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Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica E d u a r d o A l b e r t o B r a i e r | Martins Fontes o v a i ̂ & Eduardo Alberto Braier PSICOTERAPIA BREVE DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA Tradução: IPEPLAN 'orf\ BIBL'iOt£:'.A c/i O , 4* % 0 ^ Martins Fontes São Paulo 2000 c.o, m f 4'k.wrf , 2 l/ v O I i ’ r £.«fa ofo-fl /oi publicada originalmente em espanhol com o título PSICOTERAPIA BREVE DE OR1ENTACIÓN PSICOANALÍTICA por Ediciones Nueva Vision, Buenos Aires, em 1984. Copyright © Ediciones Nueva Vision SAiC, Buenos Aires, 1984. Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Lida., São Paulo. 1986, para a presente edição. Ia edição novembro de 1986 3® edição março de 1997 2a tiragem março de 2000 Coordenação da tradução Maria Risolera de Oliveira Marcondes Revisão da tradução Maria Esteia Hei der Cavalheiro Revisão gráfica Eloisa da Silva Aragão Ivete Batista dos Santos Produção gráfica Geraldo Alves Paginação/Fotolitos Studio 3 Desenvolvimento Editorial Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Braier. Eduardo Alberto Psicoterapia breve de orientação psicanalítica / Eduardo Alberto Braier : tradução IPEPLAN. - 3a ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1997. - (Psicologia e Pedagogia) Título original: Psicoterapia breve de orientación psicoanalítica. Bibliografia. ISBN 85-336-0598-6 1. Psicanálise 2. Psicoterapia breve 1. Título. II. Série. CDD-616.8914 97-1058________________ ____________________ NLM-WM 420 Índices para catálogo sistemático: I. Psicoterapia breve : Psicanálise : Medicina 616.8914 Todos os direitos para a língua portuguesa reservados à Livraria Martins Fontes Editora Ltda. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil Tei. (11) 239-3677 Fax (11) 3105-6867 e-mail: info@martinsfontes.com http.il Mww. martinsfontes. com r índice Prefácio à edição brasileira XV por Maurício Knobel Prefácio 1 1. Introdução 3 Referências bibliográficas 7 2. Resenha histórico-bibliográfica 9 A psicoterapia breve na Argentina 12 Referências bibliográficas 13 3. Fundamentos teóricos 15 Introdução 15 Pelos caminhos da psicanálise 16 A psicoterapia individual breve de orientação psicanalítica Os fins terapêuticos 18 A temporalidade 21 A técnica 21 Resultados e mecanismos terapêuticos 49 Referências bibliográficas 56 TÉCNICA 4. Entrevistas preliminares 63 Introdução 63 O estabelecimento da relação terapêutica 63 A história clínica 65 Avaliação diagnostica eprognostica 65 Avaliação diagnostica 65 Papel do psicodiagnóstico 69 Avaliação prognostica 70 A devolução diagnóstico-prognóstica 71 Contrato sobre as metas terapêuticas e a duração do tratamento 73 Explicitação do método de trabalho. Fixação das demais normas contratuais 76 Referências bibliográficas 77 5. Planejamento do tratamento 79 Referências bibliográficas 81 6. O tratamento 83 Introdução 83 A relação paciente-terapeuta no tratamento breve 84 Uma regra básica de funcionamento em psicoterapia breve de orientação psicanalítica 89 0 emprego constante do método da associação livre (“regra fundamental" da psicanálise) nos tratamentos breves 90 Adoção de uma regra básica de funcionamento para psicoterapias breves 93 Uso operativo do método da associação livre nos tratamentos breves 93 Conformação definitiva de uma regra de funcionamento para psicoterapias breves 95 Digressões sobre afocalização e a atenção do terapeuta 95 Elementos psicoterapêuticos verbais 99 Generalidades 99 As interpretações na psicoterapia breve de orientação psicanalítica 100 Outras intervenções verbais 117 Sobre as sessões 118 Outros recursos terapêuticos 119 O emprego de psicofármacos 120 A participação de familiares e/ou pessoas próximas do paciente no tratamento 121 Referências bibliográficas 125 7. Uma sessão de psicoterapia breve 129 A sessão 136 Comentários sobre a sessão 141 Referências bibliográficas 148 8. Dificuldades do terapeuta para a formação, prática e investigação em psicoterapias breves 149 Introdução 149 A dificuldade de adaptação ao enquadramento da psicoterapia breve 151 "Psicoterapia breve 'versus'psicanálise” 151 Na intimidade da relação terapeuta paciente 152 Dificuldades ante o término do tratamento psicoterapêutico breve 159 Dificuldades na avaliação dos resultados obtidos em psicoterapia breve 159 Desprestígio da psicoterapia breve enquanto indicação terapêutica 160 Outras dificuldades do terapeuta ante as terapias breves 161 Conclusões 162 Referências bibliográficas 163 9. A respeito do término do tratamento em psicoterapia breve 165 Introdução 165 Reações causadas no paciente pela separação 166 Reações causadas no terapeuta pela separação 170 Aspectos técnicos 171 Conclusões 174 Referências bibliográficas 175 10. Alguns problemas técnicos característicos e riscos em psicoterapia breve 177 Referências bibliográficas 182 11. A avaliação dos resultados terapêuticos em psicoterapia breve 185 Introdução 185 Um método de avaliação 186 A avaliação imediata 187 Alternativas do paciente ao terminar o tratamento 194 A avaliação mediata 196 Problemas na avaliação dos resultados terapêuticos 200 Referências bibliográficas 204 12. Indicações da psicoterapia breve 207 Referências bibliográficas 211 13. Dos tratamentos breves 213 Exemplificação do método psicoterapêutico de objetivos limitados 213 Dados biográficos de interesse (resumo) 214 Avaliação diagnostica 215 A hipótesepsicodinâmica inicial 216 A s metas terapêuticas 219 Prognóstico 220 Planificação do tratamento 220 Evolução durante o tratamento 223 Avaliação dos resultados terapêuticos 225 Considerações finais 228 O caso da jovem que vomitava às segundas-feiras. Aprofundamento no foco 229 Motivos da consulta 230 Dados biográficos de interesse 231 Avaliação diagnostica 232 Hipótese psicodinâmica inicial. Conflitiva focal 232 Metas terapêuticas 233 Prognóstico 233 Planificação do tratamento 234 Evolução durante o tratamento 235 Avaliação dos resultados terapêuticos 241 Considerações finais 245 Referências bibliográficas 249 14. Formação de terapeutas em psicoterapia breve 251 Introdução 251 Aprendizagem teórica 252 Treinamento psicoterapêutico 253 Supervisão clínica 254 Algumas condições necessárias para um terapeuta em psicoterapias breves 254 Referências bibliográficas 263 Notas 265 Para Susana, Natacha e Florencia. Para meus pais. “Defrontamo-nos então com o trabalho de adaptar nossa técnica às novas condições.” Sigmund Freud, Os caminhos da terapia psicanalítica (1919). Prefácio à edição brasileira Apresentar ao leitor a edição brasileira do livro de Braier é uma honra e um prazer. É também sentir que estamos contribuin do para o esforço atual para tornar a psicoterapia acessível a uma ampla camada da população que necessita desta modalidade de atendimento. Eduardo A. Braier é um psicanalista argentino, que recebeu a formação rigorosa do Instituto de Psicanálise da Associação Psi canalítica Argentina. São poucos, infelizmente, os que conseguem associar o rigor da prática psicanalítica a uma consciência social e comunitária. E isso não apenas no devaneio intelectual, mas na confrontação do dia-a-dia com o paciente que procura ajuda nos hospitais e centros de saúde. Braier procurou oferecer uma contribuição concreta para aqueles que buscam ajuda para os problemas emocionais, sem te rem acesso a uma técnica complexa, demorada e elitista. Conhece e reconhece a Psicoterapia Breve e resolve elaborar, através do próprio exercício clínico, uma teoria da técnica para a sua prática. Como participante das investigações sobre psicoterapias bre ves do Colégio Acta, de 1967, posso constatar o amadurecimento das idéias, a precisão dos conceitos, a elaboração cuidadosa das técnicas ao longo desses anos bem como a organização e clareza com que são agora apresentados. X V I Os fundamentos teóricos de Braier têmorigem na psicanáli se. Como bom discípulo de Freud, aceita o desafio do mestre e procura “adaptar nossa técnica às nossas condições”. De aluno fiel converte-se em mestre generoso e nos oferece esta contribui ção, esta modalidade de terapia que resulta de uma cuidadosa ava liação da técnica psicanalítica. Estuda minuciosa e cuidadosamente os princípios clássicos e a prática da psicanálise e compara-os com a sua própria experiên cia neste campo relativamente novo da psicoterapia. Braier é o psicanalista cauteloso unido ao terapeuta audacioso, com os pés no chão e voltado para o futuro. A linguagem é, por momentos, rigidamente psicanalítica, mas reflete sempre uma compreensão dinâmica do processo terapêutico, veículo de uma proposta con creta e acessível. Aceita a possível utilização de recursos terapêuticos múlti plos e afirma que ninguém é dono da verdade, privilegiando di versas e diferentes hipóteses, principalmente dentro da área psica nalítica. A sua técnica criteriosamente elaborada é apresentada com metodologia, depois de uma revisão minuciosa dos conceitos de Malan e da terapia focal. Inicia com o estudo das entrevistas preli minares e, a meu ver, merece especial destaque a afirmação de que é necessária uma ampla e minuciosa avaliação diagnostica, sem a qual será difícil iniciar um processo psicoterapéutico. O capítulo cinco, sobre “Planejamento do tratamento”, é extremamente rico pelos conceitos que traz. No estudo sobre “O Tratamento”, o autor parece não ter esquecido nenhum daqueles detalhes que respondem às muitas perguntas que constantemente nos fazem os alunos e os estudiosos da técnica. O livro traz muitas respostas e sua contribuição didática é inquestionável. A apresentação detalhada de um caso clínico é uma ilustra ção de grande valor didático e um estímulo para o aprendizado e a compreensão da proposta do autor. Não disfarça as dificuldades que existem para a formação de quem pretende se iniciar na práti ca desta modalidade psicoterapêutica e reconhece seus problemas técnicos e riscos. Os difíceis temas da avaliação e das indicações são aborda dos em capítulos separados e de grande valor para a pesquisa. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Prefácio à edição brasileira X V II Os exemplos clínicos ajudam o leitor a entender e a familiari zar-se com esta técnica tão concisa, aqui apresentada de modo abrangente. O modelo de “ficha clínica para psicoterapias breves” que encerra o livro é um guia útil para quem procura sistematizar estes estudos. O país e os leitores de língua portuguesa vão se beneficiar com esta obra, que, além de seu valor didático, teórico, prático e de pesquisa, é um importante auxiliar clínico. Considero necessário parabenizar a empresa editora pela seleção desta obra. Não se trata de um “transplante artificial”, só válido na sua microcultura de origem, e sim de uma ampla e imparcial obra teórico-técnica, perfeitamente aplicável em nossa cultura, em nossa sociedade. Braier consegue aqui abrir nossos olhos a uma realidade, ofe recer a teoria de uma técnica compreensível dentro do campo psi- canalítico e mostrar que a psicoterapia não é necessariamente o privilégio de uma classe social, mas deve ser uma possibilidade aberta para muitos; mostra também que este mundo conflitante necessita cada vez mais de especialistas com conhecimentos sérios e profunda sensibilidade social. A polêmica sobre “investigação” da personalidade ou seu “tratamento” é estéril, academicista e, do ponto de vista psicanalí- tico, uma atitude resistencial. Não existe pesquisa em psicanálise sem assistência a quem procura este contato único e absolutamen te singular. Este trabalho é uma mostra do quanto se pode fazer quando existe compreensão humana do ser humano e não uma escondida fobia ao contato interpessoal criativo e enriquecedor da alma. Campinas, junho de 1986. PROF. DR. MAURÍCIO KNOBEL Professor Titular de Psiquiatria Clínica da FCM da UNICAMP Professor Titular de Processos Psicoterápicos do Dept° de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC Campinas. Prefácio Meu interesse pela psicoterapia breve nasceu em meus anos de residente em Psiquiatria (1968-71), primeiro no Serviço de Psicopatologia do Hospital Pinero e, depois, no serviço de mesmo nome no Hospital Ramos Mejía. No trabalho hospitalar, defron- tei-me com o problema ocasionado pela necessidade de propor cionar assistência psiquiátrica a grandes massas da população. Isso motivou minha apresentação a concurso para obter uma bolsa municipal que era oferecida pela Secretaria de Saúde Pública de Buenos Aires, que me proporcionou uma experiência clínica de um ano na investigação de terapias breves, no segundo dos servi ços citados (1971-72). Desde então, e concomitantemente à mi nha dedicação a terapias prolongadas, não abandonaria mais o .estudo e a investigação das técnicas de objetivos e tempos limita dos, sempre partindo do corpo teórico-psicanalítico. Minha práti ca em tais técnicas, além da exercida em consultório particular, inclui uma passagem de aproximadamente 2 anos pelo CEMEP (Centro de Psicologia Médica), como terapeuta da instituição (1972-73). A isto se somou o poderoso estímulo que significou o intercâmbio científico com colegas, o trabalho docente que venho exercendo sobre o assunto em hospitais, instituições e em nível privado e, mais recentemente, o enorme enriquecimento que me proporcionou a formação na Associação Psicanalítica Argentina. Todos esses fatos me animaram, finalmente, a empreender a ár dua tarefa de escrever este livro. Minha intenção é de nele expor 2 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica com clareza principalmente as experiências e idéias pessoais que venho acumulando até o momento, complementadas por uma revisão crítica, que de nenhum modo pretende ser completa, da bibliografia existente sobre o tema. Como sempre ocorre, certos pontos despertaram em mim um interesse maior que outros, motivando alguns desenvolvimentos. Entre eles se encontram: os fundamentos teóricos, a regra de fun cionamento do paciente, os tipos de atenção do terapeuta, as difi culdades do terapeuta para a formação, a prática e a investigação em psicoterapias breves, o termino do tratamento, alguns incon venientes técnicos e riscos a eles relacionados e os problemas concernentes à avaliação dos resultados terapêuticos. Quero expressar meus mais sinceros agradecimentos a todos aqueles que de uma maneira ou de outra me ajudaram nesse em preendimento, especialmente: Ao Dr. Luiz Allegro, que realizou um leitura crítica dos ori ginais e, além disso, me incentivou constantemente, assim como ao Dr. Marcos Guites, que leu o capítulo 13. Ao Dr. Héctor J. Fiorini, pelo generoso estímulo e pelas su gestões que pessoalmente me ofereceu durante anos de frutíferas discussões sobre as psicoterapias. Boa parte de meu entusiasmo pelo tema deve-se à leitura de seus excelentes trabalhos. Ao Sr. Ifim Kantor, a quem coube a enorme tarefa, realizada com carinho e esmero, de transcrever meus ilegíveis manuscritos. A Dra. Blanca R. Montevecchio, que supervisionou os trata mentos breves que efetuei durante minha investigação no Serviço de Psicopatologia do Hospital Municipal J. M. Ramos Mejía. Ao Dr. Moisés Kijak e a Elisabeth G. De Garma, que foram meus analistas. Aos colegas membros dos diferentes grupos de estudo por mim coordenados, principalmente os seguintes: doutores Víctor Feder, Alejandro Puente, Alba Brengio, Delia Saffoires, Mónica Noseda, Isaías Finkelstein, Ricardo Frigerio; licenciados Jorge A. Brener, Aída Núnez, Claudia H. De Zanoto, Silvia S. De Fin kelstein e Suzana Boz. A meus pacientes. Buenos Aires, agosto de 1980. EDUARDO A. BRAIER 1. Introdução As chamadas psicoterapias breves surgiram essencialmente como uma resposta ao problema assistencial colocado pela massa cada vez maior de população consultante. Em nosso meio, os inci pientes serviços de psicopatologia hospitalar,os centros de saúde mental, as instituições privadas e os hospitais psiquiátricos tive ram, em determinado momento, e de forma similar a outros paí ses, de implementar técnicas breves. Da mesma maneira, a seu tempo, tinham incorporado, com idêntica finalidade, o uso de modernos psicofármacos e da psicoterapia grupai, já que os tera peutas, em quantidade insuficiente, não conseguiam cobrir a demanda de pacientes. As terapias de curto prazo, individuais e grupais, permitiram ampliar a assistência psiquiátrica, propósito este que, por outro lado, não era compatível com o emprego de tratamentos longos. As limitações econômicas de muitos que acorrem em busca de ajuda terapêutica foram e são, sem dúvida, um fator que vem exercendo uma influência decisiva no desenvol vimento e na difusão das terapias breves, naturalmente mais aces síveis às pessoas de poucos recursos. Os objetivos terapêuticos deveríam, então, centrar-se na superação de sintomas e incidentes agudos ou situações perturbadoras atuais, que se apresentam como prioritárias por sua urgência e/ou importância. Esses procedimentos terapêuticos vão alcançando, de um modo gradual, novos traços distintivos, o que nos conduz, de ime diato, ao problema de sua denominação. Os diversos nomes que 4 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica recebem revelam as tentativas de tomar precisas algumas daquelas que se consideram suas principais características (embora indu zam, em definitivo, a aumentar a confusão reinante), as quais, é conveniente citar para poder, desde já, deixar claro a que situações e métodos psicoterápicos vou referir-me ao longo desta obra. Em primeiro lugar cabe examinar a denominação psicotera pia breve, que por ser, sem dúvida, a mais difundida e imposta pelo uso, empregamos aqui com muita freqüência1. Apesar disso, há que se admitir que não é a mais adequada: em princípio porque essas terapias são breves do ponto de vista do terapeuta, e quando sua duração é comparada com a do tratamento psicanalítico, em geral mais prolongado (1), mas podem não parecer breves por exemplo para o paciente. Acima de tudo, tal denominação é dis cutível, já que uma psicoterapia pode ser de duração certamente prolongada - um ano ou mais - mas ter as metas limitadas e as características técnicas próprias e essenciais desses procedimen tos (focalização, planejamento, etc.), que as distinguem da psica nálise corrente e de outras psicoterapias. As terapias a que fazemos referência também são conhecidas como psicoterapias de tempo limitado, denominação essa que novamente alude à sua temporalidade, mas que denota não só bre vidade, como também a fixação de um limite de tempo para o tra tamento, em virtude do qual este passa a ter, geralmente c de ante mão, uma data de finalização preestabelecida. Tampouco este é um fato necessariamente constante nesses tratamentos. Outra denominação a que se costuma recorrer, a de psicote rapias de objetivos limitados, é, a meu ver, muito apropriada, já que se refere a um elemento importante e que, diferentemente de outros elementos, sempre se faz presente em tais terapias, que por conseguinte poderão ser concomitantemente de tempo limitado ou não. Pode-se também empregar a denominação psicoterapia bre ve de orientação psicanalítica, que dá título a este livro, e que cscolhi porque me interessa explicitar que se trata de uma terapia originada nas teorias de psicanálise e, assim, estabelecer uma di ferença com respeito aos tratamentos breves alicerçados em ou tras orientações terapêuticas (terapias comportamentais, análise transacional, etc.). Introdução 5 Alguns autores preferem designá-las com nomes que servem para destacar algumas de suas peculiaridades técnicas e que suge rem diferenças com relação às da psicanálise clássica: terapias planejadas (3) ou focais (4), por exemplo. Entre nós Szpilka e Knobel propuseram denominá-las psico terapias não-regressivas, para acentuar outro aspecto importante delas (5). A chamada psicoterapia de emergência concerne, no meu entender, à forma de psicoterapia rápida ou breve que partilha apenas algumas das características e dos métodos de que nos ocu pamos. Refere-se, particularmente, a uma terapia de urgência em “situações especiais de crise e exigência” (2), tais como episódios de natureza psicótica (tentativas de suicídio, delírios agudos, etc.). Em tais situações, com ffeqüência prevalece a necessidade de estancar a crise, obtendo-se um alívio sintomático, de modo que na maioria dos casos deve-se postergar a busca.de insight no paciente até um segundo momento terapêutico, já que de imediato suas condições egóicas não costumam permiti-lo. Nesta obra referir-me-ei, sobretudo, a uma psicoterapia de objetivos limitados, basicamente interpretativa ou de insight, que deve ser empregada em indivíduos com capacidade egóica sufi ciente para serem tratados por meio dela, É necessário afastar a absurda antinomia que alguns preten dem criar entre a psicanálise e a P.B.. Ambos os métodos constam de objetivos terapêuticos, indicações clínicas e técnicas diferen tes. É perigoso incorrer no erro de pensar que a psicanálise é o único tratamento válido realizável, como também no de superva- lorizar os alcances da P.B., atribuindo-lhes resultados espetacula res. (De minha parte, longe de querer apresentar o tratamento breve como uma panacéia, tratarei aqui não só de suas possibili dades, mas também, e com certo detalhe, de suas limitações e ris cos.) É melhor dizer que é possível instrumentar uma terapêutica breve baseada no esquema conceituai da psicanálise, o que signi ficará uma proveitosa aplicação de suas teorias em situações nas quais não é possível utilizar a técnica psicanalítica corrente, como por exemplo, no ambiente hospitalar. Além disso, considero que não devemos deixar de atender aos numerosos pacientes que, tanto no meio hospitalar como no consultório particular, não 6 podem, por motivos diversos (econômicos, mas também de resis tência, ou por sua idade avançada, etc.) ser abordados através de um tratamento psicanalítico, exigindo que adaptemos nossos recursos técnicos às possibilidades e necessidades do paciente, sem esperar que sejam eles quem devam amoldar-se a um único método terapêutico. Caso isso ocorresse, correriamos o risco de tomar por intratáveis indivíduos que simplesmente - e frequente mente só em caráter transitório - não estão em condições de ser analisados. Cabe acrescentar que em muitas ocasiões uma terapia de objetivos e tempo limitados pode ser o passo inicial em direção a um posterior tratamento analítico, convertcndo-se, num primei ro momento, na mais conveniente, ou ainda, na única abordagem terapêutica viável, que poderá trazer, como resultado, uma mudança nas condições do paciente que o torne apto para efetuar, em seguida, uma psicoterapia prolongada. A superação das diversas dificuldades dos profissionais para encarar a formação, a prática e a investigação em P.B. surge clara mente como premissa. De um tempo para cá, já são muitos os que falam na importância do emprego deste método terapêutico, mas são poucos os que preconizam e aplicam procedimentos técnicos apropriados ao contexto em que tal método cabe. Também chama a atenção a escassa participação dos analistas de maior experiência na investigação dessas terapias. Pessoalmente, interessei-me em obter uma compreensão profunda de algumas das motivações inconscientes do terapeuta que subjazem a suas dificuldades para ajustar-se ao enquadramento requerido pela P.B. Constitui uma necessidade premente contar com uma teo ria da técnica da P.B. estruturada com mais solidez, que possibi lite um ensino adequado de seus princípios básicos (sem que tal afirmação desmereça o reconhecimento da existência de contri buições de decisiva importância sobre o tema, que enriqueceram profundamente nossa visão dele). Oriento meu trabalho em direção a essa meta, tentando conceituar uma modalidadeterapêutica que reconhece suas fontes no corpo teórico da psicanálise, mas que, segundo creio, se diferencia nitidamente de sua técnica. Acima de tudo, procurei sistematizar os sucessivos passos do processo terapêutico e ensaiei um critério de avaliação dos re sultados. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Introdução 7 Também serão bem-vindas a realização e a transmissão de novas experiências clínicas organizadas em P.B., que possibilitem validar ou questionar as concepções teóricas sustentadas atual mente. Por último, desejo esclarecer que nesta obra irei ocupar-me especialmente do que tange à psicoterapia individual breve em pacientes adultos e adolescentes, ainda que muitos dos conceitos apresentados sejam extensivos ao tratamento de crianças e aos procedimentos grupais (psicoterapia breve de casal, grupo fami liar, etc.). Referências bibliográficas 1. Alexander F., “Eficacia dei contacto breve”, em Alexander, F e French, T., Terapêutica psicoanalítica, Paidós, Buenos Aires, 1965, cap. IX. 2. Bellar, L. e Swall, L., Psicoterapia breve y de emergencia, Pax- México, México, 1969. 3. French, T., “Planificación de la psicoterapia”, em Alexander, F. e French, T., ob. cit., em 1, cap. VII. 4. Malan, D. H., A Study of Brief Psychotherapy, Tavistock, Londres; Charles Thomas, Springfield, Illinois, 1963. (Versão castelhana: La psicoterapia breve, Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1974.) 5. Szpilka, J. e Knobel, M., “Acerca de la psicoterapia breve”, Coloquio Acta 1967: Psicoterapia breve, Acta psiq. psicol. Amér, Lat., vol. XIV, n°2, Buenos Aires, junho de 1968. 2. Resenha histórico-bibliográfica Passaremos em revista os principais acontecimentos e obras que marcaram a evolução da terapêutica breve de orientação psi canalítica. Devo começar tal revisão assinalando que os primeiros tra tamentos efetuados pelo próprio Freud na etapa pré-analítica e no começo da analítica eram, de certo modo, terapias breves, pois duravam só alguns meses. O fundador da psicanálise se achava empenhado, inícialmente, em buscar curas rápidas, a princípio dirigidas para a solução de determinados conflitos e sintomas1. Freud atendeu a Gustav Mahler, com resultados satisfatórios, durante algo mais de... quatro horas, a maior parte das quais trans correram enquanto ambos passeavam por Leyden (9). Outro trata mento célebre, o do Homem dos ratos, que conseguiu bons resul tados, e cujo histórico clínico foi publicado em 1909 (5), durou tão-somente 11 meses. Gradualmente e com os progressos da psicanálise, o trata mento foi-se tornando mais prolongado. Incidem fatores como a resistência, a sobredeterminação dos sintomas, a necessidade de elaboração, os fenômenos transferenciais, etc. (12). O desenvolvimento dos acontecimentos mais relevantes pode ser resumido como se segue: 1914: no histórico clinico do Homem dos lobos, redigido em 1914 e editado em 1918 (7j, Freud disse que fixou pela primeira 10 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica vez uma data para o término da análise, numa tentativa de acelerar o desenvolvimento do processo terapêutico2. 1916: Ferenczi menciona, pela primeira vez, a necessidade de uma psicoterapia breve, sendo repreendido por Freud (13 )3. 1918: em uma conferência pronunciada em Budapeste e edi tada no ano seguinte (“Os caminhos da terapia psicanalítica” [8]), Freud propõe uma psicoterapia de base psicanalítica para respon der à necessidade assistencial da população, e sugere que se com binem os recursos terapêuticos da análise com outros métodos. Tal proposta é de importância decisiva para fundamentar, poste riormente, a configuração de uma terapia breve de orientação psi canalítica. 1920-1925: S. Ferenczi e O. Rank realizam tentativas para abreviar a cura psicanalítica. Escrevem conjuntamente um livro, no qual abordam o tema (3), recebendo duras críticas de Freud. Ferenczi propõe o chamado “método ativo”, que logo aban donará. Rank, por sua vez, defende a possibilidade de um trata mento analítico breve baseado na tentativa de superar, em poucos meses de análise, o trauma do nascimento, que considera o nódulo da neurose. 1937: em “Análise terminável e interminável”, Freud assina la que as tentativas de abreviar a duração da análise que consome muito tempo não requerem justificação “e se baseiam em impera tivas considerações de razão e de conveniência” . Em várias passa gens desse artigo sublinhará que o encurtamento da duração da análise é um fato desejável. Mas também fustigará as tentativas que Rank efetuara nessa direção desde 1924, baseadas em sua concepção a respeito do trauma de nascimento. O mesmo fará em relação a Ferenczi. Neste, um de seus últimos trabalhos, Freud recorda que, para acelerar o tratamento analítico no caso do Homem dos lobos, re correu ao expediente de fixar-lhe um limite de tempo. Acrescenta que posteriormente também tomou essa medida em outros casos, dizendo a respeito dela: “(...) é eficaz, contanto que se faça no momento oportuno. Mas não se pode garantir o cumprimento total da tarefa. Pelo contrário, podemos ter certeza de que, enquanto parte do material se tornará acessível sob a pressão dessa amea ça, outra parte ficará guardada e enterrada como estava antes, e Resenha histórico-bibliográfica 11 perdida para nossos esforços terapêuticos. Porque, uma vez que o analista tenha fixado o limite de tempo, não pode prolongá-lo; de outro modo, o paciente perdería a fé que nele deposita” (6). 1941: o Instituto de Psicanálise de Chicago organiza um con gresso nacional sobre psicoterapia breve. Aumenta o interesse pelo tema nos Estados Unidos. 1946: aparece Psychoanalytic Therapy (Ronald Press, Nova York), de F. Alexander e T. French e colaboradores do Instituto de Psicanálise de Chicago, obra que inicia uma nova e decisiva etapa no campo das técnicas breves. Os autores recolocam a necessida de de abreviar o tratamento analítico e de efetuar terapias breves com uma compreensão psicanalítica. Incluem conceitos sobre planejamento da psicoterapia, flexibilidade do terapeuta, manejo da relação transferenciai e do ambiente, utilidade de ressaltar a realidade externa e eficácia do contato breve. Tomam como ponto de partida uma experiência clínica na qual intervém um número importante de terapeutas experientes. O livro descreve numerosos históricos clínicos (1). 1963: publica-se A Study o f Brief Psychotherapy, de D. H. Malan (Tavistock Publications Limited, Londres). A obra descreve uma experiência clínica de investigação baseada em tratamentos de curto prazo, realizada por terapeutas da Clínica Tavistock, de orientação kleiniana. Nela se detalha a técnica focal. O autor acen tua a conveniência de interpretar a transferência de maneira exaus tiva dentro da terapia breve (em acentuada dissidência com muitos outros), assim como a necessidade de trabalhar a separação entre paciente e terapeuta, causada pelo término do tratamento. Além disso desenvolve, brilhantemente, um método psicodinâmico para avaliar os resultados terapêuticos. O livro oferece uma detalhada apresentação de 19 casos tratados com psicoterapia individual bre ve, que inclui os acompanhamentos efetuados. A supervisão dos tratamentos esteve a cargo de M. Balint (12). 1965: aparece Short-Term Psychotherapy, obra compilada por L. Wolberg (Grune and Stratton, Inc., Nova York), que contém trabalhos de Avnet, Masserman, Hoch, Rado, Alexander, L. Wol berg, Kalinowsky, Wolf, Harrower e A. Wolberg. Sobressai o de L. Wolberg, a respeito da técnica da psicoterapia breve (16). 12 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Também nesse ano L. Bellak e L. Swall publicam Emergency Psychotherapy and Brief Psychotherapy (Grune and Stratton, No va York). Os autores incluem diversos temas, entre os quais se destacam: o enfoque do tratamento à luz da psicologia psicanalíti ca do ego, a aplicação da teoria da aprendizagem, o insight e a ela boração (2). 1971: em TheBrieferPsychotherapies (Brunner Mazel, Inc., Nova York), Small realiza uma extensa compilação das idéias de numerosos autores sobre o tema (14). A psicoterapia breve na Argentina 1967: tem lugar o Colóquio Acta 1967: Investigações sobre psicoterapia breve, que apresenta valiosas contribuições. Partici pam, entre outros, R. J. Usandivaras, J. 1. Szpilka, M. Knobel, A. E. Fontana, G. S. de Dellarossa, H. Ferrari, A. G. Marticorena e A. Dellarossa (15). Esse colóquio é um testemunho do crescente interesse que começa a se manifestar, em nosso meio, pelo proble ma das psicoterapias (individuais ou grupais) em serviços psi quiátricos - dc recente criação - de hospitais gerais, hospitais psiquiátricos e instituições privadas, que oferecem tratamentos a honorários reduzidos em razão da demanda cada vez maior de assistência psicológica por parte da população. Empregam-se tra tamentos de duração limitada com base psicanalítica, mas a ativi dade é desorganizada e confusa e não se apresentam, ainda, maio res perspectivas de instrumentalizar técnicas suficientemente sis tematizadas e coerentes. 1970: aparece o primeiro livro de autor argentino, exclusiva mente consagrado ao tema: Psicoterapia breve, de H. Kesselman, com prólogo de J. Bleger. O autor, utilizando o esquema referen cial de Pichon-Rivière aborda, entre outros aspectos, o planeja mento e as técnicas de mobilização, e assinala algumas caracterís ticas essenciais das interpretações a serem utilizadas no trabalho terapêutico (10). 1973: publica-se Teoria y técnica de psicoterapias, de H. J. Fiorini, amplo e valioso estudo sobre o tema, no qual se destacam especialmente o capítulo referente à primeira entrevista em psico- Resenha histórico-bibliogràfica 13 terapia breve e o que oferece um modelo teórico do foco terapêu tico (4). 1975: Psicoanálisisypsicoterapia breve en la adolescência*, de J. C. Kusnetzoff, aborda, em sua segunda parte, o tema da psico terapia individual e grupai breve do adolescente. É de especial interesse o capítulo destinado à teoria da comunicação e à psicote rapia breve, assim como a inclusão da família no tratamento (11). 1980: em nosso meio atualmente é indiscutível a necessidade de se recorrer a psicoterapias menos custosas que a análise, tanto em tempo como em dinheiro, a fim de responder à demanda de um número cada vez maior de indivíduos. A aplicação das chama das psicoterapias breves se difunde ostensivamente, mas ainda não se lhes reconhece um status teórico, que, no entanto, começa a se delinear, sendo relativamente escassas as investigações que têm suscitado. Referências bibliográficas 1. Alexander, F. e French, T., Terapêutica psicoanalítica, Paidós, Bue nos Aires, 1965. 2. Bellak, L. e Small, L., Psicoterapia brevey de emergencia, Pax- Mé xico, México, 1969. 3. Ferenczi, S. e Rank, O., The Development of Psychoanalysis, Zurich International Press, Leipzig e Viena, 1924. 4. Fiorini, H. J., Teoriay técnica de psicoterapias, Nueva Vision, Bue nos Aires, 1973. 5. Freud, S., “Análisis de un caso de neurosis obsesiva”, em O.C., Bi blioteca Nueva, Madri, 1948, t. II. 6 . __“Análisis terminable y interminable”, em O.C., Biblioteca Nue va, Madri, 1968, t. III. 7 . __ “Historia de uma neurosis infantil”, em O. C., ob. cit. em 5, t. II. 8 . __“Los caminos de la terapia psicoanalítica”, em O. C., ob. cit., em 5, t. II. 9. Jones, E., “Vida y obra de Sigmund Freud”, Nova, Buenos Aires, 1960, t. II. * Traduzido para o português sob o título Psicanálise e psicoterapias breves na adolescência, tradução de Patrícia M. E. Cenacchi, edição brasileira adaptada e revis ta pelo autor, Rio de Janeiro, Zahar, 1980. (N. do T.) 14 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica 10. Kesselman, H., Psicoterapia breve, Kargieman, Buenos Aires, 1970. 11. KusnetzofF, J. C., Psicoanálisis y psicoterapia breve en la adoles cência, Kargieman, Buenos Aires, 1975. 12. Malan, D. H., A Study of Brief Psychotherapy, Tavistock, Londres, Charles Thomas, Springfield, Illinois, 1963 (Versão castelhana: La psicoterapia breve, Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1974). 13. Rey Ardid, R., Prólogo al tomo III de S. Freud, O.C., ob. cit. em 6, 1968. 14. Small, L., Psicoterapias breves, Granica, Buenos Aires, 1972. 15. Usandivaras, R. J. e outros, Coloquio Acta 1967: Psicoterapia bre ve, Actapsiq. psicol. Amér. Lat., vol. XIV, n° 2, Buenos Aires, junho de 1968. 16. Wolberg, L. e col., Psicoterapia breve, Gredos, Madri, 1968. 3. Fundamentos teóricos' Introdução Os problemas de teoria em terapias breves são numerosos e comprometem o seu reconhecimento dentro do panorama psico- terapêutico. Atualmente creio que podemos encontrar contribuições mui to valiosas ao tema, mas, se há pontos de coincidência entre os diversos autores no que concerne a uma teoria do processo, tam bém é certo que paralelamente ainda reina muita confusão entre os leitores, talvez provocada por uma verdadeira miscelânea de conceitos teóricos que nem sempre podem articular-se entre si. Como assinala Fiorini, falta uma estrutura unitária que suste esses procedimentos (13). E para sua obtenção que devemos diri gir nossos esforços. Gostaria de assinalar uma carência particularmente notória, que é a de uma concepção mais ou menos definida e aceita quanto aos mecanismos terapêuticos atuantes nessas terapias. Neste capítulo me proponho a discorrer sobre alguns temas cuja recolocação considero de importância decisiva dentro da ten tativa de configurar um marco conceituai para as psicoterapias de objetivos e tempo limitados. Além disso, procurarei, ao longo desta obra, expor o marco conceituai que venho adotando pes soalmente, e ao qual pretendo dotar da necessária coerência, atri buto - disso tenho consciência - nada fácil de alcançar. Meu pon- 16 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica to de partida, como o de muitos investigadores, são as teorias psi- canalíticas. Na verdade, não encontro motivos para prescindir de teorias tão valiosas como a do inconsciente, do conflito psíquico, da sobredeterminação, dos mecanismos defensivos, da gênese dos sonhos, das séries complementares, da estrutura do aparelho psí quico, da transferência, das resistências e de tantas outras que nos permitem compreender a problemática do paciente e do processo terapêutico2. Porém, o que realmente terá de ser modificado é a técnica, que por múltiplas razões não poderá continuar sendo a mesma que a empregada em psicanálise, devendo ajustar-se ao contexto próprio desses procedimentos. Incluo-me assim entre aqueles que propõem uma psicoterapia breve de orientação psica nalítica, mas entendendo que deve ser algo tecnicamente muito diferente de uma “psicanálise breve”. Pelos caminhos da psicanálise Minha concepção da terapêutica breve é fiel aos princípios básicos formulados por Freud num trabalho que adquire signifi cação especial dentro do tema que nos ocupa e que talvez não tenha sido suficientemente valorizado. Refiro-me à conferência pronunciada em Budapeste em 1918, e publicada um ano depois sob o título de “Os caminhos da terapia psicanalítica” (26). Já naquela época, Freud adiantou-se a fatos que sobreviriam poste riormente, entre os quais hoje podemos incluir o aparecimento dos tratamentos breves como uma tentativa de possibilitar a assis tência psicológica a um número maior de pessoas. Muitos dos pensamentos expressos naquela ocasião vigoram ainda hoje. Na parte final do trabalho, Freud assinala a necessidade de no futuro os psicanalistas adotarem medidas para estender o tratamento psi- coterapêutico a grandes massas da população. Reconhece que se tropeça em inconvenientes para consegui-lo, derivados de carac terísticas próprias do método psicanalítico, que limita a atenção a poucos indivíduos, e de fatores de ordem econômica. Dirigindo- se a seus colegas psicanalistas, Freud disse textualmente: “Qui sera examinar com os senhores uma situação que pertence ao futuroe que talvez lhes pareça fantástica. Mas, a meu ver, merece Fundamentos teóricos 17 que acostumemos a ela nosso pensamento. Sabem muito bem que nossa ação terapêutica é bastante restrita. Somos poucos, e cada um de nós não pode tratar mais do que um número limitado de doentes por ano, por maior que seja nossa capacidade de trabalho. Diante da magnitude da miséria neurótica de que padece o mundo e de que quiçá pudesse não padecer, nosso rendimento terapêutico é quantitativamente insignificante. Além disso, nossas condições de existência humana limitam nossa ação às classes abastadas da sociedade.” Mais adiante antecipa a criação de estabelecimentos assistenciais estatais, nos quais os psicanalistas tratem gratuita mente dos pacientes por meio da psicoterapia: “Por outro lado, é possível prever que algum dia chegará a vez de despertar a cons ciência da sociedade, e adverti-la de que os pobres têm tanto direito ao auxílio do psicoterapeuta como ao do cirurgião, e de que as neuroses ameaçam tão gravemente a saúde do povo como a tuberculose, não podendo ser seu tratamento tampouco abandona do à iniciativa individual. Criar-se-ão, então, instituições módicas para as quais serão designados analistas encarregados de conser var a resistência e o rendimento de homens que, abandonados a si mesmos, se entregariam à bebida, de mulheres prestes a sucumbir sob o peso das privações e de crianças cujo único porvir é a delin quência ou a neurose. O tratamento seria, naturalmente, gratuito.” Assinala logo a seguir a necessidade de se modificar, nessas cir cunstâncias, a técnica psicanalítica, o que me parece da maior importância, pois hoje em dia muitos analistas resistem a fazê-lo, mostrando-se “mais realistas que o rei” . “Caberá a nós, então, o trabalho de adaptar nossa técnica às novas condições” (o grifo é meu). Em seguida expõe, ao contrário do que alguns poderíam supor, seu ponto de vista a respeito do uso de diferentes recursos terapêuticos em tais casos, em lugar de preconizar, de modo ex clusivo, o método psicanalítico (o que endossaria o critério que hoje sustenta a multiplicidade de elementos terapêuticos nas tera pias breves, especialmente nas que ocorrem em instituições assis tenciais): “Na aplicação popular de nossos métodos talvez tenha mos de misturar ao ouro puro da análise o cobre da sugestão dire ta; também a influência hipnótica poderia aqui voltar a ter lugar como no tratamento das neuroses de guerra”3 ainda que, de ime diato, sublinhe que os componentes básicos de tais tratamentos 18 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica deverão provir da psicanálise (isso, como tudo o que disse ante riormente, também se converteu em realidade, já que atualmente se conta com a P.B. de orientação psicanalítica): “Mas, quaisquer que sejam a estrutura e a composição dessa psicoterapia para o povo, seus elementos mais importantes e eficazes continuarão sendo, desde já, os tomados da psicanálise propriamente dita, ri gorosa e livre de toda tendenciosidade” (o grifo é meu). A psicoterapia individual breve de orientação psicanalítica Ante a perspectiva de se adotar uma técnica breve de base psicanalítica, faz-se necessário, para definir melhor seus elemen tos principais, estabelecer uma comparação com nosso modelo original, o tratamento psicanalítico. Desse modo, tentarei clarifi car os pontos de contato entre os dois métodos terapêuticos e, muito especialmente, suas diferenças4. Dentro dos procedimentos breves, referir-me-ei, fundamentalmente, à técnica dirigida ao insight, sobre a qual podem apresentar-se mais dúvidas a respeito de suas relações com a técnica analítica, contrariamente ao que acontece com uma terapia essencialmente de apoio, cuja caracte rização é mais simples e mais conhecida. Juntando-me à iniciativa de alguns setores, como Bellak (6), Small (6), (48) e Malan (40) e com um propósito principalmente didático, considerarei três aspectos essenciais: 1) os fins terapêu ticos, 2) a temporalidade, 3) a técnica. Os fins terapêuticos A psicanálise reconhece como meta fundamental o tornar consciente o inconsciente. Mas a experiência clínica nos permite comprovar que essa finalidade traz, além disso, a perspectiva simultânea de uma reconstrução da estrutura da personalidade do analisando como resultado terapêutico talvez mais transcen dente. Essa reconstrução envolve a resolução de conflitos básicos e de seus derivados através da elaboração e do conseqüente ga nho de um maior bem-estar, com o qual se pretende eliminar ou aliviar os sintomas de modo franco e duradouro. Fundamentos teóricos 19 Na terapia de objetivos limitados, como o próprio nome indi ca, as metas são reduzidas e mais modestas que as do tratamento psicanalítico. A limitação dos objetivos terapêuticos é caracterís tica do procedimento de que nos ocupamos, e aparece em função das necessidades mais ou menos imediatas do indivíduo. Os obje tivos podem colocar-se em termos da superação dos sintomas e problemas atuais da realidade do paciente, o que implica, antes de tudo, o propósito de que este possa enfrentar mais adequadamente determinadas situações conflitivas e recuperar sua capacidade de autodesenvolvimento, de modo que na prática se ache em condi ções de adotar certas determinações quando isso se revele neces sário. Exemplo: uma jovem professora, com francas alterações de caráter, apresentava recentemente sintomas de depressão e dc conversão histérica (paralisia dos membros inferiores e des maios), ligados a situações conflitivas surgidas em sua relação com a diretoria de sua escola, tudo isso lhe ocasionando sérias dificuldades adaptativas no plano profissional. Fixaram-se os seguintes objetivos para uma terapia de curta duração: conseguir que a jovem obtivesse um alívio de seus sintomas e sobretudo que pudesse compreender e manejar melhor os conflitos subjacentes a seu problema atual a fim de poder reintegrar-se no trabalho e de senvolver-se mais saudavelmente em seu meio profissional. De preferência, e na medida do possível, a solução dos pro blemas imediatos e o alívio sintomático deverão, em um sentido psicodinâmico, corresponder à obtenção de um princípio de insight do paciente a respeito dos conflitos subjacentes (o que supõe que cm certa medida também nos propomos a tornar conscientes aspectos inconscientes, ainda que a meta central, em si, não seja a exploração do inconsciente como ocorre na psicanálise). Além disso, o trabalho pode ser encarado a partir do lugar do terapeuta e com uma visão dinâmica, como tendo o propósito de clarificar e resolver, ainda que de modo parcial, parte da patologia do pacien te. Malan fala precisamcntc em “elaborar brevemente um dado aspecto da psicopatologia” (40). No exemplo há pouco citado, isto consistia esscncialmente em conseguir que a paciente se conscientizasse parcialmente de aspectos do conflito básico rela cionado com a figura da mãe, diante da qual mantinha uma atitu de infantil de extrema submissão, que se alternava com tentativas 20 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica de rebelião, do que derivavam dificuldades em sua relação com representantes da autoridade materna, como sucedia com a direto ra. Segundo Malan, sua proposta oferecería a vantagem de nos permitir incluir expectativas de resultados terapêuticos maiores do que se concebéssemos as metas meramente circunscritas à re missão de um determinado sintoma ou à resolução de uma situa ção crítica (40). Assim, no tratamento da professora, por detrás do intento de resolver aspectos do conflito primário com a figura materna, poder-se-ia aspirar não só a obter a remissão ou a dimi nuição da intensidade dos sintomas atuais, além de conseguir que a jovem pudesse solucionar seus problemas de relação com a dire tora, mas também a conseguir mudanças favoráveis em suas rela ções patológicas com outras mulheres que representassem sua mãe (uma companheira mais velha, a dona da pensão, etc.), umamaior iniciativa e a superação de inibições, não só na área profis sional como também em outras (sexual, social, etc.). Considero então que toda formulação, nos termos correntes, de objetivos terapêuticos limitados, deve pressupor, no terapeuta, uma refor mulação de tais objetivos num sentido psicodinâmico que os abar que e que quase sempre haverá de transcendê-los em alguma me dida. Explica-se, assim, a aparição posterior de certas mudanças no paciente no que concerne a problemas em outras áreas de sua vida que, inclusive, não chegam a ser mais tratados de maneira explícita ou direta durante a terapia, mas que se acham ligados, de certo modo, às perturbações que tenham sido objeto de nossa abordagem terapêutica. Numa ordem de importância geralmente secundária, figu ram diversas formas de oferecer ajuda ao paciente no que se refere às situações perturbadoras, seja procurando aliviar sua ansiedade através de meios como por exemplo os psicofármacos, seja inter vindo diretamente nessas situações de sua realidade, como no caso da assistência social, etc. Ao aprofundar mais o tema dos objetivos terapêuticos, ve mos que estes, na realidade, não são tão limitados em uma terapia breve de predomínio interpretativo. Tal impressão aumenta assim que admitamos que tal terapia inclui a presença de outras metas, valiosas, implícitas e constantes, vinculadas às enunciadas até aqui e que podem ser concebidas em termos da recuperação da Fundamentos teóricos 21 auto-estima (6) e da aquisição de consciência da enfermidade. (Tratarei mais detidamente desses aspectos no capítulo 11.) A temporalidade Enquanto que num tratamento psicanalítico a duração não é determinada de antemão, prolongando-se durante anos, nas cha madas terapias breves é comum que a fixemos previamente, e que seja mais curta, em geral, de uns meses. Essas peculiaridades, das quais derivam as denominações talvez mais difundidas desses procedimentos (psicoterapias breves, psicoterapias de tempo li mitado, etc.), configuram um traço diferenciado muito destacado dos mesmos, ainda que, como já assinalei, não esteja presente necessariamente em todos os casos. Stekel, entre outros, apontou a incidência favorável que, no processo terapêutico, poderia ter a limitação temporal estabelecida de antemão, a qual estimularia o progresso da terapia (50)5. De ime diato, cabe assinalar que quando se fixa um prazo de encerramento, este cria invariavelmente uma situação bastante diferente na situa ção psicanalítica, influenciando de modo decisivo os diferentes aspectos do vínculo terapêutico, em especial a finalização do trata mento, tema que mais adiante analiso detidamente (ver os capítulos 8 e 9). Mas, acima de tudo, deve-se levar em conta que a limitação temporal confere à terapia uma estrutura mais definida em termos de “princípio, meio e fim” (43), introduzindo definitivamente na relação terapêutica um novo e necessário elemento de realidade, que esmorece no paciente a produção de fantasias regressivas oni potentes de união permanente com o terapeuta. Tais fantasias se desenvolvem e se manejam com mais facilidade no contexto do tra tamento psicanalítico do que no da terapia da qual nos ocupamos. A técnica O método breve pode ser tecnicamente diferenciado da psi canálise corrente. Pouco a pouco foi-se configurando uma teoria do tratamento que compreende uma atitude particular diante de 22 distintos fenômenos psicoterapêuticos - transferência, regressão, resistências, etc. - , enquanto se confirmam alguns princípios dinâmicos operativos, cuja validade é corroborada pela experiên cia clínica. Desenvolverei aqui os seguintes aspectos: - O trabalho com os conflitos. - Regressão. Dependência. Transferência. Neurose de trans ferência. - O problema da resistência. - Insight e elaboração. - Fortalecimento e ativação das funções egóicas. - Focalização. - Multiplicidade de recursos terapêuticos. - Planejamento. - Quadro comparativo entre algumas características teórico- técnicas da psicanálise e da psicoterapia breve de orienta ção psicanalítica. -Outros conceitos de especial aplicação em psicoterapia breve (situação-problema, foco, ponto de urgência e hipó tese psicodinâmica inicial). Psicoterapia breve de orientação psicanalítica O trabalho com os conflitos6 Podem-se estabelecer claras diferenças entre uma psicotera pia de objetivos limitados e um tratamento psicanalítico no que diz respeito à abordagem dos conflitos psíquicos do paciente. Recordemos, primeiramente, como se tratam os conflitos em psicanálise. A investigação psicanalítica demonstra-nos que as si tuações conflitivas atuais do indivíduo estão relacionadas a con flitos infantis, dos quais, em realidade, decorrem. São exemplos de conflitos derivados os que a professora antes mencionada apre sentava na sua relação com a diretora da escola, relação caracteri zada por uma marcada submissão a ela. ou os de uma mulher que obstinadamente rivaliza com sua sogra. Ambas as situações reme tem a um conflito infantil com a figura materna, transferida para as relações atuais. Fundamentos teóricos 23 Os conflitos infantis genéticos se produzem, como sabemos, em relação com os objetos primários do sujeito, sendo sua nature za edípica ou pré-edípica. Durante o tratamento analítico, o pa ciente revive tais conflitos (sobretudo no seio da relação transfe renciai com o terapeuta), que são analisados profundamente a fim de se conseguir sua resolução (e a de seus derivados) por meio do trabalho elaborativo (elaboração dos conflitos). Na P.B. orientada em direção ao insight há, como primeiro fator distintivo digno de nota, uma eleição dos conflitos (deriva dos) a serem tratados, que recairá nos que prevalecem por sua urgência e/ou, por sua importância, quer dizer, que subjazem ao problema atual, motivo do tratamento (ver “Focalização”, p. 37, e “O foco”, pp. 40 ss.)7. É habitual, além disso, que o trabalho tera pêutico se circunscreva, a priori, a encarar exclusivamente esses derivados do conflito primitivo infantil, sem se aprofundar mais nele, por princípios elementares de prudência, evitando-se que se produza uma excessiva mobilização afetiva e, sobretudo, que se favoreça no paciente a regressão. O terapeuta deverá centrar-se, de preferência, nos atuais fatores determinantes desses conflitos subjacentes focais; freqüentemente isso bastará para se obterem bons resultados terapêuticos e, principalmente, para serem alcan çados os objetivos propostos8. Mas também considero que em alguns tratamentos breves é necessário e possível confrontar o paciente com o conflito origi nal. Isso ocorre quando, seja no começo seja mais freqüentemente no transcurso do tratamento, tem-se a impressão de que de outro modo não se obterão maiores progressos no transcorrer deste, e/ou quando aspectos desse conflito básico se acham muito próxi mos à superfície psíquica do paciente. Em algumas ocasiões é o próprio paciente, se tem capacidade de insight, quem menciona o conflito infantil, relacionando-o com sua situação conflitiva. Em todas essas circunstâncias, o terapeuta pode empreender um tra balho interpretativo cauteloso de certos componentes do conflito básico, em especial dos que estejam imediatamente vinculados à problemática focal e que adquiram relevância para a finalidade de se alcançar a clarificação e a superação de tal problemática. Não se deverão abordar outros aspectos do conflito, já que não tem sentido abrir feridas de maneira indiscriminada na estrutura defen- 24 siva do paciente, pondo a descoberto conteúdos que, sem dúvida, não se terá oportunidade de analisar suficiente e convenientemen te nessa terapia. Freqüentemente colocar-se-á, para nós, o problema de saber até onde poderemos nos aprofundar, mediante interpretações, com vistas a nos aproximarmos das metas terapêuticas propostas, o que terá de ser avaliado em cada caso particular (ver pp. 101, 102 e 111 ss.). Trata-se de um ponto querequer tato e experiência por parte do terapeuta. Quando se trata de uma psicoterapia de breve duração, o terapeuta pode sentir-se pressionado pelo tempo, devendo evitar sobretudo cair em interpretações prematuras sobre os conflitos infantis. Já sabemos com quanta insistência Freud preveniu a respeito dos riscos de tal procedimento no tratamento psicanalí tico (24). Como se pode perceber a esta altura de minha exposição, em P.B., diferentemente do que ocorre na psicanálise, realiza-se uma tarefa interpretativa parcial dos conflitos do paciente, circunscrita àqueles que tenham sido escolhidos, os quais, por sua vez, são abordados de um modo também parcial, lncursione-se ou não na interpretação das raízes infantis da conflitiva focal, sempre se faz uma tentativa de solucionar interpretativamente os conflitos deri vados, ainda que esta não seja idêntica à que se possa obter atra vés da psicanálise. Trata-se de uma resolução parcial ou incom pleta ( 1), que consiste na produção de certas mudanças dinâmicas nos conflitos, muitas vezes suficientes para se obterem benefícios terapêuticos nada desdenháveis. (Quanto às prováveis modifica ções no estado dos conflitos, ver p. 53.) Psicoterapia breve de orientação psicanalítica Regressão. Dependência. Transferência. Neurose de transferência Os fenômenos regressivos, de dependência, transferenciais e neurótico-transferenciais acham-se intimamente relacionados no tratamento psicanalítico. Denominações tais como dependência regressiva ou neurose transferenciai regressiva refletem, em algu ma medida, essa correlação. Por isso farei referência a esses con- Fundamentos teóricos 25 ceitos de maneira conjunta, dentro de um mesmo subtítulo deste capítulo, numa tentativa de esclarecer as diferenças que nesses as pectos apresenta o tratamento breve de insight com relação à psi canálise. A regressão pode ser entendida como o processo pelo qual readquirem vigência estados ou modos de funcionamento psíqui co pertencentes a etapas anteriores do desenvolvimento do indiví duo. Na realidade, Freud ocupou-se do conceito de regressão em diferentes contextos a enfermidade mental, a transferência com o analista, os sonhos e a classificou em três tipos: tópica, tempo ral e formal (18) (25). Aqui vou referir-me em especial à regres são temporal na transferência com o terapeuta. No processo analítico trata-se de favorecer, por diferentes meios (posição deitada do paciente, associação livre, silêncio do analista, freqüência às sessões, etc.), uma regressão vivencial útil, a qual representa um meio essencial para se alcançar o objetivo terapêutico. A regressão é necessária para a revivescência dos conflitos originais infantis do analisando em sua relação com o analista (neurose de transferência) e sua conseqüente elaboração. Isso implica, além disso, que a regressão produzida gere um in cremento da dependência do analisando em relação ao analista, que costuma representar basicamente figuras parentais. Espera- se, é claro, que o processo regressivo se reverta ao longo do cami nho terapêutico, dando lugar a um crescimento psicológico paula tino, que tornará possível que o paciente assuma realmente uma conduta mais adulta na vida. Para compreender as diferentes peculiaridades ao vínculo terapêutico em terapias breves de insight, é preciso além disso levar em conta os conceitos de transferência e de neurose de transferência9. Laplanche e Pontalis descrevem a transferência como “o pro cesso em virtude do qual os desejos inconscientes se atualizam sobre certos objetos, dentro de um determinado tipo de relação estabelecida com eles, e, de um modo especial, dentro da relação analítica”. Acrescentam: “Trata-se de uma repetição de protótipos infantis, vivida com um marcado sentimento de atualidade” (38) (P- 459). 26 Psicoterapia breve de orientação psicanalitica Quanto à neurose transferenciai, diremos que é a reprodução da neurose infantil na relação com o analista. Pressupõe a reedi ção seletiva de determinadas situações e mecanismos infantis na relação terapêutica, ou seja, citando novamente Laplanche e Pon- talis (38), a neurose transferenciai consiste em uma “neurose arti ficial em que tendem a se organizar as manifestações de transfe rência” (p. 258). Esses autores estabelecem, com base nos escritos de Freud, a diferença entre as reações de transferência propria mente dita. Em relação a esta última expressam-se: “de um lado, coordena as relações de transferência a princípio difusas (‘trans ferência flutuante’, segundo Glover) e, de outro, permite ao con junto de sintomas e condutas patológicas do paciente adotar uma nova função ao referir-se à situação analítica” (p. 259). Mesmo assim, Freud faz referência à neurose transferenciai como a uma “massa de pautas culturais neuróticas estereotipadas, expostas na situação analítica” (15). (Os grifos são meus.) A transferência, inicialmente considerada por Freud como um obstáculo no tratamento psicanalítico, logo passou a ocupar, tanto para ele como para a maior parte dos psicanalistas, um papel de decisiva importância na cura (22), até converter-se sua análise na tarefa central. Deste fato se depreende que é conveniente per mitir - e inclusive promover - durante a terapia psicanalitica, o desenvolvimento da neurose transferenciai, cuja resolução, por meio da elaboração, será fundamental se aspira à cura do anali sando. E oportuno recordar aqui a definição que dá Rangel! da psicanálise como método terapêutico: “A psicanálise é um méto do de terapia pelo qual se estabelecem condições favoráveis para o desenvolvimento de uma neurose transferenciai, na qual o pas sado se restaura no presente com o propósito de, mediante um ata que interpretativo sistemático às resistências que se opõem a isso, obter uma resolução dessa neurose (transferenciai e infantil), com o fim de provocar mudanças estruturais no aparelho mental do paciente para que este seja capaz de uma adaptação ótima à vida” (grifos do autor). Rangell acrescenta que tais condições indispen sáveis distinguem qualitativamente a psicanálise de seus diversos derivados (46). Na psicoterapia breve de insight, em troca, não é conveniente favorecer o desenvolvimento da regressão nem de uma neurose Fundamentos teóricos 27 transferenciai. Os mecanismos terapêuticos não se sustentam, em geral, no desenvolvimento, na análise e na resolução da neurose transferenciai, dado que as condições do paciente e/ou do enqua dramento não são apropriadas para tais fins; por outro lado, como as metas terapêuticas não estão dirigidas para a reestruturação da personalidade nem para resolver conflitos básicos do indivíduo, mas sim para mitigar alguns sofrimentos atuais, não seria coeren te que o insight de aspectos da relação transferenciai neurótica, regressivo-dependente, continuasse sendo o recurso terapêutico fundamental nesse novo contexto; o que adquire importância agora é a busca de insight do paciente a respeito de situações con- flitivas atuais de sua vida cotidiana (que são as que habitualmente dão origem à consulta), razão pela qual o trabalho interpretativo recai mais em suas relações com os objetos de sua realidade exter na do que na relação com o terapeuta. Segundo Szpilka e Knobel, nesses procedimentos é preciso precaver-se de estimular tanto a regressão como a neurose de transferência (51) (37). Bellak e Small (6), do mesmo modo que Wolberg (54), entre outros, também aconselham que sc evite, den tro do possível, o desenvolvimento da neurose transferenciai. Seu desencadeamento, junto ao de uma regressão vivencial, pode con- siderar-se uma complicação (às vezes inevitável) nas psicotera- pias breves, já que, ao deixar truncada sua elaboração, tendo em vista as limitações inerentes a esses tratamentos, deixaria - iatro- genicamente - o paciente em um estado regressivo-dependente, expondo-o a diversas reações transferenciais nocivas em virtude da mobilização afetivaproduzida e, em particular, a dificuldades para aceitar sua separação com relação ao terapeuta, ante a pers pectiva de terminar sua terapia10. Por meio de diferentes recursos, aos quais mais adiante me referirei em detalhes (ver capítulo ò), deve-se procurar que o paciente não concentre muita libido na relação com o terapeuta. Se bem que os fenômenos transferenciais também ocorram, às vezes inexoravelmente, na psicoterapia breve, podemos esperar que a adoção de algumas medidas técnicas impeça que a transfe rência alcance demasiada intensidade e chegue a cobrir e a domi nar a situação terapêutica, configurando uma neurose de transfe- Psicoterapia breve de orientação psicanalítica28 rência11. A terapia deve sustentar-se no predomínio de uma trans ferência sublimada (6). A regressão só deveria ser permitida em pequeno grau, não indo além dos níveis requeridos para possibilitar a exploração e experiências iniciais de insight de situações conflitivas atuais. O tratamento, em lugar de fomentar a dependência do paciente, deve inclinar-se para a estimulação e o reforçamento de sua iniciativa pessoal, ou seja, de suas capacidades autônomas. Os critérios apresentados até aqui definem as características que terá de assumir a relação terapêutica em P.B. (ver capítulo 6, especialmente “A relação paciente-terapeuta no tratamento bre ve”, pp. 84 ss.). O problema da resistência12 No tratamento psicanalítico, chamamos resistência aos diversos obstáculos que o analisando opõe ao acesso ao seu pró prio inconsciente, isto é, ao trabalho terapêutico e à cura. Em 1925, Freud distinguiu e sistematizou cinco formas de resistência de um ponto dc vista estrutural, em seu trabalho “Ini bição, sintoma e angústia” (21). Três delas procedem do ego e são: as resistências da repressão, as da transferência e as do ganho secundário da doença. As outras são as resistências do id, também chamadas por Freud de resistências do inconsciente, e as resistên cias do superego13. A análise exaustiva das resistências constitui uma parte im prescindível de todo tratamento psicanalítico. O prolongamento deste deve-se, em grande parte, à necessidade de elaboração daquelas (27). Na terapia breve interpretativa, também surgem resistências no paciente, que podem ser consideradas, por acréscimo, como obstáculos que este interpõe ao avanço do processo psicoterapêu- tico especificamente do insight. Habitualmente, a análise das resistências em P.B. não apre senta, como se poderia supor, o mesmo caráter intensivo que em psicanálise. A limitação temporal, quando existe, é um dos moti vos para que isso ocorra, ainda que não o único; basicamente, a pró pria índole do procedimento não contempla fins tão ambiciosos. O tratamento das resistências que dependem dos mecanis mos defensivos do ego, em P.B., pode apresentar as seguintes características: a) algumas defesas são combatidas, quer dizer, analisadas; b) outras, em troca, são respeitadas ou ainda reforça das pelo trabalho terapêutico, de acordo com o que pareça indica do em cada caso, com base nas condições do paciente e do enqua dramento. Como exemplo do mencionado no item a, podemos citar a necessidade de trabalhar as defesas maníacas (negação, onipotência, etc.), perigosamente incrementadas, ou, o que é mais comum, ter de atacar parcialmente as barreiras repressivas de conteúdos inerentes ao sofrimento atual, além dos mecanismos de isolamento, intelectualização, projeção, etc. Pelo contrário, e a propósito do expresso no item b, com frequência optamos por não perturbar certos mecanismos defensivos caracterológicos, permi tindo ao paciente que os conserve, seja porque queremos evitar uma mobilização afetiva excessiva e difícil de manejar no trata mento, seja por tratar-se de defesas relativamente úteis, as quais - ainda que só ocasionalmente - poderia ser conveniente reforçar. O tema da resistência da transferência em P.B. também mere ce alguns comentários. Ao menos nas terapias desse tipo, tal resis tência não costuma ser muito intensa. Isso se deve ao seguinte: sabemos que esse tipo de resistência obedece em parte ao ressen timento despertado no paciente, por sentir-se frustrado em sua relação transferenciai com o terapeuta, razão pela qual Menninger propõe chamá-la de resistência de frustração ou de vingança (41). Na medida em que, em P.B., a relação terapêutica é menos frustrante para o paciente, já que existe um vínculo mais “real” e uma maior proximidade afetiva da parte do terapeuta, conseqüen- temente a hostilidade que desperta naquele pode ser menor do que a que o tratamento psicanalítico desperta; portanto, as resistências transferenciais também serão menores (35). Mas o terapeuta de verá lutar sempre para que se obtenha esse resultado, procurando fazer com que predomine uma transferência positiva. Quando es sas resistências se exacerbam, achamo-nos ante um dos motivos fundamentais, para cuja dissolução, a meu ver, se justifica o em prego de interpretações transferenciais no tratamento breve (ver capítulo 6, pp. 107 ss,). Fundamentos teóricos______________________ _____________ _ 30 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica “Insight ” e elaboração14 Entre os problemas ainda não resolvidos no terreno da psico terapia breve de base psicanalítica, acham-se os que concernem ao papel do insight e da elaboração e sua relação com as mudan ças que se obtêm nos pacientes. Começaremos por lembrar sucintamente os significados es senciais de ambos os termos. Com o insight queremos dizer, como L. Grinberg, “a aquisi ção do conhecimento da própria realidade psíquica” (31). Tal conhecimento pressupõe uma participação afetiva: não se trata simplesmente de compreender no sentido intelectual, mas tam bém de poder experimentar emocionalmente o contato com os aspectos inconscientes do mesmo. A elaboração ou trabalho elaborativo (working through) é um conceito de significado complexo e não suficientemente defi nido na bibliografia psicanalítica. Uma definição simples a des creve como “o processo pelo qual um paciente em análise desco bre, gradualmente, através de um lapso de tempo prolongado, as conotações totais de alguma interpretação ou insighf’ (47). (“Elaboração”, p. 49, grifos do autor.) E conhecida a importância do insight e da elaboração no tra tamento analítico. A finalidade das interpretações do analista, que são, por excelência, seu instrumento terapêutico, é promover o insight dos conflitos no paciente. E oportuno citar aqui Rycroft: “O objetivo do tratamento psicanalítico é definido, algumas ve zes, em termos da aquisição de insight, ainda que mesmo Freud nunca tenha utilizado essa formulação, preferindo a idéia de que seu objetivo é fazer consciente o inconsciente” (47). (“Insighf’, p. 68, grifos do autor.) Com relação a esse ponto, Grinberg diz: “Freud havia assinalado que o objetivo básico do analista é conhecer; por conseguinte, não deve estar preocupado com o objetivo terapêutico. Esse objetivo de conhecer, em realidade, não se contradiz com o objetivo terapêutico, sendo o insight o fator central, e a pré-condição de toda mudança duradoura na personalidade” (31). A elaboração, como trabalho de aprofundamento do pacien te, implicará que este assimile as interpretações corretas do ana- Fundamentos teóricos 31 lista, condição essencial para o êxito terapêutico (39). A respeito do princípio da elaboração, cabe lembrar: a) Requer dois fatores elementares: tempo (é por isso que a necessidade de elaboração constitui uma causa importante do prolongamento do tratamento psicanalítico) e trabalho (o labor analítico) (27). Do último se depreende que tem lugar no paciente fundamentalmente na presença do analista e com a participação deste. b) Em seu desenvolvimento intervém a regressão do anali sando (31). c) Inclui a tarefa de superar as resistências e a análise exaus tiva dos conflitos, na qual tem especial importância o que trans corre dentro dos limitesda neurose transferenciai (27). Na terapia breve de orientação psicanalítica, a concepção da existência de insight e de elaboração apresenta numerosos pontos obscuros. Sendo assim, é válido falar-se em insight nesses tratamen tos? Creio que sim, ainda que com certas ressalvas, como vere mos em seguida. Propiciar ao paciente a aquisição de insight por meio de in terpretações - especialmente dos psicodinamismos relacionados com o transtorno atual, motivo do tratamento deve constituir, a meu ver, nosso principal propósito na terapia dinâmica breve, sempre que as condições psíquicas do paciente o permitirem. Es sa atitude terapêutica nos permitirá abrigar maiores esperanças de conseguir um progresso mais sólido e estável no paciente, ao aumentar sua capacidade egóica para enfrentar e resolver as situa ções conflitivas. A busca de insight no tratamento breve é preco nizada por numerosos autores, entre eles, Bellak e Small, os quais assinalam, clara e repetidamente, seu valor, em diferentes passa gens de sua obra (6). Mas a técnica breve requer restrições pecu liares para o insight do paciente, que é necessário consignar: - Com respeito à sua extensão entendo que em geral dadas as limitações do enquadramento - e sobretudo quando se trata de uma terapia de curta duração - só nos resta a alternativa de pro porcionar o que poderiamos considerar como experiências ini ciais de “insight”, um autoconhecimento limitado às dificuldades habitualmente contidas no foco terapêutico (mas que tampouco 32 Psicoterapia breve de orientaçãopsicanalítica pode dar conta de todos os aspectos do conflito subjacente ao pro blema vital focal, mas, unicamente, dos mais próximos e aces síveis à compreensão psicológica do paciente dentro desse enqua dramento). Isso poderá servir, ser suficiente - ou não - para os pa cientes, para obter mudanças dinâmicas favoráveis, pôr em mar cha um processo progressivo que continue ainda depois de finali zado o tratamento e estimular sua auto-observação e motivação para as experiências psicoterapêuticas de índole interpretativa. Em suma, numa terapia de objetivos - e, eventualmente, de tempo - limitados, também o insight estará naturalmente limitado em sua extensão, diferentemente daquele mais amplo, decorrente de um tratamento intensivo e prolongado como o psicanalítico; trata- se de uma verdade óbvia, mas que é necessário ter presente para estudar tudo aquilo que se relacione com mecanismos terapêuti cos e grau de eficácia dos procedimentos breves. - Quanto ao tipo e profundidade, cabe assinalar que enquanto o insight psicanalítico tem lugar em meio a uma atmosfera regres siva que o favorece, dependendo principalmente da atividade inter pretativa a respeito das diversas reações próprias da neurose de transferência, em P.B. a busca de insight está dirigida, com mais freqüência, para as relações do sujeito com os objetos externos de sua vida cotidiana e presente, ainda que não despreze os fenôme nos transferenciais mais notórios, que trabalham como obstáculo (resistências transferenciais), e/ou ilustram a problemática do paciente, como se verá mais adiante (pp. 106 s.). Mais abrangente, o insight psicanalítico também o é na medida em que oferece maiores possibilidades de alcance de situações infantis reprimidas que serão revividas na situação transferenciai, permitindo, em sín tese, uma conexão mais completa do que sucede no mundo externo extra-analítico e na relação transferenciai analítica do paciente com sua vida passada. São tipos e graus de profundidade diferen tes de insight, mas nem por isso devem ser-lhes negadas totalmen te a validade e a eficácia que se obtêm no tratamento breve. (“Não se pode sustentar, com tanta ênfase, que o insight através da trans ferência seja o único tipo de insight que sirva para a organização e reintegração do ego”, afirma Karno [36].) Todavia, é possível estabelecer outra diferença com o insight do tratamento psicanalítico, que remete à natureza mesma do Fundamentos teóricos 33 fenômeno de compreensão psicológica no paciente, e também obedece à necessidade de controlar a intensidade dos fenômenos regressivos e transferenciais: Szpilka e Knobel sugerem que em terapias breves o insight possua uma “maior participação cogniti va que afetiva” (51), levando o paciente, como medida prudente e mediante um determinado estilo interpretativo (ver pp. 110 ss.) na relação transferenciai, antes à compreensão que à revivescência das situações infantis determinantes de seu problema atual (51). Expressa dessa maneira, essa proposição corre o risco de ser dis torcida. Entendo que não implica, como alguns poderíam supor, um mero insight intelectual (que configuraria uma nova forma de resistência), pois não deixa de ter certa ressonância afetiva. Mas a diferença entre o insight psicanalítico, que é mais pleno e vivido, em suma, dotado de uma maior e às vezes diferente repercussão emocional, e o insight do tratamento breve tem de ser, nesse senti do, um fenômeno na medida do possível mais controlado pela ati vidade terapêutica, em especial se explora circunstancialmente aspectos da transferência com o terapeuta correspondentes ao infantil-genético. (Será menos necessário controlá-lo se atender aos componentes mais atuais da transferência com o terapeuta ou com outros objetos da realidade externa do paciente.) Examinemos agora o problema da elaboração na terapia dinâmica breve, cuja bibliografia, como se podería supor, é suma mente escassa. Bellak e Small citam, como princípios gerais da “psicoterapia rápida”, a comunicação, o insight (do terapeuta e do paciente) e a elaboração (6). Como não se estimula o desenvolvimento da regressão nem o da neurose transferenciai, e não se realiza uma análise intensiva desta nem das resistências, considero que em P.B. não podemos falar em elaboração no mesmo sentido que em psicanálise. Em todo caso, o trabalho de elaboração real será escasso, principal- mente se existe limitação de tempo. Este, como vimos, é um fator fundamental para que a elaboração tenha lugar15. Estaríamos, então, diante de um dos pontos mais discutíveis no que diz respei to à validade terapêutica desses procedimentos. Sem dúvida, é possível conceber um processo qualitativamente distinto do pro cesso de elaboração analítica, sem a profunda reestruturação meta psicológica que ela implica e basicamente circunscrito à conflitiva 34 Psicoterapia breve de orientação psicanalítica focal. Um processo imperfeito e incompleto, mas enfim de mu dança, que em circunstâncias em que o tratamento esteja limitado em sua duração, também o estará, mas que em alguns pacientes, com capacidades egóicas suficientes, poderá talvez ainda conti nuar, depois de concluído o tratamento breve. Nesse último caso seria uma espécie de “auto-elaboração”, a qual se teria iniciado, a princípio, com o trabalho terapêutico, para seguir um caminho pro gressivo até a consolidação dos resultados16. Os mecanismos ínti mos desse fenômeno, que apresentaria, talvez, grande importância terapêutica em alguns casos, ficam difíceis de precisar no momen to17. Talvez as modificações significativas que às vezes se eviden ciam, inclusive na estrutura de personalidade de pacientes tratados com o procedimento breve, em testes projetivos efetuados anos depois de finalizado o tratamento (32), se relacionem a mecanis mos desse tipo. Mais adiante, considerando os resultados e meca nismos terapêuticos, retornaremos à discussão desses fatos. Finalmente, cabe acrescentar que numa terapia de objetivos e tempo limitados talvez seja necessário concluir que o insight e a elaboração terão de ser em boa parte estimulados, quer dizer, faci litados e agilizados mediante o papel ativo do terapeuta, dadas as condições de focalização e de curta duração do tratamento. Fortalecimento e ativação das funções egóicas Considero que a aquisição de insight por parte do paciente, através de interpretações do terapeuta,
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