que quase sem pre ocorre na prática, hierarquizar outras transferências preexis tentes do paciente, em função, primeiramente, da real significa ção em sua vida (ou seja, de relações objetais dotadas de um importante montante de libido), e, em segundo lugar, do enqua dramento e das finalidades do procedimento terapêutico breve. Em conseqüência, como numa terapia breve costumam pre dominar as impropriamente chamadas interpretações “extratrans- ferenciais” em relação às “transferenciais”, a tarefa interpretativa se diferencia claramente da do tratamento psicanalítico, no qual prevalecem as segundas ou pelo menos em que se manifesta uma maior proporção delas com relação às que geralmente averigua mos num tratamento breve (as diferenças se acentuam muito mais na análise kleiniana que na análise que mantém uma modalidade técnica freudiana). Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Interpretações "transferenciais " Em P.B. existem critérios díspares quanto ao uso das inter pretações “transferenciais”. Malan assinala que parece haver acordo geral acerca da necessidade de não fomentar o desenvolvi mento da neurose de transferência21. A questão esbarra em como fazê-lo. Ali começam as divergências. Malan não vê nenhum inconveniente em empregar precoce e intensivamente interpreta ções “transferenciais”. Sustenta que os perigos que se corre (de aumentar a dependência, por exemplo) são escassos, que é preci samente através dessas interpretações que se pode resistir ao de senvolvimento de uma neurose transferenciai e lhes assinala um papel muito importante ao alcance de resultados favoráveis (34). Rogers, no outro extremo, alarmado porque induziram o paciente 0 tratamento 107 à dependência, propõe suprimi-las por completo (40). Mas talvez a maioria se incline a um uso prudente e limitado (2) (14) (48), pois considera que utilizadas de modo sistemático como em psi canálise podem fomentar a neurose de transferência (7) (14). Compartilho plenamente essa posição. Além disso, entendo que comumente o paciente tarda em aceitar como algo próprio os ele mentos da transferência para o terapeuta, e que não temos tempo suficiente para insistir demasiado neles (não é conveniente fazê- lo em P.B. por múltiplas razões), e muito menos para incluir reve lações acerca das raízes genéticas infantis do conflito transferen ciai. A fim de resolver problemas vitais atuais que o afetam, o paciente se apresenta para tratar-se só uma ou duas vezes por semana; se apesar de tal situação instarmos para que se concentre em sua relação conosco, poderemos gerar consideráveis resistên cias à tarefa, que reduzirão nossas possibilidades, fundadas no insight, de alcançar o êxito terapêutico desejado”. Por isso creio que devemos nos conformar em prover o paciente de elementos para a conscientização de suas transferên cias para com pessoas significativas, geralmente envolvidas na situação conflitiva em questão, e incluir o vínculo com o terapeuta na maioria dos casos só como uma nova relação transferenciai - e não como o eixo do tratamento - na qual podem, isso sim, aflorar talvez mais seletivamente e apreciar-se com maior clareza as pau tas repetitivas e neuróticas de sua conduta. Assim, sem deixar de “seguir o fio” dos fenômenos transferenciais relacionados àquele a que sua compreensão se refere, o terapeuta geralmente tratará de não estimular com suas intervenções (refiro-me às de qualquer tipo, quer dizer, não só às interpretações, senão também aos assi- nalamentos, perguntas, etc.) o surgimento excessivo desse tipo de material. Mas, paralelamente, ocorre o fato incontestável de que se em certos momentos não se apela para a interpretação “transferen ciai” poderão aparecer ou acentuar-se diversas dificuldades. Quase sempre trata-se da interpretação da transferência negativa. Seguiriamos assim a regra freudiana de não interpretar a transfe rência positiva sublimada, que em troca deverá ser estimulada e utilizada para tornar possível o trabalho terapêutico (18) (19). 108 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Com este último concordam autores como Bellak e Small (2) e Malan (34). Vejamos então quais são as principais situações em que será necessário recorrer às interpretações “transferenciais”: a) Quando surgem resistências transferenciais. Tratar-se-á de vencer através da tarefa interpretativa os obstáculos resisten- ciais provenientes da transferência assim que aparecerem (28)23'. Ausências, atrasos e outras dificuldades do paciente essencial mente para trazer material focal (intervalos de silêncio reiterados, afastamento do foco) quase sempre podem ser interpretados ao menos em parte com relação a situações transferenciais. A título de ilustração, darei um exemplo simples; uma mu lher jovem, num momento do tratamento breve, se negava a falar durante as sessões, durante as quais manifestava uma expressão de nojo para comigo, sem que ela mesma encontrasse motivos ra zoáveis que pudessem justificar tal estado. Ao cabo de algumas sessões, pude apreciar com clareza que repetia em seu vínculo comigo o tipo de relação que mantinha com seu pai, a quem desde tempos atrás não dirigia a palavra. Revelei esta situação transfe renciai à paciente, o que permitiu remover o obstáculo e facilitar o curso posterior do tratamento, ao dissipar de imediato e em gran de parte a resistência surgida, o que se alcançou mediante uma mensagem interpretativa denunciadora do “falso vínculo”, mas que por sua vez desalentava a revivescência de situações infantis na relação com o terapeuta24. b) Quando podem constituir para o paciente um elemento demonstrativo de determinados aspectos de sua problemática focal. Em qualquer momento, a relação com o terapeuta poderá funcionar como um modelo experimental esclarecedor dos pro blemas do paciente com suas relações interpessoais. Mas será conveniente que a interpretação da transferência se realize em circunstâncias em que o fenômeno transferenciai possa ser cla ramente reconhecido pelo paciente. Desse modo, um fragmento de transferência converte-se prontamente em ponto de partida para propiciar insight no paciente acerca dos conflitos com outros seres de sua vida atual - e eventualmente do passado pois o propósito é basicamente estabelecer de imediato a cone xão com esses objetos de conflitos para alcançar uma adaptação à realidade. O tratamento 109 Recorrerei novamente a um exemplo clínico: Trata-se de uma paciente de 32 anos, de caráter histérico, com marcados tra ços fálicos. A situação conflitiva principal na terapia era a relação intensamente competitiva e sadomasoquista que havia estabeleci do com seu cônjuge: descobri que conseguia com ffeqüência irri tá-lo até colocá-lo fora de si, provocando nele reações violentas contra ela que chegavam ao ataque físico. A relação ia sofrendo uma progressiva deterioração, motivo principal de sua consulta25. Foi necessário mostrar-lhe através de uma revisão parcial do vin culo transferenciai como tratava insistentemente e de modo incons ciente de atacar-me e denegrir-me, sobretudo com comentários hostis acerca dos psiquiatras, provocando assim sentimentos de rejeição, raiva e frustração. (Resultava claro que queria despertar minha raiva até conseguir alterar-me, do mesmo modo que a seu marido. Desejava “triunfar” sobre mim e, procurando tomar-me “cego de raiva”, anular-me em minha capacidade terapêutica pen sante. No fundo, sua conduta correspondia uma vez mais a um intenso masoquismo, que a levava a buscar que a maltratassem e também a atentar contra a relação terapêutica.) Com esta inter venção busquei provocar um insight na paciente a respeito do que lhe ocorria com seu marido, partindo da comprovação da situação que experimentava repetitivamente comigo. Além disso, tratei de chamar sua atenção para o fato de que esses aspectos doentes de sua personalidade conspiravam tambémna terapia, colocando-a seriamente em perigo. (Poder-se-á notar, neste último exemplo, que na verdade a intenção de relacionar o fenômeno transferen ciai com algumas perturbações nas relações interpessoais da rea lidade atual da paciente era acompanhada pela tentativa de dissol ver obstáculos resistenciais, o que é frequente na prática psicote- rapêutica. Também no exemplo anterior, ambos os aspectos coe xistiam em certa medida, mas predominava o objetivo de supera ção das resistências.) Todavia, cabe fazer referência ao uso das interpretações “transferenciais” segundo as fases que o tratamento está atraves sando. Nesse aspecto considero que tanto nas etapas iniciais como nas finais do processo terapêutico costuma produzir-se em geral maior necessidade de se recorrer a essas intervenções. Durante as primeiras sessões - porque é preciso despejar o panorama de 110 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica resistências transferenciais dadas pelo natural surgimento de ansiedades paranóides, que se traduz em temores e desconfiança (se estão efetuando então os já conhecidos ajustes à relação de trabalho e fomentando os sentimentos transferenciais positivos) - e nos estágios finais - porque o término da terapia e a eventual separação requerem certo trabalho interpretativo, que contemple, em alguma medida, as situações peculiares de luto que se repro duzem em cada paciente no seio da relação transferenciai. Ainda que no melhor dos casos não seja possível aspirar a níveis muito elevados de elaboração, pelo menos a situação de final de trata mento e de separação deverá ser sempre assinalada para o paciente, com o intento de evitar ou atenuar as reações desfavorá veis que este pudesse apresentar diante de tal situação e de afian çar assim os êxitos terapêuticos obtidos. (Este tema é examinado no capítulo 9.) c) Variantes qualitativas nas interpretações. Atenuação dos efeitos regressivos Já disse que, a meu ver, o emprego - sobretudo fundamenta do - de interpretações “transferenciais” é na psicanálise um fator favorável ao desenvolvimento da neurose transferenciai regressi va, pois leva o paciente a concentrar seu interesse no vínculo tera pêutico e o estimula a reviver nele mesmo situações passadas (ainda que em última instância, ao fazer consciente o inconscien te, mostrando-lhe assim a conexão equivocada, serão em grande medida no curso do processo psicanalítico, o instrumento funda mental, por antonomásia, precisamente para a resolução da neuro se de transferência). Partindo dessa postura poder-se-á compreen der a preocupação de alguns autores, e a minha própria, no terreno da P.B., por debilitar seu efeito indutor da regressão. A idéia é não deixar de utilizá-las quando devemos servir-nos delas, diminuin do, o quanto possível, seu potencial regressivo. Isso implica, além da óbvia restrição quantitativa ao emprego desse tipo de interpre tações, ter de realizar modificações técnicas em sua índole quali tativa. Pessoalmente penso que essas modificações devem referir- se não só ao aspecto verbal, mas também ao para e ao pré-verbal O tratamento 111 da mensagem interpretativa, já que, como sabemos, o tom de voz, por exempio, assim como a expressão corporal do terapeuta, ao formular a interpretação, não são indiferentes em sua repercussão no paciente e no que se refere a suas tendências regressivas. Podemos afirmar que, muito pelo contrário, interferem considera velmente. Na realidade, ante qualquer interpretação, transferen ciai ou não, esta questão se colocará em maior ou menor medida na P.B.. Disse Weiss: “O uso adequado das interpretações (quanto à escolha, momento e forma de apresentá-las) é o meio mais efi caz de que dispõe o terapeuta para regular o tipo e a intensidade da relação” (45). (Os grifos são meus.) Trata-se de controlar na medida do possível a intensidade de regressão transferenciai. Para tanto é necessário que as interpreta ções possuam certas condições, sobretudo que estabeleçam uma ligação de maneira praticamente constante entre o que sucede ao paciente, em sua relação com o terapeuta, e nas relações daquele com os objetos transferenciais de “fora”. A intenção é incluir sempre a realidade que está mais além do consultório, em direção à qual se há de orientar continuamente o paciente, diminuindo dessa maneira a concentração excessiva de exploração psicológica no vínculo com o terapeuta. Descobrimos que Szpilka e Knobel (42) sugerem algo similar como uma maneira de usar a transfe rência sem os perigos de uma neurose transferenciai, isto é: “(...) acompanhar cada interpretação do que ocorre com o terapeuta de um assinalamento do que acontece, além disso com seus amigos, parentes ou demais objetos significativos de seu mundo exter- no”(grifos dos autores). Também a Knobel e Szpilka corresponde uma das observa ções mais interessantes e claras que tenho encontrado a propósito do problema que estamos considerando: “Uma boa utilização da transferência nas psicoterapias breves é aquela que permite a alu são ao terapeuta, mas para desfazer em seguida a confusão que surge dessa alusão. Desfazer significa dizer à parte adulta da per sonalidade do paciente que ele se porta com o terapeuta como se este fosse seu pai, sua mãe ou qualquer outro objeto significativo primário, mas que na realidade isto é fruto de sua percepção errô nea de realidade, já que na verdade, por tais e quais motivos obje tivos, o terapeuta não é nenhum desses objetos primários por ele 112 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica trazidos e pelo terapeuta representados. Entre a emergência do bloco de transferência e sua resolução deve transcorrer por outro lado o menor tempo possível e quase diriamos tão logo venha à tona é necessário desfazê-la” (42). (Grifos dos autores.) Em um traba lho de Córdoba, Andrés Rascovsky e Wencelblat observa-se um nítido paralelismo com essas idéias (3). No meu entender estamos diante de um ponto-chave dentro do trabalho interpretativo. Con sidero que implica que a mensagem, ora manifesta, quer dizer, explicitada na interpretação, ora eventualmente implícita em seu conteúdo, deve ser tal que desalente o prosseguimento da revives- cência de situações infantis no seio da relação transferenciai, o que significa renunciar a explorar a maior parte do “como se” metafórico da técnica psicanalítica26. A importância do conteúdo e da forma de interpretação dever-se-á agregar, reitero, a influên cia de outros fatores, como, por exemplo, o tom de voz emprega do. (O modo como se faz a interpretação, a acentuação que o tera peuta confere a certas palavras ou frases que a integram também podem “convidar” o paciente a estabelecer uma relação regressi- vo-dependente com o terapeuta ou, pelo contrário, desalentá-la.) Para controlar a regressão, e no que diz respeito às interpre tações em geral, registramos algumas coincidências relativas à conveniência de que as intervenções do terapeuta incluam sempre dois aspectos opostos e coexistentes do paciente e não apenas um. Por exemplo: o infantil acompanhado do adulto, o agressivo do construtivo (Szpilkae Knobel [42], Fiorini [ 13])27. Trata-se de não polarizar na direção que fomente a regressão, a dependência e a insegurança, e ao mesmo tempo de chamar a atenção do paciente para seus aspectos adultos ou mais bem integrados e para suas possibilidades evolutivas e autônomas. O outro recurso a ser considerado para se evitar que o pacien te estabeleça uma relação excessivamente regressivo-dependente é apresentar as interpretações sob a forma de perguntas ou suges tões (Gerard [23], Tarachow [43]), como hipóteses que são, numa atitude de certa humildade (Fiorini [16]), que tende a opor obstá culos à idealização da figura do terapeuta. Para isso também será útil mostrar ao paciente de quais elementos do material trazido por ele extraímos nossas interpretações. A atitude que deve assumir o terapeuta a respeito dos ele mentos histórico-genéticosdo conflito atual e particularmente sua O tratamento 113 eventual inclusão nas interpretações que se formulam para o paciente é um ponto que em parte já foi tratado na “Introdução” (pp. 101 s.), a propósito da profundidade das interpretações em P.B., pelo que lhe cabem as considerações ali expostas28. Não obs tante, queria insistir em alguns aspectos fundamentais e particula- rizar outros a fim de aprofundar a visão do tema. Diante de tudo isso, não devemos deixar de reconhecer que colocar ênfase excessiva nos aspectos infantis do paciente pode promover a regressão. Por isso, uma posição extrema consistiría em evitar toda incursão por esses níveis do conflito. Não compar tilho desse critério, por mais que nos tratamentos breves pareça aconselhável abster-se de interpretar em primeira instância e de maneira sistemática tais aspectos, e partir em troca da referência aos fatores atuais em jogo. (Em P.B., por conseguinte, diferente mente do que ocorre no tratamento psicanalítico, não haveria uma intenção prioritária de se remeter às experiências prematuras da vida do paciente.) Mas o certo é que na prática apresentam-se situações em que se tem a impressão, a priori ou no curso de um tratamento breve, de que, enquanto não se incorporarem às inter pretações elementos do passado infantil - os quais certamente sempre se levam em conta para compreender o conflito - poderá produzir-se um estancamento no processo de conscientização e mudança do paciente. Em tais circunstâncias, o terapeuta poderá estimar que é necessário efetuar uma revisão e um trabalho inter- pretativo mais profundo das perturbações do paciente. Reconhecida a necessidade de que a tarefa interpretativa abarque conflitos genéricos infantis, estudaremos em cada caso a possibilidade de colocar isso em prática, com probabilidades de que seja terapeuticamente eficaz. Convirá tomar algumas precau ções (sobretudo se se trata de interpretar a transferência para com o terapeuta), as quais, reiterando o já assinalado em outras oportu nidades, serão as seguintes: 1. Que o paciente demonstre estar capacitado para receber e aproveitar essas interpretações sem experimentar reações desfa voráveis (isto significa em essência respeitar o timing). 2. Que as condições do enquadramento, principalmente as temporais (duração, freqüência e periodicidade das sessões, dura ção total do tratamento), sejam propícias. 114 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica 3. Que os componentes histórico-genéticos a incluir nas in terpretações sejam pertinentes à estrutura focal29. A isto terá de se agregar que: 4. Poder-se-á trabalhar um conflito infantil derivado (por exemplo, com relação a um(a) irmão(ã)30, mas o terapeuta não deve ter por aspiração principal eliminar a amnésia infantil (De- vald [5]), ainda que, quando se considere necessário fazê-lo, tenha de fazer alusão de maneira direta a componentes do conflito original. Neste último caso, realizo um trabalho interpretativo sempre parcial, limitado ao que é imediatamente relacionado à situação-problema, ou seja, ao necessário para obter certa mobili zação e progresso no paciente, descartando outros aspectos do conflito, pois não é possível abarcá-lo em sua totalidade e propen- der para a sua elaboração, carecendo de sentido “abrir feridas” nas defesas. Assim, dificilmente uma terapia breve chega a con frontar o paciente com seu conflito edípico, mostrando-lhe direta mente, por exemplo, o significado incestuoso ou parricida de suas fantasias31. 5. O modo de formular as interpretações tenderá a facilitar que o paciente, mais do que tudo, compreenda os determinantes históricos do conflito atual, em vez de fazê-lo reviver emocional mente os conflitos infantis no seio da relação transferenciai. Este ponto corresponde ao critério sustentado por Szpilka e Knobel, no sentido de que o insight em P.B. tem de ter “maior participação cognitiva que afetiva” (42). A propósito deste aspecto da técnica, têm dito esses autores: “Devemos reconhecer que isto, para al guns indivíduos, pode servir perfeitamente para mobilizar situa ções internas, para as quais ainda não temos métodos de avaliação e que podem ser úteis para alcançar uma adaptação produtiva à realidade” (42). Como corolário da revisão das distintas modificações e agre gados realizáveis nas interpretações, podemos afirmar: de acordo com a conformação da interpretação e a modalidade que assume sua formulação, aquela poderá fornecer o desenvolvimento da regressão e o da neurose de transferência ou, pelo contrário, ten der a neutralizá-los. 0 tratamento 115 d) Interpretação dos sonhos Em P.B. não há tampouco uma unidade de critério com res peito a se devem ou não ser formuladas interpretações acerca do material onírico dos pacientes. A interpretação dos sonhos, praticada do mesmo modo que na psicanálise, conteria um risco básico, em função da possibili dade de estimular excessivamente a produção de fenômenos re gressivos no paciente. Apesar disso, creio que não convém rejei tar de imediato um material tão apropriado, já que a interpretação onírica é “a via régia para o conhecimento do inconsciente” (Freud [20]) e por conseguinte constitui uma ajuda valiosíssima para detectar o ponto de urgência. Mas uma vez mais certos cui dados terão de ser tomados para tratar de controlar a regressão que poderá ser gerada. Como responder a este problema técnico? Creio que diante dos sonhos o terapeuta deve assumir a mesma atitude que ante qualquer outro produto da atividade psíquica (atos falhos, fantasias, etc.), quer dizer, interpretar na medida em que o considere útil, ainda que tendo presente quando, o que e como interpretar. Mas vejamos a que me refiro com o que acabo de mencionar. Quando interpretar A interpretação dos sonhos deverá reger-se pelos mesmos princípios gerais que presidem toda interpretação em P.B., ou seja, se considerará o material onírico interprctável sobretudo quando servir para clarificar a problemática focal. Há sonhos que, desde seu conteúdo manifesto e por sua relação com o contexto, sugerem a priori sua vinculação com o foco. (De qualquer manei ra, não vejo nenhum inconveniente cm tentar, no geral, certa aná lise dos sonhos trazidos pelo paciente. Do que surgir da análise se verá se a formulação de interpretações é indicada ou se pelo con trário o sonho em questão deverá ser deixado de lado nesse senti do; tudo isso dependerá esscncialmente, repito, de tratar-se ou não de material focal. Com isso quero expressar que não costumo “deixar passar” um sonho sem antes efetuar uma tarefa mínima de exploração de seu conteúdo. Em última instância, ainda que não 116 Psicoíerapia breve de orientação psicanalítica derive na formulação de uma interpretação, a análise do sonho, embora limitada em seu alcance, constitui - assim como acontece por exemplo com os fenômenos transferenciais em geral - um recurso de apreciável utilidade para enriquecer nossa compreen são dinâmica do paciente.) O que interpretar Desde logo será preciso hierarquizar aqueles aspectos do sonho inerentes ao focal-atual, o que implica conduzir uma vez mais o paciente ao contato com o conflito central do tratamento, e recolocá-lo assim na realidade de sua vida cotidiana, reduzindo ao mínimo a indução de fenômenos regressivos. Geralmente deve-se evitar referir as interpretações a desejos infantis inconscientes, remetendo-nos em troca só às idéias latentes pré-conscientes. Por outro lado, sempre dentro do que se refere ao conflito a resolver, devem-se interpretar-se mais que tudo aqueles conteúdos que parecem mais claros para o paciente, pois a limitação de tempo permite introduzi-lo só até certo ponto nos significados dos mecanismos oníricos (Hoch [28]). Como interpretar Consideraremos duas questões: uma referente ao método de análise dos sonhos e outra ao conteúdo das interpretações formu ladas para o paciente. Os recursos para analisar os sonhos são em essênciaos da psicanálise, incluindo o auxílio oferecido pelas associações livres do paciente, a quem se podem pedir associações a partir dos dife rentes elementos, tal como se faz na técnica psicanalítica. A tarefa interpretativa se efetuará segundo as normas já assi naladas para a interpretação na PB. psicanaliticamente orientada, especialmente no que concerne à focalização e à transferência. e) O terapeuta diante do trabalho interpretativo Em minha experiência de supervisão de tratamentos breves, venho observando com freqüência que os colegas cometem diver- O tratamento 117 sos erros gerados pela transposição de elementos técnicos da psi canálise sem nenhuma modificação à técnica breve. Entre eles encontramos muito correntemente o abuso da referência a situa ções transferenciais. Recordo com relação a isto um acertado comentário: “Ocorre-me que toda terapia breve apela para a mais primorosa sensibilidade do terapeuta, ao mesmo tempo em que significa justamente cavalgar permanentemente entre a transfe rência e extratransferência.” Fiorini apontou do mesmo modo a necessidade de que o terapeuta se autocontrole na utilização das interpretações “transferenciais” (14). Certas dificuldades próprias do terapeuta determinam que este, além de empregar reiterada e excessivamente interpretações da transferência, com os perigos decorrentes, não resista a seus efeitos regressivos. (Os motivos subjacentes a esta atitude do tera peuta serão considerados no capítulo 8.) Outras intervenções verbais Além das interpretações, o terapeuta conta com diversos ins trumentos na psicologia verbal. Dentre os mais relevantes, pode mos citar: 1. Os assinalamentos, instrumento terapêutico necessário em toda terapia de insight para facilitar o trabalho interpretativo. 2. As perguntas. Cabem não só na etapa diagnostica, mas também durante o tratamento propriamente dito, a fim de se obte rem diversos e necessários dados acerca do paciente sobre o anda mento. Também nesse ponto pode-se apreciar o papel ativo que desempenha o terapeuta. Em outro contexto, as perguntas revelam um terapeuta não-onipotente e interessado no paciente (16). 3. O fornecimento de informações. Em certas ocasiões pode ser benéfico oferecer informações ao paciente acerca de certos temas, tais como os vinculados à sexualidade. 4. As sugestões. São de diversas tendências. Exemplo: desde Freud, leva-se em conta a possibilidade de estimular o paciente fóbico, num dado momento do processo terapêutico, a enfrentar as situações temidas (21). Psicoterapia breve de orientação psicanalítica118 5. Os comentários. Realizam-se essencialmente com o pro pósito de fomentar o intercâmbio verbal. 6. As intervenções de reasseguramento ou de reforço. Já fiz alusão às mesmas ao referir-me ao tema “Fortalecimento e ativa ção das funções egóicas” no capítulo 3, pp. 34 ss. 7. As in d icações. Exemplo: a prescrição de uma psicodroga. 8. Os conselhos. De uso muito esporádico, exceto quando se trata de apoio emocional. Sobre as sessões Em primeiro lugar referir-me-ei à fre q u ê n c ia das sessões. Em geral é conveniente adequar-se às necessidades de cada caso particular. Sem dúvida posso dizer que, na maioria dos casos, duas sessões semanais é um número apropriado para uma psicote rapia breve de insight, uma vez que possibilita uma tarefa de certo aprofundamento e restringe as perspectivas de regressão e depen dência que poderíam ser incrementadas com um maior número de sessões. Em certas ocasiões, pode bastar uma sessão por semana. Além disso, para facilitar a separação ao terminar o trata mento, às vezes pode ser útil ir reduzindo gradualmente a fre- qüência das sessões (sempre que o estado do paciente o permita). Uma maior freqüência pode ser conveniente, ao menos no começo, em casos tais, como: a) S itu a çõ es d e c r ise s muito intensas, que transcorrem com grande angústia, depressão, excitação psicomotriz, etc.; em de pressões intensas e agudas, por exemplo, com grande necessida de de provimentos narcísicos, dada a diminuição da auto-estima. Tentar-se-á assim alcançar um rápido alívio sintomático, que es timule por sua vez a confiança do paciente em suas possibilida des de melhoria (a p o s te r io r i poder-se-á reduzir o número de ses sões). b) P acientes com m arcadas tendências a o actin g out. Para prevenir e conter os a ctin g out, costuma ser recomendável uma freqüência de mais de duas sessões semanais, além de interpretar as fantasias transferenciais que possam estar presentes (mais co mentários sobre esse ponto poderão ser achados no capítulo 10). Quanto à duração das sessões, supõe-se que também pode variar de acordo com as circunstâncias. Pessoalmente penso que uma duração de 40 minutos por sessão resulta adequada, já que geralmente basta para efetuar uma tarefa proveitosa. A medida que a sessão se estende por mais tempo, aumentam as possibili dades de fadiga do terapeuta (não esqueçamos que em P.B. se trabalha comumente frente a frente, exercendo o profissional um papel ativo e buscando obter determinados resultados em um prazo limitado, para o que deve agilizar o processo terapêutico, geralmente o que implica na realização de um esforço significa tivo). O tratamento _ __________________________________ I l y Outros recursos terapêuticos Em muitas ocasiões resulta benéfico agregar outros instru mentos terapêuticos à psicoterapia individual verbal e breve. É sobretudo no âmbito institucional que ocorrem as oportunidades mais promissoras para efetuar tratamentos combinando instru mentos terapêuticos que incluem eventualmente uma tarefa em equipe com outros profissionais da saúde mental, o que pode ser altamente positivo. Supostamente, quando se apela para outros elementos, o ponto de partida deve ser sempre uma fundamenta ção psicodinâmica acerca de sua incorporação ao tratamento e dos efeitos esperados com ela. Um dos tantos propósitos válidos e usuais na aplicação de diversos recursos em P.B. é o de procurar agilizar o processo tera pêutico. As alternativas com que contamos no momento são realmen- ‘te numerosas: psicodrogas, intervenção de familiares e/ou pes soas próximas do paciente, dramatização, psicoterapia grupai, terapia ocupacional, comunidade terapêutica, hipnose, serviço social, intervenção breve, etc. (9) (10) (14) (46) (47). Ocupar-me-ei de dois recursos que me são mais familiares por utilizá-los em minha experiência pessoal como terapeuta. São 120 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica eles: o emprego de psicofármacos e a participação de familiares e/ou figuras próximas do paciente em tratamento. O emprego de psicofármacos A combinação de psicoterapia com psicodrogas pode ser muito útil em diversas circunstâncias, sempre que se tenham pre sentes certas precauções. Não insistirei nas reconhecidas vanta gens provenientes dos efeitos da medicação (alívio sintomático; melhoria na comunicação, permitindo o acesso à psicoterapia de pacientes que de outro modo seriam muito difíceis de tratar; faci- litação do insight, etc.). Em troca, especificarei alguns aspectos de sua aplicação, assim como certas dificuldades que podem sur gir se os psicofármacos não forem manejados adequadamente. Em primeiro lugar, opino que a medicação deve ser forneci da na medida do possível pelo mesmo terapeuta encarregado da psicoterapia (sempre e quando, é claro, se trate de um profissional capacitado para o manejo dos psicofármacos). Sem dúvida é ele quem, conhecendo o paciente melhor que seus colegas, parece o mais indicado para poder realizar uma escolha adequada do medi camento, graduar a dose, controlar seus efeitos e ir efetuando as modificações que julgar convenientes, sem que se necessite da participação de um terceiro. Em segundo lugar, e particularmente naquelas ocasiões em que se efetua uma terapia breve de insight, deverá evitar-se um emprego indiscriminado e rotineiro de medicações, já que isto pode conduzir opaciente a escamotear seus conflitos, anulando-o em suas possibilidades de esclarecê-los e de encontrar uma solu ção mais satisfatória para eles. Ministrar-se-á medicação só na quelas situações em que seu uso seja requerido como coadjuvante da psicoterapia e durante o tempo que se considere estritamente necessário. Aqui é pertinente recordar também que alguns já alertaram sobre os perigos que contém a idealização do medicamento, uma vez que pode gerar no paciente atitudes maníacas (30). Outros assinalaram a decisiva importância do fato de que desde o começo se explicite para o paciente o sentido da administração dos psico- 0 tratamento 121 fármacos (35), posição com a qual concordo e segundo a qual costumo explicar ao paciente, por exemplo, que a medicação é destinada a tornar possível (ou facilitar) sua comunicação comi go, no caso em que esta esteja muito difícil. Também é convenien te esclarecer os objetivos do uso das psicodrogas associadas à P.B. quando se tenha um alívio sintomático, explicando o caráter pa liativo de sua administração. Dever-se-á insistir junto ao paciente que ele deve aspirar a algo mais, isto é, à compreensão e à resolu ção do conflito por meio da psicoterapia. Com essas explicações tende-se a evitar a eventual interferência do efeito da medicação no processo psicoterapêutico (o alívio fácil, sem os esforços e a participação ativa que a psicoterapia supõe), ou seja, a procurar que a melhoria sintomática não seja acompanhada de uma desva lorização da psicoterapia ou, diretamente, da perda de interesse pela mesma. Para esclarecer a questão aos pacientes, costumo recorrer a exemplos simples: freqüentemente refiro-me ao que ocorre quan do a uma pessoa se ministra um analgésico (droga) para acalmar uma dor de dente (representante do sintoma psíquico). A dor pode ceder, mas passado o efeito da medicação, e se não se recorre novamente a ela, ela voltará, pois sua origem, por exemplo, é uma cárie (assimilável ao conflito psíquico), que é a que no fundo deve ser tratada. Em síntese, se não tentamos “curar” a infecção “pela raiz” por meio da psicoterapia, ela persistirá. A participação de familiares e/ou pessoas próximas do paciente no tratamento Freqüentemente é necessário incluir no processo terapêutico breve pessoas vinculadas ao paciente, o que poderá acontecer ou na fase diagnóstico-prognóstica ou na busca de objetivos comuns, na terapêutica e/ou na avaliação de resultados. As metas que mais comumente se buscam com essa conduta são: 1. Obter informações. Resulta em geral sumamente benéfico ter a oportunidade de entrevistar familiares e/ou pessoas próxi mas do paciente e conhecer suas impressões sobre ele32. Procura- se além disso chegar a um diagnóstico psicodinâmico do casal 122 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica e/ou da família, determinar o papel que nela ocupa o paciente, so bretudo quando a problemática está principalmente relacionada com seu meio familiar, partindo da concepção de que aquele é, na realidade, o emergente de um grupo enfermo. 2. Informar sobre o estado do paciente para conseguir que seus familiares ou as pessoas próximas assumam a responsabili dade do tratamento nos casos em que isso seja necessário. 3. Atuar terapeuticamente sobre o meio que rodeia o enfer mo. Isto poderá realizar-se através de entrevistas de orientação e além disso, se for preciso, de uma psicoterapia a cargo do mesmo terapeuta que efetua o tratamento do paciente, ou de outro, com ou sem a inclusão do paciente no tratamento grupai, tudo isso de acordo com os critérios predominantes em cada caso. Em algu mas ocasiões, a indicação poderá ser uma psicoterapia breve ex clusivamente grupai (casal, família) desde o começo. Quisera efetuar agora algumas considerações acerca da RB. dc pacientes adolescentes no que diz respeito ao papel dos pais. Tem-se enfatizado, na PB. de adolescentes, a necessidade de incluir os pais no tratamento, já que se acham profündamente im plicados na crise do filho (31). E não poderia ser de outra maneira quando se trata de buscar modificações em um prazo geralmente limitado, para o que resulta até imperioso trabalhar sobre os pro- genitores e ter constantemente presente a unidade grupai de pato logia. Atualmente, o tratamento pode ser concebido, já não como uma psicoterapia do adolescente, senão do grupo familiar, fato que deverá configurar a regra e não a exceção na P.B. de adoles centes. A participação dos pais (ou tutores) do adolescente no pro cesso terapêutico deverá estender-se desde o início até o final do mesmo. Além dos fins anteriormente mencionados, pelos quais se dá espaço a familiares e/ou pessoas próximas do paciente no tratamento, apresenta-se especialmente aqui a necessidade de fazer intervirem os pais em função de outros fins que se acrescen tam em determinadas fases do procedimento. São elas: a) fase de devolução diagnóstico-prognóstica; b) fase de combinação das metas terapêuticas e dos distintos aspectos do contrato; c) fase de avaliação dos resultados terapêuticos. 0 tratamento 123 a) Os pais, por serem responsáveis pela terapia, e por ter sido requerida sua colaboração, necessitam ter uma noção real do esta do de saúde do filho e de suas perspectivas prognosticas. Quando não recebem informações, ficam mais facilmente sujeitos a suas próprias fantasias acerca da enfermidade de que o filho padece, o que pode produzir efeitos perturbadores de natureza diversa, seja considerando-a mais grave do que o é na realidade seja pelo con trário diminuindo sua importância. b) É imprescindível combinar, junto com o adolescente e seus pais, os objetivos terapêuticos e o contrato. No que concerne especificamente aos objetivos, a situação mais desejável para enfrentar nosso trabalho terapêutico consistirá em alcançar um acordo unânime acerca dos mesmos, quer dizer, entre paciente, pais e terapeuta. Mas com freqüência as coisas não são tão sim ples. Os pais costumam chegar à consulta com determinadas ex pectativas e intenções a respeito do tratamento do filho, que não coincidem com as do paciente e/ou as do terapeuta. Não c possí vel passar por alto desacordos ou mal-entendidos de início e dei xá-los à mercê, por exemplo, da ação retificadora que sobre os pais - no caso em que sejam eles os que interferem inicialmente em nossas finalidades terapêuticas - podería mais adiante exercer a psicoterapia do grupo familiar a ser efetuada, ainda admitindo que depende substancialmente desta que eles aceitem as modifi cações que possam produzir-se na dinâmica familiar. Uma míni ma concordância inicial acerca dos objetivos terapêuticos consti tui um requisito fundamental porque permite começar a tarefa em melhores condições, e que os pais, ante as possíveis mudanças que o filho experimente, não se sintam inteiramente tomados de surpresa ou “atraiçoados” com relação ao planejamento previsto no começo do tratamento a respeito dos fins deste. Trataremos então de que colaborem desde o princípio e de ir preparando-os para que aceitem essas mudanças, objetivo que será facilitado por meio da psicoterapia familiar que virá em continuação. Caso con trário, é muito mais fácil que sobrevenham inconvenientes deriva dos da incompreensão e que consistem em diversos tipos de rea ções negativas por parte dos pais, por exemplo, atitudes represso- ras, culpogênicas e, definitivamente, desqualificadoras dos suces- 124 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica sos do paciente ou, o que é muito comum, que retirem diretamen te o fiiho do tratamento. Por outro lado, é indubitável que os pais têm direito a um esclarecimento sobre o sentido e o alcance do tratamento que o filho venha a empreender. No caso de se apresentarem dificuldades para chegar a um acordo inicial sobre os objetivos, será de utilidade efetuar, logo após obtido um diagnóstico psicodinâmico do grupo familiar e da situação-problema, entrevistas operativas (44) especialmentedestinadas a este fim, as quais poderíam ser conjuntas (29) com os pais e o adolescente ou realizar-se em separado. Essas entre vistas adquirem na realidade grande valor terapêutico, pois nelas devem-se encarar já alguns problemas cruciais da conflitiva fa miliar. A título de exemplo do exposto até aqui, descreverei uma si tuação muito freqüente na psicoterapia de adolescentes: a do jovem que tem uma atitude de rebeldia em relação aos pais. Antes de tudo, devemos fazer compreender a estes pais que nossa finali dade terapêutica não consiste simplesmente em converter o pa ciente, de repente, num filho submisso e obediente, mas em tratar de entender juntos a problemática familiar global que pode estar originando sua rebeldia e o significado profundo da mesma como expressão da crise adolescente e da consequente crise deles mes mos. Procurar-se-á que os pais cheguem a reconhecer que tam bém eles estão imersos no problema e que, para obterem certas mudanças em sua relação com o paciente, será preciso que se comprometam firmemente no esforço terapêutico, pois será ne cessário revisar o que acontece não só com o paciente, mas tam bém com eles. c) Tampouco, os pais devem ficar excluídos da avaliação dos resultados obtidos” . Apelando uma vez mais para entrevistas con juntas ou em separado, solicitar-se-á que tragam suas impressões sobre o estado atual do paciente, o deles mesmos (quando tenham sido tratados) e sobre o tratamento, sendo também eles objeto de uma devolução por parte do terapeuta, mediante a qual este comu nicará sua própria avaliação dos resultados terapêuticos. 0 tratamento 125 Referências bibliográficas 1. A lex an d er, F. e F rench , T ., Terapêutica psicoanalítica, Paidós, B u e n os A ires , 1965. 2. B ellak , L. e Sm all, L ., Psicoterapia brevey de emergencia, Pax-M é- x ico , M éx ico , 1969. 3. C órd o b a , L ., R ascovsky , A . e W en celb la t, J. C ., “ P sico te rap ia breve en ad o lescen tes” , em Cuadernos de la SAPPIA, n° 2, Psicoanálisisy psicoterapia breve en ninõs y adolescentes, K argiem an, B uenos A ires , 1971. 4. D eutsch , F., Applied Psychoanalysis: Selected Lectures on Psycho- therapy, G rune and S tra tton , N ova Y ork , 1949. C itad o p o r L . 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X I. 47 . W o lb erg , L ., “ L a h ipn o sis en la te rap êu tica b rev e”, em L. W olberg e co l., ob. cit. em 28, cap . IX. 4 8 . ___ “ L a técn ica de la p s ico te ra p ia b rev e” , em L . W olberg e co l., ob. cit. em 28, cap. VI. 49. Z y sm an , S., “ A sp ecto s de las p sico te rap ias de o b je tiv o s lim itad o s en n in o s” , ob. cit. em 3. O tratamento___ ______________ ____________________ l £ / 7. Uma sessão depsicoterapia breve Apresentarei aqui o material de uma sessão de psicoterapia focal, que espero possa ser útil para ilustrar aspectos inerentes à relação paciente -terapeuta, às intervenções do terapeuta, à tarefa dc focalização e a outros temas de interesse. Antes de mais nada, e para permitir uma melhor compreensão do que aconteceu na ses são, exporei os dados principais da história clínica e um esboço da estrutura focal da maneira como foi concebida inicialmente'. A paciente, a quem chamarei Rita, é uma jovem que na época da consulta tinha 23 anos. Estava casada há 14 meses, trabalhava como empregada numa oficina e pertencia à classe média baixa. Tinha completado o curso secundário (efetuou algumas matérias no curso de psicologia, mas abandonou-o logo em seguida). Veio à consulta apresentando uma gravidez cujo diagnósti co foi confirmado - de aproximadamente 50 dias, e por não poder tomar uma decisão diante da mesma, isto é, prosseguir com a gra videz ou submeter-se a um aborto. A princípio queria ajuda para compreender melhor suas qualidades a esse respeito e em conse- qüência tomar uma resolução. Consultou-me às escondidas de seu marido, de 27 anos, tam bém empregado, o qual, segundo a paciente, “não acreditava” na psicoterapia e nunca havia aceitado consultar um psiquiatra. O casal havia se conhecido três anos antes. Rita dizia que a rela ção com seu marido era “bastante boa e carinhosa”, ainda que não poucas vezes tivessem desentendimentos e discussões acaloradas. 130 A gravidez não foi planejada conscientemente pelo casal. Haviam começado a manter relações sexuais antes do casa mento. As mesmas eram pouco satisfatórias, seja porque eram vividas por ambos com muita culpa (em Rita, chocavam-se com seu desejo dc chegar virgem ao casamento, simbolizado pelo “casar-se de branco”), seja porque eram constantemente acompa nhadas pelo medo de uma gravidez. Até esse momento não ha viam empregado nenhum método anticonceptivo, a não ser o coi- tus interruptus, assim mesmo cm poucas ocasiões. A paciente não encontrava explicações razoáveis para esse descuido, alegando apenas que assim “era mais cômodo”, que não tinha interesse em submeter-se aos procedimentos habituais de contracepção e que ultimamente, ao verificar que não ficava grávida, havia se desin teressado do assunto. Na realidade, há dois anos ficara grávida e de comum acordo com seu atual marido praticara um aborto. Para tanto, submeteu-se a uma anestesia geral c, segundo lhe contaram, enquanto voltava a si, chorara muito, gritando, de vez em quando, angustiadamente: “tiraram ele de mim!”. A partir do aborto foi sobretudo seu marido quem pareceu ficar preocupado. Temia que tivessem produzido lesões importan tes nos genitais da paciente, que ocasionassem sua esterilidade. Mas, uma vez passado o momento crítico, quase não voltaram a falar no assunto. Ainda que Rita insistisse na dúvida acerca do que queria com relação à gravidez, por momentos parecia inclinar-se ao aborto. Alegava, antes de mais nada, razões econômicas, mas dizia tam bém que se sentia insegura de si mesma e incapacitada para ter um filho. Seu marido adotava uma posição oposta, mostrando-se muito entusiasmado com a idéia de ser pai e confiava em que iriam poder superar os diversos inconvenientes que se apresentas sem. A jovem temia em conseqüência que um aborto afetasse a relação do casal, já que seu marido desejava um filho, enquanto, dizia ela, “deve ser feio tê-lo sem sentir muito desejo”. Um dia, antes de vir à primeira entrevista em meu consultório, havia esta do a ponto de visitar um médico residente para praticar o aborto, mas logo mudou de idéia c, aceitando o conselho de uma amiga, decidiu consultar antes um psicoterapeuta. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Uma sessão de psicoterapia breve 131 Dos antecedentes familiares importa assinalar que a paciente era proveniente de uma família de educação e costumes tradicio nais, com os conhecidos tabus sexuais. A relação com seus pais era de marcada dependência. Vi sitava-os diariamente com seu marido “para bater papo e jantar”. A mãe, segundo ela, era uma pessoa muito severa e domina- dora. Qualificou-a também de “muito nervosa”, com reações anormais de violência, que experimentava ocasionalmente. (“E como se ela não hesitasse em matar alguém nesse momento. Logo se arrepende, se domina...”) Teve dois abortos, um antes e outro depois do nascimento de Rita. Segundo a descrição da paciente, o pai impressionava por ser uma pessoa muito controlada em seus afetos: “Eu sempre digo que é muito diplomático. Nunca se pode saber o que está sentindo e nunca discute com ninguém.” Padecia de hipertensão arterial. Sua relação com ele - disse - era “cordial”. Tinha um irmão, cinco anos mais velho que ela, casado, com uma filha de 4 anos, que após ter vivido um tempo separado dos pais voltara à casa paterna acompanhado da esposa e filha. Segundo Rita, não podia “separar-se deles”2. Tudo o que foi mencionado, além de muitos outros indícios, fazia supor que o grupo familiar correspondia ao tipo dos denomi nados aglutinados (F. e L. Bleger [2]). Sobressaíam as característi cas matriarcais, ante as quais, todavia, a paciente se encontrava em plena luta para alcançar sua individualização. (“Não vivemos ali porque não dormimos. Mas é só o que falta”, dizia com ironia.) A família de Rita se opusera tenazmente a seu casamento, e só ultimamente parecia dar mostras de começar a aceitar ou tole rar seu marido. Diante da notícia da gravidez, o irmão reagiu com aparente indiferença; em troca, o pai adotou uma atitude de franco desagrado, que tratou de explicar à jovem com argumentos, como: “A mulher não deveria sofrer na gravidez, como sofreu sua mãe nas dela, por exemplo, com tantos vômitos e indisposições. Tive que lhe dar soro. Nem água podia beber.” A reação de sua mãe havia sido especialmente desconcertante para Rita e parecia assentar-se em uma intensa ambivalência para com sua gravidez. Segundo a paciente, vivia zombando do genro, dizendo-lhe que “não servia” (alusão ao fato de que não engravidava sua filha). 132 Logo lhe levaram a notícia da confirmação da gravidez, à qual,a princípio, não deu crédito. Em seguida pareceu emocionar-se e começou a chorar. “Mas não sei até que ponto se alegrou - co mentou Rita - porque depois me disse que tomasse algo para tirá- lo. Não, você acha? respondi. ‘Olha que é muito cedo para você perder tempo com uma criança’, me disse ela”. Cabe dizer, também, que os pais do marido, que era filho único, se alegraram muitíssimo com a novidade. Dos antecedentes pessoais de Rita, assinalarei alguns dados significativos: ela acreditava ter sido produto de uma gravidez não desejada por seus pais (já em sua primeira gestação, a mãe havia sofrido diversas moléstias, o que supostamente levou o casal a não desejar outra gravidez). Por outro lado seu pai preferia um menino. Interessa em especial destacar que a mãe de Rita, estando grávida de três meses, teve de se submeter a uma inter venção cirúrgica de urgência, devido a um quadro de apendicite aguda. Essa intervenção foi realizada com anestesia local, corren do as duas, ao que parece, grande risco de vida. Além do mais, sua mãe, segundo lhe contou, havia tido outras moléstias durante essa gravidez (anemia profunda, flebite, e episódios diarréicos). O par to foi normal. Até se casar, Rita sempre dormiu na casa dos pais (a casa em que ainda vivem e que conta apenas com um quarto, sala, cozinha e banheiro). Até os seis anos, dormiu na mesma cama que seu ir mão, instalada ao lado da de seus pais (alegava, para justificar, dificuldades econômicas familiares), depois passou a dormir com sua mãe na cama de casal (enquanto o pai dormia em seu local de trabalho, e o irmão, na sala) até que, com seu casamento, foi viver com o marido em um apartamento alugado. Nesses momentos a preocupava o fato de ver-se obrigada a deixar o bebê aos cuidados da mãe, diariamente, para ir trabalhar. Dizia-me: “Essa casa é um desastre. Não tem lugar para nada.” (Não descartava a possibilidade de recorrer a uma creche, ainda que lhe parecesse que sua mãe cuidaria do filho com mais carinho.) Dois anos antes, num exame clínico motivado por transtor nos intestinais, um médico diagnosticara uma presumível apendi cite crônica3. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Uma sessão de psicoterapia breve 133 Alguns diagnósticos considerados foram: personalidade hi- pomaníaca, com conflitos de natureza neurótica, não chegando a configurar um quadro característico de neurose; funcionamento egóico adequado, com atitudes para o insight, ainda que manifes tando resistências que poderíam acentuar-se4; foco definido, ba seado nos conflitos ante a maternidade. Assinalarei agora os componentes do foco inicial e alguns dos principais psicodinamismos em jogo. Pensei em questões que se vinculavam ao motivo da consulta, tais como: Quais foram os fatores determinantes da busca inconsciente da gravidez atual? O que ela representava para a paciente e para o seu mando? Que fatos motivavam sua ambivalência afetiva e seus temores ante a gestação? Por que se inclinava conscientemente ao aborto?, etc. Creio que podemos partir das dificuldades sexuais de Rita, e dali ir retrocedendo em sua história até chegar a considerar a pro vável incidência de fatos a elas concernentes, inclusive as primei ras etapas de sua vida. Suas relações sexuais pareciam despertar nela intensos sentimentos de culpa, que sem dúvida tinham muito a ver com suas experiências de coabitação e de partilha de cama, e as conseqüentes fantasias incestuosas. Em conseqüência do men cionado, seu aborto podia ser considerado, em parte, como um mecanismo de autocastigo por infringir a proibição, principalmen te por tratar-se de relações sexuais pré-conjugais. Mas o aborto também era gerador de culpa pela destruição do filho, diante da qual a paciente - e ao que parece, ainda que em grau menor, tam bém seu esposo - reagia com tipicas defesas maníacas, negando a dor e a perseguição provocadas por essa perda. A gravidez atual continha então um desejo inconsciente de reparar o dano produzi do, associado à necessidade de comprovar a preservação de seus genitais diante do temor de que tivessem sofrido danos. Mas Rita parecia sentir novamente e de modo imperativo a necessidade de pagar por suas “faltas” com um novo aborto. Além do mais, consi derando seus antecedentes pré-natais, podemos compreender melhor o porquê de suas elevadas ansiedades paranóides ante a sua gestação e suas intenções de abortos. Vamos aventar a hipótese de que suas fantasias de ataque ao ventre materno, alimentadas pelo risco cirúrgico que sofrerá sua mãe, a faziam temer agora por sua própria sorte. Diante de uma imagem fetal seguramente muito per- 134 secutória, em função do luto patológico não-elaborado (aborto), também para ela a imagem materna continha características filiei- das (5), em relação à qual teria lugar o conflito básico da proble mática. (Rita havia nascido entre dois abortos, de uma gravidez, ao que parece, não desejada e muito acidentada, e na qual correu peri go de ser abortada. Inclusive sua mãe a incentivava em certos momentos a abortar, e a jovem, temerosa, só acumulava dúvidas sobre o que desejava fazer. A conduta materna reproduzia, assim, a de um superego ambíguo, já que primeiro incentivava o casal à gravidez por meio de troças a seu genro, para em seguida dizer que abortasse.) Deduz-se que Rita não se sentia com direito de ser mãe, adquirindo a gravidez o caráter de algo pecaminoso, através da qual se via obrigada a abandonar seus desejos maternais5. Havia muito mais elementos em jogo, correspondentes à conflitiva focal. Os relativos à relação de casal da paciente não pareciam relevantes num primeiro momento. Mas sim, por outro lado, os provenientes do meio familiar; a rejeição ante o marido e à gravidez, no que, em uma observação mais profunda, poder- sc-ia descobrir a persistente resistência familiar à sua individuali- zação c desprendimento. A família parecia exercer grande in fluência sobre a paciente, através de seu elevado montante de agressão, da severa educação religiosa, dos tabus sexuais e da crença quase mítica de que a gravidez era uma espécie de enfer midade, desgraça ou maldição, pela qual é preferível não passar. Essa crença era fundamentada nos problemas sofridos por sua mãe e sua cunhada, e expressa verbalmente pelo pai, como emer gente. Por sua vez, a paciente sem dúvida não havia conseguido, até esse momento, superar sua dependência patológica do gru po. Recordando o conceito de foco enunciado por Fiorini (3), interessava além do mais considerar o momento evolutivo que este caso estava atravessando: pudera começar a separar-se físi ca e gradualmente de seu grupo familiar ao contrair matrimônio cerca de um ano atrás. Nessa etapa de doloroso e difícil despren dimento, a perspectiva de ter um filho repercutia curiosamente na jovem, incrementando-se seus temores de experimentar um retrocesso nesse sentido: deixar o bebê aos cuidados de sua mãe consistiría em voltar a ligar-se e submeter-se intensamente à família, especialmente à mãe. Parecia temer que os familiares, Psicoterapia breve de orientação psicanalítica 135Uma sessão de psicoterapia breve em particular a mãe, a despojassem de seu filho, o qual, no caso de não abortar, teria de oferecer a ela, renunciando à sua condi ção de mãe. Estas seriam as regras do jogo que deveria cumprir para não perder o carinho dos seus, sobretudo o materno. Rita tomava como referência o que ocorria com sua pequena sobrinha, que se achava sob o domínio da avó e exposta a uma educação retrógrada. Mas seus temores se baseavam, antes de mais nada, em sua pró pria experiência, que se reativava ao identificar-se com o filho - monopolizado em sua fantasia por sua mãe - no sentido de não poder liberar-se da ligação com a figura materna. Tratarei de reproduzir, com as limitações próprias de todo esquema, o desenvolvido até aqui: 136 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica A paciente não se achava motivadapara realizar um trata mento prolongado. Recorria à consulta por uma necessidade que era, para ela, perfeitamente localizada e circunscrita, motivo pelo qual lhe propus uma psicoterapia de objetivos limitados e de final “aberto”, dependendo da evolução do seu estado e das vicissitu- des que poderíam acompanhar sua gravidez. As metas terapêuticas imediatas consistiam em ajudá-la a en tender melhor as causas determinantes de suas dúvidas a respeito de sua gravidez, assim como as fantasias subjacentes que haviam acompanhado a sua busca. Caso decidisse prosseguir com a gravi dez, o objetivo do tratamento seria a revisão das ansiedades por ela produzidas durante a gestação, assim como das dificuldades de diversos tipos que eventualmente pudessem aparecer. Caso se decidisse pelo aborto, a situação seria reestudada, levando-se em conta seu estado e motivação para o tratamento, ainda que nesse caso tenha-se adiantado que uma assistência psicológica seria tanto ou mais necessária'’. O tratamento foi planejado com base na técnica de insight, com duas sessões semanais de 40 minutos cada, considerando-se útil em algum momento a possibilidade de inclusão do esposo e de outros familiares da paciente no processo terapêutico, por meio de entrevistas de orientação. A sessão A seguir é transcrita quase que literalmente a sétima sessão do tratamento de Rita, que estava próxima de completar o terceiro mês de gestação. Chega com 20 minutos de atraso. P1: (Sorri, um pouco perturbada)-. Não me diga nada... T 1: (Respondo com um sorriso. Há um silêncio de alguns segun dos, que interrompo para dirigir-me a ela, em tom amável)’. O que você pensa a respeito de ter chegado tarde desta vez? P2: A verdade é que sentia frio e tive dificuldades para me le vantar da cama e vir. T2: Além disso, acredita que poderia haver outros motivos? P3: (Incisivamente): Não. ( pensa breve) Sobra-me apenas metade da sessão... (muda bruscamente o tom de voz, que revela agora certa preocupação). Uma sessão de psicoterapia breve 137 T3: Assim é. Então, metade da sessão não vem e a outra metade, sim. Creio que isso tem a ver com seus sentimentos ante a sua gravidez. Quer dizer, você parece se sentir como que dividida em duas partes: uma quer prosseguir a gravidez e ter o bebê, a que vem, e outra não, a que não vem na primei ra metade da sessão... Porque vir aqui adquiriu o significado de ocupar-se de você e de sua gravidez com a idéia de pre servá-la. Um dia, antes de me consultar pela primeira vez, você ia procurar um aborteiro, pelo que eu me converti em algo assim como a contrapartida dele. P4: (Adota uma expressão meditativa): Pode ser, não sei... (A seguir ocorre uma nova pausa, mais prolongada. Mas Rita começa a mostrar-se tensa. Volta a sorrir-me, com si nais visíveis de ansiedade. De novo interrompo o silêncio.) T4: Parece que lhe custa prosseguir, não? P5: (Com expressão de alívio): Sim. E não sei por onde co meçar... T5: Pelo que sente necessidade de trazer hoje e que lhe parece possa ser útil para entender seu problema. P6: Sim, estive pensando, recordando algumas coisas relaciona das com o que você me perguntou nas entrevistas, e que naquela ocasião eu não pude lembrar, sobre alguma coisa ruim de minha infância. Lembrei-me que quando tinha sete anos mataram meu cachorro... T6: (Acompanho seu relato, externando através de um olhar atento e movimentos de cabeça em sinal de aprovação, o in teresse que me desperta sua abordagem): Como foi isso? Conte-me por favor. P7: Você já notou os cachorros, quando estão no cio? Bem. Tí nhamos um cachorro que “andava” com uma cachorra que estava no cio. Como incomodavam e o cachorro estava mui to agitado, meu irmão bateu-lhe com uma cadeira que o “descadeirou”. No dia seguinte, celebrávamos minha pri meira comunhão. Lembro-me de que meus pais e meu irmão comentavam: “Não vamos deixar que as pessoas vejam um cachorro assim maltratado.” O cachorro desapareceu. Logo soube que meu pai e meu irmão o tinham atirado no rio, num saco. Sofri muito com isso... Depois, meu outro cachorro foi 138 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica atropelado por um caminhão, despedaçando a boca. Tudo isso eu não recordava, e ontem me perguntava se era por não serem coisas tão feias, ou se justamente por serem feias pre feri deixá-las de lado... Estive também me lembrando de outras coisas: de quando minha mãe, que sempre foi muito nervosa, brigava com meu pai e pegava uma faca, ameaçan do se matar... T7: Ela tentou alguma vez? P8: Não, pelo menos que eu saiba... T8: Bem, tratemos de ver o que significaram para você esses fatos de sua vida e por que foram recordados agora. Com certeza, você poderia ter recordado outras coisas desagradá veis de sua infância, mas por algum motivo surgem essas recordações, o que não é casual. Parecem estar em parte re lacionadas com os problemas que tem agora. Sua gravidez é sua principal preocupação, e por isso surgem essas lembran ças. Vejamos um pouco por quê: você sofria pelo que acon tecia aos cachorros. Em sessões passadas e nas entrevistas, abaixar um pouco, vimos que para você os cachorros repre sentam os filhos7. Quer dizer, essas recordações, quem sabe, expressam uma grande preocupação que agora tem por sua gravidez, seu carinho maternal e seus desejos de proteção para com seu filho, dos quais não se dá conta, não reconhe cendo em você. Creio que no fundo teme muito perdê-lo, abortar outra vez, que o arranquem como o seu cachorro, que atiraram dentro do rio, num saco. P9: Talvez, mas eu não me dou conta de que isso aconteça com minha gravidez. Não sinto isso tudo... (pausa um pouco pro longada). T9: E no que diz respeito à gravidez de sua mãe, o que viria? Com o que poderia relacionar? PIO: Não sei, não sei se tenho medo por mim mesma... Quem sabe seja isso... TIO: Medo de que lhe suceda algo por estar grávida? PI 1: Sim... TI 1: Sua mãe com a faca, será seu medo ao bisturi, que lhe acon teça o mesmo que a ela? Que a tenham de operar de apendi cite? Uma sessão de psicoterapia breve 139 P12: (Aprova com um movimento de cabeça). T I2: Se bem que um médico lhe haja dito que tem apendicite crô nica, não fica claro o porquê desse temor. Quero dizer, se não haveria mais coisas nisso tudo. P13: Pode ser, na verdade não sei por que me atormenta tanto esse medo de que algo de ruim me aconteça... (pausa). Quero lhe dizer também que estive pensando sobre o que disse na últi ma sessão, de que nada me atraía. Na verdade antes de me casar havia muitas coisas de que eu gostava. Não só viajar, ser uma dama, mas também modelo, estudar. Podia tê-lo feito antes de me casar, mas não quis. T I3: Não quis ou não pôde? Porque talvez algo lhe acontecesse, já que vontade não lhe faltava. P14: Sim... (sorri, como se tivesse sido descoberta)’. Eu gostava de muitas coisas... T I4: É certo que, próximo do casamento, teria de pensar em con seguir um emprego com urgência para poder enfrentar todas as despesas que viriam... P15: (Interrompendo-me)... Sim, mas antes disso não existia esse problema, e no entanto não pude fazer coisas... T I5: Sim, parece que é assim. PI6: Com a psicologia, que eu gostava, minha família e meu marido, cheios de preconceitos, se opunham e me diziam: “Para essa faculdade é que você vai? E psicologia que você quer estudar? Ali são todas umas sem-vergonha, umas Tou cas’. Depois cheguei a pensar que me invejava por ele não ter podido seguir uma carreira nos estudos. Por fim, senti- me cansada da faculdade e a deixei. T 16: O cansaço é, então, uma desculpa, como a de não ter querido fazer coisas que na realidade você gostava. São explicações que procuram esconder quanto você dependia da opinião dos outros e quanto estava submetida a eles. Assim acabou por se submeter a seu marido, abandonando os estudos quando estudar era algo muito desejado por você. Pergunto- me se tudo isso não está relacionado ainda com suas dificul dades em vir àssessões. E como se fosse algo relacionado aos seus estudos de psicologia, para os quais não teve apro vação deles, motivo pelo qual lhe custa vir aqui. Além do 140 mais, Iembre-sc de que você não comentou com seu marido que está se tratando. Você o faz às escondidas. P I7: Tem razão. Creio que é como você diz. Enquanto você fala va, eu pensava: parece que sempre necessitei que alguém me desse um empurrãozinho, que me apóie para eu poder fazer coisas... TI 7: Talvez esteja buscando isso em mim. Hoje, você se permite falar aqui de seus interesses, mostra-se com mais iniciativa, quem sabe espera que a ajude, assinalando. Esse problema de suas dificuldades para empreender algumas atividades muito desejadas é muito importante, e creio que é parecido com o que acontece com suas dificuldades ante sua gravi dez. Tem desejos muito encobertos de ser mãe, deles dando mostras hoje, com o caso dos cachorros. Mas quem sabe, também nisso se sinta sem permissão para seguir adiante. Uma permissão que estava esperando sobretudo de sua mãe, mas também de mim. Queria sentir-se autorizada por mim a prosseguir com sua gravidez. Seria o empurrãozinho de que necessita para preservá-la, defendê-la. Pelo visto, se preocu pa muito com o que pensa sua família sobre sua gravidez, em especial sua mãe. Recorde como sua disposição sobre sua gravidez se modificou quando ela mudou de opinião e a aprovou. Recentemente então se sentiu com permissão, ainda que, como sente que ela não a aceita de todo, não se sinta muito tranqüila, segundo parece. P I8. E que eu sempre tive medo de minha mãe. Meu irmão a con testava, se rebelava e então “levava”. Eu me salvava por ficar caladinha. T18: Isso explica por que quando ela lhe disse “tire-o”, você ensaiou uma defesa muito tímida: “Não, você acha?”, disse você. Foi então, não só por suas próprias dúvidas, mas também por seus temores em contradizê-la. Seria desobedecer-lhe, rebe lar-se e expor-se a ser castigada por ela. Por isso tem medo de manter a gravidez, a qual teria, como castigo, a ocorrência de alguma coisa ruim, como por exemplo que a tenham de ope rar de apendicite. Em parte, por tudo isso sente que seria melhor “tirá-lo” e assim evitar o perigo. Isso significa que continua dependendo dos outros, esperando aprovação para levar suas coisas adiante e agora sua gravidez. Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Uma sessão de psicoterapia breve 141 P I9: (Protestando em tom amável): Bem, doutor, mas meus pais não aceitavam meu marido, opunham-se a que eu me casas se, e no entanto eu o fiz! T I9: Está certo, então se entende que é com muita razão que você se sinta tão inquieta. Além de se atrever a casar sem a apro vação de seus pais, agora quer ter um filho dele... (brincan do)'. É o fim! P20: Ah!... (surpresa). Não havia pensado nisso... Acho que é assim. T20: Então, acho que se coloca na posição do cachorrinho, te mendo ser duramente castigada por “esquentar” e ter rela ções sexuais. Seu sentimento de culpa por ter-se casado, apesar da oposição de seus pais, e por ter relações sexuais antes e depois do casamento, parece que não desapareceu, e agora é maior com a gravidez. Se bem que deva haver mui tas outras coisas para se ver com respeito aos problemas ante sua gravidez, creio que hoje vimos algumas que parecem ser muito importantes e que devem estar pesando muito em você. O que acha? P21: Acho que sim, que tem razão. T21: Temos que encerrar por hoje. Comentários sobre a sessão A paciente chega tarde, coisa que já havia ocorrido em algu mas sessões anteriores. Em primeiro lugar, trato de concentrar sua atenção sobre este fato, já que ele interfere sensivelmente em nosso trabalho. Faço-o de modo a ser o menos persecutório possí vel, não permitindo que ocorra um silêncio prolongado, que cor rería o risco de ser vivenciado como muito inquisidor ou direta mente acusador (Intervenções T 1 e T2). Por mais que o fato de querer ficar na cama possa em parte ser explicado pela retração e excesso de sono que as mulheres costumam sentir durante as pri meiras semanas de gravidez, e cuja causa é a regressão que se pro duziría a partir da identificação com o feto (6), abordo suas resis tências através de um fator determinante, essencial às mesmas. Isto é, através de sua ambivalência ante a gravidez, mostrando-lhe 142 também o pape! de defensor e protetor desta, no qual parece que rer me situar (T3). Além do mais, trata-se fundamentalmente de uma interpretação “transferencia!”, destinada a superar o obstácu lo resistencial, uma vez que já nos momentos iniciais da sessão uma intenção focalizadora se manifesta através desta intervenção. Em T4, volto a interromper seu silêncio com uma interven ção que tende a tranqüilizá-la, atenuando assim sua perseguição, visto que quero fazê-la sentir que compreendo - e tolero - suas dificuldades de trabalhar na sessão. Em T6, através da expressão corporal que manifesto, de monstro à paciente também verbalmente atenção e interesse diante do material que me traz, numa tentativa de propiciar boa relação terapêutica e particularmente de estimular sua atividade egóica (recordar, raciocinar, etc.), a serviço da tarefa terapêutica. Em P6 mencionou algo que lhe aconteceu com um cachorro. Corno em sessões anteriores havia ficado evidenciado que este animal sim bolizava para ela os filhos, deduzo então que se trata de material pertinente ao foco. Reforço, portanto, a canalização nessa direção, dispondo-me a escutá-la fazendo uso da atenção flutuante. No transcorrer do tratamento, a tarefa mterpretativa estimula o aparecimento de um rico material associativo, como o de P7. Rita relata ali recordações que impressionam pelo vínculo à repressão sexual e à violência de seu meio familiar. A esse respei to, esboça levemente uma atitude crítica, na verdade pouco desen volvida em conseqüência de sua submissão, quando admite a pos sibilidade de tratar-se de coisas “feias”. Estamos sem dúvida diante de um material focal que convém abordar. Parece estar do tado de uma grande carga emocional que me impressiona muito, dando-me a sensação, além do mais, por indícios que a seguir veremos, de estar diante de algo de decisiva importância para compreender a problemática da paciente. As recordações de Rita provocam em mim ocorrências que, segundo vislumbro, podem ajudar-me a detectar o ponto de urgên cia. Tudo isso acontece rapidamente. Trata-se agora de decidir o que interpretar e de eleger uma determinada linha interpretativa entre várias possíveis, situação essa que se apresenta com freqüên- cia nessas terapias. Mencionarei alguns dos pensamentos que me passaram pela mente nesses momentos sobre o significado que Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Uma sessão depsicoterapia breve 143 poderiam ter essas recordações surgidas em tais circunstâncias, e prestarei especial atenção à primeira das ditas recordações. 1. Estariam relacionadas com sentimentos infantis de culpa e fantasias de castigo pela sexualidade incestuosa. (E sobretudo a recordação descrita pela paciente no primeiro momento que suge re tal conteúdo.) 2. Penso a seguir que poderiam estar encobrindo situações tanto anteriores quanto posteriores à época de que datam. A esse respeito me ocorre que a primeira comunhão poderia então repre sentar seu casamento (as meninas trajando longos vestidos bran cos se assemelham a pequenas noivas); as atividades sexuais dos animais na véspera dessa comunhão, suas próprias relações pré- conjugais; o cachorro machucado, sua genitalidade culposa e rejeitada que ela sente que a destrói, pois a faz perder sua pureza e que por isso, por tratar-se de um pecado, deve ocultar, casando-sc “de branco”. (“Não vamos mostrar um cachorro assim maltratado aos outros”.) Também o cachorro jogado ao rio dentro de um saco e o sofrimento experimentado encobririam outro fragmento de sua história: o aborto, a dor que lhe causa, a preocupação pelo feto perdidoe seu destino, tudo isso que é necessário negar ou subesti mar e ao qual se soma o fato de que o aborto é por sua vez o casti go por haver realizado algo proibido. 3. A cadela no cio me faz pensar na atual gravidez de Rita, já que o cio é o período em que ocorre a fecundação. Este pensa mento é o ponto de partida para as duas suposições que figuram a seguir. 4. Poderia haver, além do mais, fantasias subjacentes referi das ao parto, nas quais prevalecería o temor de dar à luz um filho deficiente ou talvez monstruoso (cachorro “descadeirado”), que teria de ocultar ou eliminar, o que se relacionaria com sua culpa por desejos sexuais incestuosos e pelo aborto. 5. Expressariam sua atual preocupação e seus temores pelo que poderia acontecer a seu filho e em especial pela perspectiva de ser vítima de um violento ataque familiar à sua gravidez, ata que fantasiado como aborto, já que a família aparece condenando sua sexualidade e por fim seu matrimônio e gravidez. Ainda que todas essas hipóteses sejam concernentes à confli- tiva focal c se encontrem intimamente relacionadas, decido for- 144 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalitica mular uma interpretação que possa conectá-la com as prováveis fantasias subjacentes enunciadas no item 5. É que este último enfoque se ajusta melhor ao que tem sido evidenciado nas ses sões. Por outro lado, seu medo de abortar é próprio da etapa de gestação que está atravessando, na qual existe um risco de aborto espontâneo (6). Nessas circunstâncias poderia ser menos difícil que compreenda e aceite uma interpretação referente a esses temores, do que se a opção tivesse sido por outras interpretações. Isto porque parto de fatores já conhecidos de Rita, como o dos cachorros que para ela têm o significado de bebês, e a oposição familiar à sua gestação. Um objetivo importante aqui é que ela possa tomar consciência de seus sentimentos de proteção para com o filho, assim como o faz com os sentimentos de rejeição ante a gravidez. Também é necessário que reconheça que foram os sentimentos de proteção projetados no esposo e em mim que possibilitaram sua consulta8. Em T8 configura-se então uma abertura para uma linha inter- pretativa a ser seguida no transcorrer dessa sessão. Começo ali tra tando de comunicar à jovem que a aparição dessas recordações se deve ao determinismo psíquico. Mostro suas tendências maternais ocultas, o medo de perder o filho outra vez através de novo aborto, fantasiado como se fosse a família que lhe arrebata violentamente o filho e o destrói, como aconteceu com seu cachorro. (A evocação de um cachorro atropelado por um caminhão parece expressar também sua preocupação pelo destino do filho.) Em P9, a paciente aparentemente rejeita a interpretação, uti lizando-se essencialmente da negação. Em T9, procuro indagar - mediante uma pergunta o que significa o ressurgimento da recordação dos acessos de violência de sua mãe1. Pode-se observar aqui. além do mais, e no seguimen to da sessão, a assunção de um papel decididamente ativo por parte do terapeuta, que não se limita a esperar o material da pa ciente e interpretar a partir de sua apresentação, mas que participa intensamente e de diversas maneiras, incluindo a formulação ffe- qüente de perguntas (Tl, T2, T4, T6, T7, T9) e de explicações que recordam sinteticamente a ordem de trabalho (T5). Junto à ativa ção egóica da paciente, isso se vai traduzindo numa gradual de marcação e aprofundamento focais. Uma sessão de psicoterapia breve 145 A partir de PIO, vai-se confirmando a existência de uma imago materna muito persecutória, pela qual inconscientemente se sente ameaçada e condenada a abortar, o que configuraria o conflito básico. TIO e TI 1 são na realidade interpretações que es boçam e apontam para esse conflito (ainda que sem revelá-lo dire tamente no momento), formuladas como interrogações, quer dizer, como suposições, e também destinadas a comprovar sua resposta a elas a fim de verificar sua tolerância para enfrentar os referidos conflitos. Seu medo de ter de se submeter a uma inter venção cirúrgica de apendicite, como o fora sua mãe, está sem dúvida muito mais próximo da consciência que seu medo do aborto - daí sua rápida resposta de aceitação da interpretação em P 12, o que não ocorre em P9 - configurando o ponto de emergên cia, dado pelos temores particulares correspondentes à etapa de gestação que está atravessando10 e que o mito familiar acerca da gravidez fomenta sobremaneira11. Em T 12 trato de incrementar sua motivação para compreen der melhor as causas de seus temores, formulando uma nova interrogação. Em P I3, inicialmente não aborda de modo direto elementos de interesses como resposta. Logo sobrevêm uma pausa, através da qual parece querer fugir ao tema, quem sabe muito ansiógeno (o que sugere que devo ter cuidado em não for mular interpretações prematuras dentro do conflito em questão), ainda que aquilo a que faz referência guarde igualmente estreita relação com o evitado. Isso porque alude à sua submissão ao grupo familiar, assim como ao seu parceiro - como se pode com provar mais adiante na sessão - , que a levou a abandonar diversas atividades, censuradas essencialmente pelas conotações sexuais que teriam para eles. Em T I3, assinalo a negação maníaca da realidade, isto é, a submissão às normas grupais. (Nesta paciente toma-se necessário assinalar constantemente o empobrecimento a que conduz a exa cerbação de suas defesas maníacas, que se opõem fundamental- mente ao autoconhecimento.) Em P14 e P I5, a paciente demonstra aceitar a realidade evi denciada. A negação parece ceder um pouco. Já em P 16 se anima a resgatar e evocar juízos críticos para com aqueles que se opu nham preconceituosamente a seus estudos. 146 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalitica Em T I6 aludo às suas racionalizações diante das dificulda des causadas pela submissão, às quais acrescento as que registra para vir às sessões por sua vinculação com o proibido (a psicolo gia). Insisto assim em deter-me nos obstáculos resistenciais. Por outro lado, observa-se também a extensão que nessa oportunidade como em outras, dentro dessa sessão, pode alcançar a formulação de uma interpretação ou de qualquer outra intervenção verbal nes ses tratamentos. Isso se harmoniza com o tipo de vínculo e por tanto de comunicação que se instala, cujas características são uma mútua participação ativa, numa atmosfera de ágil intercâmbio, na qual não preocupa muito que em certos momentos o terapeuta possa chegar a falar tanto ou mais que o paciente. Em P I7, pode-se dizer que Rita está próxima de um insight. O material que fornece se apresenta extremamente produtivo e revela, além do mais, um bom funcionamento egóico a serviço da tarefa. Em T I7 faz-se necessário interpretar a transferência. Por meio dessa interpretação espera-se que Rita compreenda um aspecto importantíssimo de sua problemática atual e o motivo latente da consulta, que seria a busca de uma figura parental - sobretudo materna - permissiva e protetora para sua maternida de12. Incluo-me nessa interpretação, sem que isso no entanto implique concentrar todo o interesse da paciente na relação tera pêutica. Assim sendo, procuro de imediato orientar sua atenção para as figuras de sua realidade externa e cotidiana, característica fundamental dessas terapias. Para a paciente, a interpretação “transferenciai” cumpre aqui uma função claramente ilustrativa de seus problemas atuais (dependência patológica), sem no entan to ser utilizada como um instrumento para promover a dependên cia regressiva transferenciai, não constituindo necessariamente o tipo principal de interpretação e conectando o que sucede com outros objetos da realidade externa. Em T 17 pode-se observar também a intenção de recolocar a paciente na situação-problema, trazendo novamente para o pri meiro plano sua gestação, o que configura um aspecto do trabalho de focalização. Em P 18 surgeo temor de Rita à sua genitora, em especial o castigo pela rebelião, o que, dentro de uma estrutura focal, já en- Uma sessão depsicoterapia breve 147 volve o conflito básico. Esse momento é resultado da lenta pene tração no foco durante a sessão e de que pouco a pouco foram cedendo as defesas maníacas, permitindo assim que venha à tona a situação persecutória subjacente. T18 é uma nova interpretação “extratransferencial”, por meio da qual se tenta promover um insight inicial de um aspecto decisivo de seus conflitos, dado por sua submissão à figura mater na e por extensão a outras figuras superegóicas. A perspectiva é conseguir, em sessões posteriores - até onde seja possível e indi cado e com base nessa revelação - , um maior aprofundamento, que contemple entre outras coisas o problema da culpa, num sen tido mais amplo, pelo fato de crescer e desprender-se do grupo familiar. Em P19, a paciente traz elementos para que em T 19 se con firme e complemente o expresso em T I8, favorecendo assim que se clarifique ainda mais sua visão do problema atual à luz de seus sentimentos de culpa por ter-se “rebelado”. A intervenção em T I9, em tom de brincadeira - sempre com base numa atitude cordial para com a paciente responde ao mo do expressivo assumido por Rita em P I9 e encerra um momento de insight obtido, como parece atestar sua reação em P20, demonstrativa do efeito emocional produzido pelas descobertas. (Este momento da sessão é por sua vez um dos que melhor exem plificam a afabilidade e a fluidez de diálogo que a comunicação pode assumir.) Em T20, por fim, creio ser possível e oportuno confrontar a paciente, contando com certas perspectivas de que consiga um insight, com conteúdos reprimidos que possam emergir das recor dações do cachorro maltratado, de tal modo que quase toda a ses são pode ser considerada sob esse ponto de vista como um traba lho preparatório para a receptividade de interpretações similares, de importância crucial no processo terapêutico, posto que abor dam, ainda que parcialmente, o conflito básico dentro do foco, o que nem sempre é possível. Também tento, em T20, reafirmar o já formulado em interpretações imediatamente anteriores. Por últi mo e como forma de encerrar, incluo apreciações acerca das des cobertas obtidas na sessão, que espero sirvam para estimular a participação de Rita na tarefa, e ao mesmo tempo procuro manter 148 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica sua curiosidade e suas expectativas a respeito desta (“...deve haver muitas outras coisas para serem vistas...”, etc.) e propiciar nela uma atitude reflexiva, de introspecção, dificultando eventuais ten dências ao acting out (na forma de uma “pseudo-independência”, por exemplo). P21 é uma nova resposta afirmativa de aceitação às minhas intervenções. Respostas como esta vão-se fazendo mais freqüen- tes no decorrer da sessão (o que se confirma a partir de PI 1 e especialmente em P I7 e P20) e me sugerem, pelo clima afetivo que impera, tratar-se de uma atenuação dos mecanismos manía cos e de um ascendente predomínio da transferência positiva, em vez de respostas vazias ou de submissão ao terapeuta. Rita decidiu prosseguir com sua gravidez. Nos estágios fi nais da mesma, padeceu de uma afecção renal, motivo pelo qual teve de guardar repouso na cama por aproximadamente um mês e meio, tendo-se recuperado por completo. Deu à luz uma robusta menina, em parto normal. Pouco tempo depois, demos por encer rado o tratamento. R e fe rê n c ia s b ib lio g rá fic a s 1. A lleg ro , L ., C o m u n icac ió n personal. 2. B leger, L. e J., “ G rupo fam iliar. P sico lo g ia y p sy co p a to lo g ía” , em L. G rinberg , M . L an g er e E. R o d rig u é , E l grupo psicológico, N ova, B u e nos A ires , 1959. 3. F io rin i, H. J., “ E l co n cep to de fo co ” , em H. J. F io rin i, Teoriay técnica depsicoterapias, N u ev a V ision , B u en o s A ires , 1973, cap. 6. 4. G arm a, A. e E. G . D e, “ R eacc io n es m an íacas: a leg ria m aso q u is ta dei yo p o r el triu n fo , m ed ian te en g an o s, dei su p ery ó ” , em A. R asco v sk y e D. L iberm an , Psicoanálisis de la mania y la psicopatia, Paidós, B u e n os A ires , 1966. 5. R asco v sk y , A ., “ L a m a tan za de lo s h ijo s” , em A. R asco v sk y , La ma- tanza de los hijosy otros ensayos, K arg iem an , B u en o s A ires , 1970. 6. S o ifer, R ., “ A n sied ad es esp ec íficas dei em b arazo ” , em R. S o ifer, Psi cologia dei embarazo, parto y puerperio, K arg iem an , B uenos A ires, 1971, cap. 1. 8. Dificuldades do terapeuta para a formação, prática e investigação em psicoterapias breves1 Introdução Vou rcferir-me a alguns dos problemas que em nosso meio apresentam-sc aos terapeutas ante a psicoterapia individual breve de orientação psicanalítica. Poderiamos considerar a questão como uma conscqüência das dificuldades dos terapeutas para se ajustarem ao seu enquadramento e finalidade, o que por sua vez se traduz inevitavelmente em dificuldades no exercício desse método terapêutico, na avaliação dos resultados obtidos e, o que é ainda mais grave, ameaça desacreditá-lo cada vez mais. Antes de tudo, não devemos nos enganar: por mais que desde alguns anos se fale bastante em terapias breves, de cuja utilidade para avaliar o problema que a assistência psiquiátrica maciça da população suscita muito poucos duvidam, mesmo assim observa mos uma considerável resistência por parte dos profissionais para o seu emprego ou, no caso de praticá-las, para adequar-se ao en quadramento que as mesmas exigem e que as diferencia de outras técnicas psicoterapêuticas. Assim sendo, na prática assistência!, seja nos serviços psi quiátricos hospitalares ou nos centros de saúde mental, seja nos hospitais psiquiátricos ou nas instituições privadas, à medida que os anos passam, ainda permanece a impressão de que os terapeu tas que se dedicam às psicoterapias breves “fazem o que podem” e enfrentam, à sua maneira, as vicissitudes e dúvidas que lhes im- 150 _ Psicoterapia breve de orientação psicanalítica põem a tarefa. Não podemos deixar de supor que tal situação diminui a eficácia terapêutica do procedimento e que é necessá rio portanto vencer os empecilhos que existem para instrumentar com êxito os diferentes recursos que podem fazer parte da terapia breve. Esses fatos têm-me chamado muito a atenção e também tenho me formulado as perguntas obrigatórias: Por que isso ocorre? Que motivos existem para que o processo de aprendiza gem dos terapeutas do emprego das terapias breves se atrase e se veja freqüentemente entorpecido? Diversos investigadores já assinalaram algumas das causas. Pela importância que têm a re lação com o que colocarei em seguida, vou citá-las aqui. De mi nha parte quero referir-me à incidência que em minha opinião certos fenômenos próprios da relação paciente- terapeuta, em sua maior parte inconscientes têm sobre esses fatos, e que, jus tamente por essa condição, influem sobremaneira na mesma, sendo mais difíceis de controlar. Convém esclarecer que essas opiniões são basicamente resultado de minhas reflexões a res peito das próprias vivências experimentadas ao longo de minha tarefa em psicoterapia de tempo limitado e do conhecimento das idéias de H. Searlcs (15) (16) (17) sobre a inter-relação pa ciente-terapeuta, que me despertaram um profundo interesse, esclarecendo-me aspectos de decisiva importância no processo terapêutico. Ao longo deste capítulo, abordarei os seguintes pontos: • A dificuldade de adaptação ao enquadramento da psicote rapia breve. • Dificuldades diante do término do tratamento psicotera- pêutico breve. • Dificuldades na avaliação dos resultados obtidos em psico terapia breve. • Desprestígio da psicoterapia breve enquanto indicação tera pêutica. • Outras dificuldades do terapeuta diante das terapias breves. • Conclusões. Dificuldades do terapeuta 151 A dificuldade de adaptação ao enquadramentoda psicoterapia breve “Psicoterapia breve ‘versus’ psicanálise” A P.B. de orientação psicanalítica constitui, como se de preende desta denominação, um procedimento terapêutico basea do em certos elementos fundamentais da teoria psicanalítica. Já em 1918 Freud antecipou que os novos métodos que seriam utili zados com o correr do tempo para efetuar tratamentos psicotera- pêuticos em grandes massas da população deveriam, em sua opi nião, partir da psicanálise; mas acrescentava que esta teria de sofrer um processo de adaptação às novas condições (11). Não obstante, na prática, para muitos é difícil aceitar a coexistência da psicanálise e da psicoterapia breve e reconhecer que se trata de métodos que têm utilidade, alcance e indicações determinados. E habitual a tendência a desvalorizar a P.B. e a difundir a idéia de que só um tratamento psicanalítico tem reais propriedades curativas, capazes de produzir autênticas mudanças nos pacientes. Muitas vezes tal idéia se relaciona com a necessidade que os tera peutas jovens sentem de idealizar a psicanálise, o que por sua vez se acha ligado a seus desejos de se converterem em psicanalistas (20). Como é de se supor, têm de maneira geral extremo interesse em exercitar-se na técnica psicanalítica. Que acontece então quando as circunstâncias impedem de se efetuar um tratamento psicanalítico? Cai-se freqüentemente na realização de uma psicanálise “curta”, portanto interrompida, pouco eficaz e, como logo veremos, até perturbadora para o pa ciente. Comumente é nos estabelecimentos assistenciais, onde se deve oferecer atenção psicológica a um número elevado de pacientes, que se faz sentir com mais intensidade a necessidade de empregar a P.B.. Nesses estabelecimentos, os terapeutas princi piantes são maioria e, em definitivo, têm a seu cargo de maneira geral a realização dos tratamentos breves. Esses terapeutas são objeto das influências já citadas, ao que se soma uma tendência defensiva natural em aplicar aos pacientes aquilo que melhor 152 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica conhecem (o novo é menos seguro e gera ansiedades paranóides), quer dizer, a técnica psicanalítica. Além disso, as modificações técnicas que necessitam introduzir são sentidas com frequência como uma “heresia” ante o modelo psicanalítico, originando-se situações persecutórias, que se costuma chamar de “superego ana lítico”, que podem intensificar-se diante de supervisores aferrados em demasia à técnica da psicanálise ortodoxa e que não aceitam facilmente essas modificações. Toda essa situação torna difícil a aplicação dos novos métodos, pois é vivida como uma falta de garantia interna e externa para o trabalho a ser desenvolvido. Também como conseqüência dessas pressões, as terapias breves podem traduzir-se na prática em uma psicanálise “breve” (19), a qual, como bem disse Usandivaras, leva a uma “desvalori zação da nova técnica” (20). Apesar do relativo interesse que a P.B. tem despertado, esses problemas lamentavelmente ainda existem, e para muitos a P.B. continua sendo um parente pobre da psicanálise, como assinalam Szpilka e Knobel, os quais sublinham o estado de desprestígio e de confusão que se observa em torno dela. Concordo com ambos os autores quando atribuem tal situação ao fato de que se trans põem uas vivências, os conhecimentos e as técnicas psicanaliti- cas para essa psicoterapia” (19). (O grifo é meu.) Na intimidade da relação terapeuta-paciente Pessoalmente perguntei-me o porquê de tal transposição. Creio que sua persistência obedece não só aos motivos até aqui enunciados, nem somente à carência de possibilidades de infor mação a respeito da teoria e da técnica da P.B., quanto à qual, na atualidade, felizmente contamos com um valioso, embora não abundante, material bibliográfico; tampouco considero que sejam as discrepâncias entre os diversos autores que provoquem confu são, já que, no final das contas, tais discrepâncias não são tão grandes nem tão abundantes. Essa pergunta se impôs a mim com maior intensidade quando me dediquei à realização de uma expe riência hospitalar sistemática em P.B. durante um ano, e ao com provar que, se bem que eu tivesse suficientemente clara, de início, Dificuldades do terapeuta 153 a maneira segundo a qual me havia proposto a trabalhar, diferen ciando com certa precisão a técnica a ser empregada da técnica analítica, comecei a notar em mim uma forte e às vezes irresistí vel tendência de criar ou favorecer o estabelecimento da “atmos fera” psicanalítica nas sessões, sobretudo através de insistentes interpretações transferenciais (afortunadamente reduziram-se, em geral, a ocorrências que não foram postas em prática e que pode ríam facilitar o desenvolvimento da neurose de transferência e estimular a conseqüente regressão e dependência do paciente). Corria-se o risco de que isso sucedesse a contragosto, contraria mente à minha ideologia terapêutica em matéria de terapias de tempo limitado e respondendo a uma tendência que não conse guia controlar e que nem poderia explicar unicamente através das razões aqui expostas (preconceitos com relação a qualquer técni ca que não fosse a do tratamento psicanalitico, etc.). Cheguei a pensar então que uma força interior me conduzia insensivelmente a tal atitude, a respeito do que me indicava a realidade (objetivos limitados, poucos meses de tratamento, inconveniência do estabe lecimento de uma neurose transferenciai e de estimular a regres são, etc.). Mas tampouco tinha eu dúvidas de que, em vários de meus pacientes, manifestava-se uma notória inclinação para cons tituir comigo um vínculo emocionalmente intenso e regressivo. Foi o conceito proposto por H. Searles sobre a simbiose terapêuti ca (15) (16) (17) que me permitiu entender o fenômeno e formu lar minha hipótese sobre o que acontece no tratamento breve. Sus tenta Searles que o vínculo terapeuta paciente atravessa um mo mento de simbiose e que tanto o paciente como o terapeuta contri buem para que ele seja assim. Esse vínculo simbiótico tem suas raízes na relação mãe filho e tende a se estabelecer e consolidar cedo ou tarde durante o tratamento psicanalitico, devendo final mente se atingir sua resolução. Com base num insight progressivo em seus pacientes e nele próprio, Searles desenvolveu suas impressões referentes ao papel fundamental da simbiose terapêutica, oferecendo uma maior “compreensão do significado emocional do paciente para o tera peuta e vice-versa” (16) e ressaltando, além disso, “o efeito dos processos inconscientes do terapeuta sobre o paciente” (16) no vínculo simbiótico2. 154 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica Para Searles, a simbiose terapêutica se apresenta tanto em pacientes psicóticos quanto em neuróticos. E ainda que inicial mente a tenha detectado e descrito na psicoterapia de esquizofrê nicos crônicos (15), logo teve que reconhecê-la na evolução trans ferenciai de pacientes neuróticos. Searles descreveu, além disso, como a inter-relação simbióti- ca atravessa distintas “fases”, na psicoterapia de esquizofrênicos crônicos, até chegar finalmente à de individualização do paciente. Em tais fases, a simbiose terapêutica experimenta mudanças de significado qualitativas e quantitativas. Assim, em determinado momento, durante meses ou anos, constitui fonte de intensa grati ficação para paciente e terapeuta, com freqüência negada por este último, mas profundamente valorizada (15). Diz esse autor: “(...) atualmente tenho me dado conta - mesmo quando isso me provoca muita ansiedade - dos profundos, embora inconscientes, processos gratificantes da relação simbiótica que tanto o paciente quanto o terapeuta se mostram renitentes em abandonar” (16). Sustenta também que a relação de transferência simbiótica “(...) apesar de seus tormentos (...) constitui uma fase necessária na psi canálise ou psicoterapia tanto de pacientes neuróticos como de psicóticos''' e que “tanto o paciente quanto oterapeuta (...) se vêem submersos e arrastados em direção à corrente, ao processo de tra tamento (...). Não só o paciente, mas também ele está agarrado a um processo, o processo terapêutico, o qual, por sua força, é com parável ao processo de maturação na criança (...), o qual (...) tam bém é poderoso tanto para o paciente quanto para ele mesmo, demasiadamente poderoso para serem capazes de desviá-lo com facilidade (...) para fora do canal confluente, o qual tende a for- mar-se por si mesmo” ( 16). (Os grifos são meus.) a) A relação terapeuta-paciente no tratamento psicanalitico A análise das emoções transferenciais e contratransferen- ciais mostra freqüentemente que estas alcançam grande intensida de e muitas delas são altamente gratificantes para o analista. Isso é particularmente notório na psicanálise de esquizofrênicos crôni cos, quando estes despertam sentimentos maternais no terapeuta, Dificuldades do terapeuta 155 permitindo uma tarefa reparatória, e nesses momentos o próprio paciente vive o terapeuta transferencialmente como uma mãe (ou pai) ideal, o que estimula no terapeuta o sentimento de onipotên cia3. Essas emoções aparecem em parte como conseqücncia da situação regressiva do paciente, que o leva a situar o analista no lugar de uma figura parental. Vai-se configurando uma estreita relação, na qual o analista, ao fomentar por sua vez a regressão do paciente, sente-se cada vez mais objeto de todos os sentimentos deste e protagonista decisivo em sua vida, o que é altamente grati- ficante. Pode “converter-se” então na muito amada (ou inclusive muito odiada) mãe, nesse “mundo dos dois”, do paciente e do analista, que se prolongará por anos e no qual o “como se” da rela ção não o impede de experimentar intensos e prazerosos senti mentos'1. Esclareçamos desde já que tudo isso também ocorre em me nor magnitude na psicanálise de neuróticos, especialmente nas etapas de maior regressão dos pacientes; sabemos além disso que o tratamento costuma centrar-se na elaboração da relação transfe renciai. Em resumo: o estabelecimento do vínculo simbiótico na re lação paciente-terapeuta parece ser um fenômeno que tende a se produzir espontaneamente. No tratamento psicanalítico, essa inter- relação simbiótica pode ser fomentada em beneficio do processo terapêutico. b) A relação terapeuta-paciente na psicoterapia breve Qual é a situação que se apresenta em P.B.? Que acontece com o fenômeno que acabamos de descrever e que se anuncia desde que começam a interatuar paciente e terapeuta? Penso que o enquadramento que requer a P.B. resulta frustrante nesse aspecto, pois oferece um campo menos propício para as citadas gratifica ções do terapeuta. Sabemos que temos que nos propor objetivos limitados, que carecemos do tempo necessário para trabalhar a neurose de transferência e a regressão conseqüente até conseguir que sejam elaboradas, e que é preciso controlar, na medida do possível, a regressão do paciente. As condições do enquadramen to da P.B. são dirigidas para evitar a instauração de um vínculo 156 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica pacientc-terapeuta demasiado intenso emocionalmente; mas não ignoramos que em certas circunstâncias os sentimentos transfe renciais e contratransferenciais são muito fortes, e que além disso encontramos pacientes que de um modo quase espontâneo desen volvem uma intensa regressão desde o início do tratamento. Con sidero que, numa terapia breve, esse fato geralmente constitui uma complicação (ver capítulo 10, pp. 178 ss.). Na opinião de numerosos autores, (1) (3) (8) (10) (19) (22), nos quais me incluo, em P.B. convém em termos gerais recorrer à interpretação da transferência somente em determinadas circuns tâncias, quer dizer, que não se deve empregá-la com a assiduidade e com a finalidade com que se utiliza em psicanálise5, já que se deverá evitar a regressão transferenciai. Parece conveniente, pelo contrário, recorrer às interpretações denominadas “extratransfe- renciais”, que na realidade tendem a tornar conscientes outras transferências do paciente, aquelas que estabelece com as pessoas com as quais se relaciona em sua vida cotidiana, já que desde um primeiro momento procura-se que concentre seu interesse nela, em lugar de fazê-lo na relação com o terapeuta. Isso naturalmente é coerente com o propósito de conseguir a resolução de seus con flitos atuais. É de supor então que a P.B. não se presta a que o tera peuta satisfaça suficientemente certas expectativas latentes na relação com o paciente, diferentemente do que acontece na práti ca da psicanálise. A experiência do terapeuta que realiza uma terapia breve pode diferir bastante da que vivência com um paciente em tratamento psicanalítico. Neste último caso pode “atrair” o paciente para uma intensa neurose de transferência, na qual o terapeuta se sentirá um protagonista importante. Mas numa terapia breve, devendo ater-se ao “de fora”, e levar o paciente a se interessar pela revisão de seus vínculos com seu verdadeiro pai, mãe, cônjuge, chefe, etc., o terapeuta pode experimentar um sen timento de exclusão. Quer dizer, já não será um terapeuta-mãe e deverá, em troca, conformar-se com sua condição real de docente experimentado (8) no tratamento, procurando manter uma trans ferência positiva moderada. Sentir-se-á, então, fora do universo do paciente. As conseqüências dessa vivência contratransferen- cial de frustração que, como se deduz, pode repetir-se com assi duidade numa terapia breve, dependerão de suas possibilidades Dificuldades do terapeuta 157 de resolução do conflito. Se este alcança certa intensidade e não é controlado adequadamente, pode dificultar em alto grau a tarefa do terapeuta, que chegará a adquirir ou não consciência da situa ção. E possível, por exemplo, que reaja com intervenções agressi vas, que poderão por sua vez ser racionalizadas. Se os motivos estiverem reprimidos, pode erroneamente atribuir essa sensação de insatisfação e desilusão a uma suposta ineficácia ou fracasso do método psicoterapêutico breve, tendendo além disso a conven cer-se de que só a análise exaustiva e sistemática da transferência pode ajudar o paciente, e que de outro modo a terapia é “superfi cial”. Em suma sustentará que é preciso insistir em interpretar o “aqui e agora comigo”6, na busca inconsciente de gratificação através do fomento da neurose transferenciai. c) Quando a psicoterapia breve converte-se em “psicanálise breve ” Dessa maneira pode pôr-se em marcha o que há de ser uma espécie de “psicanálise breve” (19), induzindo o paciente, cons ciente ou inconscientemente, a estabelecer um vínculo simbióti- co, caracterizado por uma regressão a um tipo de dependência infantil com relação ao terapeuta. Creio ser por isso que lhe resul ta difícil renunciar a tal tipo de relação para aceitar o outro, mais ajustado às condições da realidade - e portanto mais frustrante - que a PB. exige, e que é por esta razão que a transposição da téc nica psicanalítica para as terapias breves se produz com tanta frequência. Com o paciente como criança-filho, o terapeuta pode rá ter acesso em certa medida às gratificações comumente nega das, mas profundamente valorizadas, que uma tal relação promete proporcionar-lhe. Para estimular a regressão, o terapeuta pode apelar para o uso reiterado e até sistemático de interpretações transferenciais, au mentar a frequência e a periodicidade das sessões7, renunciar ao papel ativo na tarefa, usar o divã, etc. Isso nos explica por que diferentes autores falam, em P.B., da “tentação” que o terapeuta pode experimentar de analisar a trans- 158 ferència. A esse respeito assinalam vários terapeutas; “Não se fomentou a regressão, respeitando-se a lógica e adequada pro gressão dada pela mesma relação terapêutica. Frequentemente houve necessidade de firmar-se nessa postura ante o material que trazia o paciente, que se apresentava como sedutor para a análise da transferência(...); a análise sistemática da transferência é uma tentação permanente para o terapeuta” (5). (Os grifos são meus.) Eu acrescentaria que se trata de uma tentação que não só corresponde ao desejo de investigação do terapeuta e de extrapo lar o sistema psicanalítico, pelas diversas razões assinaladas no começo deste capítulo, mas também e muito especialmente à busca das gratificações que lhe daria uma relação mais profunda com o paciente. Outros autores fazem referência a uma necessidade de auto controle do terapeuta para regular as interpretações transferen ciais e com isso a regressão do paciente (1) (10). Diz acertadamente Fiorini: “Flaveria além disso uma contra dição entre um enquadramento de tempo limitado e um processo no qual as intervenções do terapeuta ‘propusessem’ a regressão e a concentração de afetos do paciente nessa relação bipessoal (a situação se expressaria nesta proposição: ‘a relação que o senhor mantém comigo é muito importante para entender e tratar sua enfermidade; volte para ela todas as suas emoções e expectativas. Mas prepare-se para cortá-la de repente’)” (8). Mensagem e ação resultariam aqui do tipo estímulo-frustraçào, o que costuma per turbar o paciente. Também tenta interpretar conflitos alheios ao foco terapêuti co, ainda que saibamos que em P.B. não é aconselhável abrir demasiadas feridas no paciente. Além do mais, não desconhece mos, pelo exercício da psicanálise, que isso conduz a um incre mento da regressão. Pessoalmente, e em especial em minhas pri meiras experiências em P.B., demandou-me um grande esforço “deixar passar” sem interpretar o material não relacionado com o foco. Assim mesmo podemos compreender a resistência que às vezes experimenta o terapeuta para buscar e encontrar objetivos limitados em cada caso, pois isso o obrigaria a centrar-se mais na problemática atual do paciente para ajudá-lo a resolver questões Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Dificuldades do terapeuta 159 muito concretas e imediatas com um critério prospectivo, procu rando estimular nele a confiança em si próprio, assim como seu de senvolvimento independente, e conseguir desse modo que possa obter alta. Dificuldades ante o término do tratamento psicoterapêutico breve Em geral a tendência para fomentar a dependência no paciente complica a separação ao terminar o tratamento. Mas desse ponto me ocupo em mais detalhes no capítulo seguinte. Só acrescentarei a respeito que, como consequência da dificul dade do paciente e do terapeuta para aceitarem a separação, chegam a ajustar recontratos que permitem prolongar a relação. Dificuldades na avaliação dos resultados obtidos em psicoterapia breve Em função da frustração que podem experimentar os tera peutas ao comprovar que o enquadramento da P.B. não lhes faci lita o acesso às negadas, ainda que muito desejadas, gratificações próprias de uma relação mais estreita e emocionalmente mais intensa com os pacientes, não é difícil supor que isso interfere na possibilidade do terapeuta de efetuar uma avaliação realista e justa dos resultados obtidos com o método, os quais por sua vez podem ser certamente pouco alentadores, se é que se insistiu em fomentar nos pacientes a dependência regressiva em lugar do autodesenvolvimento. Por isso, as mudanças de atitude que estes puderam apresentar em sua vida real são com muita freqüência rapidamente subestimadas e qualificadas como atuações, “fuga em direção à saúde”, etc. (Com isso não quero desconhecer a presença, nada rara por certo, de tais eventualidades nas terapias breves8.) O terapeuta pode então resistir a reconhecer os progressos do paciente e até parecer muito decepcionado pelos resultados do tratamento, já que, em seu afã inconsciente de perpetuar sua 160 Psicoíerapia breve de orientação psicanalítica dependência, não deseja que se produza a separação (a alta defini tiva significaria a ruptura do vínculo e a perda absoluta das possi bilidades de gratificação ligadas a ela). Atua como aquelas mães que, como não podem aceitar o crescimento e desprendimento de seus filhos, continuam a tratá-los como crianças. Searles assinala que o terapeuta, na fase de resolução da sim biose^ pode experimentar os sentimentos de desvalorização e perda, por tudo aquilo que para ele o paciente significa, com o qual mantém “uma relação muito mais profunda do que a que crê capaz de perceber em si mesmo” (15). Tende-se assim a desvalorizar a terapia breve, ante a necessi dade inconsciente de manter o uso excludente do método psicana- lítico como fonte de gratificação a partir do estabelecimento de um vínculo simbiótico com o paciente (neurose ou psicose trans ferenciai). A passividade que ainda observamos para resistir a este “movimento” faz-me pensar em uma espécie de acordo tácito entre os terapeutas, numa cumplicidade inconscientemente con solidada, cujos motivos subjacentes mantêm-se ocultos. Desprestígio da psicoíerapia breve enquanto indicação terapêutica Pode-se deduzir que os motivos expostos, ainda que de modo geral não reconhecidos, diminuem o entusiasmo dos terapeutas para optar pela indicação e utilização da P.B. em determinadas situações em que a mesma poderia ser um recurso terapêutico nada depreciável. Desanima-os principalmente a perspectiva de estabelecer uma relação fugaz, com um objeto que logo perderão. O luto pela separação predeterminada desempenha um importan te papel em P.B. tanto para o paciente como para o terapeuta e, com freqüência, parece repercutir mais no terapeuta que no paciente (6). O tratamento psicanalítico, pelo contrário, oferece a possibilidade de um vínculo mais duradouro e portanto menos frustrante. Dificuldades do terapeuta 161 Outras dificuldades do terapeuta ante as terapias breves Recapitulando até aqui, consideramos que os terapeutas, es- pecíalmente os novatos, tropeçam, para o estudo e emprego eficaz da P.B., em obstáculos que remetem: a) à idealização da psicanálise, junto ao desejo de desempe nhar o papel de psicanalistas nos tratamentos que empreendem e ao temor de utilizar outros procedimentos que são desvalorizados, apresentando-se como muito duvidosas suas possibilidades de eficácia. As terapias breves aparecem como o novo e incerto diante de técnicas mais conhecidas e seguras; b) às dificuldades para adaptar-se ao enquadramento que exi ge a P.B., por tratar-se de uma relação terapeuta -paciente que ofe rece menos gratificações que a psicanalítica; c) às resistências do ambiente profissional circundante. Os supervisores adquirem aqui especial importância. A fim de oferecer uma visão mais completa do problema, acrescentaremos os seguintes fatores: d) uma experiência prévia insuficiente em tratamentos pro longados, como o psicanalítico, experiência que, ainda que não seja imprescindível, é muito conveniente para a formação psicote- rapêutica em terapias breves; e) necessidades econômicas do terapeuta (em parte em virtu de dos gastos que lhe demanda sua formação profissional), que o levam a preferir os tratamentos prolongados, já que geralmente lhe possibilitam uma remuneração mais estável. Por último quero mencionar a influência de outros fatos dc particular importância que me foram apontados: f) em P.B., a ênfase recai na melhoria clínica do paciente e em grau muito menor na investigação exaustiva de sua psicopato- logia ou de qualquer outro aspecto, como o permite a psicanálise, circunstância que também contribui para a perda de interesse por essa terapêutica (13); g) freqüentemente a P.B. impõe ao terapeuta um ritmo fati- gante “[...] pode fazer com que para este a experiência resulte embrutecedora e compulsiva” (2). A isto junta-se o esforço que no meio hospitalar, por exemplo, requer a abordagem de um novo caso tão logo termine o tratamento breve de um paciente anterior. 162 Em comparação com a prática da psicoterapia prolongada, ocorre agora que deve atender mais pacientes num mesmo espaço de tempo, comcerta exigência de conseguir mudanças a curto prazo, o que em termos de economia psíquica significa “um mau negó cio” (uma nova responsabilidade e em suma um maior stress) (7). Nesse sentido, é significativo o que se costuma observar nos ser viços psiquiátricos: freqüentemente os terapeutas parecem tender inconscientemente a prolongar os tratamentos, postergando o mo mento da alta e com isso a troca de paciente; h) Fiorini destaca também a incidência que tem nos terapeu tas o desconhecimento de uma teoria da mudança em P.B.. Como não têm interiorizados os dinamismos da mudança e só conhecem e aceitam os fenômenos inerentes às modificações que se produ zem nos tratamentos prolongados, não chegam a ter a necessária convicção de que os pacientes tratados com psicoterapias breves podem experimentar mudanças favoráveis. Tal situação além disso se acresce de suas dúvidas a respeito da decisão a tomar quanto à alta do paciente (7). Todas essas dificuldades se esclare ceríam em parte se houvessem incorporado a seus conhecimentos uma teoria da mudança. Nesse sentido contamos hoje com impor tantes descobertas no campo da P.B., que somam a noção de insight e estão fundamentadas essencialmente na concepção da existência de partes autônomas do ego, quer dizer, de forças “cons trutivas latentes” (21), que permitiríam, a partir de uma experiên- . cia terapêutica corretiva, e uma vez finalizado o tratamento do paciente, a continuação ininterrupta do progresso nas mudanças. Desse modo, o processo de transformação, ainda que lento, pros seguiría com uma reação em cadeia e seria verificável nos acom panhamentos ao longo de anos em pacientes tratados com tal método (9) (14) (18) (21). Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Conclusões Quis assinalar diversas dificuldades do psicoterapeuta no que se refere à P.B., com a intenção de contribuir para aplainá-las, enfatizando especialmente a importância que tem o reconheci mento dos fenômenos próprios da relação terapeuta -paciente e de Dificuldades do terapeuta 163 sua influência no processo terapêutico. Tal reconhecimento pode ría favorecer um exercício bem-sucedido da P.B., através de uma mais ajustada e eficaz adaptação do terapeuta ao seu enquadra mento, e aumentar o interesse pela investigação sobre esse méto do. A ninguém escapa que em nosso meio só uma pequena mino ria de psicanalistas se ocupa da investigação em P.B. A maioria, em troca, interessa-se por outras técnicas, como por exemplo as psicoterapias grupais prolongadas (possivelmente mais gratifi- cantes no sentido considerado neste trabalho). As experiências clínicas em P.B. adequadamente supervisio nadas são, no momento atual, muito necessárias para afastar pre conceitos e permitir a comprovação direta da real utilidade desse recurso terapêutico. Se tudo isso se concretizasse, provavelmente se conseguiria também uma valorização mais objetiva e favorável das terapias breves dentro do panorama da terapêutica psiquiátrica. Creio que é necessário um estudo mais exaustivo do proble ma. Aspiro a que estas minhas impressões funcionem como um estímulo e que finalmente consigamos obter descobertas que lan cem mais luz sobre o controvertido campo das terapias breves. Referências bibliográficas 1. A lexander, F. e F ren ch , T ., Terapêuticapsicoanalítica, Paidós, B ue n os A ires , 1965. 2. B artcn , H. H ., “ T he C orn ing o f A ge o f B rie f P sy ch o th e rap ie s” , em L. B ellak e H. H. B arten (co m p ils .), Progress in Community Mental Health, G rune and S tra tton , N o v a Y ork, 1969. C itad o p o r L. Sm all em Psicoterapias breves, G ran ica , B u en o s A ires , 1972. 3. B ellak , L. e Sm all, L ., Psicoterapia brevey de emergencia. P ax-M é- x ico , M éxico , 1969. 4. B lcgcr, J., Simbiosisy ambigüedad, Paidós, B uenos A ires , 1967. 5. D evries , O. e co l., “ E jem p lo s c lín ico s” , em H. K esse lm an , Psicote rapia breve, K arg iem an , B u en o s A ires , 1970, cap. VI. 6. Ferrari, H. e M articorena, A ., “ U na ex p erien c ia cn p sico terap ia de tiem po lim itad o ”, Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta psiq. psicol. Amér. Lat., ju n h o de 1968, vol. X IX , n° 2, B uenos A ires. 7. F io rin i H. J ., C o m u n icac ió n personal. 164 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica 8 . __“D elim itac ió n técn ica d e p s ico te ra p ia s” , Acta psiq. psicol. Amér. Lat., ju n h o 1970, vol. X V I, n.° 2, B u en o s A ires . 9. . “ D in am ism o s y n iv e les d e cam b io en p s ico te ra p ia s” , em H . J. F io rin i, Teoria y técnica de psicoterapias, N u e v a V isio n , B uenos A ires , 1973, cap . 9. 1 0 . __ , “ P sico terap ia d in âm ica b reve. A portes p a ra una teo r ia de la téc n ica” , Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta psiq. psicol. Amér. Lat., ju n h o 1968, vol. X IX , n° 2, B uenos A ires. 11. F reu d S., “ L os cam in o s de la te rap ia p sico an a lític a” , em S. F reud , O.C., B ib lio teca N ueva , M adrid , 1948, t. II. 12. M alan , D. H ., A Study of Brief Psychotherapy, T av isto ck , L ondres; C h arles T hom as, S p ring fie ld , Illino is, 1963. (V ersão caste lh an a: La psicoterapia breve, C en tro E d ito r de A m érica L atina , B u en o s A ires, 1974.) 13. M ontevech io , B. R ., C o m u n icac ió n personal. 14. R angell, L ., “ P sico an ális is y p s ico te rap ia d inâm ica : sim ilitu d es y d ife ren c ias” , Rev. de Psicoanálisis, t. X X V , III, 1, 1971. 15. S earlcs, H ., “ F ases de la in te racc ión p a c ie n te -te ra p e u ta en la p s ic o terap ia de la e sq u izo fren ia c rô n ica” , Brit. Journal Med. Psychol., 1961. A p ostila inédita . 1 6 . __ , “ In tro d u cc ió n ” , em Collected Papers on Schizophrenia and Related Subjects, H ogarth P ress, L ondres, 1965. A p o s tila inéd ita . 1 7 . __ , “ F orm as de in d u c ir a la lo u cu ra” , em Elementos de la etiologia y la psicoterapia de la esquizofrenia, cap . V III, B. J . o f Med. Psy- choiogy, 1959. A p o stila inédita . 18. S m all, L ., ob. cit. em 2. 19. S zp ilka , J. e R n o b e l, M ., “A cerca de la p sico te rap ia b rev e” , Colo quio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta psiq. psicol. Amér. Lat., ju n h o 1968, vol. X IX , n° 2 , B u en o s A ires. 20. U san d iv aras R ., “ P ro b lem as q u e p lan tea la in v estig ac ió n sobre p s i co terap ia b rev e” , em Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta psiq. psicol. Amér. Lat., ju n h o 1968, vol. X IX , n ° 2 , B u en o s A ires. 21. W olberg , L ., “ L a técn ica d e la p sico terap ia b rev e” , em L. W olberg e co l., Psicoterapia breve, G redos, M adrid , 1968, cap . VI. 2 2 . __ , e c o la b o ra d o re s , ob. cit. em 21. 9. 4 respeito do término do tratamento em psicoterapia breve Introdução Proponho-me neste capítulo a analisar algumas das vicissi- tudes que se apresentam nas terapias breves psicanaliticamente orientadas, em razão do término do tratamento, partindo do reconhecimento de que tanto o paciente quanto o terapeuta de vem enfrentar o luto ocasionado pela finalização do vínculo tera pêutico. Quero expor de que maneira e até onde os resultados do tra tamento estarão de forma indefectível relacionados com as possi bilidades de ambos tolerarem suficientemente a separação. No que concerne ao terapeuta, sua capacidade de enfrentar o luto ade quadamente será uma condição fundamental para o manejo eficaz da situação. Com a finalidade de poder mostrar com mais clareza o que sucede com o binômio paciente- terapeuta ante a finalização de uma terapia de tempo limitado, dividirei minha apresentação nos seguintes pontos: • Reações causadas no paciente pela separação. • Reações causadas no terapeuta pela separação. Ocupar-me-ei primeiro dos aspectos técnicos, para em segui da expor sinteticamente as conclusões. 166 Reações causadas no paciente pela separaçãoA separação de seu terapeuta afetará o paciente com uma intensidade variável em cada caso, o que estará em parte relacio nado com uma estrutura psíquica correspondente. Certos pacientes, que possuem um ego relativamente forte, aceitam a separação melhor do que outros, e podem chegar a vivê- la como uma oportunidade de comprovar e pôr em prática o aprendido até então durante o tratamento. Outros pacientes se conformam com o alívio sintomático, e uma vez conseguido este, desejam de bom grado o término do tra tamento. Em geral preferem, seguindo o modelo da clínica médi ca, que a terapia seja o mais curta possível. Diante da perda, em muitas ocasiões aparecem em troca an siedades intensas, e chegam a mobilizar-se inclusive o temor à morte e à loucura. Supõe-se que o fato repercuta mais em quem tem tendência a estabelecer espontaneamente vínculos de caracte rísticas simbióticas, regressivas e altamente dependentes, assim como naqueles cuja dependência regressiva tenha sido fomentada pelo terapeuta ao longo do tratamento. A repercussão da perda no paciente pode traduzir-se em manifestações diretas de pesar e/ou preocupação, ou evidenciar- se de maneira mais velada, por exemplo, no material onírico. Este último foi o que aconteceu no caso de um paciente a quem atendi numa terapia breve. Perto da finalização da mesma, rela tou-me numa sessão vários sonhos, os quais mostravam, como denominador comum, suas ansiedades e hostilidade diante da separação, vivida inconscientemente como um abandono de minha parte1. Os sonhos eram semelhantes entre si (sobretudo os três primeiros a que me referirei), sendo talvez o primeiro deles o mais demonstrativo. Primeiro sonho: O paciente aparece num depósito em que tempos atrás “tinha havido um ‘barulho’ ” - segundo sua expressão - porque continha mercadorias, e que agora está muito limpo e em ordem, ainda que se tenha “a impressão de vazio”. Acrescenta que se trata de uma “velha construção em reforma” que ficou interrompida, e que o teto do depósi- Psicoterapia breve de orientação psicanalitica 167 to é negro. Por último, disse que no sonho lhe deviam di nheiro, o qual tinha de reclamar. Associou o depósito com aquele que, na realidade, havia tido um ano atrás em sociedade com um amigo. O depósito representava ele mesmo, particularmente sua cabeça, na qual havia ocorrido um “barulho” (confusão) quando chegou ao tratamento. Sentia agora que tinha as coisas (idéias) mais claras, sua mente mais “limpa” e seus pensamentos (no so nho, mercadorias), mais ordenados; mas ao mesmo tempo con densava no depósito sua sensação de abandono, de vazio pela separação. Disse-lhe que a menção a seu amigo parecia referir-se à minha pessoa; a sociedade cra uma referência ao nosso contrato terapêutico, através do qual nos ocupávamos de sua cabeça-depó- sito. Ele sentia, além disso, que ficava “separado no meio” como o depósito, c que cu interrompia sua reconstrução; seu acanhado protesto e reprovação contra mim, ao sentir-se abandonado, apa reciam no sonho como o dinheiro que lhe deviam e que tinha que reclamar. Também o teto simbolizava sua cabeça. A cor negra do mes mo foi associada pelo paciente como “mau augúrio, mau destino”; e era uma referência a seus temores pelos perigos aos quais se sen tia exposto por causa da separação. Este detalhe do sonho cra, pois, especificamente, uma representação de seu medo à loucura2. Segundo sonho: Um amigo seu trabalha como ajudante num teatro. Por sete horas de jornadas, pagam-lhe uma escassa so ma em dinheiro. Sente uma grande indignação. O amigo era por certo cie mesmo, que se encontrava muito enraivecido contra mim porque sentia que eu lhe dava pouco e que estava cm dívida para com cie, abandonando-o, tal como aparecia no sonho anterior. Terceiro sonho: Trabalha no interior de um grande edifício, no qual há muita gente. Tem um aposento só para ele e utiliza ferramentas de cor negra. O edifício grande no qual havia muita gente representava o hospital onde o atendi. Outra vez se evidencia seu sentimento de A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve 168 abandono, sob a aparente satisfação de ter um aposento só para ele. Tinha que conservá-la (trabalhar) sozinho e não confiava em seus próprios recursos (as ferramentas negras. De novo figurava a cor negra como símbolo de mau augúrio). Quarto sonho: Vê um menino descer por um tobogã em grande velocidade. Ao associar, expressou em tom risonho que o menino deveria ser ele, com muito medo de escorregar “ladeira abaixo”. Aparecer como menino tinha a ver além disso com a relação de dependência infantil que em parte havia estabelecido comigo. Depois, na mesma sessão, contou-me que em matéria de traba lho ele sentia que precisava de alguém que o guiasse e que não podia fazer nada por conta própria. Sua esposa lhe assegurava que isso não era certo e que devia animar-se a “navegar sozinho”. Novamente aludia a seus temores pela finalização do vínculo tera pêutico. Nesses pacientes, que por diferentes motivos não toleram suficientemente a separação, interessa ver qual é o destino da transferência, sobretudo em circunstâncias nas quais o terapeuta pode perder o controle da situação. É possível que se produzam no paciente diferentes reações, que vão desde o afloramento de novos conflitos, ao aproximar-se o final do tratamento, até a rea ção terapêutica negativa’, passando por retrocessos e pioras por simples manifestações de hostilidade transferenciai e pelo acting out. Essas reações, como é óbvio supor, acham-se intimamente vinculadas entre si (são diferenciáveis só até certo ponto), supe rando-se ou apresentando-se em forma sucessiva, frequentemen te acompanhadas de defesas maníacas (negação da perda, des prezo pelo terapeuta, etc.). Por outro lado, pode resultar conve niente que o paciente tenha ocasião de desenvolver essas reações enquanto se encontra sob tratamento para permitir que sejam mais bem-examinadas, compreendidas e resolvidas no seio da relação terapêutica. a) A referência a novos conflitos nas partes finais do trata mento, através dc colocação espontânea por parte do paciente de material alheio ao foco, é uma circunstância que tenho podido observar em minha prática. Tal situação costuma estar motivada Psicoterapia breve de orientação psicanalítica A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve 169 inconscientemente por um desejo de permanecer ligado ao tera peuta, tratando de despertar neste interesse por outros padecimen- tos (numa tentativa de sedução por meio do material), ou ainda preocupação e - eventualmente - culpa por deixá-lo nessas condi ções, quer dizer, exposto aos perigos de conflito não resolvidos para conseguir deste modo que o tratamento seja prolongado. Deve-se procurar que o paciente tome consciência das motivações de sua atitude. b) Os retrocessos e pioras no estado do paciente são algumas das reações que se observam com maior assiduidade nas etapas terminais do tratamento psicoterapêutico breve, tal como em ou tras formas de psicoterapia, e freqüentemente constituem uma tentativa de evitar que lhe seja dada alta, e com isso a dolorosa separação do terapeuta (ganhos secundários). O paciente, que até esse momento vinha inclusive evidenciando claros progressos e uma apreciável melhora sintomática, pode apresentar uma reapa- rição de sua sintomatologia inicial, acusar um incremento de an siedade, de depressão, dos diversos transtornos somáticos, etc. Será conveniente assinalar ao paciente sua intenção incons ciente de obter ganhos secundários através de suas recaídas nos últimos períodos do tratamento, tal como sugere Bellak (2). c) As manifestações de hostilidade transferenciai podem co locar em sério perigo os resultados do tratamento. Quando tal hostilidade alcança certa intensidade, torna-se necessário inter pretá-la, como destaca Malan (6). Tal situação de separação, ao ser vivida consciente ou inconscientementepelo paciente como um abandono, pode trazer como conseqüência algumas das de mais complicações que mencionei, ou sua raiva pode jogar por terra o obtido durante a terapia, posto que a manutenção da me lhora certamente dependerá em grande parte de suas possibilida des de introjectar e conservar uma boa imagem do terapeuta (2). Isso só será possível se prevalecer uma transferência positiva ao terminar o tratamento. d) Outra opção está dada pela tendência de alguns pacientes ao acting out, diante do incremento da ansiedade, o que se acha claramente vinculado à perda ocasionada pela finalização da rela ção terapêutica (conforme o caso, o acting out costuma expressar fantasias agressivas para com o terapeuta ou objetivar substituí-lo 170 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica por outro objeto, etc.). Quando o terapeuta detecta essa tendência, deve inclinar-se à compreensão psicológica do conflito no pacien te, sobretudo por meio de interpretações “transferenciais”, evitan do assim as atuações. e) A reação terapêutica negativa se manifesta com ffeqüência através da interrupção brusca do tratamento por parte do paciente. Tal interrupção significa principalmente que o paciente quer abandonar - ativamente - o terapeuta para não sofrer de maneira passiva o que vivência como um abandono por parte deste. Reações causadas no terapeuta pela separação Com freqüência, a separação repercute mais no terapeuta que no paciente. Ferrari e Marticorena comentam acerca da experiên cia cm psicoterapia breve: “O mais notável (...) foi observar as dificuldades de desprendimento dos próprios terapeutas (...). Co- mumente, as dificuldades para separar-se apareceram mais do lado do médico que do paciente” (3). Já me ocupei em parte no capítulo anterior dos problemas do terapeuta para aceitar a separação do paciente ao chegar ao fim o vínculo terapêutico. O terapeuta pode apresentar resistência em reconhecer os eventuais progressos do paciente e atuar fomentan do neste, durante o tratamento, a neurose transferenciai e a regres são, em seu afã inconsciente de perpetuar sua dependência, evi tando a ruptura de um vínculo que lhe oferece profundas gratifi cações, comumente negadas. A separação significa, para ele, ver se privado de gratificações simbióticas; o luto provoca sentimen tos de desvalorização e perda (7)4. Um mecanismo defensivo do terapeuta ante as ansiedades pela separação é a negação do conflito e sua projeção maciça no paciente, o que às vezes adquire características de inoculação no civa, mesmo naqueles pacientes que inicialmente não se veriam demasiadamente afetados pela separação. O terapeuta “atua” nes sas circunstâncias através de suas intervenções (interpretações), indutoras de dependência regressiva. Desejo então que fique clara minha impressão de que na prá tica o término do vínculo terapêutico é, não em poucas ocasiões, A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve 171 mais um problema do terapeuta que do paciente. Este, com efeito, não tem que vivê-la necessariamente como algo penoso e angus tiante, sobretudo no caso de sentir-se seguro de sua própria capa cidade para enfrentar seus problemas, daí para a frente, por sua própria conta, com base no que adquiriu durante o tratamento. Adverte-se o terapeuta de que, ao fomentar a natural tendên cia regressiva do paciente com base numa extrapolação da técnica psicanalítica (uso reiterado ou sistemático de interpretações trans ferenciais, interpretação de material alheio ao foco, aumento da freqüência e/ou periodicidade das sessões, uso do divã, atuação pouco ativa do terapeuta, etc.), o processo se complicará ainda mais (nenhum dos dois componentes do par aceitará facilmente a separação) desembocando com freqüência na já mencionada recontratação, como expressão de uma necessidade mútua de pro longar a relação. Aspectos técnicos Tenho mencionado até aqui a conduta que deve assumir o terapeuta diante da insinuação ou franca aparição das diferentes reações do paciente, conduta que em síntese consiste em abordar o problema ocasionado pela iminente separação. Para isso será preciso interpretar a transferência; deixá-la de lado significaria correr o risco de expor o paciente a algumas das conseqüências às quais já fiz referência. Mas agora desejo examinar mais detida mente o problema da repercussão, perturbadora, do final do vín culo terapêutico sobre o paciente. Compreender melhor por que chega a produzir-se ou a incrementar-se, em certas ocasiões, e particularizar a conduta que, a meu ver, resultará mais convenien te em P.B., para tentar preveni-la, enfrentá-la e atenuá-la. 1. Considero que devemos nos remontar aos primeiros conta tos com o paciente, já que o problema se coloca, de certo modo, desde o momento em que se efetua uma indicação de P.B. Como disse antes, haverá pacientes que superam melhor que outros a separação. Na bibliografia sobre P.B. descobrimos que alguns autores levam em conta esse aspecto, que está naturalmente rela cionado com a capacidade egóica para tolerar frustração. Bellak 172 (2) sublinha a importância de se efetuar previamente uma avalia ção das funções do ego, que servirá para o diagnóstico, prognósti co e tratamento, e que poderá ser realizada por meio de dados clí nicos e de testes psicológicos. Mas é sobretudo Malan (6) quem assinala especificamente a utilidade de detectar, antes do trata mento propriamente dito, a capacidade do paciente para suportar suficientemente o luto pela separação do terapeuta. Os testes pro jetivos poderíam oferecer-nos regularmente elementos para essa apreciação. Se, além de existir essa condição de tolerância diante da separação, trata-se de um paciente que atravessa um problema atual e se encontra motivado para efetuar uma psicoterapia, esta remos diante da situação menos discutível para indicar uma tera pia breve. Poderemos, pelo contrário, considerar que pode ser tec nicamente objetável indicá-la para um paciente que revele pouca capacidade para suportar e elaborar lutos e uma modalidade sim- biótica, muito regressiva e dependente em suas relações de objeto, portanto mais propenso a reações como as já assinaladas e com menores probabilidades de êxito terapêutico5. Creio que em al guns casos as complicações que logo aparecem no tratamento breve, principalmente por ocasião da separação definitiva entre paciente e terapeuta, são em parte conseqüência dessa atitude ini cial, mas o que acontece é que em nossa prática assistencial com freqüência não temos outro remédio senão efetuar um tratamento de tempo limitado em muitos dos pacientes que apresentam essas características. Realizaremos uma eleição dos casos na medida do possível, pois sem dúvida será o mais conveniente; mas quando, por diferentes motivos, essa seleção não puder ser feita, não pode remos fazer outra coisa senão embarcar com o paciente num pro cesso que terá muito de uma difícil aventura e que requererá ao máximo nossa perícia terapêutica para poder atingir um bom final. 2. O passo seguinte será a contratação que temos de realizar, em especial com aqueles pacientes que apresentam uma franca tendência a desenvolver espontaneamente intensa regressão no vínculo terapêutico. Trataremos, como condição fundamental em P.B., de não facilitá-la ou incrementá-la, e para isso será preciso, na medida do possível, delimitar claramente os objetivos do trata- Psicoterapia breve de orientação psicanalítica A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve 173 mento; quanto às sessões, ter-se-á especial cuidado em evitar que a freqüência das mesmas possa chegar a favorecer a tendência regressiva'. Um aspecto que merece especial atenção dentro da contrata ção é a duração que fixaremos para o tratamento. Em algumas destas situações será preferível outorgar um tempo suficiente, de modo a permitir que uma parte do mesmo se destine à análise do luto pela separação7, sem que isto nos prive do temponecessário para abordar a situação crítica em si, verdadeiro objetivo do trata mento8. 3. Se seguirmos adiante no processo terapêutico, defrontare- mo-nos com as complicações às quais aludimos, que poderão ser evitadas ou ao menos - freqüentemente - bastante atenuadas, se o terapeuta se desempenhar adequadamente ao longo da terapia, conseguindo ajustar-se ao enquadramento da P.B. Vale dizer, se estimular no paciente sua iniciativa pessoal com um critério pros- pectivo, em lugar de fomentar a neurose transferenciai e a depen dência regressiva. Como procurei demonstrar no capítulo ante rior, isso dependerá de vários fatores: de sua familiaridade com a técnica da P.B., de que haja vencido os preconceitos contra todo procedimento que não seja o psicanalítico, além da tendência de extrapolar esse modelo técnico para a terapia breve por crer que só assim poderá obter bons resultados, mas também e fundamen talmente de que possa renunciar às gratificações que oferece o tipo de relação analista-paciente e aceitar as condições, nesse sentido mais frustrantes, que a P.B. impõe. Em síntese, requer-se que o terapeuta tenha um insight dessa problemática e um auto controle de suas tendências naturais a estabelecer uma modalida de simbiótica de relação com o paciente que, segundo minha hipótese, é o que com freqüência costuma conduzi-lo - incons cientemente - a realizar consideráveis e decisivas modificações no enquadramento, favorecedoras da simbiose terapêutica. Considero que o manejo da relação transferenciai, por parte do terapeuta, juntamente com sua capacidade para superar os pró prios conflitos que puderem derivar da perda do paciente como objeto gratificante, terão uma influência decisiva no aspecto que adquire o término do tratamento e a posterior separação para ambos os protagonistas. Quando o terapeuta não pode controlar 174 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica essa situação e não toma as precauções correspondentes, costu- ma-se chegar a uma fase final do tratamento em que a separação se torna mais difícil para ele e para seu paciente, mais perturbado ra e mais frustrante: este se encontra no final numa atitude regres siva e dependente, e aquele, privado de seu objeto gratificante, com uma sensação de desilusão por haver efetuado um tratamento curto e pouco eficaz. Já me referi à conveniência de abordar, geralmente na fase final do tratamento, o problema da separação. 4. Beliak e Small (2) também assinalaram a importância de manter algum contato com o paciente logo após haver-se encerra do o tratamento, a fim de que este não se sinta abandonado e de conservar uma transferência positiva. Para isso sugerem que se solicite ao paciente que informe o terapeuta de seu estado me diante cartas ou chamadas telefônicas. Considero que esse propó sito pode ser cumprido tanto ou mais satisfatoriamente por meio de entrevistas de acompanhamento. Conclusões As maiores possibilidades de êxito, e por sua vez de se evita rem certas complicações ao longo de uma terapia breve em geral e, em razão do término do tratamento em particular, estão relacio nadas: 1. À capacidade do paciente de tolerar suficientemente o luto pela separação. Será conveniente tratar de detectar o grau de tal capacidade a partir dos primeiros contatos. 2. As condições do contrato terapêutico: procurar-se-á dimi nuir a intensidade das regressões; em pacientes com tendência a estabelecer relações simbióticas terá que se oferecer um tempo suficiente de tratamento, que inclua a possibilidade de analisar o luto pela separação. 3. A capacidade do terapeuta para ajustar-se ao enquadra mento que a P.B. exige, evitando a extrapolação da técnica psica- nalítica, favorecedora da dependência regressiva. Dever-se-á abor dar, sobretudo nos estágios finais do tratamento, o problema que coloca para o paciente a finalização e a separação, diante do risco da aparição neste de reações (retrocessos e pioras, hostilidade A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve 175 transferenciai, acting out, reação terapêutica negativa), recorren do-se especialmente a interpretações transferenciais. Em essência dever-se-á ao menos assinalar a situação de luto, já que não conta mos com melhores possibilidades para a sua elaboração. 4. A manutenção de uma transferência positiva a posteriori da realização do tratamento, para o que poderão contribuir as en trevistas periódicas de seguimento. Em P.B. deve-se tratar de chegar à finalização do tratamento de modo tal que a alta coloque o paciente em condições de viver uma experiência estimulante e reasseguradora a partir da compro vação de que seu autodesenvolvimento agora é possível. No que se refere ao terapeuta, é de se esperar que encontre gratificações nos resultados terapêuticos, quer dizer, na obtenção de uma atitu de relativamente independente e nos demais progressos do pa ciente, e portanto que encontre no método psicoterapêutico breve um recurso útil, sem precisar em troca fomentar a gratificante simbiose terapêutica, radicalmente oposta aos propósitos ineren tes a esse procedimento. Referências bibliográficas 1. A lleg ro , L ., Comunicaciónpersonal. 2. B ellak , L. e Sm all, L ., Psicoterapia brevey de emergencia, P ax-M éxi- co, M éxico , 1969. 3. Ferrari, H ., e M artico ren a , A ., “ U na ex p erien c ia en p s ico te rap ia de tiem p o lim itad o ” , em Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta psiq. psicol. Amér. Lat., ju n h o 1968, vol. X IV , nP 2, B u en o s A ires. 4. F io rin i, Fl. J., “ P sico te rap ia d in âm ica b reve . A p o rtes para una teo ria de la té cn ica” , em Coloquio Acta 1967: Psicoterapia Breve, Acta Psiq.psic. Amér. Lat., ju n h o 1968, vo l. X IV , nP 2, B uenos A ires. 5. L ap lan ch e , J. e P on ta lis , J. B ., “ R eacc ió n te rap êu tica n eg a tiv a” , em Diccionario de psicoanálisis, L abor, B arce lo n a , 1971. 6. M alan , D. H ., A Study o f B rie f Psychotherapy, T av isto ck , L ondres, C h arles T h o m as, S p ring fie ld , Illino is, 1963. (V ersão caste lhana: La psicoterapia breve, C en tro E d ito r de A m érica L atina , B u en o s A ires , 1974.) 7. S earles, H ., “ F ases de la in te racc ió n p a c ie n te - te ra p e u ta en la p s ico te rap ia de la e sq u izo fren ia c rô n ica” , Brit. Journal Med. Psychol. (1981), im presso na G rã-B re tan h a . A p o stila inéd ita . 10. Alguns problemas técnicos característicos e riscos em psicoterapia breve Mencionarei aqui alguns inconvenientes técnicos de que so fre o exercício das terapias de tempo e objetivos limitados, assim como certos perigos que com elas se corre. Tanto os inconvenien tes como os riscos, acham-se relacionados com as peculiaridades desses tratamentos e com os eventuais erros dos terapeutas, e se apresentam com mais facilidade diante de pacientes que por de terminada patologia não resultam suficientemente aptos para obter maiores benefícios terapêuticos com o emprego desses pro cedimentos. 1. Os pacientes que recorrem excessivamente à intelectuali- zação podem criar sérias dificuldades, que aumentam nos casos em que o terapeuta compreende a psicoterapia focal como um processo individual, reduzido a “explicar” ao paciente o significa do de suas manifestações patológicas, esperando que mediante a compreensão intelectual possa conseguír-se a cura. Ainda que nessas terapias se aspire a conseguir um insight que possa ser mais cognitivo que afetivo (Szpílka e Knobel [7]), este deve diferenciar-se do pseudo-insight com reforçamento da intelectualização que, como vemos, é um risco que devemos ter em conta, entendendo além do mais que nessas terapias se realiza uma análise apenas parcial das resistências, que às vezes não é suficiente para que o paciente “apreenda” as interpretações e reconheça assim seus conteúdos inconscientes como algo que lhe é próprio. De fato, estamos consignando uma limitação da psico- 178 terapiaverbal de tempo e objetivos limitados, segundo o método que descreví até aqui, já que diante de certos pacientes poderemos nos ver na necessidade de nos voltar - e reduzir a um intenso trabalho interpretativo de suas resistências ao insight, de modo que tenhamos que dedicar boa parte do tratamento ou inclusive todo o tempo que dure o mesmo a tal trabalho, sem que nos seja possível pretender outra coisa. Se bem que fazer ver ao paciente suas defesas patológicas possa ser importante, tais alterações caracteropáticas atuam como um freio que chega às vezes a difi cultar em grau máximo o trabalho relativo a seus problemas atuais, obrigando a uma recolocação estratégica1 dos objetivos ou diretamente do tipo de tratamento recomendável. 2. Outro problema, originado no terapeuta e em estreita rela ção com o descrito em 1, que pode se apresentar com bastante facilidade é o de não exercer aquele um autocontrole adequado diante de certas vivências que possivelmente experimente na prá tica dessas terapias. Quando a duração estabelecida para as mes mas foi limitada, é habitual que se sinta um tanto pressionado em seu afã por obter determinados resultados, sensação que se incre menta ante a proximidade da finalização do tratamento. Se a impaciência o domina, corre o perigo de depreciar o timing e de “bombardear” o paciente com interpretações prematuras em seu desejo de oferecer-lhe muito mais do que este, nesse momento pelo menos, está em condições de assimilar, o que pode trazer paralelamente um aumento de suas resistências e de sua angústia ou ainda ocasionar sua deserção. Vinculadas com essa questão se acham as advertências formu ladas por T. French a respeito das “complicações resultantes das tentativas de forçar o conhecimento” (4). Esse autor assinala parti cularmente o efeito perturbador de certas interpretações em psico terapia breve, em razão do número relativamente reduzido de ses sões semanais com que se costuma trabalhar nela: “Devemos destacar aqui a grande diferença no uso da interpretação quando se vê o paciente todos os dias ou quase todos os dias, e quando se o vê uma ou duas vezes por semana ou ainda com intervalos mais prolonga dos. No procedimento psicanalítico ortodoxo, o terapeuta poderia arriscar uma interpretação desagradável, pois pode apreciar seu efeito no dia seguinte e proteger o paciente contra um aumento de Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalitica Alguns problemas técnicos característicos 179 angústia. Formulada essa mesma interpretação numa psicoterapia mais breve, a angústia podería acumular-se em tal medida que o paciente cairia em pânico (...). Requer-se portanto maior atenção e inclusive maior agilidade por parte do terapeuta” (3). 3. A partir da necessária circunscrição que a abordagem de uma terapêutica setorial requer, em que se deve atender preferen cialmente àquilo que concerne à conflitiva focal do paciente, exis te a possibilidade de que a dinâmica do tratamento sofra uma limi tação esquemútica, com o conseqüente estancamento. Mas todo terapeuta disposto a manter-se suficientemente receptivo às comu nicações do paciente e a extrair sempre novos significados poderá contribuir na obtenção de um processo terapêutico rico, possibili tando reajustes e descobertas que o conduzam a readcquar-se à estratégia, evitando assim ficar reduzido a um plano rígido que, em virtude de o ser, limite seus alcances. 4. O manejo técnico deficiente por parte do terapeuta - por transposição da técnica psicanalítica - pode fomentar iatrogeni- camente a regressão vivencial e a neurose de transferência no pa ciente e acarretar diversas complicações, dada a fugacidade da relação paciente terapeuta e, diante da separação, levar às com plicações que já mencionei nos capítulos 8 e 9, assim como as me didas preventivas e terapêuticas a serem tomadas. 5. Mas a regressão, indesejada, alcança inevitavelmente e de modo espontâneo grande intensidade em algumas ocasiões. Em nosso meio se observou a ocorrência desse fato especialmente em tratamentos de pacientes de baixo nível sociocultural, que recorrem a estabelecimentos assistenciais por contar com uma oportunidade única de confiar seus problemas a um profissional, quer dizer, uma pessoa qualificada que possa escutá-los sem julgá-los (5). 6. O trabalho do terapeuta pode ver-se dificultado, compro metendo-se, com isso, a eficácia do procedimento toda vez que não seja possível delimitar com facilidade o foco e, em conse- qüência, tampouco os objetivos do tratamento, diferentemente do que acontece quando uns e outros surgem de maneira clara e pre cisa, como por exemplo nos quadros reativos. Não contando com um foco mais ou menos definido, o trabalho se complica, vendo- se perturbado nosso propósito de centralizar a ação terapêutica de um modo operativo e com fins de aprofundamento. 180 7. Diante de pacientes com sentimentos de perda patológicos e/ou recentes de importância, submetidos a tratamentos cuja dura ção, limitada, resulta curta, isto é, insuficiente para abordar com possibilidades de benefícios terapêuticos apreciáveis a dita proble mática, existe a alternativa de que sofram uma reativação traumáti ca desses sentimentos, precisamente em função da limitação tem poral e da separação com respeito ao terapeuta, que reaviva a per da, com os perigos conseqüentes (acentuação da angústia e da dor, depressão, acting out, etc ). Portanto e antes de mais nada, há de se rever nesses casos na medida do possível - a indicação terapêuti ca, em particular o que corresponde à duração do tratamento, pro curando dotar o processo terapêutico do tempo necessário para evitar esses efeitos indesejáveis. (Pode ser adequado instituir uma técnica de enfoque com final “aberto”, por exemplo.) 8. E sabido que em P.B. o terapeuta deve de modo geral dedi car o trabalho terapêutico à resolução de problemas da realidade externa atual do paciente (comumente representados por conflitos em determinadas relações interpessoais), apelando freqüente- mente para isso para as interpretações, chamadas “extratransfe- renciais”. Devemos então reconhecer uma limitação própria des sas terapias, que às vezes adquire grande importância, à qual já me referi no capítulo 6 (ver “Interpretações extratransfereneiais”, p. 102) e que aqui menciono novamente. Trata-se do fato de o terapeuta não contar com conhecimento suficiente do paciente - em particular de suas relações de objeto - além de ter pouco tempo para adquiri-lo durante o tratamento, em função da curta duração deste e de serem as sessões relativamente pouco freqüen- tes. Assim sendo, encontra dificultado seu acesso a uma adequa da compreensão em interpretação dos sucessos do mundo externo do paciente, o que pode acarretar diversas consequências negati vas se não trabalha com cautela suficiente. Esse inconveniente pode acentuar-se no caso de pacientes que, por deficiências egóicas, registrem uma marcante distorção em sua captação da realidade, razão pela qual, ao termos de nos remeter em boa medida ao material que nos trazem, será escassa a confiança nesse sentido que possam nos inspirar. Em tais circuns tâncias, isso pressupõe uma maior margem de erro por parte do Psicoterapia breve de orientação psicanalitica terapeuta na apreciação da natureza dos conflitos da realidade ex terna do paciente. Na terapêutica breve, a limitação mencionada deve compen sar-se com um estudo prévio exaustivo e o mais profundo possível do paciente no começo do tratamento (uma razão poderosa para realizar várias entrevistas diagnosticas quando o caso o requer, confeccionar uma história clínica minuciosa, e muito especial mente detectar as principais características das relações objetais do paciente, sobretudo através de testes projetivos). Esse estudo prévio deverá então prover-nos de elementos diagnósticos nos quais possamos apoiar nossas hipóteses explicativas e nossas in tervenções terapêuticas. 9. Os pacientes que evidenciamtendências ao acting out in troduzem um novo problema técnico. Uma medida poderá ser contratar um número necessário - talvez maior que o habitual nessas terapias de sessões semanais - três, por exemplo - para garantir uma tarefa interpretativa mínima da transferência desen volvida que permita diminuir as possibilidades de apresentação da conduta de acting out. Se bem que elevar a freqüência das ses sões traz consigo por sua vez outro risco, o de favorecer a depen dência regressiva do paciente; é o preço que se há de pagar para evitar uma complicação maior, e às vezes sumamente perigosa - a do acting out. 10. Por outro lado, o risco do acting out aumenta quando o caminho se vê possibilitado ou facilitado porque o terapeuta, leva do pelo critério de orientar o paciente na direção dos problemas atuais de sua realidade externa, prescinde em demasia da análise da transferência. Fantasias transferenciais negligenciadas podem então ser atuadas por parte do paciente. Em seu afã de conseguir “resultados práticos” em pouco tempo, o terapeuta pode induzir a atuação2. 11. Entre outros resultados que se podem produzir em rela ção ao assinalado em último lugar no item 10, figuram as meras condutas adaptativas, promovidas pelo fervor terapêutico, que implicam modificações só em nível superficial. Também se des crevem mecanismos tais como a fuga à saúde e à cura transferen ciai, que ainda que não sejam raros tampouco considero que sejam habituais em PB. Quero aqui formular uma advertência: alguns Alguns problemas técnicos característicos l s ‘ 182 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica detratores dessas terapias não vacilam em rotular pejorativamente como fuga à saúde ou cura transferenciai todo sucesso do paciente obtido através das mesmas3. As recaídas, ainda que se produzam na ausência dos fatos que acabo de citar, conjuntamente ou em continuação a eles, con figuram em troca uma eventualidade mais ou menos freqüente nessas terapias. Teremos de contar com essa possibilidade, pois são a expressão de uma reativação dos conflitos que tinham sido objeto de uma resolução em essência incompleta, o que é regra nessas terapias, ou correspondem diretamente a uma resolução falsa-1 Nessas ocasiões costumamos detectar a persistência dos conflitos transferenciais subjacentes, incrementados pela separa ção devida ao término da terapia, a qual pode ser vivida como um abandono e condicionar diversas reações prejudiciais ao paciente, durante e depois do tratamento (ver capítulo 9). Os agravamentos constituem uma complicação que por sua vez também pode estar relacionada com a separação, em função do final do tratamento (ver capítulo 9, pp. 168 s.). Em todos esses casos, o acompanhamento prolongado possi bilitará a comprovação desses resultados e a adoção das medidas terapêuticas mais indicadas. Referências bibliográficas 1. A lex an d er, F ., “C o n trib u c io n es psico an a líticas a la p s ico te rap ia b re v e ” , em L. 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Considero que isso permitirá que a apre ciação dos resultados seja enriquecida e possa na maioria das vezes aproximar-se mais da realidade, o que não costuma aconte cer quando é efetuada de forma isolada por ambos os protagonis tas do processo terapêutico. Desse modo, a avaliação conjunta deixa no paciente a impressão de que se levou a caso uma tarefa em comum, a qual tem assim um encerramento cuidadoso, plane jado, no qual se aprecia sua opinião, requerida num intercâmbio cordial e franco com o terapeuta. Este último passo do processo adquire então um alcance terapêutico, que eventualmente inclui a confirmação, por parte do paciente, de suas impressões a respeito dos progressos obtidos, sendo estas ratificadas pelo julgamento do terapeuta, criando-lhe uma sensação de reasseguramento. 186 No que se refere ao terapeuta, o emprego de um procedimen to metódico de avaliação dos resultados terapêuticos, de base psi- codinâmica, costuma estimulá-lo a efetuar um estudo mais exaus tivo dos mesmos, permitindo um registro que facilite a elaboração estatística e ulteriores investigações quanto aos alcances e limita ções do procedimento que nos ocupa1. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Um método de avaliação A partir das considerações expostas por Usandivaras em nos so meio, recordarei uma questão básica. Nada melhor do que transcrever suas próprias palavras: “Para que uma avaliação de terapia seja realmente válida deve ser não apenas imediata, ao tér mino da cura, mas também mediata. É necessário o follow-up ou acompanhamento do paciente em alta para poder saber se os resultados alcançados se mantêm e durante quanto tempo”(6). (Grifos do autor.) A avaliação é, dentro do possível, anunciada e ajustada de antemão com o paciente ao efetuar-se o contrato terapêutico; explica-se quais são seus motivos, como se fará e quais serão as datas de realização das entrevistas de avaliação imediata, já que as de avaliação mediata costumam ser combinadas a partir da finali zação do tratamento, variando sua periodicidade em função de diversos fatores, em parte relacionados com as necessidades e possibilidades de cada caso (entrevistas a cada seis meses, um ano, etc.). O procedimento que descreverei é o que adotei pessoalmen te2. Como qualquer outro, é suscetível de ser objetado e/ou aper feiçoado a fim de se conseguir uma maior precisão. Não obstante, sem chegar a constituir um rigoroso instrumento de medição, con sidero que possui um valor prático, na medida em que provém de uma técnica suficientemente fundamentada. Para levar a cabo a avaliação tanto imediata como mediata, recorro a dois recursos fundamentais: a) entrevistas com o pacien te (eventualmente estendidas a familiares e/ou figuras próximas dele, como por exemplo quando se trata de adolescentes) e b) psi- codiagnóstico. A avaliação dos resultados terapêuticos 187 A avaliação imediata Efetuam-se duas entrevistas. A primeira, de uns 40 minutos de duração e que se realiza pouco depois de finalizada a terapia, está destinadaa recolher as apreciações e informações que o paciente fornece (auto-avaliação). Na segunda, um pouco mais breve, tem lugar uma devolução por parte do terapeuta, que inclui a avaliação dele. A técnica que utilizo na primeira entrevista de avaliação ime diata é a seguinte: para começar, indico ao paciente que poderá expressar amplamente suas opiniões acerca do tratamento que acaba de concluir e de seus resultados e que em seguida lhe for mularei algumas perguntas a respeito. Na primeira parte da entre vista, o paciente opina sobre distintos pontos: as mudanças nota das, como havia imaginado que seria seu tratamento, que críticas sugere, as vivências que teve, de que forma foi ajudado, etc., im pressões que haverão de ser úteis para o terapeuta. A seguir efetua-se uma indagação sistemática da auto-avalia ção do paciente, a propósito dos pontos que exponho mais abaixo, com base em perguntas, se possível claras e simples. Na segunda entrevista, geralmente realizada poucos dias depois da primeira, comunico ao paciente minha própria avalia ção - estudo prévio de todo o material recolhido na primeira entrevista - que confronto com minhas observações. Depois de haver revisado a evolução do caso, já estou em condições de trans mitir-lhe minhas impressões sobre cada um dos pontos considera dos, tratando ao final de precisar fundamentalmente: 1) o que se aclamou e se resolveu e o que ficou pendente; 2) minha opinião a respeito dos próximos passos a serem seguidos. Para avaliar cada caso levo em conta os seguintes pontos: Insight da problemática focal (I.P.F.) Resolução da problemática focal (R.P.F.) Melhoria sintomática (M.S.) Consciência da enfermidade Auto-estima Outras modificações favoráveis (vida sexual, relações de casal, outras relações interpessoais, estudo, trabalho e lazer) Projetos para o futuro 188 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica "In sigh t" da problem ática fo c a l (I.P.F.) Incluo esse ponto, pois me parece de decisiva importância. As expectativas do terapeuta no sentido de que se produzam modificações significativas e medianamente perduráveis no pa ciente devem assentar-se principalmente no insight que este possa adquirir a respeito dos dinamismos psíquicos subjacentes à situa- ção-problema. Para o paciente, trata-se de saber concretamente se chegou a compreender seus problemas de um modo diferente e mais profundo. Na realidade, a avaliação, neste ponto, mais do que em qualquer outro, depende do terapeuta, a quem diferentes indicadores clínicos, ao seu alcance ao longo do próprio tratamen to, já lhe terão dado indicações sobre o grau de insight obtido (quando a uma interpretação se segue um silêncio reflexivo do paciente, ou a associação por parte deste com situações análogas à que foi objeto de interpretação, ou uma mudança do clima emo cional da sessão, com uma sensação contratransferencial de desa parecimento das resistências, ou uma exclamação do paciente que revela surpresa diante de uma descoberta, etc.). Resolução da problemática focal (R.P.F.) Além de excluir conclusões acerca da existência ou não de insight sobre a problemática focal de cada caso, levo em conside ração este item, que se refere à resolução propriamente dita dessa mesma problemática e sobre cuja denominação cabem alguns esclarecimentos. Veremos o que implica o termo resolução tanto dinâmica quanto clinicamente. Em relação ao primeiro, significa que as mudanças produzidas mediante o tratamento deverão basear-se essencialmente no insight para que se possa considerar tal resolução como real, ou seja, que, neste caso, o item preceden te, I.P.F., registre invariavelmente um resultado positivo, quer dizer, a existência de insight’. Mas aqui me refiro apenas a expe riências iniciais de insight, que é na realidade o que costuma pro porcionar um tratamento focal, ou seja, do ponto de vista dinâmi co esta resolução não implica - seria absurdo pretendê-lo - uma superação (elaboração) substancial dos conflitos subjacentes, A avaliação dos resultados terapêuticos 189 como poderia esperar-se - ainda com certas reservas - num trata mento psicanaiítico. Trata-se então, como já foi assinalado ante riormente (ver capítulo 3, p. 24) de uma resolução dinamicamente incompleta ou parcial, o que explica que possam produzir-se recaídas circunstanciais. Em suma, podemos esperar na melhor das hipóteses que o conflito se torne inativo, deixando assim de ter um caráter perturbador por um período cuja duração é impre visível. Clinicamente, a resolução pode traduzir-se com freqüência na superação de um episódio (com aquisição de certo grau de insight e retomo ao equilíbrio psicológico). De um modo mais preciso, e seguindo Malan, o termo resolução é uma forma sinté tica de fazer referência à substituição de uma reação imprópria por outra, apropriada (4). Malan acrescenta que isso não confunde necessariamente a resolução do processo patológico subjacente, fato que por outro lado não seria possível distinguir. Aclarado o significado do termo do ponto de vista clínico, veremos que neste sentido, sempre baseando-nos em Malan, a resolução poderá ser total ou parcial. A primeira corresponde à definição do termo já assinalada e se apresenta quando um paciente, depois do trata mento e ante situações ligadas à conflitiva focal, não só deixa de registrar as dificuldades e sintomas do início, mas em troca enfrenta tais situações de uma forma mais adequada. O mesmo autor dá um exemplo muito claro, referindo-se ao caso de um homem que tinha uma relação conflitiva com seu patrão, cuja resolução clinicamente total seria dada pela desaparição de seu medo do patrão e de seus temores obsessivos de cometer erros em seu trabalho, ao qual devia somar-se o fato de que começara a ter confiança em seu próprio desempenho e que se estabelecera uma relação satisfatória com seu patrão, sem excessiva submissão ou hostilidade. Por outro lado, a resolução clínica parcial consistirá no desaparecimento de uma reação inadequada (por exemplo, irritabilidade, ansiedade, etc.), que não venha acompanhada da reação apropriada (4). Além da resolução real, clinicamente completa ou incomple ta, Malan menciona as falsas soluções, entre as quais se incluem fenômenos tais como a “cura transferenciai” e a “fuga para a saúde”, assim como o desaparecimento de sintomas alcançados a 190 expensas da evitação das situações conflitivas. Denomina de falsa situação valiosa àquela na qual as mudanças se vinculam com alguma determinação do paciente ou com algum outro fato signi ficativo gerado a partir do tratamento, que serve para romper um círculo vicioso e instalar em seu lugar um ganho benigno e modi ficações vitais (4)\ Bem, Malan assinala que na prática se colo cam interrogações decisivas: Como reconhecer a melhoria “bási ca” ou “específica”? Como diferenciar uma “resolução” - real - de várias categorias de “soluções falsas”? (4). Sem dúvida, efe tuar tais distinções pode ser às vezes uma tarefa difícil, cuja reali zação costuma ser facilitada mediante um estudo realizado ao longo do acompanhamento, em realidade imprescindível se se pretende valorizar adequadamente o item R.P.F., ao qual deverão agregar-se os elementos fornecidos pelo psicodiagnóstico. As apreciações contudo continuarão tendo caráter empírico. Não obstante, é possível mencionar, com fins de orientação, algumas das distintas possibilidades que podem ocorrer em maté ria de resultados terapêuticos, partindo-se da idéia de aceitar como real toda resolução da problemática central do tratamento que, assentando-se no insight, perdure sem que se produzam re caídas ao longo de um determinado período, que podemos fixar arbitrariamente, por exemplo, em 24 meses a partir da finalização da terapia, desde que o paciente não se submeta a outro tratamen to psicoterápico nesse intervalo. Desse modo podem apresentar- se alternativas como as seguintes: 1. Resolução (clinicamente) total da problemática